Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
00S086
Nº Convencional: JSTJ00038257
Relator: ALMEIDA DEVEZA
Descritores: UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
GREVE
SEGURANÇA DAS INSTALAÇÕES
SEGURANÇA DE EQUIPAMENTO
SUBSTITUIÇÃO DE TRABALHADOR EM GREVE
Nº do Documento: SJ20001130000864
Data do Acordão: 11/30/2000
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DR I S-A, Nº 15, DE 18-01-2001, P. 272
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA.
Área Temática: DIR TRAB - REG COL TRAB.
Legislação Nacional: L 392/74 DE 1974/08/27.
L 65/77 DE 1977/08/26.
L 30/92 DE 1992/10/20 ARTIGO 6.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ DE 1996/06/02 IN CJSTJ ANOIV TIII PAG236.
ACÓRDÃO STJ PROC390/98 DE 1999/06/02.
Sumário :
I - Em relação às empresas cuja actividade é a prestação de serviços de segurança privada a terceiros, atenta a especificidade da organização dessas empresas, deve-se entender, para efeitos da proibição constante do artigo 6 da Lei 65/77, de 26 de Agosto, como "estabelecimento" ou "serviço" o local onde, de acordo com a distribuição de serviço organizada pela entidade patronal, estava prevista a apresentação do trabalhador para prestar a sua actividade durante a greve.
II - Assim, verifica-se a violação daquele artigo 6 com a substituição de um trabalhador que aderiu à greve por outro, que, à data do pré aviso de greve e até ao termo desta, não estava previsto trabalhar naquele local.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA :

I - O Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho levantou um Auto de Notícia em consequência do qual se instaurou no Tribunal de Trabalho um Processo de Transgressão contra A, identificada nos autos, a qual foi acusada de ter violado o disposto no art. 6º da Lei 65/77, de 26/8, com as alterações da Lei 30/92, de 20/10, e assim cometido uma transgressão prevista e punida pelas disposições combinadas daquele art. 6º e do art. 15, n. 1, do mesmo diploma, tendo a transgressora sido condenada na multa de 80.000$00.
Aquela firma recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por Acórdão de 7/12/999, revogou a sentença recorrida e absolveu a transgressora.

A Exmª Procuradora-Geral Adjunta naquela Relação interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência nos termos dos arts. 437º e segs. do C. P. Penal, invocando oposição entre as soluções em que assentou a decisão proferida naquele acórdão e aquela em que assentou a decisão da mesma Relação, de 3/11/999.

II - Remetidos os autos a este Supremo foram os mesmos à Conferência que em Acórdão interlocutório julgou verificada a oposição de julgados.

Prosseguindo os autos foram os sujeitos processuais notificados nos termos e para os efeitos do art. 442º do C. P. Penal.
A Exmª Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo, nas suas doutas e bem elaboradas alegações, concluiu que se deve fixar jurisprudência no sentido de que a proibição contida no art. 6º da Lei 65/77, de 26/8 (que se passará a designar por Lei da Greve, ou L. G.), em relação às empresas cuja actividade é a prestação de serviços de segurança privada a terceiros, atenta a especificidade da sua organização, se deve entender como "estabelecimento" ou "serviço" o local onde, de acordo com a distribuição de serviço organizada pela entidade patronal, estava previsto a apresentação do trabalhador para trabalhar durante a greve. Assim, envolve violação do citado art. 6º a substituição do trabalhador que aderiu à greve por outro que à data do pré-aviso da greve e até ao termo desta, não estava previsto trabalhar naquele local.
A A também alegou, concluindo:
1) Em dias de greve substituiu vigilantes aderentes à greve por vigilantes não aderentes vindos de outros clientes;
2) Substitutos e substituídos estavam afectos ao mesmo serviço : vigilância;
3) Os clientes a quem a A presta serviços de vigilância não são estabelecimentos seus;
4) Deve fixar-se jurisprudência no sentido de ser considerado "estabelecimento" a universalidade de bens e serviços de uma empresa e "serviços" a prestação de uma actividade da empresa.

III-A - Corridos os vistos legais cumpre decidir.
A matéria de facto do Acórdão de 7/12/999, tal como dele consta, é a seguinte:
1) Após pré-aviso de greve, o Sindicato B, declarou uma greve para o Sector das Empresas prestadoras de Serviços de Vigilância e Prevenção, para os dias 21 e 22 de Abril de 1997;
2) Em 22/4/997, pelas 12 horas, no Parque Automóvel do Instituto Nacional de Estatística, sito em Lisboa, em inspecção feita ao local pela I. G. Trabalho, verificou esta que a arguida mantinha ao seu serviço, o Vigilante C que tinha sido destacado pela respectiva chefia para prestar serviço naquele local, somente nesse dia, uma vez que normalmente prestava serviço nas instalações do D;
3) Tal trabalhador encontrava-se de folga e estava a substituir o Vigilante E, dirigente sindical, o qual prestava serviço no referido local, mas não fora trabalhar, por ter aderido à greve referida em 1);
4) A arguida agiu livre, consciente e deliberadamente, bem sabendo que estava a substituir um trabalhador em greve por outro que à data não se encontrava afecto àquele serviço, naquele local;
5) O C tem como local de trabalho convencionado o Distrito de Lisboa;
6) A arguida teve em vista não violar o contrato que mantinha com o Instituto Nacional de Estatística..

No Acórdão de 3/11/999 a matéria de facto é sensivelmente a mesma, com a alteração do número de trabalhadores, do local em que se encontravam a prestar serviço na altura em que a I. G. Trabalho procedeu a inspecção e do número de trabalhadores que, habitualmente, prestavam serviço naquele local onde foi efectuada a inspecção.


