Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6617/07.5TBCSC.L1.S2
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: ÂMBITO DO RECURSO DE REVISTA
ART. 671º
Nº 1
DO CPC
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA RECONVENCIONAL
ACTOS PROCESSUAIS
CLAREZA DO CONTEÚDO DA NOTA DE CITAÇÃO
DATA DE EFECTIVAÇÃO DA CITAÇÃO
CONTAGEM DO PRAZO DE CONTESTAÇÃO
Data do Acordão: 03/30/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO / ACTOS PROCESSUAIS ( ATOS PROCESSUAIS ) / CITAÇÕES E NOTIFICAÇÕES / PRAZOS - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. II, 638; Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª ed., interpretação do artigo 671.º, n.º 1.
- Alberto dos Reis, na R.L.J., ano 79.º, 235-239.
- Elizabeth Fernandez, «O não estranho caso de Verónica C (A comunicação dos tribunais e a literacia jurídica)», na revista Julgar on line, em www.asjp.pt .
- Miguel Mesquita, Reconvenção e Excepção em Processo Civil, 184.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): -ARTIGOS 131.º, N.º 3, 227.º, 231.º, 671.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 29-11-1974, NO B.M.J. 241.º, 254.
-DE 5-11-1980, NO B.M.J. 301.º, 364
-DE 21-10-1997, NO B.M.J. 470, 532.
-DE 28-1-2016, EM WWW.DGSI.PT .
-DE 9-6-2016, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I. Ao abrigo do art. 671º, nº 1, do CPC, é admissível revista do acórdão da Relação que, incidindo sobre decisão de 1ª instância, determina a extinção total ou parcial da instância por via da absolvição de instância ou de qualquer outra forma de extinção da instância.

II. O acórdão da Relação que, incidindo sobre decisão da 1ª instância, declara a extemporaneidade da contestação/reconvenção determina, por si, a extinção da instância reconvencional, admitindo, por isso, recurso de revista.

III. Os actos processuais que hajam de ser reduzidos a escrito devem ser redigidos de modo que o seu teor se mostre inequívoco, o que é especialmente relevante quando se trata da citação do réu (art. 131º, nº 3, do CPC).

IV. Entre as formalidades a que obedece a citação efectuada por agente de execução encontra-se a entrega ao citado de uma nota de citação na qual deve ser indicada com precisão, além do mais, a data em que o acto foi realizado, a partir da qual se conta o prazo para a contestação (arts. 231º e 227º do CPC).

V. A ilegibilidade ou a falta de clareza da nota de citação deve ser apreciada sob a perspectiva do destinatário confrontado com o texto que lhe foi entregue, e não de forma genérica, por comparação grafológica desse documento com outros documentos elaborados pelo mesmo agente de execução que efectuou a citação.

VI. Os erros ou deficiências dos actos processuais, incluindo os praticados por agentes de execução, não podem prejudicar as partes (art. 157º, nº 6, do CPC).

VII. Revelando a nota de citação que foi entregue ao citado falta de clareza quanto à data em que a citação foi efectuada, deve considerar-se tempestiva a contestação que os réus apresentaram dentro do prazo legal contado a partir de uma das datas que a grafia empregue naquela nota de citação autorizava.

Decisão Texto Integral:

I - AA, S.A., intentou acção ordinária contra BB, CC e DD.

Tendo os RR. BB e mulher apresentado contestação, com dedução de reconvenção, foi por eles suscitada perante o juiz de 1ª instância a passagem de guias para pagamento de multa dentro dos 3 dias subsequentes ao termo do prazo. Instruíram tal pretensão com nota da citação referente ao R. DD que alegadamente indicaria uma data diversa daquela que consta da certidão de citação que foi exarada pelo solicitador de execução. Por isso, residindo esse R. fora da área da comarca, beneficiam os demais RR. do prazo de contestação que lhe foi indicado (fls. 811).

A A. opôs-se a tal pretensão por considerar que a referida nota não contrariava a certidão de citação e requereu que se determinasse o desentranhamento da contestação (fls. 822).

O R. DD veio reafirmar que a nota de citação que lhe foi entregue indicava uma data diversa da que consta da certidão de citação, sendo tempestivas as contestações que, com base nessa nota, foram apresentadas (fls. 835).

Sobre aquele requerimento incidiu despacho datado de 12-5-2008 que, atendendo à data que, segundo os RR., estava inscrita na nota de citação do R. DD, considerou tempestivas as contestações que foram apresentadas (fls. 842 a 844).

Por se tratar de acção que foi interposta antes de 1-1-2008, ou seja, antes da entrada em vigor da reforma do regime dos recursos de aprovada pelo Dec. Lei nº 303/07 que ressalvou a aplicação do regime anterior nas acções pendentes naquela data, a A. interpôs recurso de agravo (fls. 854), o qual foi admitido com subida diferida (fls. 861).

A A. apresentou as respectivas alegações que constam de fls. 1197 e segs, e os RR., por seu lado, as contra-alegações de fls. 1625 e segs.

A acção prosseguiu os seus termos normais, com realização de audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença de que foi interposto recurso por parte da A.

A Relação rejeitou o recurso de apelação da sentença, por motivos formais, decisão que este Supremo Tribunal de Justiça revogou, determinando a remessa aos autos à Relação para apreciação da apelação.

Foi então que a Relação incidiu sobre recurso intercalar (o referido recurso que fora admitido como agravo), a que deu provimento. Em resultado dessa decisão, foi declarada a extemporaneidade das contestações que haviam sido apresentadas pelos RR., determinando-se a remessa dos autos à 1ª instância para extracção dos efeitos da revelia. Em concreto concluiu a Relação conceder “provimento ao recurso de agravo interposto pela A., revogando-se o despacho recorrido, proferido em 12-5-2008, devendo os autos prosseguir em conformidade com o que acabou de ser decidido”.

