Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B2885
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: OLIVEIRA BARROS
Descritores: EMPRESA CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO PÚBLICO
AUTO-ESTRADA
CONTRATO A FAVOR DE TERCEIRO
ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE EXTRA CONTRATUAL
BRISA
Nº do Documento: SJ200410140028857
Data do Acordão: 10/14/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 113/04
Data: 02/26/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I - Exercendo actividade pública de que a Administração é titular, as empresas privadas concessionárias de bens públicos substituem a Administração nas relações com o público e actuam como se fossem entidades públicas.
II - O pagamento de uma - taxa de portagem "pelos utentes da auto-estrada representa a cobrança de uma receita coactiva, de um financiamento público, e não a satisfação, por parte do utilizador dessa via, de uma obrigação assumida no âmbito de um contrato sinalagmático, cuja contraprestação do Estado, transferida, por concessão, para a Brisa, seria a possibilidade de circulação na via referida, com condições de segurança e níveis de fiscalização mais elevados em comparação com as demais estradas.
III - A figura dos contratos com eficácia de protecção de terceiros surgiu no direito alemão com a finalidade de ultrapassar limitações, nesse ordenamento, do regime da responsabilidade extracontratual que não se verificam no nosso sistema jurídico.
IV- Estranhos ao contrato de concessão, os utentes da via não podem exigir da Brisa o cumprimento das obrigações assumidas naquele contrato, nomeadamente a obrigação de - assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas", conforme Base XXXVI, nº2 do Anexo ao DL 294/97, que, na expressão do nº1 do art.483º C. Civ., constitui uma - disposição legal destinada a proteger interesses alheios -.
V - A responsabilidade da Brisa perante os utentes das auto-estradas cuja exploração lhe foi concedida é de natureza extracontratual, regulada no art.483º ss C.Civ.
VI - A presunção instituída no art.493º, nº1º, reporta-se apenas a danos causados pelo imóvel e não no imóvel.
VII - O aparecimento de um animal na auto-estrada e a existência de abertura na vedação da mesma perto do local onde ele se encontrava constituem anomalia que justifica a presunção - simples, natural, judicial ou hominis - de que na sua construção ou manutenção não foi observado o cuidado devido.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


Em 17/9/2001, A moveu à B, e à Companhia de Seguros C, acção declarativa com processo comum na forma ordinária, tendo em vista obter a condenação solidária das demandadas a pagar-lhe indemnização no montante de 4.187.500$00, com juros, à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento, e a liquidar em execução de sentença no respeitante ao período decorrente desde a data da apresentação da petição inicial em juízo até substituição do veículo.

Alegou para tanto, em síntese, que em 15/9/2000, ao Km 34,450 da auto-estrada A4, quando conduzia o automóvel de matrícula HF, de que é proprietário, no sentido Amarante - Porto, surgiu-lhe, a correr, vindo da direita, atento o seu sentido de marcha, um animal de raça canina de que só se apercebeu quando este se encontrava a 2 metros do veículo, pelo que não teve tempo de evitar o embate.

Em consequência, não conseguiu controlar a marcha da viatura, que entrou em despiste e capotou diversas vezes até se imobilizar na berma direita da auto-estrada.

Este acidente teve como consequência a total destruição do veículo do A., no valor de 2.100.000 $00, valendo os salvados 100.000$00, e o A. ficou privado desse veículo desde o dia do acidente, situação que se mantém, passando, além do mais, a despender 500$00 diários nas suas deslocações de e para o emprego.

Na tese do demandante, estabeleceu-se entre ele e a B um contrato inominado tendo por objecto a utilização de auto-estrada de que resultou para o utilizador a obrigação de pagar a portagem e para a B a de permitir que aquele aceda à circulação nessa via com comodidade e segurança.

Nessa tese, o aparecimento do canídeo é da responsabilidade da B, visto que só se encontrava naquele local da auto-estrada porque as infra-estruturas destinadas a impedir a entrada de animais nessa via estavam deterioradas e com vários buracos.

A responsabilidade da 2ª Ré (seguradora) resulta do facto de a 1ª Ré ter a sua responsabilidade civil transferida para ela por contrato de seguro titulado pela apólice nº 87/38.299.

Distribuída ao 1º Juízo Cível da comarca de Paredes, esta acção foi contestada (e houve réplica, que, no entanto, foi, em deferimento de reclamação, mandada desentranhar).

Depois proferido saneador tabelar, indicada a matéria de facto assente e organizada a base instrutória, veio, após julgamento, a ser proferida sentença do Círculo Judicial de Paredes com data de 14/7/2003 que julgou a acção improcedente, com a consequente absolvição das Rés do pedido.

O recurso de apelação que o A. interpôs dessa decisão foi, por maioria, julgado procedente.

Assim, por acórdão de 26/2/2004, que foi publicado na CJ, XXIX. 1º, 189 ss, a Relação do Porto revogou a sentença apelada, e condenou as Rés a pagar ao A., com os juros pedidos, a quantia de € 13.168,26 e as que se liquidarem em execução de sentença em relação aos danos cujos montantes não se apuraram.

É dessa decisão que vem, pelas assim vencidas, pedida revista.

Em fecho da alegação respectiva, a Ré B deduz as conclusões seguintes:
1ª - A responsabilidade contratual não é aplicável ao caso dos autos, pois:

a) - não se celebrou nenhum contrato entre a B e o utente;

b) - o pagamento da portagem não reflecte a existência de qualquer contrato, quer porque a portagem é uma taxa paga em contrapartida da prestação de um serviço público, quer porque há troços na auto-estrada em que não há lugar ao pagamento de portagem;

c) - o único contrato que existe é o celebrado entre o Estado e o concessionário, a que o utente é alheio, não podendo, sequer, exigir o seu cumprimento.

2ª - Também não se aplica o disposto no nº1º do art.493º C.Civ., desde logo porque, a considerar-se a auto-estrada uma coisa, não existe, no caso dos autos, qualquer defeito da própria auto-estrada, não se aplicando a presunção de que houve violação do dever de mantê-la em condições de segurança.