III-B - O nº1 do art. 57º da Constituição prevê, entre os direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores, o direito à greve.
E nem esse direito e o modo como foi exercido pelos trabalhadores vem posto em causa.
Este direito à greve veio a ser regulamentado pelo Dec.-Lei 392/74, de 27/8, posteriormente revogado pela Lei 65/77, de 26/8 (posteriormente alterada pela Lei 30/92, de 20/10, alterações estas que não interessam ao caso).
A disposição da Lei da Greve que interessam para os autos é o seu art.6º. Dispõe este preceito: «A entidade empregadora não pode, durante a greve, substituir os grevistas por pessoas que à data do seu anúncio não trabalhavam no respectivo estabelecimento ou serviço, nem pode, desde aquela data, admitir novos trabalhadores».
A proibição constante deste dispositivo refere-se, em primeiro lugar, à substituição dos trabalhadores em greve por trabalhadores ligados ao mesmo empregador, tratando-se, neste caso, de uma movimentação interna de pessoal.
Mas, a aplicação deste preceito reveste determinadas dificuldades, designadamente em empresas que se não encontrem organizadas em termos que possibilitem a distinção de "estabelecimentos" ou "serviços"; e por o objectivo do legislador não ser, de forma clara, o de assegurar em pleno o não preenchimento do posto de trabalho do grevista, na medida em que este o resultado pode vir a ser conseguido pela afectação temporária de um trabalhador do mesmo "estabelecimento" ou "serviço". Assim, a lei admite que o trabalho dos grevistas seja assegurado por trabalhadores que não aderiram a essa forma de luta da mesma unidade funcional, mas já não aceita que o efectivo da unidade funcional seja alterado - quer através de transferências, quer por admissões - em consequência da paralisação , e com a finalidade de atenuar ou neutralizar os efeitos da greve.
Assim, e no que se refere à 1ª parte deste preceito - substituir os grevistas por pessoas que à data do anúncio da greve não trabalhavam no respectivo estabelecimento ou serviço - a sua aplicação tem de ser feita caso a caso, tendo em conta os modos concretos da organização de cada empresa. Em princípio apenas se poderá ter como certo que constitui violação à L . G. a transferência de local de trabalho, conceito que é, no entanto, relativo, implicando que se tomem em conta os dados pertinentes do IRC aplicável.-
A 2ª parte desse preceito refere-se ao facto de fazer prestar por outros - não trabalhadores da empresa - tarefas normalmente desempenhadas pelos grevistas, o que está vedado pela greve (cfr. M. Fernandes em "Direito de Greve", pág. 44 ).
Assim, a entidade patronal não pode fazer prestar, por trabalhadores pertencentes a outro serviço ou unidade orgânica, tarefas normalmente desempenhadas pelos trabalhadores aderentes à greve, somente lhe restando a possibilidade de aplicar da forma mais conveniente o trabalho dos que não aderiram à greve e que já pertencessem ao serviço afectado no momento em que o pré-aviso se tornou eficaz., devendo o art. 6º da L.G. estender-se aos " casos em que a entidade patronal intente, antes de efectivada a greve, substituir o pessoal a que se refere a paralisação declarada por pessoas exteriores ao processo de greve" (cfr. Lobo Xavier, em "Direito da Greve", pág. 159).

Mas estas considerações não resolvem só por si a questão posta. Para tal haverá que ter em consideração a actividade da A.
E foi, tendo em atenção a actividade da A que os Acórdãos acima referidos entraram em contradição.
Assim, no de 3/11/999 entendeu-se que sendo a A uma empresa cuja actividade consiste em prestar serviços de segurança privada a outras entidades sediadas em Lisboa e que abrangendo o local de prestação de trabalho dos seus trabalhadores todo o distrito de Lisboa, nada obstava a que a A substituísse um dos seus trabalhadores grevistas por outro que à greve não aderiu, na medida em que os trabalhadores (substituto e substituído) exercessem tarefas de vigilância em diferentes locais de Lisboa, haverá que considerar que eles exerciam tais tarefas no mesmo serviço da A, independentemente do local da prestação de trabalho e, por outro lado, a proibição de substituição de grevistas prevista no art. 6º da L. G. tem por fundamento a diferença entre as várias actividades (serviços n) da empresa e não o local da prestação de trabalho, devendo, na acepção daquele art. 6º, considerar-se como "estabelecimento" a universalidade de bens e serviços de uma empresa o que abrangeria, no caso da A todas as instalações, equipamentos e actividades e como "serviços" a prestação de uma actividade da empresa, que no caso concreto, é a prestação de uma actividade no campo da segurança.
No Acórdão de 7/12/999 entendeu-se de forma diferente decidindo-se que se tem de considerar, para efeitos do art. 6º da citada Lei, como "estabelecimento ou serviço" o local em que concretamente estava previsto o trabalhador grevista apresentar-se ao trabalho durante a greve, sob pena de se esvaziar o conteúdo do falado art.º 6º.

