Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3669/23.4YRLSB.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: JORGE GONÇALVES
Descritores: MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
PROCEDIMENTO CRIMINAL
TRADUÇÃO
PRINCÍPIO DO RECONHECIMENTO MÚTUO
DETENÇÃO
GARANTIA
Data do Acordão: 02/29/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: EXTRADIÇÃO / M.D.E. / RECONHECIMENTO SENTENÇA ESTRANGEIRA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :
I – Se aquando da apresentação pelo MP do pedido de execução do MDE os autos estavam instruídos com a versão original do MDE, por traduzir, e bem assim com o Formulário A, em língua portuguesa, com base no qual o juiz desembargador que ouviu a pessoa procurada e detida, decidiu validar a detenção, considerando que estavam presentes as informações legalmente exigidas, tendo sido posteriormente junta a tradução em português do mandado, do que foi dado conhecimento à defensora, não se verifica qualquer limitação do direito de defesa.
II – A ausência dos requisitos de conteúdo e de forma do MDE, a que se refere o artigo 3.º, não é causa de recusa obrigatória ou facultativa - causas previstas, respetivamente, nos artigos 11.º e 12.º - 12.º-A, da LMDE -, envolvendo a falta desses requisitos uma irregularidade sanável, nos termos do artigo 123.º, do CPP, aplicável subsidiariamente por força do artigo 34.º daquele diploma.
III – No que concerne à descrição “das circunstâncias em que a infração foi cometida, incluindo o momento, o lugar e o grau de participação na infração da pessoa procurada”, referida no artigo 3.º, n.º1, al. e), da LMDE, entende-se que tal descrição, ainda que fundamental ao exercício do direito de recusa, seja ela obrigatória ou facultativa, relevando, essencialmente, para fins de verificação de amnistia, do princípio ne bis in idem, do decurso dos prazos de prescrição, da renúncia ao princípio da especialidade, do princípio da territorialidade, etc, deve, no entanto, ser tão sucinta quanto possível e consignar apenas os elementos indispensáveis para apreensão do MDE pela autoridade judiciária de execução e pelo requerido. Não é de exigir, por conseguinte, uma descrição detalhada ao nível da imposta na acusação, devendo o MDE, numa interpretação teleologicamente orientada, conter as informações necessárias ao seu reconhecimento e à decisão de entrega, nomeadamente quanto à incriminação, à informação a prestar à pessoa procurada para que possa exercer os seus direitos no processo de execução do MDE, nomeadamente para efeitos de invocação de circunstâncias que possam integrar o exercício do direito de recusa, seja ela obrigatória ou facultativa, e bem assim para ponderação da renúncia ou não ao benefício da regra da especialidade.
IV - A autoridade judiciária do Estado de execução encontra-se obrigada a executar o MDE que preencha os requisitos legais, estando limitado e reservado a essa autoridade judiciária um papel de controlo da execução e de emissão da decisão de entrega, a qual só pode ser negada em caso de procedência de motivo obrigatório ou facultativo de não execução, ou de falta de prestação de garantias que possam ser exigidas.
V - A emissão de um MDE para efeitos de procedimento criminal, tal como a emissão de um mandado nacional, deve levar em conta os critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade, o que obriga a ponderar a possibilidade de aplicar medida menos gravosa para garantir as suas finalidades.
Trata-se, porém, de matéria subtraída à apreciação da autoridade judiciária de execução, a qual, por força dos princípios do reconhecimento mútuo, da confiança mútua e da presunção de “proteção equivalente” dos direitos fundamentais, apenas tem de verificar da validade do MDE e dos motivos de não execução, não lhe competindo aferir da proporcionalidade e/ou adequação do uso dele feito pelo Estado de emissão.
VI - A detenção no âmbito do MDE tem por finalidade a entrega de pessoa procurada ao Estado emissor, entrega que, obviamente, só tem lugar após a tomada de decisão sobre a validade da detenção e sobre a verificação dos requisitos legais de que depende a execução do mandado, pelo que, em princípio, a detenção efetuada no âmbito do MDE, quando validada pelo tribunal, deve ser mantida até à entrega, sem embargo de poder (e dever) ser substituída por medida de coação, como estabelece o n.º 3 do artigo 18.º, designadamente quando a detenção se mostre desnecessária à obtenção do desiderato do mandado, ou seja, à efetivação da entrega.
VII - Estando reunido o circunstancialismo previsto na alínea b), do n.º 1, do artigo 13.º, a prestação da garantia deve verificar-se antes da entrega.
Decisão Texto Integral:

PROCESSO N.º 3669/23.4YRLSB.S1


MANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I – RELATÓRIO


1. Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24.01.2024, proferido nos autos para execução de mandado de detenção europeu [MDE], emitido pelo Procurador da República do Tribunal Judicial de ..., no processo n.º ........37, instrução n.º ..............03, foi decidido determinar a execução do mandado emitido contra o requerido AA, com os demais sinais nos autos, com a consequente entrega do mesmo às autoridades judiciárias do Estado de emissão.


2. Inconformado com a decisão, recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça o requerido AA, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões (transcrição):


1.ª – De acordo com o disposto no art.º 20.º, n.º 1 da Lei especial 144/99 de 31/08, conjugado com o n.º 2 do art.º 3.° da Lei 65/2003, de 23-08, o pedido de cooperação é acompanhada de tradução na língua oficial do Estado a quem é dirigido.


2.ª - “In casu”, tal como resulta dos autos, ref.ª citius 665332 de 13/12/23, fls. 2 a 7, o “MDE” encontra-se em língua francesa.


3.ª - Logo, aquando da audição do arguido (13/12/23), data que interessa para o efeito, o mandado de detenção não se encontrava em Português.


4.ª - Sendo certo que o recorrente, enquanto cidadão português, não compreende a língua francesa, na qual o mandado lhe foi entregue, na data da sua audição, que é a relevante.


5.ª – A falta de tradução, conduz à nulidade do MDE, o que ora se argui, com as legais consequências.


Cumulativamente:


6.ª - O recorrente considera que se verifica causa de recusa de execução do mandado de detenção europeu, por violação do disposto no artigo 3.º, n.º 1, alínea e) da lei n.º 65/2003, de 23 de agosto.


7.ª – Pois o MDE não cumpre todos os requisitos legais de forma estatuídos no art.º 3.º n.º 1 al. e) da Lei 65/2003, mormente a “descrição das circunstâncias em que a infração foi cometida, incluindo o momento, o lugar e o grau de participação na infração da pessoa procurada”.


8.ª - Na verdade o MDE não contém descrição suficiente dos factos de forma a que se possa decidir da entrega, ou seja, de modo a possibilitar o controlo da legalidade do mesmo pelo Estado a quem é solicitado o seu cumprimento – Portugal - e, concomitantemente o cabal e pleno exercício do direito de defesa do detido.