Deste novo acórdão da Relação foi interposto recurso de revista por parte dos RR. em que suscitam as seguintes questões essenciais:

a) Nulidade por omissão de pronúncia, na medida em que não foi apreciada a violação, por parte do solicitador de execução, da norma do art. 131º, nº 4, do NCPC, e analogicamente o art. 253º que impõe que as datas sejam escritas por extenso e que seja disponibilizada a citado cópia legível da nota de citação;

b) Omissão de pronúncia quando à apreciação das consequências a extrair da irregularidade praticada pelo agente de execução, nos termos dos arts. 157º, nº 6, e 191º, nº 3, do NCPC;

c) Se perante a ambiguidade da data inscrita na nota de citação a Relação tinha de averiguar a data em que efectivamente teve lugar a citação do R. DD ou se deveria considerar simplesmente que existia uma irregularidade da citação traduzida na ambiguidade daquela data;

d) Se o critério para avaliar a legibilidade de um acto processual reduzido a escrito deve ser o do cidadão normal;

e) Se o facto de o acórdão assumir que a data constante da nota de citação não era clara nem evidente deve ser suficiente para considerar que havia uma divergência de datas que não podia ser resolvida contra o citado, passando a valer a data que permitia o prazo mais longo;

f) Se a apresentação da contestação para além da data que resultava da certidão de citação se deveu ao facto de a data da citação não se encontrar escrita de forma clara e evidente, sendo a citação irregular;

g) Se existe violação do princípio da proporcionalidade pelo facto de a declaração de ineficácia da contestação/reconvenção ter ocorrido já depois de ter sido realizado o julgamento e quando já haviam decorrido 8 anos sobre a sua apresentação, sendo ilegítimo julgar uma causa como se não tivesse havido contestação, depois de ter sido efectuada a audiência de julgamento que incidiu sobre os factos controvertidos.

A. contra-alegou e, para além de alegar a inadmissibilidade da revista, por falta de integração no art. 671º, nºs 1 e 2, do CPC, sustentou a posição que foi assumida no acórdão recorrido.

Os RR. fizeram juntar aos autos dois pareceres de ilustres processualistas, junção que, malgrado a oposição deduzida pela recorrida, é tempestiva, tendo em consideração o disposto no art. 680º, nº 2, com referência ao art. 651º, nº 2, do CPC. Não faz, aliás, qualquer sentido o requerimento em que foi solicitado o seu desentranhamento.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.


II – Elementos relevantes:

1. Os RR. BB e mulher CC, residentes em …, na (então) Comarca de Cascais, foram citados pessoalmente em 20-11-07, pelas 19 h e 15h – certidão de citação pessoal de fls. 613 e 614;

2. O R. DD, residente em …, na (então) Comarca de Sintra, foi citado pessoalmente em 21-11-07, pelas 13h e 15h – certidão de citação pessoal de fls. 612 e vº -, por solicitador de execução, nos termos dos nºs 1 e 7 do art. 239º do CPC, na redacção do Dec. Lei nº 38/03, de 10-8, constando do verso a assinatura desse R.;

3. A fls. 813 consta uma “Nota de Citação Pessoal” do R. DD, na qual se encontra manuscrita uma data, como data da sua citação, contendo ainda a assinatura do solicitador de execução;

4. As contestações dos RR. foram apresentadas no dia 17-1-08 – fls. 707 a 711 e 713 a 803;

5. Na questão que suscitaram acerca da oportunidade das contestações, os RR. BB e mulher CC afirmaram que a data que consta da nota de citação pessoal referida em 3. é “25-11-2007”, tendo solicitado a passagem de guias para pagamento de multa correspondente ao 3º dia depois do prazo (fls. 811 e 812);

6. Ouvida a A. defendeu que a data é de “21-11-2007”, correspondente à que consta da certidão de citação referida em 2., requerendo o desentranhamento das contestações (fls. 822 a 824);

7. O Mº Juiz de 1ª instância, na decisão que incidiu sobre essa questão, considerou que a data que consta da nota de citação era, como defendem os RR., 25-11-2007. A partir dessa base, da afirmação de que a data deveria ter sido exarada por extenso e não apenas por algarismos, nos termos do art. 138º, nº 4, do CPC de 1961, e ainda de que a divergência de datas exaradas na certidão e na nota de citação não poderia prejudicar os RR., considerou oportunas as contestações (fls. 842 a 844);

8. Tendo a A. interposto recurso de agravo com subida diferida (fls. 857 e 859), a Relação concluiu que a data que consta da nota de citação é 21-11-2007, correspondente à que consta da certidão de citação de fls. 612, sendo, por isso, intempestivas as contestações que foram apresentadas em 17-1-2008, quando o prazo máximo terminara em 11-1-2008.


III – Questão prévia:

1. Foi suscitada pela A. a inadmissibilidade da revista com o argumento de que o acórdão da Relação que incidiu sobre aquele despacho não pôs termo ao processo, nos termos do art. 671º, nº 1, do NCPC.

Retorquiram os RR. com argumentos de duas ordens no sentido da admissibilidade da revista. O principal passa por considerar que o acórdão da Relação que declarou a intempestividade das contestações em que foi deduzido pedido reconvencional, determinou, nesta parte, a extinção da instância reconvencional. Complementarmente alegaram que a revista sempre seria admissível ao abrigo do art. 671º, nº 2, do CPC, atenta a verificação de contradição jurisprudencial relativamente às questões de direito em causa.

Devendo ser dada prioridade ao primeiro fundamento invocado pelos RR. para a admissibilidade da revista, desde já se avança que a resposta é positiva em face do art. 671º, nº 1.


2. O presente recurso de revista obedece ao regime processual que decorre do CPC de 2013. Mas as particularidades do caso exigem algo mais do que esta afirmação peremptória.

Com efeito, a origem deste recurso remonta a um despacho que, no âmbito desta acção que foi instaurada em 2007, considerou tempestivas as contestações que os RR. apresentaram. Desse despacho, datado de 12-5-08, interpôs a A. recurso de agravo que foi admitido com subida diferida, tendo sido apreciado pela Relação por acórdão de 27-10-2016, no âmbito do recurso de apelação da sentença final.