Assim, a questão essencial que está em causa prende-se com a noção de "estabelecimento" para efeitos daquele art.6º.
Como estabelecimento pode entender-se: a) na linguagem corrente ou popular, a loja, o imóvel, as instalações materiais em que as mercadorias são colocadas para venda; b) em sentido técnico-jurídico, designa a unidade ideal, complexa e abstracta, inserida em qualquer sector industrial ou comercial que abrange, além da sede, muitos outros elementos corpóreos e incorpóreos, as mercadorias, os utensílios e equipamentos que, em cada momento, se encontram nas instalações próprias ou arrendadas (Cfr. Prof. A. Varela, em RLJ, ano 125º, pág. 252, nota 1). O estabelecimento abrange o conjunto de bens e serviços organizados pelo comerciante com vista ao exercício da sua exploração comercial (cfr. Prof.F. Olavo, em "Direito Comercial, vol I, 2ª ed., págs. 269-270). E, segundo o Prof. F. Correia estabelecimento comercial vem a significar o mesmo que o complexo da organização comercial do comerciante, o seu negócio em movimento ou apto para entrar em movimento.
Mas, o conceito de estabelecimento, tal como é entendido em termos de direito comercial, não tem que ser precisamente o mesmo a que o legislador recorreu em termos de direito laboral, designadamente no art. 37º da LCT. Com efeito, no estabelecimento comercial - entendido de acordo com o conceito comercialista - « podem frequentemente distinguir-se "conjuntos subalternos", que de algum modo nos surgem ainda como "organizações". E os próprios comercialistas falam de "uma noção mais restrita" de estabelecimento, que corresponderia à pura e simples "unidade técnica de venda, de produção de bens, ou de fornecimento de serviços", advertindo que o estabelecimento, "como organização afectada ao exercício de um comércio ou indústria", "pode compreender mais do que uma unidade técnica"». «De toda a maneira, uma coisa é certa: mesmo para aqueles que entendem muito latamente a hipótese dos preceitos em referência, a aplicação destes supõe sempre que os "núcleos" ou "ramos" do estabelecimento global que foram transferidos "são dotados de uma autonomia técnico-organizativa própria", que constituem uma "unidade produtiva autónoma", "com organização específica"» (cfr. Prof. Vasco da Gama Xavier, em Revista de Direito e Estudos Sociais", Julho/Setembro de 1986, ano XXVIII, nº3, pág. 443 e segs.).
E na jurisprudência, e neste último sentido, se pronunciou este Supremo nos Acórdãos de 30/6/999 - Revista 390/98 --, e no Acórdão de 2/6/996, in Col. Jur. Acs STJ, ano IV, Tomo III, pág. 236.
Do acima referido verifica-se que a noção de estabelecimento assume várias acepções, desde a mais restrita, próxima do conceito mais técnico-jurídico da doutrina comercialista, até a uma mais ampla, a qual não pode deixar de se ligar ao contexto normativo no qual se insira.

Face ao que se deixa dito haverá que tal haverá que ter em conta no que se refere à oposição de Acórdãos, tendo em vista a interpretação do citado art. 6º da L. G. na parte em que o mesmo dispõe : "... a entidade empregadora não pode, durante a greve, substituir os grevistas por pessoas que à data do seu anúncio não trabalhavam no respectivo estabelecimento ou serviço ...".
Ora, a proibição estabelecida naquele preceito não pode, pela diversa natureza das realidades a ter em conta, ser tida com uma delimitação precisa, com validade de referência às diversas hipóteses que se colocam no âmbito da organização da empresa, tendo de se apurar casuisticamente tendo em conta aos moldes concretos de cada empresa e à história e à "ratio legis" da norma do art. 6º, referido.
Assim, o Dec.-Lei 392/74, no que se refere à proibição da entidade patronal substituir os trabalhadores grevistas por outros trabalhadores, consagrava uma solução diferente da actual L. G.. Na verdade, o art. 14º daquele diploma dispunha que «enquanto durar a greve não pode a entidade patronal substituir os grevistas por pessoas que, à data da entrega das reivindicações, não estejam ligados à empresa por um contrato de trabalho».
Este dispositivo apenas impedia que, durante a greve, a entidade patronal substituísse os trabalhadores aderentes à greve por pessoas com as quais a empresa não tivesse contrato de trabalho, Assim, possibilitava-se que a entidade patronal agregasse ao sector atingido pela greve os trabalhadores a ela ligados por contrato de trabalho, mas inseridos noutra "estabelecimento" ou "serviço".
Esta possibilidade foi afastada pela actual L.G., na medida em que proíbe a entidade patronal de substituir os trabalhadores aderentes à greve por outros que à data do anúncio da greve não trabalhassem no estabelecimento ou serviço afectado pela greve.
A razão de ser da proibição constante do dito art. 6º situa-se, como acima se disse, na necessidade de impedir a frustração ou o esvaziamento do direito à greve.
Apesar de a aplicação da proibição contida no art. 6º da L.G. ter de ser feita casuisticamente, como se referiu, pode ter-se como certo que constitui violação do citado artigo, para além do caso de admissão de novo pessoal, a transferência de local de trabalho (cfr. M. Fernandes, ob. cit., pág.44).

Quanto à aplicação dos princípios acima referidos a empresas como a A haverá que ter em conta a especificidade dessas empresas de serviços de segurança privada a terceiros, especificidade essa que se traduz em tarefas de vigilância dos seus trabalhadores serem normalmente executadas em locais que são propriedade de terceiros, aos quais a entidade patronal desses trabalhadores presta serviços de segurança, locais que embora não sejam propriedade da entidade patronal, constituem os locais de trabalho dos seus trabalhadores.
Assim, será de concluir que em relação àquelas empresas, o único critério no que respeita aos objectivos da proibição contida no falado art. 6º é o que atende ao local de trabalho onde os seus trabalhadores deveriam exercer as suas tarefas de vigilância de acordo com a distribuição de serviço organizado pela empresa para vigorar durante o período que viria a ser abrangido pela greve.
O fundamento do Acórdão de 3/11/999 ao concluir não haver violação da proibição contida no art. 6º da L.G. pelo facto de, quer os trabalhadores substituídos, quer os substitutos, executarem as mesmas tarefas de vigilância, sendo irrelevante a alteração do local da prestação do seu trabalho. E, ainda, se fundamenta em aquela violação deriva na diferença entre as várias actividades executadas pelos trabalhadores e não no local da prestação do trabalho.
Assim, e contra essa fundamentação, temos que nada impede a entidade empregadora de, recorrendo ao "jus variandi", substituir um trabalhador grevista por outro que execute a sua actividade no mesmo estabelecimento daquele, embora com actividade diferente. Com a fundamentação daquele Acórdão tal violaria o dito art. 6º.
E, contra a fundamentação daquele Acórdão, importa ter em conta que se não deve confundir "local de trabalho" com toda a área geográfica dentro da qual o contrato de trabalho permite à entidade patronal movimentar os trabalhadores que exercem tarefas de vigilância. E isto porque a proibição daquele art. 6º respeita ao local de trabalho em que o trabalhador exercia efectivamente a sua actividade à data do anúncio da greve e não os locais hipotéticos para onde a entidade patronal tinha o poder de o transferir.
A solução contrária - idêntica ao do Acórdão de 3/11/999 - poderia proporcionar às empresas com uma organização igual à da A defraudar a lei, pois poderiam dilatar sem limites, no momento de conformar a sua organização, a área abrangida pela possibilidade de livre colocação dos seus trabalhadores.
Conceder que para efeitos de "estabelecimento" ou "serviço" se deveria considerar toda a área geográfica prevista nos contratos de trabalho celebrados pelas empresas como a A, seria dar-lhes a possibilidade de defraudar a intenção da lei e esvaziar o conteúdo do direito à greve, contra o estabelecido no art. 6º da L.G..