9.ª - A descrição dos factos constante do MDE é vaga, genérica, conclusiva, contem frases soltas e sem nexo ou encadeamento lógico, não permitindo, minimamente, percecionar em termos lógicos e coerentes quais os factos/a actuação imputada à pessoa a procurar, o ora detido.


10.ª - Não define com clareza e precisão as circunstâncias ou comportamentos (o quê, quando e onde) ilícitos imputados ao ora detido.


11.ª - Acresce que constam no MDE expressões genéricas e até desconhecidas para um português médio, como “sea chest” e “entorpecentes” e ainda assim sem relação com o ora detido.


12.º - Do que se deixa dito é evidente que o MDE não contém descrição suficiente de factos de forma a que o Tribunal recorrido pudesse decidir da entrega, ou seja, de modo a possibilitar o controlo da legalidade do MDE por Portugal.


13.ª - O Tribunal “a quo” violou assim, a alínea e) do n.º 1 do art.º 3º da Lei 65/2003, cujo incumprimento constitui nulidade, por conjugação do disposto nos artºs 374 nº 2 e a) do nº 1 do art.º 379, ambos do CPP, aplicável subsidiariamente por força do disposto no artigo 34 º da Lei 65/03.


14.ª - Consagrando o CP a chamada solução plurilateral ou de ubiquidade, é admissível, em face da própria lei portuguesa, considerar competente a lei e a jurisdição portuguesa, no caso de, terem aqui sido praticados factos, o que o MDE não permite aferir.


15.ª - O que justifica o uso da recusa facultativa com fundamento no disposto na al. g) e h) do n.º 1 do art.º 12.° da Lei 65/2003, de 25-08.


16.ª - As causas de recusa facultativa de execução constantes do art.º 12.º, n.º 1, da Lei 65/2003, de 23-08, têm, quase todas, um fundamento ligado, mais ou menos intensamente, à soberania penal.


17.ª - A norma contém, verdadeiramente, um contraponto facultativo ou um mecanismo para proteção de nacionais, uma espécie de “válvula de segurança”.


18.ª - Acresce que perante a ausência/ insuficiência de factos, o exercício efectivo do direito de defesa do detido está fortemente limitado e até mesmo impossibilitado, em violação do disposto no art.º 32º n.ºs 1 e 5 da C.R.P.


19.ª - Aliás, a interpretação do disposto no art.º 3º n.º 1 al. e) da Lei 65/2003, segundo a qual basta uma descrição vaga e genérica, sem permitir uma compreensão concreta e precisa dos fundamentos inerentes ao pedido, é materialmente inconstitucional por violação, pelo menos, do disposto no art.º 32º n.ºs 1 e 5 da C.R.P.


20.ª - Por outro lado acórdão recorrido, contém a seguinte afirmação: “No entanto, importa notar que, ao contrário do que pretende fazer crer o requerido, da descrição acima transcrita constam todos os elementos a que se refere o artigo 3.º nº 1 alínea e) da Lei 65/2003, de 23 de agosto, (…) o local (... -França), referindo a participação/intervenção do aqui requerido na rede de tráfico de droga a que se reporta a apreensão, quer pela sua presença no local, quer pela compra, também em França de material de mergulho.”


21.ª – Acontece que, salvo o devido respeito, NÃO É VERDADE, em parte alguma consta que AA tenha estado presente “no local” (...), ou sequer em França nem que tenha comprado, em França (ou em qualquer outro lado), material de mergulho.


22.ª - Por outro lado, é absurdo e surreal que se possam considerar concreta quanto à indicação do local da prática da infracção, simplesmente “... – França”.


23.ª - Na parte decisória do Acórdão recorrido consta: que os factos a que alude o MDE mostram-se transcritos do quadro 044 do MDE - formulário A, quando na realidade em tal quadro o que consta são as circunstâncias adjacentes aos factos imputados ao requerido.


24.ª - Os factos em si e a natureza das infrações imputadas a AA são, exclusivamente, as que constam do quadro A040 e A041- o que não se prescinde atento o princípio da especialidade invocado aquando da apresentação do requerido a prestar declarações perante o Sr. Dr. Juiz Desembargador a 13/12/23.


25.ª - Consta do MDE, na descrição do alegados crimes, por múltiplas vezes que os “factos cometidos de 1 de maio de 2022 a 31 de maio de 2022 em ... …”


26.ª - Pese embora conste do texto da decisão recorrida que: “No Tribunal Judicial de ..., no processo n. º ........37, instrução ..............03, o requerido é suspeito da prática de 11 crimes, puníveis com pena máxima de 30 anos de prisão, cometidos entre Novembro de 2021 e Maio de 2022”.


27.ª - O que não corresponde à verdade, pois que, no MDE do requerido consta que todas as imputações que lhe são feitas dizem respeito a “factos cometidos entre o 1.º de maio de 2022 e 31 de maio de 2022”, tal como resulta explícito supra.


28.ª - Trecho que o acórdão recorrido omitiu, omissão com a qual o recorrente se não pode conformar, nem concordar por constituir uma alteração substancial ao texto do MDE.


29.ª - Pelo que só e apenas estes factos estão em causa no mandado e só por eles o requerente poderá ser julgado.


Acresce que:


30.ª - O arguido tem morada fixa, onde foi cumprido o mandado de detenção europeu, afirmando que não praticou o crime que lhe é imputado em França e também aqui relevante, nunca teve tido conhecimento de que existia este processo contra si.


31.ª – Tenciona colaborar com a justiça francesa a fim de esclarecer toda a verdade acerca do que a si lhe diz respeito, sendo que bastaria uma notificação para a sua morada para o mesmo se ter apresentado em França.


32.ª - Inexistem por completo, dados suficientes e mesmo indícios que permitam ao tribunal julgar previsível que o ora detido não se apresente voluntariamente em França.


33.ª - Ainda assim, considera-se que nos termos do n.º 3, do artigo 16º. Da Lei 62/2003, de 23 de Agosto, as informações que emanam do MDE são insuficientes para se decidir da entrega, pelo que, «in extremis» sempre haveria lugar a pedido de esclarecimentos por parte do Tribunal recorrido, o que que não foi feito.


34.ª - Nos termos do n.º 2, do art.º 28, da Constituição da República Portuguesa, o julgador não deverá manter a prisão preventiva, quando a mesma possa ser substituída por outra medida de coacção mais favorável prevista na lei, assim, salvo o devido respeito,


35.ª - Na nossa óptica deve este Tribunal, revogar a presente medida de coacção de prisão preventiva, pela medida de coacção de aplicação de Termo de Identidade e Residência, devendo o arguido se apresentar semanalmente na esquadra da sua área de residência, o que fará, sem a menor das dúvidas, por ser um cumpridor da justiça e querer, sem restrições ajudar à procura da verdade material do caso em concreto.


36.ª - Assim decidindo, estará este Tribunal a assegurar da forma mais justa a aplicabilidade do vertido no nº 1, do art.º 27, bem como do nº 1, do art.º 32, da nossa tão amada C. R. P.