Antes da prolação daquele despacho entrara em vigor o Dec. Lei nº 303/07 que alterou o regime dos recursos que estava previsto no CPC de 1961. Contudo, apesar da abolição do recurso de agravo, o regime anterior foi mantido para a impugnação de despachos proferidos em acções instauradas em data anterior à da entrada em vigor do novo regime, ou seja, anteriores a 1-1-2008.

Assim, tal como a lei então o prescrevia, aquele despacho foi impugnado mediante a interposição de recurso de agravo que foi admitido com subida diferida, nos termos que resultavam dos arts. 734º e 735º do CPC de 1961, na versão anterior às alterações de 2007.[1]

Todavia, entretanto foi publicado o NCPC e o art. 7º do respectivo diploma preambular impôs a unificação do regime dos recursos independentemente da data da interposição das acções a que respeitam, ainda que apenas relativamente às decisões posteriores a 1-9-2013.

A Relação procedeu à apreciação daquele recurso no âmbito do recurso de apelação que foi interposto da sentença final, proferindo acórdão cuja impugnação segue agora o regime previsto para o recurso de revista nos arts. 671º e segs. do NCPC (com excepção da dupla conforme).


3. Como se referiu, no âmbito do recurso de apelação que a A. interpôs da sentença que foi proferida na 1ª instância a Relação deu prioridade ao recurso (recurso de agravo) que havia sido admitido com subida diferida do despacho intercalar que considerara oportunas as contestações apresentadas pelos RR. Revogando tal despacho, considerou que as contestações apresentadas pelos RR. eram extemporâneas e ordenou que a 1ª instância daí extraísse todas as consequências legais atinentes ao efeito de revelia.

Todavia, independentemente dos efeitos que a partir de tal acórdão se projectariam na esfera dos RR., por via da ineficácia das contestações que apresentaram, o acórdão recorrido determinaria por si e de forma imediata um outro efeito processual. Na verdade, dado que os RR. introduziram na contestação pedido reconvencional, a ineficácia das contestações por extemporaneidade e o seu natural desentranhamento implicariam de forma imediata a extinção da instância reconvencional.

Como refere Miguel Mesquita, “a reconvenção, uma vez notificada ao autor, gera uma relação processual que se sobrepõe à relação originária”, de tal modo que “concluindo-se pela inadmissibilidade do meio, o tribunal deve absolver o autor (reconvindo) da instância reconvencional” (Reconvenção e Excepção em Processo Civil, pág. 184).

A instância reconvencional corre a par da instância iniciada com a instauração da acção e está sujeita às formas de extinção tipificadas no art. 277º do NCPC ou noutras normas avulsas, sobrelevando para o caso as modalidades de extinção por motivos formais, ou seja, que não decorrem da apreciação do mérito da pretensão reconvencional.

A título exemplificativo, a instância reconvencional está sujeita, como a instância normal, ao mecanismo da “absolvição da instância” por verificação de qualquer das excepções dilatórias, nos termos dos arts. 576º e 577º do NCPC, ou por verificação de motivos específicos, como o previsto no art. 266º, nº 5 (reconvenção inconveniente) ou no art. 583º, nº 3 (inércia do reconvinte quanto à prática de acto de que dependa o prosseguimento da instância).

Sem esgotar todas as particularidades da reconvenção que emergem da sua especial natureza de contra-acção movida pelo réu reconvinte contra o autor reconvindo, o art. 671º, nº 1, do CPC, em relação ao recurso de revista, regula especialmente as situações em que do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1ª instância, resulta a absolvição do réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção. Ora, como a reconvenção é dirigida contra o autor, necessariamente que o sentido de tal segmento normativo terá de ter por referência a absolvição do autor (que para esses efeitos ganha a posição de réu) da instância reconvencional.

Mas existem outras formas de extinção da reconvenção que não se reconduzem literalmente à absolvição da instância.

O art. 266º do NCPC (art. 274º do anterior CPC), a respeito dos requisitos formais e substanciais da reconvenção, prescreve a sua “inadmissibilidade” que não é mais do que uma forma de extinção da instância reconvencional equiparada à absolvição da instância. O mesmo se verifica quando, como prescreve o art. 583º, nº 2, do NCPC, o reconvinte se abstém de indicar o valor da reconvenção, em que a respectiva instância finda por verificação do seu “não atendimento”. Ou ainda quando, nos termos do art. 41º do NCPC, é declarada a “ineficácia da defesa” (na qual pode incluir-se a reconvenção) por falta de superação do pressuposto do patrocínio judiciário.


4. Segundo o art. 671º, nº 1, do CPC, cabe recurso de revista “do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1ª instância … que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto ao pedido ou reconvenção deduzidos”.

De acordo com tal preceito que modificou o que anteriormente se prescrevia, para a aferição da admissibilidade da revista é atribuído relevo ao efeito extintivo da instância que emana do acórdão da Relação, independentemente daquele que produziria a decisão da 1ª instância sobre que incidiu. Mele se integra o acórdão que, conquanto não aprecie o mérito da causa (situação já contida no primeiro segmento do preceito), ponha termo (total ou parcial) ao processo quanto a todos ou algum dos réus ou quanto a todos ou algum dos pedidos ou pedido reconvencional.

Mas a formulação normativa não prima pela clareza e confronta-nos, desde logo, com uma aparente contradição entre o primeiro segmento que se refere ao acórdão que “ponha termo ao processo” (o que poderia significar a extinção total da instância) e o segundo que nos reconduz à absolvição parcial da instância (quanto ao réu ou de alguns réus ou quanto ao pedido algum dos pedidos formulados pelo autor ou pedido reconvencional). Integrando também este último segmento normativo os casos de absolvição parcial da instância (relativamente a algum dos réus ou a algum dos pedidos formulado contra o réu ou algum dos réus), o acórdão com este teor não põe rigorosamente “termo ao processo”, mas apenas a uma parte do processo decomposto em algum dos seus elementos objectivo e/ou subjectivo. Ainda assim, parece evidente que assegura a possibilidade de interposição do recurso de revista de decisões que se traduzem na extinção parcial da instância, seja da instância iniciada pelo autor, seja da que resultou de uma iniciativa do réu.