IV - Assim. acorda-se na Secção Social deste Supremo Tribunal de Justiça em resolver o conflito de jurisprudência existente entre aqueles dois citados Acórdão fixando-se a seguinte jurisprudência:
1) Em relação às empresas cuja actividade é a prestação de serviços de segurança privada a terceiros, atenta a especificidade da organização dessas empresas, se deve entender, para efeitos da proibição constante do artigo 6º da Lei nº 65/77, de 26/8, se deve entender como « estabelecimento » ou « serviço » o local onde, de acordo com a distribuição de serviço organizada pela entidade patronal, estava previsto a apresentação do trabalhador para prestar a sua actividade durante a greve;
2) Assim, verifica-se a violação daquele artigo 6º a substituição de um trabalhador que aderiu à greve por outro que à data do pré aviso da greve e até ao termo desta, não estava previsto trabalhar naquele local.
Nos termos e para os efeitos do n.º 2 do artigo 445 do Código de Processo Penal, reenviem-se os autos para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Lisboa, 30 de Novembro de 2000.
Almeida Deveza,
Azambuja da Fonseca,
Diniz Nunes,
Manuel Pereira,
José Mesquita,
Mário Torres.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA

Alegação do Ministério Público

I - INTRODUÇÃO

1. - O Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa interpôs para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 437 e seguintes do Código de Processo Penal, o presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, do acórdão de 7 de Dezembro de 1999 proferido por aquela Relação.

2. - Como fundamento, invocou a oposição daquele acórdão com o acórdão de 3 de Novembro de 1999, proferido também pelo Tribunal da Relação de Lisboa no processo n.º 3895/99, certificado a folhas 17.

II - DA OPOSIÇÃO

1. - Por acórdão deste Supremo Tribunal de 11 de Maio de 2000, proferido nos autos em epígrafe julgou-se verificada a alegada oposição e preenchidos os requisitos para o prosseguimento do recurso para fixação de jurisprudência.

2. - A oposição entre os dois referidos acórdãos traduz-se na divergente solução que acolheram para a mesma questão fundamental de direito, decorrente da interpretação do artigo 6 da Lei n.º 65/77, de 26 de Agosto (Lei da Greve), no segmento em que dispõe que "a entidade empregadora não pode, durante a greve, substituir os grevistas por pessoas que à data do seu anúncio não trabalhavam no respectivo estabelecimento ou serviço (...)".

No acórdão recorrido entendeu-se que sendo a arguida A uma empresa cuja actividade consiste em prestar serviços de segurança privada a outras entidades sediadas em Lisboa e que abrangendo o local de prestação de trabalho dos seus trabalhadores todo o distrito de Lisboa, nada obstava a que a arguida substituísse um dos seus trabalhadores que aderiu à greve por outro trabalhador que a ela não aderiu dado que, por um lado, embora ambos os trabalhadores exercessem tarefas de vigilância em diferentes locais situados em Lisboa, há que considerar que esses trabalhadores exerciam tais tarefas no mesmo serviço da arguida, independentemente do local da prestação do trabalho e, por outro lado, a proibição de substituição de grevistas no artigo 6 da Lei da Greve tem por fundamento a diferença entre as várias actividades (serviços) da empresa e não o local da prestação do trabalho, devendo, na acepção daquele normativo, considerar-se "estabelecimento" a universalidade de bens e serviços de uma empresa o que abrangeria, no caso da arguida, todas as suas instalações, equipamentos e actividades e como "serviços" a prestação de uma actividade da empresa, que no caso concreto, é a prestação de uma actividade no campo da segurança.
Diversamente, no acórdão fundamento perfilhou-se o entendimento de que, sob pena de esvaziamento do conteúdo do artigo 6 da Lei da Greve, no que respeita à actividade da arguida A, tem de considerar-se, para os efeitos daquele normativo, como "estabelecimento ou serviço" o local em que concretamente estava previsto o trabalhador grevista apresenta-se ao trabalho durante a greve.

Verifica-se, assim, que os dois acórdãos, já transitados em julgado, assentaram em soluções opostas relativamente à mesma questão de direito, a qual consiste em determinar, no âmbito da proibição de substituição dos trabalhadores grevistas contida no artigo 6 da Lei da Greve, os conceitos de "estabelecimento" e "serviço" quando se trate de empresa de prestação de serviços a pessoas individuais e colectivas diferentes numa mesma zona geográfica.