37.ª - Ainda assim, não se encontram preenchidos os requisitos gerais para a manutenção da prisão preventiva, dado que em concreto não se verificam as condições enunciadas no art.º 204, do C. P. Penal.


38.ª - Assim, requer-se seja julgada procedente a presente oposição ao MDE, dado que não pode ser feito nenhum juízo de que o ora detido não se apresentaria voluntariamente em juízo Francês, e nos termos da alínea b), do nº 1, do art.º 212, do C. P. P. deve a medida de prisão preventiva ser revogada, por não subsistirem as circunstâncias que justificaram a sua aplicação.


39.ª - A decisão recorrida é:


a) Ilegal por violação do disposto no:


- Art.º 2, n.º 3; al. e) do n.º1 do art.º 3.º; art.º 12.º, todos da Lei 144/99 de 31/08;


- Art.º 34.º da Lei 65/03 de 23/08;


- Art.º 96.º, do n.º 2, art.º 166.º, art.º 374º, n.º 2 e al. a), n.º 1 do art.º 379.º, todos do CPP.


b) Inconstitucional por violação no disposto no art.º 32.º, n.ºs 1 e 5 da C.R.P.


Nestes termos e nos melhores de direito, que V. Exas., deverão conceder provimento ao presente recurso e alterar a decisão proferida pelo tribunal da Relação, deferindo a oposição à execução do MDE e Indeferindo a Execução do MDE emitido pelas autoridades judiciárias Francesas e revogando a medida de coacção a que o arguido se encontra sujeito.


3. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões (transcrição):


1. O cumprimento do mandado de detenção europeu funda-se no princípio do reconhecimento mútuo e confiança entre os Estados membros da União Europeia, conforme estatuído no art. 1.°, n.º 2, da Lei n° 65/2003, de 23 de agosto, que transpõe para o ordenamento interno a Decisão-Quadro n° 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de junho.


2. AA foi detido, em ..., às 07h05, do dia 12 de dezembro de 2023, em execução de um mandado de detenção europeu emitido pelo Procurador da República do Tribunal Judicial de ..., na República Francesa.


3. O Tribunal Judicial de ..., no âmbito do processo n.º ........37/Instrução n.º ..............03, ao abrigo da Decisão-Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de junho, solicitou ao Estado Português a execução do mandado de detenção europeu, que emitiu a 11 de dezembro de 2023, para detenção e entrega de AA para procedimento criminal


4. De acordo com os dados constantes do mandado de detenção europeu, AA é suspeito de ter praticado factos suscetíveis de integrar os crimes de importação não autorizada de estupefacientes como membro de bando organizado; branqueamento do produto de importação não autorizada de estupefacientes como membro de bando organizado; participação em associação criminosa; transporte não autorizado de estupefacientes; detenção não autorizada de estupefacientes; distribuição não autorizada de estupefacientes; aquisição não autorizada de estupefacientes; participação, em associação criminosa com vista à preparação de crime punido com pena de 10 anos de prisão; branqueamento do produto de importação não autorizada de estupefacientes; transporte de mercadoria perigosa para a saúde pública sem documentação justificativa e tráfico de mercadorias em infração das regras de proibição de importação na zona aduaneira/importação sem declaração de mercadorias proibidas.


5. Os factos em causa também se encontram tipificados como crime no ordenamento jurídico português, conforme previsão dos arts. 21.°, 24.°, alíneas c) e j), e 28.°, n.º1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, e 92.°, n.º1, alínea a), e 97.°, alínea a), da Lei n° 15/2001, de 5 de junho.


6. A autoridade judiciária de emissão transmitiu uma cópia do MDE e informações úteis respeitantes à pessoa visada ao Gabinete Sirene nacional, que por sua vez comunicou o conteúdo do MDE a todos os outros gabinetes Sirene do espaço Schengen, incluindo o português, mediante o intercâmbio das informações vertidas no referido "formulário A".


7. Nos termos do art. 4.°, n°4, da Lei n°65/2003, a informação inserida no Sistema de Informação Schengen II produz os mesmos efeitos daquele mandado.


8. Neste caso, os dados do MDE constam igualmente daquela informação/formulário e estando traduzido em língua portuguesa, não se vê que tenha havido qualquer limitação do direito de defesa.


9. A execução de um MDE não se pode confundir com o julgamento do mérito da questão de facto e de direito que lhe subjaz, julgamento esse a ter lugar, se for o caso, perante a jurisdição e sob a responsabilidade do Estado emissor, restando nesse âmbito, ao Estado de execução, apurar da respetiva regularidade formal e dar-lhe execução, agindo nessa análise com base no princípio do reconhecimento mútuo, conforme resulta da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, e da Decisão Quadro n.º 2002/584/JAI, do Conselho, de 13 de junho.


10. O MDE foi emitido para efeitos de procedimento criminal, os factos em causa também se encontram tipificados como crime na lei portuguesa, não se verificando qualquer causa de recusa da sua execução, designadamente as circunstâncias previstas nos arts. 11.° e 12.°, da Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto.


11. Pelo que não se verifica qualquer vício, quer de natureza substantiva, quer de natureza formal ou adjetiva, nos necessários pressupostos e fundamentos que conduziram à decisão em recurso.


12. Nesta conformidade, entendemos que nenhuma censura merece o acórdão proferido a 24 de janeiro de 20,23 pelo Tribunal da Relação de Lisboa, que, deferindo a execução do mandado de detenção europeu, emitido pela autoridade judiciária competente do Tribunal Judicial de ..., da República Francesa, determinou a entrega do recorrente AA ao Estado de emissão.


4. Subiram os autos a este Supremo Tribunal de Justiça (STJ) e, no exame preliminar, o Relator ordenou que os autos fossem aos vistos legais, tendo-se realizado depois a conferência e, dos respetivos trabalhos, resultou o presente acórdão.


Cumpre, assim, apreciar e decidir.


II – FUNDAMENTAÇÃO


1. Dispõe o artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido, constituindo entendimento constante e pacífico que o âmbito dos recursos é definido pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, que delimitam as questões que o tribunal ad quem tem de apreciar, sem prejuízo das que sejam de conhecimento oficioso.


Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir no presente recurso são, por ordem de precedência lógica:


- da alegada nulidade do MDE por falta de tradução;


- da alegada ausência de factos concretos como causa de recusa de execução do MDE e inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 32.º, n.ºs 1 e 5 da C.R.P.;


- desnecessidade da “prisão preventiva”.


2. Dos factos


Extrai-se do acórdão recorrido a seguinte matéria de facto:


- Os factos a que alude o MDE mostram-se transcritos do quadro 044 do MDE - formulário A, e são os seguintes:


«No dia 26 de maio de 2022, os agentes da alfandega francesa encontraram, no porto de ..., 124 kg de cocaína, escondida nos baús de marinheiro (tradução para o termo “sea Chest” utilizado no original do MDE francês) do navio de carga “G.... ...”, proveniente do ....