3ª - Tem sido entendimento quase unânime da jurisprudência que a responsabilidade da B, no caso de acidentes de viação ocorridos em auto-estradas concessionadas de que resultem danos indemnizáveis deve situar-se no âmbito da responsabilidade extracontratual subjectiva e na verificação cumulativa dos pressupostos em que (esta) assenta, tal como dispõe o nº1º do art.483º C. Civ.

4ª - Não se verificaram no caso dos autos todos os pressupostos, designadamente a culpa da B.

5ª - Por outro lado, não foi alegado, nem provado, por onde e como apareceu o animal na via.

6ª - Acresce que as vedações servem apenas para delimitar a propriedade, não servindo para impedir a entrada ou passagem de animais para as vias, tal como decorre da leitura do diploma que regula o contrato de concessão.

As conclusões deduzidas pela Companhia de Seguros C, são, por sua vez, como se segue:

1ª - O contrato que atribui à B a concessão das auto-estradas limita-se a regular as relações entre concedente e concessionária, não conferindo aos particulares, que não são parte no contrato, o direito a demandar a B invocando a responsabilidade contratual desta.

2ª - Assim, a eventual responsabilidade da concessionária da auto-estrada por danos sofridos pelos utentes em consequência de acidente de viação traduz-se numa responsabilidade extracontratual.

3ª - A existência dessa responsabilidade depende da verificação em concreto dos pressupostos gerais mencionados no art.483º C.Civ., ou seja, o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano, e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

4ª - Em face da carência de factos dados como provados, falecem pelo menos dois desses pressupostos - a culpa e o nexo de causalidade - e, nessa medida, o acidente dos autos não pode ser imputado à B a título de culpa.

5ª - Nos termos do art.483º, nº2º, C.Civ., só existe a obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.

6ª e 7ª - Porque não existe qualquer disposição legal que imponha responsabilidade objectiva à B, esta acção tinha forçosamente de ser julgada improcedente.

8ª - O acórdão em crise fez interpretação e aplicação incorrecta dos arts.342º, 483º, 487º, 798º e 799º C.Civ.

Houve contra-alegações, e, corridos os vistos legais, cumpre decidir.

Convenientemente ordenada (1) a matéria de facto fixada pelas instâncias é como segue (indicando-se entre parênteses as correspondentes alíneas e quesitos):

- Em 15/9/2000, pelas 15 horas, o A. conduzia o veículo de marca Ford, modelo Escort, com a matrícula HF, sua propriedade, pela auto-estrada A 4, no sentido Amarante/Porto, cerca do km 34,450 ( A ).

- Para passar a circular naquela via, o A. retirou um talão que lhe permitiria pagar a utilização que fez daquela auto-estrada, caso tivesse terminado a viagem iniciada ( B ).

- Naquele local, a faixa de rodagem comporta duas vias de trânsito, no sentido Amarante/Porto(7º).

- No local e hora referidos, o A. circulava a uma velocidade de 110/115 Km/hora ( 1º).

- Acabava de terminar a ultrapassagem de um veículo pesado de mercadorias, pela via de trânsito mais à esquerda da auto-estrada referida, atento o seu sentido de marcha, e aprontava-se para regressar à via de trânsito mais à direita (2º).

- Nesse momento surge-lhe, a correr, um canídeo de porte médio (3º e 6º).

- O A. só se apercebeu do canídeo quando ele se encontrava cerca do veículo, que embateu no canídeo (5º e 8º).

- Face ao embate, o A. não conseguiu controlar o veículo e entrou em despiste (9º).

- O veículo do A. capotou por diversas vezes até se imobilizar na berma do lado direito da auto-estrada (10º).

- Na data e próximo do local descritos, a vedação da auto-estrada apresentava, numa parte, uma abertura ( 11º).

- As vedações, em arame farpado, foram construídas de acordo com as normas técnicas e de acordo com o projecto aprovado pela ex-Junta Autónoma de Estradas ( 12º).

- A Ré B procede a patrulhamentos regulares e constantes das auto-estradas da concessão, 24 sobre 24 horas ( 13º).

- Também a GNR-BT procede a tais patrulhamentos, 24 horas sobre 24 horas (14º).

- Nos patrulhamentos efectuados antes da ocorrência descrita nada foi detectado que pusesse em causa a normal circulação automóvel, designadamente qualquer deficiência na vedação (15º).

- Em consequência dos factos descritos, ficaram danificadas partes estruturantes do veículo do A., o que levaria a que qualquer reparação nunca o colocaria em condições de total segurança (16º e 17º).

- Na altura do acidente, esse veículo tinha 80.000 quilómetros e era um carro com cerca de 4 anos de idade, valendo naquela data 2.100.000$00 ( 18º e 19º).

- O A. ficou privado do veículo aludido desde 15/9/2000, situação que ainda se mantém nesta data ( 21º e 22º).

- Utilizava-o duas vezes por dia, 6 dias por semana, para se deslocar de casa para o emprego, no restaurante Bom Pastor, sito na cidade do Porto, sendo tal distância de 15 km ( 23º e 24º).

- Passou a ter que se deslocar para o seu local de trabalho recorrendo a outros meios de transporte, passando, com tal facto, a ter despesas não concretamente apuradas (25º e 26º)..

- Deixou de poder dar os passeios que habitualmente dava com a mulher, bem como de se deslocar a casa de amigos, o que fazia com assiduidade à noite e aos fins de semana (26º-A ).

- Um veículo com as características do referido custaria por dia, em caso de aluguer, a quantia de 5.000$00 ( 27º).

- O A. tem uma propriedade agrícola em Cinfães do Douro, perto do Marco de Canaveses, onde cultivava produtos agrícolas como batatas, couves, tomates e salsa, que o mesmo e família utilizavam posteriormente na sua vida quotidiana (28º).

- Esses produtos representavam, mensalmente, uma determinada quantia não concretamente apurada no orçamento familiar do A. ( 29º).

