Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JSTJ00027833 | ||
| Relator: | MIRANDA GUSMÃO | ||
| Descritores: | EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA PROCESSO ADMINISTRATIVO NULIDADE TRIBUNAL COMPETENTE COMPETÊNCIA | ||
| Nº do Documento: | SJ199601180880252 | ||
| Data do Acordão: | 01/18/1996 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Referência de Publicação: | BMJ N453 ANO1996 PAG389 | ||
| Tribunal Recurso: | T REL LISBOA | ||
| Processo no Tribunal Recurso: | 547/95 | ||
| Data: | 06/29/1995 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | AGRAVO. | ||
| Decisão: | PROVIDO. | ||
| Indicações Eventuais: | ALVES CORREIA GARANTIAS DO PART EXPR UTIL PÚBL PÁG114. ESTEVES OLIV COD PROC ADM COMENT VOLII PÁG163. LUÍS ARAÚJO ANOT ART134. | ||
| Área Temática: | DIR ADM - ADM PUBL. DIR PROC CIV. | ||
| Legislação Nacional: | CEXP76 ARTIGO 13 ARTIGO 14 ARTIGO 70 N4. CPA91 ARTIGO 134 N2. CPC67 ARTIGO 66. CPP87 ARTIGO 8. | ||
| Sumário : | I - Nos processos de expropriação o Tribunal Comum não tem competência para apreciar da ilegalidade (nulidade) do acto de declaração de utilidade pública. II - Pelo que o acórdão recorrido não pode ser mantido, ao apreciar essa nulidade, por não se tratar de uma questão prejudicial do litigio. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Horta interpôs recurso do despacho de 12 de Janeiro de 1995, proferido no processo de expropriação litigiosa n. 11/95, que, na sequência da declaração de utilidade pública urgente de expropriação constante da Resolução n. 189/90, de 26 de Dezembro, do Governo Regional dos Açores, publicado no respectivo Jornal Oficial, indeferiu liminarmente o pedido de adjudicação da parcela pertencente a A, casado com B, com fundamento na falta de identificação dessa parcela e na caducidade da declaração expropriativa. A Relação de Lisboa, no seu acórdão de 29 de Junho de 1995, negou provimento ao agravo tão somente com o fundamento na falta de identidade da parcela identificada. O Excelentíssimo Procurador Geral Adjunto no Tribunal da Relação de Lisboa agravou, formulando as seguintes conclusões: 1.) os Tribunais Comuns apenas podem declarar a nulidade do acto administrativo no âmbito de uma função jurisdicional. 2.) O despacho previsto no artigo 70 n. 4 do Código das Expropriações (aprovado pelo Decreto-Lei n. 845/76, de 11 de Dezembro) não confere ao Juiz do Tribunal Comum o poder de apreciar a legalidade da expropriação cujo controle se mantém na exclusiva competência dos Tribunais Administrativos. 3.) Em consequência, no caso concreto estava ao Juiz do Tribunal Comum vedado indeferir liminarmente o pedido de adjudicação da propriedade com fundamento na ilegalidade do acto administrativo de declaração de utilidade pública. 4.) O artigo 13 n. 2 do Código das Expropriações apenas exige, em caso de expropriação urgente, que a declaração de utilidade pública dos prédios a expropriar seja acompanhada de uma planta indicando o terreno necessário para a realização da obra que dá causa a expropriação, exigência que foi observada no caso concreto. 5.) Havendo dúvidas quanto à legibilidade da cópia da planta junto aos autos deveria o Meritíssimo Juiz ordenar o aperfeiçoamento da petição no uso da faculdade conferida pelo artigo 477 n. 1 do Código de Processo Civil. 6.) Ainda que se concluísse pela ilegibilidade do original da planta anexa à declaração de utilidade pública, o que dos autos não resulta, o vício assim detectado, porque respeitava à publicação do acto de declaração de utilidade pública e não ao seu objecto, apenas implicava a ineficácia jurídica desse acto. 7.) Escapa à competência do Tribunal Comum o conhecimento da ilegalidade de que porventura se mostrava afectado o acto administrativo em causa. 8.) Ao decidir diversamente violou o douto acórdão recorrido o disposto nos artigos 13 n. 2 14 e 70 n. 4 do Código das Expropriações, o artigo 133 n. 2 alínea c) e 134 n. 2 do Código do Procedimento Administrativo e o artigo 3 e 26 n. 1 alínea f) do E.T.A.F.. Corridos os vistos, cumpre decidir. II Questões a apreciar no presente recurso. A apreciação e a decisão do presente recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, passa pela análise de duas questões: a primeira, se o despacho previsto no artigo 70 n. 4 do Código das Expropriações (aprovado, pelo Decreto-Lei n. 845/76, de 11 de Dezembro) não confere ao Juiz do Tribunal Comum o poder de apreciar a legalidade da expropriação cujo controle se mantém na exclusiva competência dos Tribunais Administrativos; a segunda, se escapa à competência do Tribunal Comum o conhecimento da ilegalidade de que porventura se mostrava afectado o acto administrativo em causa. A segunda questão ficará prejudicada na sua apreciação no caso de se dar resposta afirmativa à primeira questão. Abordemos tais questões. III Se o despacho a que se refere o artigo 70 n. 4 do Código das Expropriações (aprovado pelo Decreto-Lei n. 845/76, de 11 de Dezembro) não confere ao Juiz do Tribunal Comum o poder de apreciar a legalidade da expropriação cujo controle se mantém na exclusiva competência dos Tribunais Administrativos. 