III - JURISPRUDÊNCIA

Sobre a divergência equacionada, a jurisprudência é escassa e daí que no sentido do acórdão recorrido não tivéssemos encontrado qualquer antecedente jurisprudencial, tendo sido detectado, no sentido do acórdão de 3 de Novembro de 1999 (acórdão fundamento), apenas o acórdão de 16 de Janeiro de 1990 do Tribunal da Relação de Coimbra, publicado em "Colectânea de Jurisprudência", 1990, tomo I, pág. 121.

IV - SOLUÇÃO PROPOSTA

1. - O direito à greve está consagrado no artigo 57 da Constituição como direito fundamental incluído no capítulo dos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores.
A caracterização constitucional do direito à greve como um "doas direitos, liberdades e garantias", confere-lhe a seguinte dimensão: trata-se de um direito subjectivo negativo, não podendo os trabalhadores ser proibidos ou impedidos de fazer greve, nem tão pouco ver-se compelidos a pôr-lhe termo; com eficácia externa imediata, não constituindo violação do contrato de trabalho, nem sendo susceptível de neutralização prática; e com eficácia imediata no sentido de directa aplicabilidade, independentemente de qualquer lei concretizada (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, "Constituição da República Portuguesa Anotada", 3ª edição, revista, 1993, pág. 309).
Em sede de legislação ordinária, o exercício do direito à greve é regulado pela Lei 65/77, de 20 de Novembro (Lei da Greve).
Nem a Constituição nem a citada lei oferecem uma definição do conceito de greve.
A precedente Lei da Greve - Decreto-Lei n.º 392/74, de 27 de Agosto, que a actual revogou, continha como "noção de greve" (artigo 2) a seguinte: "considera-se greve a recusa colectiva e concertada do trabalho tendente à defesa e promoção dos interesses colectivos profissionais dos trabalhadores".
Desvinculado o exercício do direito à greve, na Constituição, da simples prossecução de interesses colectivos profissionais (cfr. Parecer da PGR n.º 123/76-B, de 3 de Março de 1977, em "BMJ" n.º 265, pág. 57 e seguintes) e na falta de uma noção legal de greve há que recorrer ao conceito de greve fornecido na doutrina.
Segundo esse conceito, a greve "é a abstenção concertada da prestação de trabalho, realizada por um grupo de trabalhadores, como instrumento de pressão para realizar objectivos comuns" (cfr. Bernardo Lobo Xavier, "Direito da Greve", Lisboa, 1984, págs. 55 e 56; Monteiro Fernandes, "Noções Fundamentais de Direito do Trabalho", Vol. II, 1983, pág. 258; Menezes Cordeiro, "Manual de Direito do Trabalho", 1991, pág. 369 e seguintes; Pareceres da PGR n.ºs 100/89 e 52/98, publicados, respectivamente, em "BMJ", n.º 399, pág. 5 e "Diário de República", IIª Série, n.º 229, de 3 de Outubro de 1998, pág. 14066).
Como salientam Gomes Canotilho e Vital Moreira (cfr. "Ob. cit.", pág. 310), a Constituição garante o direito à greve, não se limitando a reconhecê-lo.
E os citados Autores acrescentam que "efectivamente, não basta dar aos trabalhadores a liberdade de decidir uma greve e de a efectuarem, bem como o direito de não verem afectada a sua relação de trabalho. Importa também que os trabalhadores estejam a salvo de condutas da entidade patronal ou de terceiros que aniquilem a greve ou os seus efeitos e uma dessas garantias é desde logo a proibição do Lock-out; outros compete à lei estabelecê-las (...)".
É no âmbito dessas garantias que se inscreve a "proibição de substituição de grevistas" constante do artigo 6 da Lei 65/77, ao dispor que "a entidade empregadora não pode, durante a greve, substituir os grevistas por pessoas que à data do seu anúncio não trabalhavam no respectivo estabelecimento ou serviço, nem pode, desde aquela data, admitir novos trabalhadores".

Monteiro Fernandes, comentando neste normativo (cfr. "Direito de Greve - Notas e Comentários à Lei n.º 65/77, de 26 de Agosto, 1982", págs. 43 e seguintes), considera que ele visa prevenir a neutralização da greve que o empregador poderia levar a cabo mediante a "transferência de salários" dos grevistas para outros trabalhadores, na medida em que a suspensão dos contratos de trabalho resultante da paralisação colectiva, quando lícita, proporcionaria à entidade patronal a utilização de tal expediente com base no artigo 7 da LCT (Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969).
Em seguida passa a analisar as situações abrangidas na proibição constante do citado artigo 6, salientando que a proibição se refere, em primeiro lugar, à substituição dos grevistas por trabalhadores ligados ao mesmo empregador - caso menos grave, em que apenas se trata de uma movimentação interna de pessoal.
Depois chama a atenção para as dificuldades práticas que podem surgir na aplicação do citado normativo à àquela situação, ponderando a este propósito o seguinte:
"Muitas empresas não se acham organizadas em termos que possibilitam a distinção entre "estabelecimentos" ou "serviços"; por outro lado, o objectivo do legislador não é, claramente, o de assegurar em pleno o preenchimento do trabalho do grevista, pois esse resultado pode ser obtido através de afectação temporária de um trabalhador do mesmo "estabelecimento" ou "serviço". Isto é: a lei admite que o trabalho (ou parte do trabalho) dos grevistas seja assegurado por não aderentes da mesma unidade funcional, mas não aceita que o efectivo desta seja alterado (quer mediante transferências, quer através de admissões) em consequência da paralisação, e com o propósito de atenuar ou neutralizar os efeitos dela".
E o citado Autor conclui que a aplicação da primeira parte do artigo 6 da Lei n.º 65/77 tem que ser feita casuisticamente, face aos moldes concretos da organização de cada empresa e que "a priori", apenas se poderá ter como certo que constitui violação ao mencionado artigo, para além do caso óbvio de admissão de novo pessoal, a transferência de local de trabalho, par além do caso óbvio de admissão de novo pessoal, a transferência de local de trabalho - conceito que é, no entanto, também ele, eminentemente relativo, implicando, além do mais, que se tomem em conta os elementos pertinentes da regulamentação colectiva aplicável.