- Essa quantia teve que passar a ser efectivamente despendida pelo mesmo para poder comprar os produtos em apreço, uma vez que, como cultivava, tratava e colhia esses produtos ao fim de semana, a partir do momento em que deixou de poder utilizar o seu veículo para se deslocar à propriedade referida, deixou de poder exercer essas actividades ( 30º).

- A Ré B tem a sua responsabilidade civil transferida para a Ré Fidelidade, por contrato de seguro titulado pela apólice nº 87/38.299, com as condições gerais e particulares constantes do documento junto a fls.41 a 56 (C ).

Os preceitos citados ao diante sem outra indicação são do C.Civ.

Entendido por responsabilidade civil a obrigação imposta a alguém de reparar os danos sofridos por outrem, discute-se, em suma, se a responsabilidade da Ré B perante os utilizadores das auto-estradas tem natureza contratual, isto é, se se trata de responsabilidade contratual (bem assim dita negocial ou obrigacional, resultante da falta de cumprimento de uma obrigação emergente dum contrato), em que vale o disposto nos arts.798º ss, ou extracontratual, também dita delitual ou aquiliana, por sua vez regulada nos arts.483º ss (e que dispensa a existência de qualquer relação entre o causador do dano e aquele que o sofre).

Ambas essas espécies de responsabilidade têm o efeito previsto no art.562º (obrigação de reparação nos termos aí estabelecidos) e em ambas também a culpa é apreciada nos termos determinados para a responsabilidade de civil extracontratual no art.487º, nº2 (uso da diligência própria de um bom pai de família), para que remete o art.799º, nº2, relativo à responsabilidade contratual.

Enquanto, porém, na responsabilidade extracontratual é ao lesado (credor da indemnização) que, salvo se beneficiar de presunção legal, cabe provar a culpa do autor da lesão (art.487º, nº1), na responsabilidade contratual, o ónus da prova da culpa recai sobre o devedor, conforme arts.344º, nº1º, 350º, e 799º, nº1.

Destarte essencialmente em causa a distribuição do ónus da prova, a jurisprudência tem predominantemente considerado que a responsabilidade da B perante os utentes das auto-estradas cuja exploração lhe foi concedida é de natureza extracontratual, regulada no art.483º ss C.Civ - v., deste Tribunal, acórdãos de 28/3/95, CJSTJ, III, 1º, 145, 12/11/96, BMJ 461/411, e 21/6/2001, CJ STJ, IX, 2º, 127, e o de 25/3/2004, no Proc.nº559/04-6ª (2).
Pronunciaram-se em contrário acórdão desta Secção de 17/1/2000, CJSTJ, VIII, 1º, 107, o Prof. Sinde Monteiro na RLJ, 131º/41 ss, 132º/29 ss, e 133º/27 ss, e, na sua esteira, Armando Triunfante, em estudo intitulado - Responsabilidade civil das concessionárias das auto-estradas -, publicado na revista - Direito e Justiça -, vol.XV (2001), Tomo I, 45 ss, que consideram aplicável no caso dos autos, mormente no que respeita à repartição do ónus da prova, o regime da responsabilidade contratual.

Essa tese tem vindo a encontrar eco em arestos mais recentes das Relações, convergentes no sentido da existência de um contrato atípico ou inominado de utilização de auto-estrada, estabelecido ao abrigo dos arts.217º, nº1º, 234º, e 406º, nº1.

Em 22 de Junho último foi proferido acórdão nesse mesmo sentido no Proc.nº1299/04 da 6ª Secção deste Tribunal.

O acórdão sob recurso defende a verificação de responsabilidade contratual, com apoio também em ARC de 8/5/2001, CJ, XXVI, 3º, 9 (3).
O voto do vencido invoca, entre outros, ARP de 18/5/2000, CJ, XXV, 3º, 185 e os aí citados.

Nas conclusões 1ª, 3ª, 4ª e 5ª da alegação da B e 1ª a 4ª da alegação da seguradora por igual recorrente contem-se o essencial dos considerandos da sentença apelada, que se resumem assim:

A denominada portagem é uma taxa - bem que cobrada pela concessionária, receita coactiva de financiamento público, como tal dita com rigor - taxa de portagem - no diploma que regulava a concessão (cfr. Bases XV e XVI do Anexo ao DL 294/97, de 24/10).

Inexiste, consequentemente, qualquer relação negocial entre a B e os utentes da auto-estrada, formada nos termos que os arts.217º, nº1º, 234º, e 406º, nº1º, facultam (4).

Passa-se a seguir com maior detalhe o discurso daquela sentença, considerando os seguintes pontos tos. pois são essas as questões suscitadas nas alegações das recorrentes:

- natureza da responsabilidade da B face aos utilizadores da auto-estrada ;

- existência de contrato com eficácia de protecção de terceiros;

- aplicabilidade, ou não, no caso do disposto no art.493º, nº1;

- a prova da culpa no caso de tratar-se de responsabilidade extracontratual.

Como observado no nº12 do relatório preambular do DL 321-B/90, de 15/10 (diploma que aprovou o Regime do Arrendamento Urbano ), - o direito é um todo - ( sic ). Assim, perante qualquer problema a resolver, - todo o Direito é chamado a depor. Por isso, há que lidar com os diversos ramos do Direito em termos articulados ( ... ) - (5).
Daí, por certo, que (6) a sentença apelada tenha começado por notar que as auto-estradas são, como todas as outras estradas, bens do domínio público, conforme art.84º, nº1º, al.d), da Constituição (v. também Base IV, nºs 1º e 2º, do Anexo ao DL 294/97, de 24/10). São, por isso, insusceptíveis, consoante nº 2 do art.202º C.Civ., de constituir objecto de direitos (subjectivos) privados, sendo, com ressalva apenas das restrições impostas por lei, livre a circulação nas mesmas - cfr.art.3º, nº1º, CE (7). Destinadas enquanto tal à prossecução do interesse público, essa finalidade não é afectada pelo facto de a B gerir temporariamente a construção, conservação e exploração de determinadas auto-estradas, cobrando portagem. O serviço público assim assegurado não perde a sua natureza pelo facto de ser gerido por uma entidade privada (8).