1. Posição da Relação e do recorrente 1a) A Relação de Lisboa decidiu, no seu acórdão de 29 de Junho de 1995, ser incontroverso, na hipótese vertente, que no acto declarativo de utilidade pública e respectiva publicação não foi observado o estatuído nos artigos 13 e 14 do Código das Expropriações, porquanto os prédios a expropriar nem se encontram identificados, ainda que de forma imperfeita, nem sequer identificáveis. A sanção jurídica para tal ilegalidade (o objecto do acto expropriativo não se encontrar determinado nem ser determinável) é a nulidade desse acto - nulidade que aqui se declara. Conclui que "bem andou o Excelentíssimo Juiz a quo" ao indeferir liminarmente a pretensão do Expropriante, recusando-lhe a adjudicação da propriedade do prédio em causa, com fundamento na sua falta de identificação no acto expropriatório. 1b) Por sua vez, a recorrente defende não ser possível ao juiz do Tribunal Comum no acto da transferência da propriedade objecto da expropriação apreciar a validade daquele acto administrativo, na medida em que o despacho previsto no artigo 70 n. 4 do Código das Expropriações é apenas um elemento integrativo da eficácia do acto de declaração de utilidade pública, não sendo um acto judicial por que se limita a controlar formalmente e de fora a observância dos trâmites do procedimento expropriatório" (Alves Correia, As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública"). Que dizer? 2. Para compreensão e dilucidação do problema colocado no presente recurso há que ter presente a norma do n. 4 do artigo 70 do Código das Expropriações que, por isso, se transcreve: "Recebido o processo devidamente instruído com a guia de depósito das indemnizações ou efectuada a notificação referida no número anterior e comprovado no processo o cumprimento do disposto na parte final do número anterior, no prazo de 2 dias, adjudicará ao expropriante a propriedade e posse dos prédios, salvo, quanto a esta, o caso de já ter sido conferida posse administrativa ou judicial..." A análise desta norma permite-nos precisar que, por um lado, o acto de declaração de utilidade pública não transfere a propriedade dos bens para a entidade beneficiária da expropriação e, por outro lado, a transferência da propriedade tem lugar num momento posterior. Segundo ALVES CORREIA, "o acto de transferência da propriedade, embora da competência do juiz do tribunal comum, não é um acto judicial, sob o ponto de vista material, pela simples razão de que aquele não tem qualquer poder de julgamento ou da apreciação da legalidade ou da ilegalidade da expropriação, nem muito menos da sua conveniência ou oportunidade. "O Juiz realiza apenas um acto de controle preventivo": controla a simples regularidade formal do procedimento expropriatório, e não a legalidade do acto da declaração de utilidade pública" (obra citada, página 114). O campo de aplicação do artigo 70 n. 4 do Código de Expropriações surgia, para ALVES CORREIA, como um corolário lógico da natureza jurídica do acto declarativo de utilidade pública: a de acto constitutivo da expropriação, sendo um acto administrativo e como tal sujeito a um recurso contencioso de anulação. 3. O entendimento dado ao artigo 70 n. 4 do Código das Expropriações pode não colher com a entrada em vigor do Código de Procedimento Administrativo que no n. 2 do seu artigo 134 vem a prescrever: "A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer Tribunal". Qual o alcance de tal norma? Primo facie, poderá ser interpretado no sentido de dar a qualquer órgão administrativo ou a qualquer Tribunal a competência para declarar erga omnes a nulidade de um acto administrativo. Esteves Oliveira diz, a propósito do alcance de tal norma, que "dar a qualquer órgão ou Tribunal a competência para declarar "erga omnes" a nulidade dum acto corresponderia a pôr a ordem jurídica administrativa em grave risco". E acrescenta: "A boa estruturação do ordenamento jurídico, leva-nos a sugerir nesta matéria o seguinte regime: a) a declaração administrativa (erga omnes) da nulidade dum acto pressupõe procedimento que corra perante ou no confronto