No caso estamos confrontados com a extinção da instância reconvencional que emerge do acórdão da Relação, na medida em que considerou intempestiva a contestação e determinou a ineficácia de todo esse articulado, incluindo naturalmente o segmento que tratava do pedido reconvencional.

5. Mas o preceito suscita outra dificuldade cuja resolução já não é tão evidente. Textualmente apenas alude à “absolvição da instância”, sendo pertinente inquirir se, apesar disso, obedecem ao mesmo regime os acórdãos da Relação que, incidindo sobre decisões de 1ª instância, ponham termo ao processo, ou seja, determinem a extinção da instância por uma forma diversa da “absolvição da instância”, designadamente quando é confirmada a decisão da 1ª instância que pôs termo ao processo por algum dos motivos formais anteriormente referidos e mais especificamente quando, como ocorreu no caso, é revogado o despacho recorrido que admitiu a contestação/reconvenção e declarou a extinção da instância reconvencional.

Esta mesma questão já foi abordada por este mesmo colectivo no Ac. do STJ, de 28-1-16 (www.dgsi.pt), relatado pelo ora relator, relativamente a uma situação paralela em que estava em causa a apreciação de recurso de revista de um acórdão da Relação que, por motivos formais, rejeitara o recurso de apelação interposto de sentença de 1ª instância.

Tal aresto tem o seguinte sumário:

“1. A admissibilidade do recurso de revista, nos termos que constam do art. 671º, nº 1, do NCPC, deixou de estar associada ao teor da decisão da 1ª instância, como se previa no art. 721º, nº 1, do CPC de 1961, e passou a ter por referencial o resultado declarado no próprio acórdão da Relação.

2. Esta alteração não teve como objectivo restringir o âmbito da revista, mas prever a sua admissibilidade, para além dos casos em que o acórdão da Relação, incidindo sobre decisão da 1ª instância, aprecia o mérito da causa, aqueles em que, nas mesmas circunstâncias, põe termo total ou parcial ao processo por razões de natureza adjectiva.

3. É admissível recurso de revista do acórdão da Relação que, incidindo sobre sentença de 1ª instância, se abstém de apreciar o mérito do recurso de apelação por incumprimento dos requisitos constantes do art. 640º do CPC e/ou por extemporaneidade do recurso”.

Foi para esse acórdão, aliás, que este mesmo colectivo remeteu no anterior acórdão proferido nos presentes autos (Ac. do STJ, de 9-6-16, em www.dgsi.pt) no âmbito do primeiro recurso de revista que foi interposto do acórdão da Relação que, a pretexto da falta de acatamento do despacho de convite ao aperfeiçoamento das conclusões respeitantes ao recurso de apelação interposto pela A., se absteve de apreciar o seu mérito.

É deste último acórdão o seguinte segmento do sumário:

“Ao abrigo do art. 671º, nº 1, do CPC, é susceptível de revista o acórdão da Relação que se abstém de apreciar o mérito da apelação com fundamento no incumprimento do ónus de alegação previsto nos arts. 639º e 640º do CPC”.

A mesma questão surge agora relativamente a um efeito semelhante que afecta a pretensão reconvencional, sendo transponíveis para o caso os argumentos que já anteriormente foram utilizados.

6. Tal como já o afirmámos nos anteriores arestos mencionados, é de admitir recurso de revista dos acórdãos da Relação em que, por motivos formais, seja determinado, no todo ou em parte, o efeito extintivo da instância. Tal ocorre designadamente com a verificação ou confirmação de circunstâncias reveladoras da impossibilidade ou da inutilidade superveniente da lide, da deserção do recurso de apelação, da sua rejeição por inverificação dos respectivos pressupostos (v.g. ilegitimidade, extemporaneidade) ou de requisitos formais (v.g. falta de alegações ou de conclusões) ou, como ocorre in casu, com a extinção da instância reconvencional.

Com efeito, emergindo de todas estas situações a extinção total ou parcial da instância, ainda que por uma via não coincidente com a absolvição da instância, não se detecta fundamento racional que implique uma diferenciação quanto aos mecanismos impugnatórios, como já o explicámos nos referidos arestos com argumentos que conjugam a evolução histórica do recurso de revista com a teleologia do preceituado no art. 671º, nº 1, do NCPC.

De modo mais sintético:

a) Na versão do CPC de 1961, antes da reforma de 2007, cabia recurso de agravo do acórdão da Relação sobre decisão da 1ª instância que pusesse “termo ao processo”, salvo nos casos em que havia lugar a revista. Consequentemente, do acórdão da Relação proferido no âmbito de recurso de apelação, mas que não tivesse tomado conhecimento do seu objecto, cabia agravo continuado, nos termos gerais, ao abrigo do art. 754º, nº 3, com referência ao art. 734º, nº 1, al. a).;

b) Com reforma do regime dos recursos de 2007 o recurso de agravo em 2ª instância foi absorvido pelo recurso de revista, nos termos que ficaram a constar do art. 721º do CPC de 1961. Mas relativamente a tais situações continuou a ser assegurada a impugnação para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos gerais, já que o acórdão da Relação determinativo de qualquer forma de extinção da instância era proferido no âmbito de recurso de apelação interposto de sentença de 1ª instância, como o exigia expressis verbis o nº 1 do art. 721º;

c) A norma do art. 671º, nº 1, do NCPC procurou integrar os casos em que do próprio acórdão da Relação – e já não necessariamente a decisão de 1ª instância sobre a qual incidiu – decorre a extinção parcial da causa, por envolver apenas algum dos réus ou algum dos pedidos, devendo ser colocado num plano secundário o segmento que se reporta à forma de extinção da instância;