Observa, mais, a sobredita sentença, que o Estado pode recorrer a dois sistemas diferentes de administração: por régie directa, exercendo a actividade directamente pelos seus próprios meios, ou por concessão (no caso, de obras públicas), forma de gestão indirecta de serviços públicos em que
o exercício da actividade em questão é delegado numa empresa privada (9).

Este último sistema tem sido escolhido, entre nós, para a construção, conservação e exploração de auto-estradas, principalmente porque o Estado reconhece necessitar, nesse âmbito, da utilização de recursos, da técnica e da produtividade da iniciativa privada, em beneficio da realização do interesse público (10).
Como ainda então notado, o serviço das estradas vem, assim, a ser, sob o ponto de vista técnico, semi-público, satisfazendo, simultaneamente, necessidades colectivas e individuais. Inteiramente público, na sua maior parte, do ponto de vista financeiro, a cobrança de uma taxa de utilização da estrada constitui excepção, representando exigência que só se compreende como processo de repartição pelos utentes do custo de construção e conservação da mesma (11).

Deverá, pois, entender-se que o pagamento de uma - taxa de portagem " pelos utentes da auto-estrada representa a cobrança de uma receita coactiva, de um financiamento público, e não a satisfação, por parte do utilizador dessa via, de uma obrigação assumida no âmbito de um contrato sinalagmático, cuja contraprestação do Estado, transferida, por concessão, para a B, seria a possibilidade de circulação na referida via, com condições de segurança e níveis de fiscalização mais elevados em comparação com as demais estradas (12).
A esta luz, não se vê bem como possa considerar-se configurada uma - proposta genérica da concessionária B -, nem, assim, a existência de um vínculo de direito privado entre ela e o utente da via, mais concretamente, de um contrato inominado e utilização da mesma pelo qual aquele, contra o pagamento da taxa-portagem, adquira o direito à prestação, a cargo da B, de circular pela auto-estrada em condições de comodidade e segurança (13).

O facto de o quantitativo da taxa, pré-fixado, não estar sujeito a negociação e de o utente não poder exercer nenhuma influência prática na modelação do conteúdo do negócio favorece, é certo, a aproximação entre o pagamento da taxa de portagem e os contratos de adesão. A similitude é propiciada ainda por, como nesses contratos, poder mesmo faltar uma percepção exacta da disciplina global do negócio por parte dos aderentes.

Em certas situações, porém, como é o caso das SCUTs - auto-estradas sem portagem, isto é, sem custos de utilização para os utentes (14) -, ou de isenção de que estes sejam titulares, as obrigações da concessionária mantêm-se apesar de o regime da portagem não ter aplicação, o que não sucede no âmbito dos contratos de adesão.

Bem assim, para além de na relação concessionária-utente não haver liberdade de estipulação, acaba por nem bem ocorrer sequer a essencial - sobretudo naquele tipo ou espécie de contratos - liberdade de contratar, tanto para a concessionária, que não pode excluir condutor algum, como, na prática, para o próprio particular, sujeito ao pagamento de uma taxa de trânsito quanto tem necessidade imperiosa de utilizar estrada em que essa taxa é exigida (15).

Também, pois, por este caminho resulta inviável fundar a responsabilidade da B perante terceiros numa relação negocial.

A sentença apelada afastou a natureza contratual, nessa óptica ainda, da relação entre os utentes da auto-estrada e a concessionária (16); e, - salvo sempre o respeito devido à tese contrária, que prevaleceu no acórdão sob revista -, terá, nessa parte, julgado bem.

No que toca à natureza da responsabilidade da B, está-se, pois, em acompanhar a posição assumida pela 1ª instância. (17).

Exercendo actividade pública de que a Administração é titular, as empresas privadas concessionárias de bens públicos substituem a Administração nas relações com o público e - actuam como se fossem entidades públicas - (18).

Na análise do problema sub judicio, não deverá, pois, desvalorizar-se a sua incontornável matriz publicística, deixada referida, a que se afigura não poder sobrepor-se uma perspectiva, dimensão ou vertente privatística, de rejeitar não apenas em termos de pura lógica sistemática, mas também do ponto de vista da, em último termo, necessária prevalência, neste âmbito, do interesse geral sobre o particular: dando, como assim, por razoável ser ao direito público que terá de conferir-se não apenas a primeira, mas porventura também a última palavra nesta matéria.

O contrato de concessão da construção, conservação e exploração da auto-estrada em causa regula-se pelo Anexo ao DL 264/97, de 24/10, em vigor desde o dia imediato à sua publicação (art.7º), prolongando-se a concessão até 31/12/2030 (Base XL).

Nos termos do preâmbulo daquele DL (penúltimo parágrafo), - as bases anexas ao presente diploma consubstanciam o resultado da negociação mantida com a concessionária. O carácter contratual da concessão não é prejudicado pela integração no presente diploma das bases anexas, cuja necessidade resulta da circunstância de algumas dessas bases apresentarem eficácia externa relativamente às partes no contrato -.

Assim, embora o contrato de concessão tenha como partes contratantes o Estado, concedente, e a B, concessionária, algumas das bases que o regulam não são simples cláusulas contratuais que obriguem, apenas, os contratantes: têm carácter normativo e, por isso, eficácia externa relativamente às partes no contrato, tendo sido por essa razão que foram integradas no DL de que, consoante seu art.1º, fazem parte.

Face à relação trilateral que se estabelece entre o cedente, a concessionária e os utentes, tem, nessa base, sido defendida a aplicação de uma figura intermédia entre a responsabilidade contratual e a responsabilidade extracontratual considerada a coberto do art.486º, que são os denomina - dos contratos com eficácia de protecção de terceiros, negócios jurídicos nos quais o dever de cumprimento pontual da prestação perante o credor protege interesses tuteláveis de um terceiro estranho à relação contratual, ao qual, porém, não é facultado o direito de exigir essa prestação (19).

A figura dos contratos com eficácia de protecção de terceiros surgiu no direito alemão com a finalidade de ultrapassar limitações, nesse ordenamento, da responsabilidade extracontratual.