Para Bernardo Lobo Xavier (cfr. "Direito da Greve", Lisboa 1984, págs. 191 e seguintes), o artigo 6 da lei n.º 65/77, ao proibir, durante a greve, às entidades patronais a contratação de novos trabalhadores e ao fixar limitações à gestão de mão de obra ao seu serviço, estabelece restrições importantes aos princípios de liberdade de trabalho e à autonomia de gestão empresariais. E este Autor considera que a proibição constante do citado normativo não impede que dentro do mesmo serviço ou unidade orgânica (conceitos que devem ser entendidos de modo muito amplo) a entidade patronal possa promover as necessárias substituições, nos limites do objecto do contrato com a extensão que lhe permite o artigo 22, n.º 2, da LCT.
O citado Autor, de se referir ao momento a partir do qual a entidade patronal fica proibida de agregar trabalhadores ao sector abrangido pela greve, adianta que não devem ser favorecidas interpretações que tendam a restringir as faculdades empresariais para além dos objectivos do artigo 6 da Lei da Greve e, portanto, só nos casos em que o processo grevista for declarado em determinados serviços ou estabelecimentos é que o empresário, antes da paralisação, deixa de poder convocar para estes serviços trabalhadores colocados em sectores não atingidos pela greve, sendo lícito à entidade patronal, no caso de uma greve que atinja toda a empresa promover a prévia redistribuição de efectivos tendo em conta a incidência previsível da greve.

Por seu turno, Jorge Leite (cfr. "Direito da Greve", Serviços de Acção Social da Universidade de Coimbra, 1994, págs. 83 e 84) considera que entre os efeitos que a greve pode desencadear encontra-se a proibição da substituição dos trabalhadores por pessoas que, à data do início da greve, não trabalhavam no respectivo estabelecimento ou serviço e proibição de admitir, a partir daquela data, novos trabalhadores. E conclui que "a proibição do artigo 6 com que a lei quer acautelar a neutralização da greve, contempla duas situações distintas: uma relativa à substituição dos trabalhadores em greve por qualquer pessoa, da empresa ou externa à empresa, que à data da notificação da greve, não trabalhasse no estabelecimento ou serviço em que esta tem lugar; a outra respeitante à admissão de novos trabalhadores. Naquele caso, a proibição de substituição é relativa, já que dela ficam excluídos os trabalhadores do mesmo estabelecimento ou serviço e apenas esses; no segundo caso, a proibição é absoluta, já que impede a entidade patronal de admitir novos trabalhadores desde a declaração até ao termo da greve, destinem-se ou não a substituir os que se encontrem em greve".

2. - Um outro elemento relevante para a determinação do sentido e alcance do artigo 6 da Lei n.º 65/77, prende-se com a noção de estabelecimento. Trata-se de um conceito que tem sido objecto de elaboração doutrinal em especial no âmbito do Direito Comercial.
Sobre a noção de estabelecimento, Fernando Olavo (cfr. "Direito Comercial", volume I, 2ª Edição, Lisboa, 1970, págs. 259 e 260) escreve:
"Na linguagem comum, o termo estabelecimento comercial significa armazém ou loja aberta ao público pelo comerciante, e neste sentido o encontramos mais de uma vez na nossa lei (v.g. artigos 95, 114, n.º 2 e 263, parágrafo único do Código Comercial)".
Não é essa porém, a única acepção em que a lei o emprega, pois utiliza-o também para designar a totalidade ou parte das coisas corpóreas afectadas ao desempenho da actividade mercantil do comerciante (artigo 425 do Código Comercial) e, ainda, não apenas as coisas corpóreas, mas aquele conjunto de bens e serviços organizados pelo comerciante com vista ao exercício da sua exploração comercial (Código Comercial, artigo 24; Código Civil, artigo 1085 e 1118; Código da Propriedade Industrial, artigo 118, parágrafo 3º; Código de Processo Civil, artigos 603, alínea i) e 1338, alínea d).
É este último sentido próprio ou técnico da palavra estabelecimento, o que corresponde ao conceito económico-jurídico de estabelecimento comercial".

Ferrer Correia (cfr. Lições de Direito Comercial, Lex, págs. 117 e 120) depois de referir que as expressões "empresa" e "estabelecimento", embora recebam, na doutrina, significados nem sempre coincidentes, podem ser tomadas como sinónimos, escreve que "empregadas as palavras na sua acepção mais lata e em sentido objectivo, estabelecimento comercial vem a significar o mesmo que o complexo da organização comercial do comerciante, o seu negócio em movimento ou apto para entrar em movimento".
E este Autor, reconhecendo que para além da acepção ampla de estabelecimento comercial, outras mais são possíveis, salienta que por estabelecimento se pode entender, designadamente "a unidade técnica de venda, de produção de bens, ou de fornecimentos de serviços. Trata-se manifestamente de uma noção mais restrita do que a anterior: com efeito, o estabelecimento - o estabelecimento na organização afectada ao exercício de um comércio ou indústria - pode compreender mais do que uma unidade técnica. Tal será o caso sempre que um comerciante, além do estabelecimento principal, tenha uma ou várias sucursais".
Por sua vez, Oliveira Ascensão (cfr. "Direito Comercial", Volume I, Parte Geral, Lisboa, 1994, págs. 492 e 493) chama a atenção para o facto de em vários diplomas emanados do Ministério do Comércio e da Indústria, haver um entendimento de estabelecimento comercial como local onde se exerce a actividade, dando como exemplo desse entendimento o Decreto-Lei n.º 239/96 de 9 de Agosto que aprova as normas de segurança contra riscos de incêndio a aplicar estabelecimento comercial, nas quais o estabelecimento é definido como "a instalação ou instalações afectadas ao exercício de actividade comercial a que o público tenha acesso" e o Decreto-Lei n.º 277/86, de 4 de Setembro, que institui o cadastro comercial, cujo artigo 1, n.º 3 dispõe que "Para efeitos do disposto neste diploma, entende-se por estabelecimento comercial o local onde sejam exercidas as actividades económicas previstas no Decreto-Lei n.º 339/85".