d) Sendo verdade que, em termos puramente literais, o acórdão da Relação que, incidindo sobre decisão da 1ª instância, determina a ineficácia da contestação/reconvenção, não corresponde formalmente a uma decisão de “absolvição do réu da instância”, não se antolham motivos para que na interpretação do preceito nos centremos nesse pormenor em lugar de se privilegiar o efeito extintivo da instância. Nesta medida a alusão à “absolvição da instância” encontra justificação no facto de se tratar da forma mais comum de extinção da instância, bem distante, aliás, das demais vias previstas no art. 277º, als. b) a e), do NCPC, ou noutras normas avulsas, designadamente em matéria de recursos (art. 652º, nº 1, als. b) e h), e art. 655º);

e) Enfim, como já o fizemos nos dois acórdãos anteriormente citados (e o ora relator em Recursos no NCPC, 3ª ed.), propugnamos uma interpretação do art. 671º, nº 1, do NCPC, que equipara as situações em que o efeito extintivo total ou parcial é consequência de qualquer motivo de ordem formal aos casos em que o acórdão da Relação põe termo ao processo mediante “absolvição da instância” do réu ou de algum dos réus quanto a algum dos pedidos as demais.

Em conclusão, desde que o acórdão da Relação determine a extinção total ou parcial da instância quanto ao réu ou a algum dos réus, relativamente ao pedido ou a algum dos pedidos do autor ou a pedido reconvencional, é de admitir a revista, verificados os demais pressupostos gerais.

7. Assim aconteceu no caso sub judice. Como se disse, a declaração de extemporaneidade da contestação/reconvenção foi assumida no pressuposto de que tinha sido praticado fora do prazo peremptório fixado por lei, com resultado na extinção do direito de contestar e de reconvir, nos termos que então estavam previstos nos arts. 145º, nº 3, 486º, nº 1, e 501º, nº 1, do CPC de 1961 (equivalentes aos arts. 139º, nº 3, 569º, nº 1, e 583º, nº 1, do NCPC).

Se acaso se consolidassem os efeitos do acórdão recorrido, a 1ª instância teria de extrair do mesmo o efeito da revelia dos RR. pelo decurso do prazo peremptório para a apresentação da contestação, julgando a acção como se os RR. não tivessem contestado. Mas, além disso, independentemente de qualquer outra intervenção posterior, o acórdão da Relação projectaria, por si, sem qualquer outra decisão da 1ª instância, a extinção da instância reconvencional que formalmente se iniciou com a apresentação da contestação/reconvenção, nos termos do art. 264º do CPC de 1961 (equivalente ao 259º, nº 1, do NCPC). A partir desse momento, por mero efeito do acórdão da Relação que incidiu sobre um despacho da 1ª instância, a pretensão reconvencional seria processualmente eliminada, sem possibilidade de ser objecto de apreciação quanto ao seu mérito.

É para situações como esta que se justifica a admissibilidade do recurso de revista, sem que deva restringir-se a aplicabilidade do art. 671º, nº 1, do CPC, às decisões que formalmente correspondam à “absolvição da instância”. Mais do que a qualificação jurídico-formal, deve ser atribuído relevo ao efeito prático-jurídico de uma decisão que determinaria a extinção da instância reconvencional. Afinal, nem as regras do processo civil, nem os princípios que o enformam são propícios a privilegiar uma interpretação meramente literal do preceito, como a defendida pela A., devendo as soluções contar também com o apoio de outros elementos de interpretação, por forma a evitar, como aconteceria no caso concreto, que ficassem excluídas da intervenção do Supremo Tribunal de Justiça acórdãos da Relação que, projectando um efeito semelhante ao da absolvição da instância, assumem outra denominação formal.


8. Ademais, a recusa da revista que agora é defendida pela A. revelar-se-ia contraditória com um outro efeito que já se produziu nestes autos quando este Supremo admitiu a apreciação do recurso de revista do acórdão da Relação que se absteve de apreciar a apelação que fora interposta pela A. com fundamento no incumprimento de um despacho de convite ao aperfeiçoamento e que, se acaso se tivesse consolidado, colocaria um ponto final na pretensão que a mesma deduzira na presente acção.

Foi através de semelhante argumentação de base racional, que passou para um plano secundário o elemento literal que se extrai do art. 671º, nº 1, do NCPC, que foi possível a este mesmo colectivo reapreciar e revogar o anterior acórdão da Relação concluindo, de modo semelhante, que, “ao abrigo do art. 671º, nº 1, do CPC, é susceptível de revista o acórdão da Relação que se abstém de apreciar o mérito da apelação com fundamento no incumprimento do ónus de alegação previsto nos arts. 639º e 640º do CPC” (Ac. do STJ, de 9-6-16, em www.dgsi.pt).

Não fora a admissibilidade desse recurso de revista que foi sustentada na mesma interpretação que agora fazemos do art. 671º, nº 1, do CPC, e a A. – que agora se insurge com tanto ímpeto contra a revista interposta pelos RR. – estaria neste momento confrontada com o trânsito em julgado da sentença da 1ª instância que julgara improcedente a acção e procedente a reconvenção deduzida pelos RR. Foi a mesma interpretação que partiu da equiparação entre os efeitos materiais da “absolvição da instância” e os efeitos de outras decisões de que emerge o mesmo efeito material que proporcionou à A. a reversão do anterior acórdão da Relação.

Neste contexto, admitindo que a Justiça constitui um objectivo que deve ser prosseguido não apenas pelos Tribunais como ainda pelas próprias partes (em vez de o interesse destas se focar ou fixar apenas na obtenção de resultado favorável), revela-se inadmissível a objecção que a A. inscreveu nas suas contra-alegações de que “o efeito de absolvição da instância, resultante da procedência de uma excepção e obstativo do conhecimento do mérito da causa (art. 576º, nº 2, do CPC), tem um alcance bem preciso, o qual não se identifica, de modo algum, com o reconhecimento da intempestividade das contestações na acção”, ou de que na concepção dos RR. – que a A. repudia, neste caso, depois de a ter assumido no caso paralelo que lhe interessava – “muitas seriam as situações de efeito equiparado ao da absolvição da instância … permitindo desse modo a revistas que o legislador quis, declaradamente, restringir com o regime legal de recursos …” (fls. 3254).