Nessa base, o terceiro, inserido no âmbito de protecção do contrato, teria direito à mesma tutela atribuída ao credor da prestação, aplicando-se, no que respeita ao ónus da prova, as regras da responsabilidade obrigacional.
(20).

As sobreditas limitações, no direito alemão, do regime da responsabilidade extracontratual não se verificam do mesmo modo no nosso sistema jurídico.

À data dos factos dos autos, o contrato de concessão constava do Anexo ao DL 294/97, de 24/10, cuja Base XLIX, nº1º, determina serem da responsabilidade da concessionária todas as indemnizações que, nos termos da lei, sejam devidas a terceiros em consequência de qualquer actividade decorrente da concessão.

Relevam mais as seguintes:

Base XXII - 5 - As auto-estradas deverão ainda ser dotadas com as seguintes obras acessórias: a) - Vedação em toda a sua extensão, devendo ser as passagens superiores em que o tráfego de peões seja exclusivo ou importante também vedadas lateralmente em toda a extensão.

Base XXXIII - 1 - A concessionária deverá manter as auto-estradas que constituem o objecto da concessão em bom estado de conservação e perfeitas condições de utilização, realizando, nas devidas oportunidades, todos os trabalhos necessários para que as mesmas satisfaçam cabal e per permanentemente o fim a que se destinam, em obediência a padrões de qualidade que melhor atendam os direitos do utente.

Base XXXVI - 2 - A concessionária será obrigada, salvo caso de força maior devidamente verificado, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas, quer tenham sido por si construídas, quer lhe tenham sido entregues para conservação e exploração, sujeitas ou não ao regime de portagem.

Base XLVII - 1 - A concessionária fica isenta de responsabilidade por falta, deficiência ou atraso na execução do contrato quando se verifique caso de força maior devidamente comprovado.

2 - Para os efeitos indicados no número anterior, consideram-se casos de força maior unicamente os que resultam de acontecimentos imprevistos e irresistíveis cujos efeitos se produzem independentemente da vontade ou das circunstâncias pessoais da concessionária, nomeadamente actos de guerra ou subversão, epidemias, radiações atómicas, fogo, raio, graves inundações, ciclones, tremores de terra e outros cataclismos naturais que directamente afectem os trabalhos da concessão.

Sob o prisma, já, da responsabilidade aquiliana, tendo a B em seu poder a auto-estrada no seu todo, não só o piso como também as vedações (que não impeçam a entrada de animais), aplicar-se-ia a presunção de culpa in vigilando estabelecida no nº1º do art.493º (21), sendo o requisito da ilicitude preenchido pela violação de disposição destinada a proteger interesses alheios, a saber, a Base XXII, nº 5, al. a) do contrato de concessão, aprovado pelo DL nº 294/97, de 24/10, que contempla o dever de vedação em toda a extensão, disposição com eficácia externa relativamente às partes no contrato.

O mesmo se diz no respeitante à Base XXXVI, nº2º, que consagra o dever de assegurar a circulação em boas condições de segurança e comodidade, a implicar responsabilidade por pavimento irregular, neve, gelo, manchas de óleo, etc.

Nas restantes estradas mantém-se a presunção do nº1º do art.493º, mas em menor grau, apenas em relação àqueles obstáculos anormais, como valas e outros não sinalizados, em violação do art. 5º do Código da Estrada. O menor dever de vigilância e a mais baixa velocidade nessas estradas levam a esse afrouxamento da presunção de culpa.

De acordo com a corrente maioritária da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, é aplicável à responsabilidade civil extracontratual das autarquias locais por acto ilícito de gestão pública a presunção de culpa estabelecida no artigo 493º, nº1.

Com base nesta presunção, os municípios têm respondido pelos danos provocados em consequência de acidente de viação ocorrido com veículo automóvel que caiu num buraco existente numa estrada municipal ou em rua com tampa de saneamento saliente acima do solo e que danifica automóvel que nela bate (22). Ora:

No que respeita à vedação, tem-se por óbvio que, em contrário do sustentado na conclusão da 6ª da alegação da B, essa obra acessória, ainda que só tal finalidade e não outra se ache expressamente mencionada nas bases anexas ao diploma da concessão, não tem a função exclusiva de delimitação da propriedade, isto é, da zona da auto-estrada, e, assim, da área da concessão, e da zona non aefificandi, mas também, mesmo se não mencionada naquelas bases, a de - com, é claro,
os limites resultantes das disposições aplicáveis - impedir a intromissão de animais nas vias (23).

Atalhando por igual à conclusão 4ª da conclusão da alegação da Ré seguradora, notar-se-á, bem assim, que o nexo de causalidade entre a presença do cão na auto-estrada e os danos reclamados nesta acção não sofre dúvida. Todavia:

Estranhos ao contrato de concessão, os utentes da via não podem exigir da B o cumprimento das obrigações assumidas naquele contrato, nomeadamente a obrigação de - assegurar permanente mente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas", conforme Base XXXVI, nº2 do Anexo ao DL 294/97.

Deste preceito resulta para a entidade concessionária uma obrigação legal de manutenção das auto-estradas em bom estado de conservação, de segurança e comodidade de circulação, para cujo cumprimento se estabelece um conjunto de regras de construção, de reparação e de vigilância.

Em caso de inobservância das mesmas só, no entanto, o Estado pode exigir o seu cumprimento e aplicar as sanções pecuniárias previstas no Anexo aludido, não se estipulando nele qualquer responsabilidade da concessionária perante terceiros utentes dessas vias.

Em relação a estes, está-se, na expressão do nº 1 do art.483º, perante uma - disposição legal destinada a proteger interesses alheios -, e, assim, no âmbito da responsabilidade civil extracontratual.

Tem-se também entendido que a presunção instituída no art.493º, nº1º, se reporta apenas a danos causados pelo imóvel e não no imóvel (24).

Os danos em questão não foram causados pela auto-estrada em si mesma considerada, na sua estrutura física, mas pelo embate do veículo no cão atropelado.

Tanto bastaria, se bem parece, para dar razão à conclusão 2ª da Ré B.