3. - O conceito de "estabelecimento" tem também sido debatido na doutrina e na jurisprudência, a propósito do artigo 37, n.º 1 da LCT.
É o caso do parecer de Vasco Lobo Xavier, publicado na Revista de Direito e de Estudos Sociais - Julho/Setembro de 1986, Ano XXVIII, n.º 3 págs. 443 e seguintes, que afirma, a dado passo:
"Dir-se-á, no entanto que o exacto conceito de estabelecimento que na doutrina comercialística se alcançou não tem que ser precisamente o mesmo a que o legislador recorreu no artigo 37. Com efeito, no estabelecimento comercial - entendido de acordo com aquele conceito - podem frequentemente distinguir-se "conjunto subalternos", que de algum modo nos surgem ainda como "organizações". E os próprios comercialistas falam de "uma noção mais restrita" de estabelecimento, que corresponderia à pura e simples "unidade técnica de venda, de produção de bens, ou de fornecimento de serviços", advertindo que o estabelecimento, "como organização afectada ao exercício de um comércio ou indústria", "pode compreender mais do que uma unidade técnica".
E o citado Autor, depois de fazer uma breve referência ao direito comparado, conclui:
"De toda a maneira, uma coisa é certa: mesmo para aqueles que entendem muito latamente a hipótese dos preceitos em referência, a aplicação destes supõe sempre que os "núcleos" ou "ramos" do estabelecimento global que foram transferidos "são dotados de uma autonomia técnico-organizativa própria", constituem uma "unidade produtiva autónoma", "com organização específica".

No mesmo sentido pode ver-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 30 de Junho de 1999, proferido no processo n.º 390/98, no qual se refere, a dado passo:
"Estamos perante um sector bem diferenciado do estabelecimento da Ré, por ela considerado na sua funcionalidade como uma unidade autónoma de produção, com organização técnica própria e específica avaliação dos respectivos resultados, ainda que integrado no todo empresarial da Ré em Cacia.
Destaca-se, pois, do todo como uma unidade produtiva cuja actividade podia ser desenvolvida distintamente dos outros que a Ré levava a cabo, à margem delas, constituindo um estabelecimento para os efeitos que consideramos".

Também o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2 de Outubro de 1996, "Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do STJ", ano IV, tomo III, pág. 236, se pronuncia em sentido idêntico:
"Mas, naquele artigo, exige-se que a transmissão respeite a um "estabelecimento", devendo tal conceito ser entendido em termos amplos, por forma a que abranja a "organização afectada ao exercício de um comércio ou indústria", os "conjuntos subalternos", que correspondam a uma unidade técnica de venda, de produção de bens, ou de fornecimento de serviços", desde que a unidade destacada do estabelecimento global seja "dotada de uma autonomia técnico-organizativa própria", constituindo uma unidade produtiva autónoma", com "organização específica".

Da doutrina e jurisprudência citados verifica-se, pois, que a noção de estabelecimento assume várias acepções, desde a mais restrita, próxima do conceito mais técnico-jurídico da doutrina comcercialistica, até outra, mais ampla, que não pode deixar de ligar-se ao contexto normativo no qual se insira.

4. - Presentes os elementos recenseados, é agora o momento de ensaiar a aproximação à questão que constitui o objecto da oposição, a qual, como já se referiu, se centra na interpretação do artigo 6 da Lei n.º 65/77, na parte em que dispõe que "a entidade empregadora não pode, durante a greve, substituir os grevistas por pessoas que à data do seu anúncio não trabalhavam no respectivo estabelecimento ou serviço (...)".

Não é tarefa fácil determinar os conceitos de "estabelecimento" ou "serviço", relativamente a uma empresa cuja actividade é a prestação de serviço de segurança privada a terceiros e cujos trabalhadores que exercem funções de vigilância são contratados para uma determinada zona geográfica do País, exercendo normalmente aquelas tarefas nas empresas que são propriedade de terceiros e não da sua entidade patronal.
Como se viu, a definição e concretização dos conceitos de "estabelecimento" ou "serviço" para efeitos da proibição contida no artigo 6 da Lei n.º 65/77, não pode, pela diversa natureza das realidades a ter em conta, ser objecto de uma delimitação precisa, com validade de referência às diversas hipóteses que se colocam no âmbito da organização de cada empresa.
Com efeito, só casuisticamente, atendendo, por um lado aos moldes concretos da organização de cada empresa e, por outro lado, à história e à "ratio legis" da norma constante do artigo 6 da Lei n.º 65/77, é que se poderão preencher os referidos conceitos.