As investigações levaram à descoberta de outros dois casos em março de 2022 e novembro de 2021, quando outros navios de carga provenientes do ... efetuaram escala no porto de ....


Escutas telefónicas permitiram determinar a presença de um tal BB em ... e também de CC durante os acontecimentos de março de 2022.


A interceção de mensagens na plataforma SKY ECC revelou que BB tinha ligação com o tal AA para estabelecer importações de cocaína através das rotas marítima a partir do ....


As investigações revelaram que BB se deslocou a Portugal em 20.01.2023 para se encontrar com AA em frente à casa do seu padrasto, CC, também envolvido neste caso.»


- No Tribunal Judicial de ..., no processo n. º ........37, instrução n.º ..............03, o requerido é suspeito da prática de 11 crimes, puníveis com pena máxima de 30 anos de prisão, cometidos entre novembro de 2021 e maio de 2022 concretamente:


- Importação não autorizada de estupefacientes como membro de bando organizado, previsto pelos artigos 222-36, al. 1, 222-41, 132-71, todos do Código Penal Francês, e pelos arts. L.5132-7, L.5132-8, al. 1, R.5132-77, R.5132-78, todos do Código de Saúde Pública e pelo artigo 1 da Resolução do Conselho de Ministros de 22/02/1990, e punido pelos artigos 222-36, al. 2, 222-44, 222-48, 222-49, 222-50, 222-51 e 131-26-2, todos do Código Penal Francês;


- Branqueamento do produto da importação não autorizada de estupefacientes como membro de bando organizado, previsto pelos artigos 222-38, 222-36, al. 2, al. 1, 222-41 e 132-71, todos do Código Penal Francês, e pelos arts. L.5132-7, L.5132-8, al. 1, R.5132-77, R.5132-78, todos do Código de Saúde Pública e pelo artigo da Resolução do Conselho de Ministros de 22/02/1990, e punido pelos artigos 222-38, 222-36, al. 2, 222-44 parágrafo I, 222-45, 222-47, 222-48, 222-49, 222-50, 222-51 e 131-26-2, todos do Código Penal Francês;


- Participação em associação criminosa, previsto pelos artigos 450-1, al. 1, al. 2, do Código Penal Francês, e punido pelos arts. 450-1, al. 2, 450-3, 450-5, do mesmo diploma legal;


- Transporte não autorizado de estupefacientes, previsto pelos artigos 222-37, al. 1, 222-41, ambos do Código Penal Francês, e pelos arts. L.5132-7, L.5132-8, al. 1, R.5132-74, R.5132-77, todos do Código de Saúde Pública e pelo artigo 1 da Resolução do Conselho de Ministros de 22/02/1990, e punido pelos artigos 222-37, al. 1, 222-44, 222-45, 222-47, 222-48, 222-49, 222-50 e 222-51, todos do Código Penal Francês;


- Detenção não autorizada de estupefacientes, previsto pelos artigos 222-37, al. 1, 222-41, ambos do Código Penal Francês, e pelos arts. L.5132-7, L.5132-8, al. 1, R.5132-74, R.5132-77, todos do Código de Saúde Pública e pelo artigo 1 da Resolução do Conselho de Ministros de 22/02/1990, e punido pelos artigos 222-37, al. 1, 222-44, 222-45, 222-47, 222-48, 222-49, 222-50 e 222-51, todos do Código Penal Francês;


- Distribuição não autorizada de estupefacientes, previsto pelos artigos 222-37, al. 1, 222-41, ambos do Código Penal Francês, e pelos arts. L.5132-7, L.5132-8, al. 1, R.5132-74, R.5132-77, todos do Código de Saúde Pública e pelo artigo 1 da Resolução do Conselho de Ministros de 22/02/1990, e punido pelos artigos 222-37, al. 1, 222-44, 222-45, 222-47, 222-48, 222-49, 222-50 e 222-51, todos do Código Penal Francês;


- Aquisição não autorizada de estupefacientes, previsto pelos artigos 222-37, al. 1, 222-41, ambos do Código Penal Francês, e pelos arts. L.5132-7, L.5132-8, al. 1, R.5132-74, R.5132-77, todos do Código de Saúde Pública e ainda pelo artigo 1 da Resolução do Conselho de Ministros de 22/02/1990, e punido pelos artigos 222-37, al. 1, 222-44, 222-45, 222-47, 222-48, 222-49, 222-50 e 222-51, todos do Código Penal Francês;


- Participação em associação criminosa com vista à preparação de crime punido com pena de 10 anos de prisão, previsto pelo artigo 450-1, al. 1, al. 2, do Código Penal Francês, e punido pelos arts. 450-1, al. 2, 450-3, 450-5, do mesmo diploma legal;


- Branqueamento do produto da importação não autorizada de estupefacientes, previsto pelos artigos 222-38, 222-36, al. 1, 222-37, todos do Código Penal Francês, e pelo art. L.5132-7, do Código de Saúde Pública e pelo artigo 1 da Resolução do Conselho de Ministros de 22/02/1990, e punido pelos artigos 222-38, 222-44, 222-45, 222-47, 222-48, 222-49, 222-50 e 222-51, todos do Código Penal Francês;


- Transporte de mercadoria perigosa para a saúde pública (estupefaciente) sem documentação justificativa-contrabando, previsto pelos artigos 419, § 1, 215, 215-BIS, e 38 parágrafo 4, todos do Código Aduaneiro, e pelo artigo 1, § 1 da Resolução do Conselho de Ministros de 22/02/1990, e punido pelos artigos 419, § 2 e § 3, 414, al. 3 e al. 1, 435, 436, 438, 432-BIS, e 369, todos do Código Aduaneiro;


- Tráfico de mercadorias em infração das regras de proibição da importação na zona aduaneira importação sem declaração de mercadorias proibidas, previsto pelos artigos 420, al. 1 7º, 38 § 4 e § 5, do Código Aduaneiro e pelo artigo 1, anexo II da Resolução do Conselho de Ministros de 22/09/2011, e punido pelos artigos 414, al. 1, 435, 436, 432-BIS, 369, todos do Código Aduaneiro.


Mais de diz no acórdão recorrido:


«Tais infrações são punidas no nosso ordenamento jurídico como crimes de tráfico de estupefaciente, p. e p. pelos artigos 21.º e 24.º, als. c) e j), do DL. 15/93, de 22/01, de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 28.º, n.º 1, do DL. 15/93, de 22/01, e de contrabando, p. e p. pelos arts. 92.º, n.º 1, al. a) e 97.º, l. a), ambos da Lei n.º 15/2001, de 5 de junho.»


3. Apreciando


3.1. Da alegada nulidade do MDE por falta de tradução


Alega o recorrente que o MDE está ferido de nulidade por falta de tradução para a língua portuguesa.