Mas com referência, ainda, a eventual cabimento na hipótese ocorrente do disposto no art.493º, nº 1º, C.Civ, caberia notar ter-se, no caso dos autos, julgado provado que as vedações foram construídas de acordo com as normas técnicas e de acordo com o projecto aprovado pela ex-Junta Autónoma de Estradas, e que tanto a B, no cumprimento do dever de vigilância que lhe é imposto pelo DL 315/91, de 20/8, como a GNR-BT procedem a patrulhamentos regulares e constantes das auto-estradas da concessão, 24 sobre 24 horas, e que nos patrulhamentos efectuados antes da ocorrência descrita nada foi detectado que pusesse em causa a normal circulação automóvel, designada mente qualquer deficiência na vedação. Do que, no entanto, mais adiante melhor se dirá.

Em contrário do arguido na conclusão 5ª da alegação da Ré B, foi, como mencionado no relatório deste acórdão, oportunamente alegado que o animal apareceu na via porque as infra-estruturas destinadas a impedir a sua entrada nela estavam deterioradas, e com buracos.

A esse respeito, a sentença apelada concluiu assim:

- Nada ficou provado no que concerne às circunstâncias ligadas ao aparecimento do canídeo na faixa de rodagem, nem existem elementos que nos permitam concluir que a Ré B contribuiu, de forma culposa, por acção ou omissão, para o seu aparecimento, por forma a reputar a actuação da B como jurídico-civilmente reprovável, não permitindo, por isso, que se formule um juízo de censura, por forma a atribuir-lhe culpa no deflagrar do embate -. E não é possível estabelecer um nexo de causalidade entre a abertura na vedação e o acidente em si -. Além disso, a abertura na vedação, e que não sabemos se foi utilizada ou não pelo canídeo para invadir a auto-estrada, podia ser tão recente (minutos ou horas) que inviabilizaria a sua detecção e reparação pelos serviços da B até ao momento do acidente, sem que isso significasse qualquer omissão dos seus deveres de vigilância e cuidado -.

Bem que partindo sempre, em termos de direito, de enquadramento jurídico " responsabilidade contratual ou presunção do art.493º, nº1º - ora tidos por não cogentes, o acórdão sob revista considera, por sua vez, expressamente, na respectiva pág.8, a fls.354 dos autos, o seguinte :

- Em face da existência do cão na auto-estrada e da abertura na vedação da mesma perto do local onde ele se encontrava - circunstâncias concretas do caso - (25) , a B não demonstrou -que tenha feito qualquer diligência para evitar que ele tenha entrado na auto-estrada por aquela abertura, nem que, detectada a sua entrada, tenha feito qualquer diligência para evitar o acidente, nem que o cão tenha entrado na auto-estrada por acção de qualquer caso fortuito, de força maior ou por intervenção de terceiros. Sendo que - o efectivo aparecimento de um animal constitui anomalia que justifica a presunção de que na construção ou manutenção não foi observado o cuidado devido - Sinde Monteiro, RLJ - 131º/111.

E também na sua pág.9, a fls.355 dos autos, referindo o dever de vigilância da B, através dos seus agentes -, adianta que - constatada a presença de um defeito, presume-se - na interpretação que estamos a seguir - a violação culposa de um dever de ( garantir a ) segurança no tráfego, isto é, a omissão do cuidado necessário ( ... ) -.

Conclui - sempre, é certo, como já notado, em vista da presunção de culpa instituída no art.493º
( nº1º) - que - mesmo com base em responsabilidade extra-contratual ( a B ) responderia pelos prejuízos sofridos pelo A.-.

Entendeu-se, pois, que, ainda que de responsabilidade extracontratual se tratasse, a materialidade da violação do dever de segurança traduzida no aparecimento do canídeo faz, nas circunstâncias concretas do caso, presumir a violação culposa desse dever, cabendo à B, para se exonerar de responsabilidade, fazer a prova da ausência de culpa.

Tanto basta, se bem parece, para, colhendo para tanto permissão nos arts.664º, 713º, nº2º, e 726º CPC, concluir agora que onde porventura menos adequadamente considerada, em termos de direito, a presunção legal do art.493º, nº1º, C.Civ. se julgou, na realidade, de harmonia com presunção natural consentida à Relação pelos arts.349º e 351º do mesmo (26) .

Destarte reposta a questão no que, em termos de direito, se está em crer ser a sua sede própria, e que vem, afinal, a ser a do juízo de facto que cabe às instâncias, mas que por sua vez incumbe a este Tribunal rever no tocante às consequências de direito, temos que foi julgado pela Relação ser de presumir, no caso, infracção do dever de segurança. Diz-se, é certo, no acórdão recorrido que tal assim nos termos da lei. Preferida a qualificação da responsabilidade ajuizada que tem prevalecido , não será tal que efectivamente ocorreu : antes, ao fim e ao cabo, em recto enquadramento, se tendo a Relação na realidade servido de presunção natural, judicial, simples, ou hominis, assente na prova de primeira aparência decorrente da existência, próximo do local do acidente, da abertura na vedação de que há fotografias nos autos.

Essa conclusão de facto não sofre, a nosso ver, censura em sede de juízo de culpa, ou seja, no respeitante à indispensável eficácia da vigilância da vedação e pronta reparação dos seus defeitos que da matéria de facto provada resulta, segundo se julgou na 2ª instância, não ter existido - v., a propósito, Ac.STJ de 12/11/96, BMJ 461/411.

Convirá, por fim, frisar que é em termos de aplicação, e não, pois, de interpretação do direito
(27) - que em ARC de 8/5/2001, CJ, XXVI, 3º, 9 ( final da 2ª col.), citado no acórdão sob revista (28), se escreveu que - o direito destina-se a regular situações sociais e o aplicador do direito não pode, pois, divorciar-se das condições concretas em que procede à imediação entre a norma e a realidade que lhe subjaz. Só assim a norma cobra o sentido que a sua formulação pretendeu incorporar de for ma geral e abstracta - .