5. - A anterior Lei da Greve - Decreto-Lei n.º 392/74, de 27 de Agosto - no que concerne à proibição de a entidade patronal substituir os trabalhadores grevistas por outros trabalhadores, consagrava uma solução diferente daquela que veio a ser adoptada no artigo 6 da lei n.º 65/77.
Efectivamente, o artigo 14 do citado Decreto-Lei n.º 392/74 dispunha que "enquanto durar a greve não pode a entidade patronal substituir os grevistas por pessoas que, à data da entrega das reivindicações, não estejam ligados à empresa por um contrato de trabalho".
Este normativo apenas impedia que, durante a greve, a entidade patronal substituísse os trabalhadores aderentes à greve por pessoas que não estivessem ligadas à empresa por um contrato de trabalho, possibilitando, assim, que, durante a greve, a entidade patronal agregasse ao sector atingido pela greve os trabalhadores já pertencentes à empresa, mas inseridos noutro "estabelecimento" ou "serviço".
Essa possibilidade foi afastada pelo artigo 6 da Lei n.º 65/77 na medida em que proíbe que a entidade patronal substitua os trabalhadores grevistas por outros trabalhadores que à data do anúncio de greve trabalhassem no estabelecimento ou serviço afectado pela paralisação.
E a razão de ser da proibição contida no artigo 6 da Lei n.º 65/77, situa-se, como atrás se viu, na necessidade de impedir a frustração ou o esvaziamento do direito à greve constitucionalmente consagrado.
Apesar da aplicação dessa proibição ter de ser feita casuisticamente, face aos modelos concretos da organização de cada empresa, pode ter-se como certo que constitui violação do citado artigo 6, para além do caso óbvio da admissão de novo pessoal, a transferência de local de trabalho (cfr. Monteiro Fernandes "Direito de Greve", 1982, pág. 44).

Aqui chegados, há que reconhecer a especificidade das empresas que prestam serviços de segurança privada a terceiros, especificidade essa que se traduz em as tarefas de vigilância dos seus trabalhadores serem normalmente executadas em locais que são propriedade de terceiros, aos quais a entidade patronal desses trabalhadores presta serviços de segurança, locais esses que, embora não sejam propriedade da entidade patronal, são os "locais de trabalho" dos seus trabalhadores.
Sendo assim, parece poder concluir-se que, relativamente àquelas empresas, o único critério que respeita os objectivos daquela proibição legal é o que atenda ao local de trabalho onde os trabalhadores da empresa deveriam exercer as suas tarefas de vigilância de acordo com a distribuição de serviço organizada pela empresa para vigorar durante o período que viria a ser abrangido pela declaração de greve.
Na verdade, não pode aceitar-se o critério proposto no acórdão recorrido que faz derivar a violação da proibição contida no artigo 6 da Lei n.º 65/77, na diferença entre várias actividades executadas pelos trabalhadores e não no local da prestação de trabalho.
Com efeito, nesse acórdão conclui-se não haver violação daquela proibição pelo facto de, quer os trabalhadores que substituíram os trabalhadores grevistas, quer estes, executarem a mesma actividade (vigilância) sendo irrelevante a alteração do local da prestação do trabalho.
Esta posição não é admissível em nenhuma das suas proposições.
É que basta pensar na hipótese de a entidade patronal determinar, nomeadamente com recurso ao "jus variandi", a substituição do trabalhador grevista por outro, ambos laborando no mesmo estabelecimento, embora exercendo actividades diferentes.
Nessa hipótese não há violação do artigo 6 da Lei n.º 65/77, contrariamente ao que conduziria o entendimento sufragado no acórdão recorrido.
Por outro lado, não pode confundir-se "local de trabalho" com toda a área geográfica dentro da qual o contrato de trabalho permite à entidade patronal movimentar os trabalhadores que exercem tarefas de vigilância.
É que a proibição contida no mencionado artigo 6 respeita ao local de trabalho em que o trabalhador efectivamente já trabalhava à data do anúncio da greve e não aos locais hipotéticos para onde a entidade patronal tinha o poder legal de o transferir.
Aliás, a solução oposta é susceptível de proporcionar às empresas com este tipo de organização a fraude à lei, na medida em que podem dilatar sem limites, no momento de conformar a sua organização, a área abrangida pela possibilidade de livre colocação dos seus trabalhadores.
Aceitar para os efeitos em causa como "estabelecimento" ou "serviço" toda a área geográfica prevista nos contratos de trabalho celebrados pelas empresas com este tipo de organização, seria propiciar o exaurir do exercício do direito à greve, que a proibição do citado artigo 6 visa impedir.

V - CONCLUSÃO

Do que vem expor-se, resulta que aderimos à solução adoptada no acórdão fundamento.
Na verdade, sob pena de ficarem postergados os objectivos que a proibição contida no artigo 6 da Lei n.º 65/77 visa prosseguir, impõe-se concluir que "estabelecimento" ou "serviço", na acepção daquele normativo, abrange no caso das empresas cuja actividade é a prestação de serviços de segurança privada a terceiros, o local onde, de acordo com a distribuição de serviço efectuada pela entidade patronal estava previsto o trabalhador apresentar-se para trabalhar durante a greve.
Por isso, o conflito de jurisprudência existente entre o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 7 de Dezembro de 1999, proferido no processo n.º 2116-4/99, e o acórdão de 3 de Novembro de 1999 do mesmo Tribunal da Relação, proferido no processo n.º 3895-4/99, deve resolver-se por decisão para a qual se propõe a seguinte formulação:
"1. - Para efeitos da proibição contida no artigo 6 da Lei n.º 65/77, de 26 de Agosto, há que considerar, em relação às empresas cuja actividade é a prestação de serviços de segurança privada a terceiros, atenta a especificidade da sua organização, como "estabelecimento" ou "serviço" o local onde, de acordo com a distribuição de serviço organizada pela entidade patronal, estava previsto a apresentação do trabalhador para trabalhar durante a greve.
2. - Envolve, consequentemente, violação do citado normativo a substituição desse trabalhador que aderiu á greve por outro que à data do pré-aviso da greve e até ao termo desta, não estava previsto trabalhar naquele local."

A Procuradora-Geral Adjunta
Maria Adozinda Pereira.