Vejamos.


O MDE constitui a primeira concretização no domínio penal do princípio do reconhecimento mútuo, no âmbito do espaço de segurança e justiça (cf. Anabela Miranda Rodrigues, “O mandado de detenção europeu – Na via da construção de um sistema penal europeu: um passo ou um salto?”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 13, n.º 1, Janeiro-Março, 2003, pp. 27 segs; Ricardo Jorge Bragança de Matos, “O princípio do reconhecimento mútuo e o mandado de detenção europeu”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 14, n.º 3, Julho-Setembro, 2004, pp. 325 segs.).


A evolução das formas de cooperação penal, no âmbito europeu, deu origem a diversos instrumentos que, além do mais, visaram modernizar os procedimentos em matéria extradicional. Porém, foi sobretudo com o Tratado de Amesterdão que a cooperação judiciária em matéria penal ganhou uma nova perspectiva, como forma de realização de um espaço de liberdade, de segurança e de justiça.


O aprofundamento desta dimensão, inspirada na noção de “espaço europeu” e orientada no sentido da construção de um espaço judiciário comum, foi impulsionado pelo Conselho Europeu de Tampere, de 15 e 16 de Outubro de 1999, que afirmou, nas suas conclusões, o princípio do reconhecimento mútuo como “pedra angular” da cooperação judiciária em matéria penal, preconizando a abolição do processo formal de extradição no que diz respeito às pessoas julgadas à revelia, cuja sentença já tivesse transitado em julgado, bem como a aceleração dos processos de extradição relativos às pessoas suspeitas de terem praticado uma infração (ponto 35 das conclusões).


A Decisão-Quadro do Conselho, de 13 de Junho de 2002 (2002/584/JAI), relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados-Membros, constitui, precisamente, uma concretização – a primeira - no domínio penal do referido princípio do reconhecimento mútuo, que visa superar a concepção tradicional do auxílio judiciário entre Estados.


O “considerando” 5 da Decisão-Quadro esclarece, nos seguintes termos, a finalidade que o novo instrumento pretende realizar:


«O objectivo que a União fixou de se tornar um espaço de liberdade, de segurança e de justiça conduz à supressão da extradição entre os Estados-Membros e à substituição desta por um sistema de entrega entre autoridades judiciárias, sendo que a instauração de um novo regime simplificado de entrega de pessoas condenadas ou suspeitas para efeitos de execução de sentenças ou de procedimento penal permite suprimir a complexidade e a eventual morosidade inerentes aos atuais procedimentos de extradição. As relações de cooperação clássicas que até ao momento prevaleceram entre Estados-Membros devem dar lugar a um sistema de livre circulação das decisões judiciais em matéria penal, tanto na fase pré-sentencial como transitadas em julgado, no espaço comum de liberdade, de segurança e de justiça.»


Por seu turno, diz-se no “considerando” 10:


«O mecanismo do mandado de detenção europeu é baseado num elevado grau de confiança entre os Estados‑Membros. A execução desse mecanismo só poderá ser suspensa no caso de violação grave e persistente, por parte de um Estado‑Membro, dos princípios enunciados no n.º 1 do artigo 6.º do Tratado da União Europeia, verificada pelo Conselho nos termos do n.º 1 do artigo 7.º do mesmo Tratado e com as consequências previstas no n.º 2 do mesmo artigo.»


Foi para concretizar a referida Decisão-Quadro, na legislação interna, que a Lei n.º 65/2003, de 23 de agosto, publicada no Diário da República, I Série - A, n.º 194, de 23 de agosto de 2003, aprovou o regime jurídico do mandado de detenção europeu, alterado pela Lei n.º 35/2015, de 4 de maio, pela Lei n.º 115/2019, de 12 de setembro e pela Lei n.º 52/2023, de 28 de agosto.


Assim, o MDE é uma decisão judiciária emitida por um Estado membro com vista à detenção e entrega por outro Estado membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade – artigo 1.º, n.º1, da Lei n.º 65/2003 (diploma que passaremos a designar de LMDE e a que pertencem todas as disposições que não venham acompanhadas de outra indicação).


O MDE é executado com base no princípio do reconhecimento mútuo (artigo 1.º, n.º 2), em que, após o Tratado de Lisboa, passou a assentar a cooperação judiciária em matéria penal na UE (artigo 82.º, n.º 1, do TFUE), cujo sentido, conteúdo e extensão, na falta de definição legal, devem ser obtidos por recurso ao direito da UE e à jurisprudência do TJUE relativa à interpretação das respetivas disposições.


Nos termos da Lei e da Decisão-Quadro, o mandado de detenção europeu direciona-se quer ao cumprimento da decisão final do processo criminal – “cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade” -, quer ao cumprimento de um procedimento processual no decurso do processo – “efeitos de procedimento criminal”.


Mais concretamente, pode ser emitido por factos puníveis, pela lei do Estado membro de emissão, com pena ou medida de segurança privativas de liberdade de duração máxima não inferior a 12 meses ou, quando tiver por finalidade o cumprimento de pena ou de medida de segurança, desde que a sanção aplicada tenha duração não inferior a 4 meses, sem controlo, em muitos casos, da dupla incriminação (artigo 2.º).


O artigo 4.º da LMDE, quanto à transmissão do MDE, contempla que a autoridade judiciária de emissão pode inserir a indicação da pessoa procurada no sistema de informação Schengen (SIS), a efetuar nos termos do disposto nos artigos 26.º a 31.º da Decisão 2007/533/JAI do Conselho, de 12 de junho de 2007, relativa ao estabelecimento, ao funcionamento e à utilização do Sistema de Informação Schengen de segunda geração (SIS II), conforme previsto no n.º 3 do mencionado artigo 4.º.


Tal inserção, nos termos do n.º4, do artigo 4.º, produz os mesmos efeitos de um mandado de detenção europeu, desde que acompanhada das informações referidas no n.º 1 do artigo 3.º, do mesmo diploma.


In casu, resulta da análise dos autos que o MDE em apreço neste processo não foi diretamente transmitido pelas autoridades francesas emitentes para o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), mas mediante inserção da indicação da pessoa procurada, aqui recorrente, no SIS.


Nessa modalidade de transmissão do MDE, por ser impraticável inserir no SIS uma versão traduzida do original do MDE para todas as línguas dos diversos países aderentes, a Lei e a Decisão Quadro por ela transposta apenas exigem a inserção do formulário A traduzido nas correspondentes línguas dos países aderentes, com respeito pelas indicações constantes das normas da Decisão mencionada no n.º 3 do citado artigo 4º.


Uma vez detida a pessoa procurada, a mesma deve ser apresentada ao juiz competente, no prazo máximo de 48 horas a contar da detenção [cf. artigos 28.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e 16.º, n.º 1 e 18.º, n.º 3], que procede à sua audição, assistida por defensor, nos termos e para os efeitos estabelecidos no referido artigo 18.º.