Como assim, - bem que com suporte em enquadramento jurídico distinto, mas respeitando, segundo se entende, o juízo de facto na realidade expresso no acórdão sob recurso -, alcança-se a decisão que segue :

Nega-se a revista, com custas pelas recorrentes.

Lisboa, 14 de Outubro de 2004
Oliveira Barros
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
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(1) V. Antunes Varela, RLJ 129º/51.
(2) Das Relações, v. por exemplo, ARC de 18/5 e 12/10/99, CJ, XXIV, 3º, 22 e 4º, 25, de 26/9/2000, CJ, XXV, 4º, 14, e de 1/10 e 17/12/ 2002, CJ, XXVII, 4º, 15 e 5º, 14 ; ARL de 31/10/96, CJ, XXI, 4º, 149, e de 17/12/98, CJ, XXIII, 5º, 127 ; ARP de 5/12/94, CJ, XIX, 5º, 220, de 5/6, 6/7, e 6/12/95, CJ, XX, 3º, 233, 4º, 174, e 5º, 174 ( X), de 24/9/96, CJ, XXI, 4º, 197, de 2/12/98, CJ, XXIII, 5º, 207, e de 18/5/2000, CJ, XXV, 3º, 185 ; e ARE de 8/6/89, CJ, XIV, 3º, 275, e de 7/2/2002, CJ, XXVII, 1º, 269.
(3) V., no mesmo sentido, o de 18/3/97, CJ, XXII, 2º, 33, e o ARP de 31/10/2002, CJ, XXVII, 4º, 195.
(4) Como observa Armando Triunfante, estudo e rev.cits., 62, nota 56, a consideração da existência de declaração(ões) negocial(is) tácita(s) torna desnecessária a invocação do instituto das - relações contratuais de facto -. Sobre estas, v.
Menezes Cordeiro, - Direito das Obrigações -, 2º vol. (reimpressão - 1986 ), 29 ss.
(5) Menezes Cordeiro, introdução à tradução portuguesa da obra de C.W. Canaris,- Pensamento Sistemático e Conceito de Sistema na Ciência do Direito -, Lisboa, 1989, pág. CXI apud alegação transcrita no Ac.TC nº394/93, de 16/6, publicado no BMJ 428/205 - nº9 ).
(6) A exemplo do ARP de 27/11/97 proferido no Proc.nº1043/96-5ª, com sumário no BMJ 471/455, e de que foi junta cópia a fls.57 ss dos autos - v. fls.60 ss.
(7) Como outrossim observado em ARC de 28/5/2002, CJ, XXVII, 3º, 22 ( 2ª col. C-1 ), a utilização do domínio público pelos particulares é - um direito público não político - Marcello Caetano, - Manual de Direito Administrativo -, II,
(864), - não um direito subjectivo privado, mas um direito pessoal de natureza publicística - ( Manuel de Andrade,
- Teoria Geral da Relação Jurídica -, I, 291 )
(8) Ibidem. É o que diz Marcello Caetano, - Manual de Direito Administrativo -, II, 9ªed. (1972), 1075.
(9) Cita a este respeito Teixeira Ribeiro, - Lições de Finanças Públicas -, Coimbra Editora, 3ª ed. (1989), 205. Como explica Marcello Caetano, ob., vol. e ed.cits, 1048 e 1072, na concessão, modo de gestão indirecta dos serviços públicos de carácter económico, a pessoa colectiva de direito público transfere temporariamente para a entidade privada a exploração do serviço, que passa a correr por conta e risco do concessionário - que, sendo uma sociedade comercial, obviamente actua numa óptica de lucro.
(10) Como igualmente referido no supramencionado ARP de 27/11/97, que cita a propósito a lição de Marcelo Caetano,
- Manual de Direito Administrativo -, II, 1099 e 1107. No acto de concessão, o concessionário recebe, em contrapartida, a faculdade de cobrar taxas dos utentes das coisas que produzir.
(11) Teixeira Ribeiro, ob. e ed. cits, 210. O ARP acima referido cita a 5ª ed. ( 1995 ), e regista também, no mesmo sentido, a lição de Sousa Franco, - Finanças Públicas e Direito Financeiro -, II (1995), 66 e 68.
(12) Ainda segundo a sentença apelada, António Braz Teixeira,- Princípios de Direito Fiscal -, I, 3ª ed.(1991), ed. Almedina,43, define as taxas como - prestações estabelecidas pela lei a favor de uma pessoa colectiva de direito público co-mo retribuição de serviços individualmente prestados, da utilização de bens do domínio público, ou da remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares". Citando Teixeira Ribeiro, - Noção Jurídica de Taxa -, RLJ, 117º/289 ss, segundo o qual - a taxa pode ser definida, alternativamente, como a quantia coactivamente paga pela utilização individualizada dualizada de bens semi-públicos, ou como o preço autoritariamente fixado de tal utilização -, o já aludido ARP de 27/ 11/97 faz notar que a obrigação de pagar a taxa é uma obrigação legal, imposta pelo Estado, em função de um facto, que pode ser a utilização duma auto-estrada. José Casalta Nabais, - Direito Fiscal -, 2ª ed. (2003), 13, atribui à portagem a natureza de taxa. Aníbal Almeida,- Noção Jurídica de Taxa", em - Estudos de Direito Tributário - (1996), 57 ss, salienta a ausência da autonomia da vontade que modela o conteúdo dos contratos, nascidas que são as taxas ope legis e não ex voluntate, não tendo a concessionária liberdade na sua fixação, nem a de conceder isenções. Na alegação junta pela B a fls.508 ss, refere-se também Sousa Franco, - Finanças Públicas e Direito Financeiro -, II, 73, em nota, como negando às taxas carácter sinalagmático na sua conexão com o uso do serviço, e, no mesmo sentido, José Casalta Nabais, ob.cit., 12, nota 22. Em contrário do efectivo cabimento do conceito de taxa na hipótese em questão, v. Armando Triunfante, estudo e rev.cits, 52 a 60, com apoio, consoante nota 72, em Freitas do Amaral, - Curso de Direito Administrativo -, I, 2ª ed., 552, e Pedro Gonçalves, - A Concessão de Serviços Públicos -, 318. Com Sinde Monteiro (ibidem, 65 e nota cit. ), chama igualmente a atenção para a atitude psicológica interior do utente.