Tal objecção revela uma manifesta inversão do entendimento que a mesma A. expressou no anterior recurso de revista em que, em lugar de uma interpretação meramente literal do preceito, defendeu, com toda a razão que lhe foi dada por este mesmo Supremo, ser mais ajustada uma interpretação de ordem racional e sistemática que enquadrasse no preceito outras formas de “extinção da instância”, ainda que sob vestes diversas da “absolvição da instância”.

Por conseguinte, considera-se admissível o recurso de revista interposto pelos RR, ao abrigo do art. 671º, nº 1, do CPC.

IV – Apreciando a revista

1. O quotidiano judiciário é fértil em eventos cuja resolução nem sempre encontra resposta imediata nas regras adjectivas, apesar de estas deverem ser elaboradas de modo que proporcionem decisões seguras a todos os quantos das mesmas se servem. Clareza e segurança que igualmente é de exigir quanto à prática dos actos processuais, devendo eliminar-se as possibilidades de confrontar os sujeitos processuais com situações dúbias.

Assim deve acontecer – e com especial relevo – em matéria de citação dos réus, interessando-nos em especial para o caso o modo como, em Novembro de 2007, se encontrava regulada a realização desse acto processual e as formalidades que eram exigíveis ao agente de execução que o realizou.

2. A citação através de solicitar de execução constituía (e ainda constitui) uma das modalidades de citação pessoal prevista no art. 233º, nº 2, al. c), do CPC de 1961, sendo de utilizar em casos de frustração da citação por via postal (art. 239º, nº 1).

Nos termos do nº 2 deste preceito, o solicitador deveria comunicar ao réu citado os elementos referidos no art. 235º, especificando-os na certidão de citação para juntar aos autos e elaborando uma nota com as indicações essenciais para ser entregue ao citado (nºs 2 e 3). Entre as indicações que a nota deveria conter – com clareza, por forma a evitar qualquer dúvida – achava-se a indicação do prazo dentro do qual o citado podia oferecer a defesa, ora através da indicação precisa do termo do prazo (contando o prazo legal, eventuais dilações e eventuais interrupções decorrentes de férias judiciais), ora mediante a indicação do prazo legal e do modo de contagem. Relevante era, sem dúvida, a indicação da data precisa em que se iniciava a contagem do prazo, correspondente ao dia da citação, o qual, figurando na certidão de citação, deveria coincidir com aquele que ficasse a constar da nota de citação.

A lei nada esclarecia (nem esclarece) acerca do objectivo da nota de citação, mas é fácil perceber que, sendo a citação o acto formal que se destina a tornar o réu ciente da pendência da demanda, para que nela possa defender-se, a nota de citação deve ser rigorosa nos seus termos, de tal modo que, por si, esclareça o citado e, depois, o respectivo advogado quanto aos elementos essenciais para a apresentação da defesa, incluindo o prazo respectivo.

Alberto dos Reis já referia, a este respeito, em face de uma modalidade de citação congénere (efectuada por funcionário judicial), que “para que as indicações verbais, dadas ao citado pelo funcionário, se não percam o funcionário transcreve-as na nota de citação”, onde menciona “o prazo dentro do qual pode ser oferecida a defesa”; acrescentava com toda a lucidez que teria de ser declarado a data da citação “para que o citado possa informar, com segurança, o seu advogado do dia em que foi citado, dia a partir do qual se conta o prazo para a contestação ou o prazo da dilação e a seguir o prazo para a contestação …”. (Comentário ao CPC, vol. II, pág. 638).

Tendo em vista este objectivo, a nota de citação deveria seguramente apresentar-se legível e clara quanto à data em que foi efectuada a citação, a partir da qual se contabilizaria o prazo para a apresentação da defesa, não sendo adequado exigir do citado a memorização do dia efectivo em que ocorreu a citação ou impor ao respectivo mandatário a consulta dos autos para confirmar a correspondência entre a data que foi inserida na certidão e a que figura na nota de citação (no Ac. do STJ, de 21-10-97, BMJ 470º, pág. 532, concluiu-se precisamente que não é curial obrigar-se a parte, quando notificada de um acto processual, a ir consultar o processo, por forma confirmar ou infirmar o que consta da notificação).

Sem necessidade do argumento tecido pelos recorrentes acerca da obrigatoriedade de serem redigidos por extenso os números e as datas inseridos na certidão de citação ou na nota de citação, nos termos que constavam do art. 138º, nº 4, do anterior CPC, sem dúvida que era indispensável que essa indicação fosse feita de modo legível e inteligível, a fim de habilitar os interessados a apreender, sem riscos de ambiguidade ou de incerteza, os elementos decisivos para o exercício atempado do direito de defesa, nos termos do nº 3.

3. Nesta medida, consideramos que era invocável pelo citado a falta de clareza do teor da nota de citação se e na medida em que a mesma deixasse transparecer dúvidas acerca do seu conteúdo, com reflexos no exercício oportuno do seu direito de defesa.

Tal exigência é mais firmemente assegurada quando os actos que devam ser reduzidos a escrito são executados através de meios computacionais ou dactilográficos, mas encontra larga margem de discussão naqueles em que o funcionário ou o agente de execução opta por textos manuscritos, cuja legibilidade fica muito dependente quer da caligrafia do subscritor, quer da aptidão de quem os lê.

Numa sociedade como a nossa em que é frágil o nível de literacia legal e judiciária ligado à capacidade de compreender o significado de actos que respeitam a processos judiciais, é vedado “punir” os destinatários pelos efeitos de uma deficiente percepção ou interpretação de textos que se apresentem num formato e numa linguagem que não seja compreensível ou legível pelo comum dos cidadãos nas mesmas circunstâncias.