do seu autor ou de órgão que esteja em posição supra-ordenada em relação a ele (em termos de legalidade); outros órgãos poderão duplicar o acto num caso concreto sob sua alçada, mas não declará-lo nulo em termos vinculativos para a autoridade que o praticou ou para terceiros, para tribunais, etc.; b) a declaração de nulidade (ou a desaplicação de acto nulo) por órgão administrativo tem de ser entendida como um acto administrativo, impugnável contenciosamente, de acordo, aliás, com o que tem sido decidido pela jurisprudência; c) qualquer Tribunal pode desaplicar o acto nulo em processo que perante ele corre se não quiser remeter as partes para Tribunal Administrativo; mas, caso julgado (geral) sobre a sua invalidade, só em processo contencioso, perante os Tribunais Administrativos" (Código do Procedimento Administrativo - Comentado, volume II, página 163). 4. Na mesma linha de pensamento está José Luís Araújo quando, em anotação ao artigo 134, escreve: "Não deve gerar dúvidas a circunstância de o preceito permitir que qualquer órgão administrativo ou qualquer Tribunal possam, também a todo o tempo, declarar a nulidade de determinado acto administrativo. O que aqui se prevê é a hipótese de um outro órgão que não o autor do acto e de um outro Tribunal distinto daquele que no caso concreto tiver jurisdição própria para apreciar tal vício, poder incidentalmente reconhecer e assim declarar a nulidade do acto. Não se trata, pois, nesta hipótese, de reconhecer ao órgão hierarquicamente superior ou ao Tribunal competente para declarar em processo próprio a nulidade do acto, mas sim em processo ou procedimento distinto, decidir incidente onde a questão da validade ou invalidade do acto que surja como pressuposto ou fundamento de uma outra questão ou litígio a apreciar, ou de um outro procedimento a resolver" "o que o n. 2 em apreço estabelece, pois, em resumo, é que qualquer Tribunal - e, desde logo, o Tribunal Comum, ou seja, o Tribunal cível ou criminal (cfr. artigos 66 e seguintes do Código de Processo Civil e 8 e seguintes do Código de Processo Penal) têm competência para declarar a nulidade do acto administrativo que sofre tal vício, quando o acto em questão surja como pressuposto ou fundamento da questão ali a decidir em concreto" (CÓDIGO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO ANOTADO - Estante Editora - página 633). 5. A interpretação dada ao artigo 134 n. 2 do Código do Procedimento Administrativo permite-nos apontar da sua correcção, na medida em que o legislador administrativo procurou estender a competência do Tribunal Comum quando o acto administrativo se apresente como questão incidental (artigo 96 do Código de Processo Civil). 6. Perante as considerações expostas alcança-se que, no caso "sub judice", o acto de declaração de utilidade pública apresenta-se como acto constitutivo da expropriação, de sorte que o Tribunal Comum não tem competência para declarar a nulidade desse acto. O Tribunal competente para declarar, em sede de recurso próprio (recurso contencioso administrativo) a nulidade do acto expropriatório é naturalmente e segundo as regras gerais, o Tribunal Administrativo de Círculo - artigo 51 n. 1 alínea f) do E.T.A.F.. Daqui o concluir-se, como se conclui, que o despacho a que se refere o artigo 70 n. 4 do Código das Expropriações - aprovado pelo Decreto-Lei n. 845/76, de 11 de Dezembro - não confere ao Juiz do Tribunal Comum o poder de apreciar a legalidade da expropriação. IV Conclusão. Do exposto, poderá extrair-se que: "O artigo 134 n. 2 do Código do Procedimento administrativo tem de ser interpretado no sentido de os Tribunais Comuns só terem competência para apreciar a nulidade do acto administrativo quando o mesmo se apresenta como questão prejudicial do litígio". Face a tal conclusão, poderá precisar-se que: 1.) Nos processos de expropriação o Tribunal comum não tem competência para apreciar da ilegalidade (nulidade) do acto de declaração de utilidade pública. 2.) O acórdão recorrido não pode ser mantido por ter inobservado o afirmado em 1). Termos em que se concede provimento ao recurso e, em consequência, revogando o acórdão recorrido, ordena-se que o Senhor Juiz da 1. instância substitua o despacho de indeferimento por outro a cumprir o disposto no artigo 70 n. 4 do Código das Expropriações na redacção do Decreto-Lei n. 845/76, de 11 de Dezembro. Sem custas nas instâncias e neste Supremo Tribunal. Lisboa, 18 de Janeiro de 1996. Miranda Gusmão, Sá Couto, Sousa Inês. Decisões impugnadas: I - Despacho de 12 de Janeiro de 1995 do Tribunal de Horta; II - Acórdão de 29 de Junho de 1995 da Relação de Lisboa. |