(13) Na tese de Armando Triunfante, estudo e rev.cits, 73, trata-se, mesmo, de um contrato nominado e típico - um contrato de consumo, expressamente contemplado no art.2º, nº2º, da Lei da Defesa do Consumidor (Lei nº24/96, de 31/7).
(14) Na tese contrária, valeria nesse caso a figura dos contratos com eficácia de protecção de terceiros - v., com, ainda, Sinde Monteiro, Armando Triunfante, estudo e rev.cits, 92.
(15) Pedro Soares Martinez, - Manual de Direito Fiscal - (1987), 35-36,
(16) A responsabilidade contratual da concessionária da auto-estrada resultaria do incumprimento de contrato de direito privado celebrado com o utente em que a taxa de portagem seria mais o preço de uma prestação de serviço do que taxa de direito público. Estaríamos em presença de um contrato entre o utente e a concessionária, empresa de direito privado e fim lucrativo. Ao pagamento do preço do serviço, proporcional à extensão do troço percorrido (incluindo Imposto to sobre o Valor Acrescentado - v., a este respeito, Armando Triunfante, estudo e rev.cits, 53 e nota 24) corresponderia da parte da concessionária a obrigação de, salvo caso de força maior devidamente verificado, assegurar permanente mente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas auto-estradas, quer tenham sido por si construídas, quer lhe tenham sido entregues para conservação e exploração, sujeitas ou não ao regime de portagem. Permitindo ou não evitando que um cão circule na auto-estrada (facto), pondo em risco vida e fazenda do condutor e passageiros (ilicitude), a concessionária incumpre o contrato - art.762º, nº1º, a contrario - e torna-se, por isso - art. 798º - responsável pelo prejuízo (dano) que causa (nexo de causalidade entre o facto ou comportamento omissivo e o dano) ao credor (arts.483º e 562º). A presunção de culpa (nexo de imputação, juízo de censura, do facto ao agente) da concessionária devedora resultaria aqui do regime fixado no art.799º, nº1º. Na tese do acórdão deste Tribunal de 22/6/2004 proferido no Proc.nº1299/04 da 6ª Secção, de que neste se integraram largos excertos, eis reunidos os elementos da responsabilidade civil culposa melhor indicados no art.483º, nº1. Na alegação a fls.508 ss, já aludida faz-se notar que o IVA não constitui receita da concessão, mas do Estado, que pela Lei nº16-A/2002, de 31/5, aumentou o valor da taxa respectiva de 17% para 19%.
(17) De que, por um lado, se abreviou e, por outro, procurou completar o discurso com o contributo das partes que os autos facultam.
(18) Rui Pereira de Sousa, - Contrato de Concessão, Perspectiva Económica, Financeira e Contabilística -, Áreas Editora, Lisboa, 2003, pp.24 e 26, apud alegação junta pela B a fls.508 ss. É a essa luz que há que considerar a observação de Armando Triunfante ( loc.cit., 45 ) de que, em casos como o destes autos, o utente sofre danos por ocasião de serviço prestado pela concessionária, nessa base vindo a considerar, a par do contrato de concessão, um contrato de utilização entre aquela e o utilizador da auto-estrada.
(19) Sinde Monteiro, RLJ, 131/49 e 133/61, e sentença do 3º Juízo de Competência Especializada Cível da Comarca de Santo Tirso, de 2/5/96, CJ, XXI, 2º, 303 ss. Será o caso do arrendamento.
(20) V. Armando Triunfante, loc.cit., 91, e nota 161, citando Mota Pinto, - Cessão da Posição Contratual -, 421.
(21) Sinde Monteiro, RLJ, 131/106. É a tese de ARC de 28/5/2002, CJ, XXVII, 3º, 22-II, já referido.
(22) Cfr., v.g., Ac.STA de 24/3/99, BMJ 485/173 ss, que cita, entre outros, o do mesmo Tribunal de 29/4/98, BMJ 476/ 157.
(23) Sinde Monteiro , RLJ 131º/111.
(24) Trata-se, como mencionado em Ac.STJ de 27/5/97, CJSTJ, V, 2º, 106 (2ª col., 2º período do último parágrafo) da
(elucidativamente) chamada - responsabilidade por facto das coisas - - na realidade responsabilidade por facto do homem (culpa in vigilando). V. Pires de Lima e Antunes Varela, - C.Civ. Anotado -, I, 4ª ed., 496, nota 5, Vaz Serra, BMJ, 85/372-373, e, citando-o, Mário de Brito, - C.Civ. Anotado -, II, 184. V. também Antunes Varela, - Das Obrigações em Geral -, I, 9ª ed.(1998), 615-C), e Almeida Costa, - Direito das Obrigações -, 7ª ed. (1998), 511 ( - pelas coisas - ). É, ainda, nesse sentido uma das conclusões do parecer do Prof. Menezes Cordeiro juntas com o último requerimento da recorrente B, a fls.508 ss. Só juntas as conclusões, não se dispôs desse parecer.
(25) Destaque nosso : mais cabendo salientar ser diferente a hipótese versada na alegação por último junta a fls.508 ss.
(26) Considerando, em suma, em prejuízo da apreciação feita na 1ª instância, e para utilizar expressão do já citado acórdão deste Tribunal de 22/6/2004 no Proc.nº1299/04 que, no caso, - o senso comum dita a solução -.
(27) Como sabido, interpretação e aplicação da lei não são uma e a mesma coisa, isto é, são operações diferentes, respectivamente destinadas, a interpretação, à fixação do sentido e alcance exacto da norma a aplicar, e a aplicação, a deduzir da lei, já interpretada, a regulação jurídica a atribuir ao caso em apreço. V., v.g., Manuel de Andrade, - Sentido e Valor da Jurisprudência -, BFDUC, XLVIII (1972), 266 (parte final) e 285 (parte final)-286.
(28) Respectiva pág.6, a fls.352 dos autos, penúltimo par.