Sobre esta problemática e sobre o dever de agir que impende sobre as instâncias judiciárias cfr. Elizabeth Fernandez, “O não estranho caso de Verónica C (A comunicação dos tribunais e a literacia jurídica)”, na revista Julgar on line, em www.asjp.pt, onde reflecte sobre os resultados de um inquérito realizado em torno da interpretação de actos judiciais, como a notificação de injunção e a citação judicial, e da terminologia neles empregue, em conexão com o princípio do contraditório.

Para acautelar os efeitos negativos que decorrem de erros ou omissões imputáveis aos serviços judiciais, prescrevia o art. 161º, nº 6, do CPC de 1961 (e agora o art. 157º, nº 6, do NCPC), que “os erros ou omissões dos actos praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes”.

Conquanto não se aluda em tal preceito aos actos praticados por agente de execução, deve ser estabelecida a equiparação, tendo em conta o que decorria, por exemplo, do art. 233º, nº 2, al. c), do CPC de 1961 (art. 225º, nº 2, al. c), do NCPC), e atenta a qualidade de auxiliar desses agentes no que respeita à prática de actos processuais.

4. Como se disse, as exigências são especialmente rigorosas no que respeita ao acto de citação, tal o seu relevo processual e as suas repercussões na esfera jurídica do demandado, o que é bem visível através da leitura de diversos preceitos dispersos.

Desde logo, pela consequência referida no art. 198º, nº 1 (art. 195º do NCPC) quanto aos efeitos de formalidades prescritas na lei. Sendo inobservadas, implicavam a nulidade da citação, desde que a falta cometida pudesse prejudicar a defesa do citado (nº 3), nulidade que era de conhecimento oficioso, nos termos do art. 202º, nº 1 (art. 196º do NCPC).

Além disso, nos casos mais graves em que, realizada a citação, o demandado se mantivesse em situação e revelia, determinava o art. 483º (art. 566º do NCPC) que o juiz deveria vigiar especialmente o cumprimento das formalidades legais, determinando a repetição do acto quando encontrasse irregularidades.

Desse regime legal transparecia, nas palavras de Alberto dos Reis, o “horror à revelia” (RLJ, ano 79º, pág. 238), de tal modo que, perante irregularidades susceptíveis de interferir, em abstracto, no exercício do direito de defesa, se privilegiava a repetição da diligência, afastando, ainda que por excesso, o risco de ser proferida decisão à revelia do demandado. Já para os casos em que a irregularidade se traduzisse na concessão de um prazo superior ao legalmente previsto, a ordem que emanava do art. 198º, nº 3 (art. 191º, nº 3, do NCPC), era a de considerar tempestiva a prática do acto dentro desse prazo, num sinal claro de que os erros de terceiros não deveriam prejudicar o exercício do direito de defesa, como se estabelecia na norma geral do art. 161º, nº 6 (art. 157º, nº 6, do NCPC).

É neste contexto normativo e dentro dos princípios que o enformam que deve enquadrar-se a concreta situação, no pressuposto de que o direito processual deve assegurar, sem qualquer dúvida, o exercício dos direitos conferidos às partes, com especial destaque para os que rodeiam o exercício do direito de defesa.


5. No caso concreto, a Relação entendeu que a data que ficara aposta na nota de citação era a de 21-11-2007 e, com isso, declarou a intempestividade das contestações. Tal já não ocorreria se acaso tivesse concluído, como na 1ª instância, que a data era a de 25-11-2007. Nesta eventualidade, a concessão do prazo de 30 dias para contestar, acrescida da dilação de 5 dias pelo facto de o R. DD residir fora da comarca e do uso da extensão excepcional do prazo mediante pagamento de multa, faria com que as contestações apresentadas pelos RR. em 17-1-2008 fossem tempestivas.

Esta divergência revelada pelas instâncias relativamente a um tão importante dado constitui um elemento que favorece a tese dos RR. no sentido da verificação de uma situação rodeada de alguma ambiguidade que poderá ter determinado implicações no exercício oportuno do seu direito de defesa.

Não vamos correr o mesmo risco de “adivinhar” qual a precisa data que foi aposta na nota, pois não é a partir de juízos formulados a posteriori relativamente a elementos que objectivamente suscitam dúvidas de leitura e de interpretação que devem ser resolvidos problemas como aquele com que nos defrontamos. De modo algum se justifica também que sejam formulados juízos de natureza pericial que apenas fariam sentido se acaso tivesse sido questionada a veracidade do documento, sendo deslocados no contexto em que nos situamos de mero confronto com o teor de um documento com o único objectivo de verificar se o mesmo apenas admite uma leitura ou se, ao invés, a grafia utilizada suscita dúvidas objectivas.

Sem avançar com qualquer conclusão que possa ser confundida com um juízo pericial (para o que sempre faltariam habilitações grafológicas) e situando-nos apenas no plano de quem observa a nota de citação para dela extrair o que dela resulta imediatamente, é claro que o segundo algarismo do número correspondente ao dia de Novembro (seja 21, seja 25) não tem a menor semelhança com os algarismos correspondentes à indicação do mês de Novembro (11), o que por si só confirma a justeza das dúvidas que foram suscitadas nos autos.

Aliás, a Relação não deixou de asseverar também no acórdão recorrido que “efectivamente, não consta de forma clara e evidente que a mencionada nota de citação tenha a data de 25-11-2007”, para logo de seguida, numa espécie de interpretação autêntica do respectivo texto, concluir, com diversa argumentação, que a data era de 21-11-2007.

Seguro é que o confronto com tal documento confirma, de facto, que a indicação do concreto dia do mês de Novembro a que respeitaria a citação (21 ou 25), para além de ter sido feita sob a forma manuscrita, não é totalmente clara nem aos olhos de quem agora a observa, nem de acordo com a apreciação que seria feita por quem, na ocasião, dela pudesse fazer uso, fosse o R. DD, fosse o mandatário judicial que pelo mesmo foi designado.