Não se encontrando ainda junta a versão original do MDE ou a sua tradução em português, o juiz poderá socorrer-se do Formulário A, sem prejuízo da oportuna junção daquele e da correspondente tradução em português, se dela não tiver sido feita oportuna declaração de dispensa depositada junto do Secretariado-Geral do Conselho, nos termos do n.º 2 do artigo 3.º, como, tanto quanto se sabe, é o caso de Portugal.


No caso em apreço, à data da audição do ora recorrente no TRL, os autos estavam instruídos com a versão original do MDE, por traduzir, e bem assim com o Formulário A, em língua portuguesa, com base no qual o juiz desembargador que o ouviu após a detenção, decidiu validá-la e mantê-la, considerando que estavam presentes as informações legalmente exigidas.


Posteriormente, foi junta a tradução em português do MDE, do que foi dado conhecimento à defensora do ora recorrente.


As indicações constantes do MDE constam da informação contida no Formulário A e, estando o mesmo traduzido em português, não se vê que tenha havido qualquer limitação do direito de defesa.


Na sequência, o ora recorrente deduziu oposição à execução do MDE, sem que tenha invocado seja o que for a propósito da questão da tradução do mesmo.


Falece, por conseguinte, a arguição da referida “nulidade” do procedimento e do MDE.


Acresce que a simples omissão de tradução do MDE não constitui uma causa de recusa da sua execução, podendo constituir uma irregularidade que não foi arguida atempadamente (cf. artigo 123.º, do CPP ex vi artigo 34.º, da LMDE).


Do mesmo modo, tem entendido o STJ que a ausência dos requisitos de conteúdo e de forma do MDE, a que se refere o artigo 3.º, não é causa de recusa obrigatória ou de recusa facultativa - causas previstas, respetivamente, nos artigos 11.º e 12.º - 12.º-A - envolvendo a falta desses requisitos uma irregularidade sanável, nos termos do artigo 123.º, do CPP, aplicável subsidiariamente por força do artigo 34.º daquela LMDE (entre muitos, os acórdãos: de 28.08.2015, proc. 754/15.0YRLSB.S2; de 13.04.2023, proc. 32/23.0YRCBR; de 03.01.2024, proc. 3032/23.7YRLSB.S1, todos em www.dgsi.pt, como outros que sejam citados sem diversa indicação).


Termos em que improcede esta questão.


3.2. Da alegada ausência de factos concretos como causa de recusa de execução do MDE.


O artigo 3.º da LMDE estabelece os requisitos de conteúdo e forma do MDE.


No caso em apreço, trata-se de MDE para efeitos de procedimento criminal.


Do MDE, bem como do Formulário A, consta:


- a identidade e nacionalidade da pessoa procurada;


- a identificação e contacto da autoridade judiciária de emissão;


- a indicação da existência de um mandado de detenção nacional – refere-se, in casu, a emissão de mandado de detenção pela MM.ª DD, Vice-Presidente responsável pela Instrução no Tribunal Judicial de ..., que está na base da emissão subsequente do MDE;


- a indicação da natureza e qualificação jurídica das infrações, tendo, nomeadamente, em conta o disposto no artigo 2.º da LMDE.


O objeto do processo n.º ........37/Instrução n.º ..............03, prende-se com a seguinte factualidade:


No dia 26 de maio de 2022, os agentes da alfândega francesa encontraram, no porto de ..., 124 kg de cocaína, dissimulados nos baús de marinheiro (tradução para a expressão "sea chest" mencionada no original do


MDE) do navio de carga "G.... ...", proveniente do ....


Nos meses de março de 2022 e de novembro de 2021, foram detetados dois outros casos quando outros navios de carga, provenientes do ..., fizeram escala no porto de ....


As interceções telefónicas permitiram detetar, no decorrer dos diferentes factos, a presença de um tal BB em ... e também de CC nos factos de março de 2022.


A interceção de mensagens na plataforma SKY ECC revelou que BB tinha ligação com AA para, nos anos de 2020 e 2021, proceder à importação de cocaína, por via marítima, a partir do ....


BB deslocou-se a Portugal, no dia 20 de janeiro de 2023, para se encontrar com AA em frente do domicílio do seu sogro, CC, também interveniente nestes factos.


Estando em causa crimes correlacionados e de duração prolongada, indica-se, quanto aos atos de execução conhecidos, a data da apreensão de produto estupefaciente (124 kg de cocaína) - 26.05.2022 -, assim como as datas de outros dois casos de navios de carga procedentes do ... — em novembro de 2021 e março de 2022 - e o local – porto de ..., França -, referindo a participação de AA na rede de tráfico de estupefacientes a que se reporta aquela concreta apreensão efetuada em 26.05.2022.


No que concerne à descrição “das circunstâncias em que a infração foi cometida, incluindo o momento, o lugar e o grau de participação na infração da pessoa procurada”, entende-se que tal descrição, ainda que fundamental ao exercício do direito de recusa, seja ela obrigatória ou facultativa, relevando, essencialmente, para fins de verificação de amnistia, do princípio ne bis in idem, do decurso dos prazos de prescrição, da renúncia ao princípio da especialidade, do princípio da territorialidade, etc, deve, no entanto, ser tão sucinta quanto possível e consignar apenas os elementos indispensáveis para apreensão do MDE pela autoridade judiciária de execução e pelo requerido.


Quer isto dizer que não é de exigir uma descrição detalhada ao nível da imposta na acusação no processo, que define o seu objeto, com as consequências daí decorrentes quanto à definição do thema decidendum e dos poderes de cognição do tribunal, devendo o MDE, numa interpretação teleologicamente orientada, conter as informações necessárias ao seu reconhecimento e à decisão de entrega, nomeadamente quanto à incriminação, à informação a prestar à pessoa procurada para que possa exercer os seus direitos no processo de execução do MDE, nomeadamente para efeitos de imunidade resultante da não renúncia ao benefício da regra da especialidade, e à verificação de motivos de não execução (cf. os acórdãos de 09.01.2008 e de 26.09.2012, nos processos n.º 07P4855 eº 99/12.7YREVR.S1).


No caso, tal descrição não pode deixar de ser sumária, porquanto o MDE é para entrega com vista a procedimento criminal, ou seja, o processo junto da autoridade judiciária de emissão ainda se encontra numa fase investigatória. Admitindo-se o MDE para meros efeitos de procedimento criminal, como é o caso, não é expectável que o mesmo se apresente munido de uma descrição exaustiva e circunstanciada dos factos imputados, exatamente porque os mesmos ainda se encontram em investigação e não estão consolidados. A lei não exige sequer, neste momento, um juízo qualificado de indiciação que a autoridade de execução possa sindicar.


Ao pretender que a descrição dos factos é vaga, genérica e conclusiva, condicionando o respetivo exercício do direito de defesa, o recorrente revela incompreensão da natureza do MDE, sendo certo que não estamos em sede própria para contestar os factos imputados e, eventualmente, aportar elementos de prova que os possam contraditar, pois essa defesa terá de ser exercida perante as autoridades de investigação.


A nosso ver, a descrição factual, ainda que sucinta, satisfaz as exigências legais, não se podendo dizer que, para os efeitos de um MDE e do exercício , nesse âmbito, do direito de defesa do detido, esteja limitado, e muito menos “impossibilitado”, o direito de defesa, traduzido, essencialmente, como se disse supra, na possibilidade de invocação de circunstâncias que possam integrar o exercício do direito de recusa, seja ela obrigatória ou facultativa, e bem assim para efeitos de ponderação da renúncia ou não ao benefício da regra da especialidade.


Nem o acórdão recorrido, nem o presente, têm como ratio decidendi uma interpretação do disposto no artigo 3.º, n.º 1, al. e), da LMDE, segundo a qual “basta uma descrição vaga e genérica, sem permitir uma compreensão concreta e precisa dos fundamentos inerentes ao pedido”, porquanto entendemos que a descrição factual em causa, ainda que sucinta, contém os elementos indispensáveis para apreensão do MDE pela autoridade judiciária de execução e pelo requerido, para exercício do direito de defesa que é consentido no âmbito do MDE. A inconstitucionalidade invocada refere-se, por conseguinte, à interpretação de norma que não foi interpretada, nem aplicada, no sentido que lhe vem atribuído pelo recorrente.


Em consequência, não se reconhece a existência de interpretação normativa desconforme à CRP, por violação do disposto no artigo 32.º, n.ºs 1 e 5, ou de qualquer outra disposição constitucional.


Porém, relativamente ao que consta do acórdão recorrido, quanto à circunstância de no “Tribunal Judicial de ..., no processo n. º ........37, instrução n.º ..............03, o requerido ser suspeito da prática de 11 crimes, puníveis com pena máxima de 30 anos de prisão, cometidos entre novembro de 2021 e maio de 2022”, há que fazer um reparo e uma correcção.


Realmente, do MDE consta a indicação expressa de que os diversos ilícitos criminais que se imputam ao requerido/ora recorrente foram cometidos entre 1 e 31 de maio de 2022, em ..., no território francês.


Quer isto dizer que, muito embora, se mencione no MDE que a “interceção de mensagens na plataforma SKY ECC revelou que BB tinha ligação com AA para, nos anos de 2020 e 2021, proceder à importação de cocaína, por via marítima, a partir do ...”, no mesmo MDE se restringe a atividade criminosa imputada ao referido período de 1 a 31 de maio de 2022.


Por conseguinte, de acordo com o princípio da especialidade – a que o requerido/ora recorrente não renunciou -, deve entender-se que o MDE reporta-se, apenas, a factualidade compreendida naquele lapso temporal, pelo que não poderá a autoridade de emissão alargar o procedimento criminal a outros factos sem que obtenha consentimento da autoridade judiciária de execução que proferiu a decisão de entrega.


Neste quadro, a factualidade considerada no acórdão recorrido tem de ser alterada, substituindo-se o segmento


«- No Tribunal Judicial de ..., no processo n. º ........37, instrução n.º ..............03, o requerido é suspeito da prática de 11 crimes, puníveis com pena máxima de 30 anos de prisão, cometidos entre novembro de 2021 e maio de 2022 concretamente:»


por


«No Tribunal Judicial de ..., no processo n. º ........37, instrução n.º ..............03, o requerido é suspeito da prática de 11 crimes, puníveis com pena máxima de 30 anos de prisão, circunscrevendo-se o MDE a factos praticados entre os dias 1 e 31 de maio de 2022, em ..., no território francês:»


Por outro lado, a menção que consta do acórdão recorrido à compra pelo recorrente, em França, de “material de mergulho”, só pode resultar de lapso, pois o MDE nada diz a esse respeito.


Haverá, nessa parte, confusão com os factos a que se reportaram os MDE 3667/23.8... e 3668/23.6..., relativos a outros participantes – já decididos ambos, tendo no 1.º sido interposto recurso para o STJ que não foi admitido, o que foi confirmado em sede de reclamação, enquanto no 2.º já se procedeu à entrega do aí requerido às autoridades judiciárias do Estado de emissão.


Porém, o referido lapso mostra-se irrelevante para a decisão do presente recurso.


No que concerne à invocação das causas de recusa facultativa previstas nas alíneas g) e h) do artigo 12.º, n.º1, da LMDE, facilmente se conclui que não são aplicáveis: a 1.ª por se reportar a MDE emitido para cumprimento de uma pena ou medida de segurança, o que não é o caso; a 2.ª por inexistirem quaisquer elementos que permitam extrair que as infrações em causa foram cometidas, no todo ou em parte, em território nacional ou a bordo de navios ou aeronaves portugueses, não se vislumbrando, para já, qualquer ligação ao Estado Português ou razão para estender a competência dos tribunais portugueses a factos cometidos no estrangeiro, por via do princípio da ubiquidade, previsto no artigo 5.º Código Penal, que permite aplicar a lei penal portuguesa a certos factos cometidos fora do território nacional.


Nem esta conclusão se pode tirar da circunstância de estar em causa uma fase de investigação, havendo, naturalmente, ainda contornos desconhecidos da atuação dos investigados, pois o que conta, para já, são os factos que se conhecem e que nenhuma ligação parece terem com Portugal.


Não se vislumbra qualquer violação da alínea e), do n.º 1, do art.º 3.º, da LMDE - cujo eventual incumprimento, que não se verifica, não constituiria nulidade, mas antes irregularidade, como é jurisprudência deste STJ -, para além de também não se verificar nulidade nos termos do disposto nos artigos 374.º, n.º 2 e al. a) do n.º 1, do artigo 379.º, ambos do CPP, como o recorrente reivindica com base na alegada violação do referido artigo 3.º.


Como também não se verifica a alegada violação do artigo 2.º, n.º 3; da al. e), do n.º1, do artigo 3.º; do artigo 12.º, todos da Lei 144/99, de 31/08; dos artigos 96.º e 166.º, n.º2, do CPP, invocada, sem fundamento, pelo recorrente.


A autoridade judiciária do Estado de execução encontra-se obrigada a executar o MDE que preencha os requisitos legais, estando limitado e reservado a essa autoridade judiciária um papel de controlo da execução e de emissão da decisão de entrega, a qual só pode ser negada em caso de procedência de motivo obrigatório ou facultativo de não execução (artigos 3.º, 4.º e 4.º-A da Decisão-Quadro, a que correspondem os artigos 11.º, 12.º e 12.º-A da Lei n.º 65/2003) ou de falta de prestação de garantias que possam ser exigidas (artigo 5.º da DQ, a que corresponde o artigo 13.º da Lei n.º 65/2003).


No caso em apreço, não se identifica qualquer causa de recusa.