6. Sendo certo que a citação do R. DD ocorreu no dia 21-11-2007, não é este o facto que releva para a resolução da questão, antes o que emerge da leitura proporcionada pela nota de citação que nessa ocasião lhe foi entregue que deveria indicar, além do mais, o dia a partir do qual se iniciaria o prazo para o exercício do direito de defesa.

Importa, pois, que analisemos a nota de citação como o instrumento que serviu de base à realização de diligências para a apresentação da defesa que levariam os RR. a ter de observar um determinado prazo para a apresentação da contestação. A afirmação da data precisa que ficou a constar da nota de citação que foi entregue ao R. DD deve basear-se unicamente no teor e na forma desse documento, sem possibilidade de estabelecer o confronto com outros documentos que foram elaborados pelo mesmo agente de execução. Basta-nos, assim, a incerteza quanto ao termo a quo que teria sido aposto na nota de citação que foi entregue ao R. DD, a qual está junta a fls. 813.

Sendo de presumir que a entrega ao citado de uma nota de notificação, com as indicações referidas, tem como efeito proporcionar-lhe de imediato os elementos essenciais para o exercício do direito de defesa, é a partir do seu teor, e não de apreciações grafológicas de outros documentos, que podem ser extraídas conclusões relativamente à observância ou inobservância das formalidades que devem rodear o acto de citação.

Assim o defendia Alberto dos Reis, em anotação concordante com o que fora decidido no Ac. do STA, de 4-6-1946, na qual, a respeito de uma situação pautada pela divergência entre a data da citação e aquela que foi indicada na nota de citação, afirmava que “a defesa do citado tem de ser recebida, desde que seja apresentada dentro do prazo resultante das indicações exaradas na nota” e que “a lei quer que o citado se guie pelas indicações constantes da nota, para isso é que impõe ao oficial de justiça o dever de a lançar no duplicado; logo o citado procede correctamente se fizer fé pelo que o funcionário lhe deixou escrito, sem ter que se preocupar com a exactidão ou o erro da declaração inserta na nota” (RLJ, ano 79º, págs. 235 a 239). Entendimento que igualmente foi adoptado nos Acs. do STJ, de 5-11-80, no BMJ 301º, pág. 364, ou de 29-11-74, no BMJ 241º, pág. 254.


7. É a segurança e a certeza que devem ser privilegiadas numa campo em que se trata de apreciar a multiplicidade de actos em que se desdobra a citação do réu, sem olvidar de modo algum o nível de exigência que o legislador impôs relativamente ao primeiro e principal acto destinado a proporcionar o exercício do direito de defesa.

Nesta perspectiva, a detecção de uma situação geradora de ambiguidade susceptível de influir no exercício tempestivo do direito de defesa do demandado não deve reverter contra si, mas a seu favor.

Aliás, numa situação de dúvida objectiva sobre a indicação precisa da data que ficou inscrita na nota de citação ou mesmo sobre os reais efeitos que isso determinou no exercício da defesa é desajustada uma decisão que reverta em prejuízo do sujeito implicado. Na dúvida – e trata-se, como as instâncias os reconheceram, de uma dúvida objectiva – a solução deve pender para os RR. que, aliás, tiveram a iniciativa de confrontar o tribunal de 1ª instância logo que apresentaram as contestações e que, quando foram confrontados com as objecções apresentadas pela A., trouxeram aos autos o elemento de que dispunham e no qual sustentaram a tempestividade do acto de defesa a partir de uma determinada data permitida por uma leitura da nota de citação que fora entregue ao R. DD.

Refira-se ainda que numa putativa situação de revelia absoluta – em resultado da falta de contestação e da falta de intervenção no processo – o tribunal não deixaria de verificar se a citação fora feita de acordo com as formalidades legais, nos termos do art. 566º do CPC, ordenando a sua repetição caso fossem encontradas irregularidades.

Ora, seria essa a situação em que os RR. ficariam se não tivessem sido aceites pelo Mº Juiz da 1ª instância as contestações que foram apresentadas ou se, agora, fosse confirmado o acórdão da Relação que determinou a ineficácia da contestação/reconvenção.

Tendo sido detectada, por iniciativa dos RR., uma irregularidade que afectou a nota de citação que foi entregue ao R. DD, não podemos chancelar uma efectiva situação de revelia que objectivamente resultaria da ineficácia das contestações com fundamento na sua extemporaneidade e que se repercutiria também na extinção da instância reconvencional.

Neste pressuposto, é revogado o acórdão recorrido, determinando-se que a Relação proceda à apreciação do mérito da apelação que a A. apresentou da sentença.

Aliás, a solução dada à questão de natureza formal tem ainda o cunho de privilegiar a apreciação do mérito da causa, tanto no que respeita às pretensões deduzidas pela A. como às que foram introduzidas pelos RR. através da reconvenção.


V – Face ao exposto, julgando procedente a revista, revoga-se o acórdão recorrido, sendo repristinado o despacho da 1ª instância que admitiu as contestações que foram apresentadas pelos RR.

Consequentemente determina-se a remessa dos autos à Relação para apreciação do mérito da apelação que foi interposta pela A. da sentença de 1ª instância.

Custas desta revista e da anterior apelação a cargo da A.

Notifique.

Lisboa, 30-3-17


Abrantes Geraldes (Relator)

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo

_________________


[1] Este era um dos casos em que a retenção do agravo era especialmente prejudicial aos interesses da administração da justiça, na medida em que permitia, como permitiu, que prosseguisse a normal tramitação sem uma resolução imediata da questão em torno da oportunidade ou da extemporaneidade dos articulados.
Tal regime nem sequer foi remediado na reforma de 2007, pois que o art. 691º, nº 2, al. h), de 1961, apenas prescreveu a apelação imediata de decisões interlocutórias respeitantes à admissão ou rejeição de meios de prova.
Apenas com a opção que agora consta do art. 644º, nº 2, al. d), do NCPC, se estabeleceu a equiparação a essas decisões daquelas que, como a dos autos, incidem sobre a admissão ou rejeição de algum articulado.