3.3. Desnecessidade da prisão preventiva


Alega o recorrente que foi decretada a manutenção da sua detenção por conta do presente MDE, “de modo a evitar o risco de o detido se eximir ao pedido de entrega”, ou seja, o perigo de fuga.


Mais alega ser uma pessoa de trato fácil, sociável e de cultura média e cumpridor dos seus deveres familiares, socialmente inserido, sendo que tem família constituída, vive com a mulher, que se encontra grávida de 5 meses, e quatro filhos. Constitui o suporte basilar do seu agregado familiar e a quem tem de proporcionar subsistência, trabalhando num café, auferindo o valor mensal líquido de € 2.500,00, explora um táxi com um rendimento semanal ilíquido de € 250,00 e explora três motas de “UberEats” com lucro semanal ilíquido de cerca de € 450,00.


Refere ser perfeitamente conhecido em todos os locais que frequenta, nunca se tendo furtado à acção da justiça, até porque afirma que não participou em nada do que vem explanado no mandado de detenção europeu, sendo que nunca se negou às suas responsabilidades, nem nunca se negou a colaborar com as entidades policiais de França, não existindo nenhuma razão para o considerar com um potencial fugitivo da acção da justiça.


Finalmente, diz que não pretende furtar-se a prestar declarações, nem a responder em juízo se for o caso, inexistindo assim perigo de fuga, dado que é seu desejo se apresentar de imediato em França para ser ouvido e colaborar em tudo.


Ainda que não expressamente invocado, julgamos estar subjacente à posição do recorrente o entendimento de que houve uma utilização desproporcionada do MDE.


Como já se disse, o MDE é executado com base no princípio do reconhecimento mútuo.


A emissão de um MDE para efeitos de procedimento criminal, tal como a emissão de um mandado nacional, deve levar em conta os critérios de necessidade, adequação e proporcionalidade, o que obriga a ponderar a possibilidade de aplicar medida menos gravosa para garantir as suas finalidades.


Trata-se, porém, de matéria subtraída à apreciação da autoridade judiciária de execução, a qual, por força dos princípios do reconhecimento mútuo, da confiança mútua e da presunção de “proteção equivalente” dos direitos fundamentais, apenas tem de verificar da validade do MDE e dos motivos de não execução, não lhe competindo aferir da proporcionalidade e/ou adequação do uso dele feito pelo Estado de emissão.


No que toca à decisão de manutenção da detenção, importa recordar que o MDE é uma decisão judiciária emitida por um Estado membro com vista à detenção e entrega por outro Estado membro de uma pessoa procurada para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de uma pena ou medida de segurança privativas da liberdade.


Não podendo o Estado emissor do mandado proceder (diretamente) à detenção da pessoa procurada, já que a mesma se encontra sob a jurisdição de outro Estado, solicita a este Estado a execução da detenção e a entrega da pessoa procurada.


Detenção e entrega constituem, assim, as únicas finalidades do MDE, visando a primeira a efetivação da segunda, porquanto à emissão daquele subjaz um único desiderato, qual seja a entrega da pessoa procurada, razão pela qual, em princípio, a detenção deve ser mantida até à efetivação da entrega.


Isto é, a detenção no âmbito do MDE tem por finalidade a entrega de pessoa procurada ao Estado emissor, entrega que, obviamente, só tem lugar após a tomada de decisão sobre a validade da detenção e sobre a verificação dos requisitos legais de que depende a execução do mandado, pelo que, em princípio, a detenção efectuada no âmbito do MDE, quando validada pelo tribunal, deve ser mantida até à entrega, sem embargo de poder (e dever) ser substituída por medida de coação, como estabelece o n.º 3 do artigo 18.º da Lei n.º 65/03, designadamente quando a detenção se mostre desnecessária à obtenção do desiderato do mandado, ou seja, à efetivação da entrega (entre outros, o acórdão do STJ, de 21.11.2012, proc. 211/12.6YRCBR).


O n.º 3 do artigo 18.º, ao estabelecer que o juiz relator procede à audição do detido, no prazo máximo de quarenta e oito horas após a detenção, e decide sobre a validade e manutenção desta, podendo aplicar-lhe medida de coação prevista no CPP, considera que a detenção no âmbito do MDE, mais concretamente a sua manutenção, constitui medida autónoma, estabelecendo uma clara distinção entre a detenção no âmbito do mandado e a prisão preventiva no âmbito do processo penal.


Assim, a detenção no âmbito do MDE não é uma verdadeira medida de coação, mas antes medida especificamente destinada a assegurar a entrega de pessoa, como determinado por uma autoridade judiciária de outro Estado, pelo que podemos afirmar que o risco de fuga do detido constitui o fundamento específico da detenção ou outra medida cautelar que a substitua.


Nesta fase, a alegação pelo recorrente de que está social, profissional e familiarmente integrado e que não pretende furtar-se a prestar declarações, nem a responder em juízo se for o caso, “dado que é seu desejo se apresentar de imediato em França para ser ouvido e colaborar em tudo”, não constituem razões para alterar a medida de detenção imposta, porquanto importa assegurar a entrega do mesmo ao Estado de emissão e a integração e modo de vida do ora recorrente não se apresentam como obstáculo sério a que o mesmo decida furtar-se à execução do presente MDE.


No caso vertente, o despacho que validou e manteve a detenção do recorrente fez apelo, para tanto, ao próprio mandado, enquanto instrumento legal reconhecido pelo Estado português, bem como à gravidade dos factos delituosos que determinaram a sua emissão, entendendo “que a manutenção da detenção se mostra a medida adequada, necessária e proporcional para a satisfação das finalidades inerentes ao mandado de detenção europeu, de modo a evitar o risco de o detido se eximir ao pedido de entrega.”


Não se vislumbram quaisquer razões para alterar a situação de detenção do recorrente.


3.4. Diz-se o seguinte no acórdão recorrido:


« O requerido requereu ao abrigo do artº 13º nº1 al. b) da Lei 65/2003, que no caso de lhe vir a ser aplicada uma pena no processo, donde foi emanado o MDE, que corre termos junto do Estado Francês, seja devolvido a Território Nacional, onde reside a fim de aqui cumprir a pena em que for condenado.


O Ministério Público nada opôs.


Considerando que o requerido tem nacionalidade Portuguesa e reside em Território Nacional é de atender à sua pretensão.


III


DECISÃO


Face ao exposto acordam os Juízes Desembargadores da ... Secção do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente a oposição deduzida pelo requerido, deferindo-se o cumprimento do Mandado de Detenção Europeu, emitido pelo Procurador da República do Tribunal Judicial de ..., no processo n. º ........37, instrução n.º ..............03, para detenção e entrega para fins de procedimento criminal de AA, passando-se, oportunamente, os devidos mandados de entrega, devendo o mesmo se vier a ser condenado em pena de prisão ser devolvido a Portugal afim de cumprir tal pena em Território Nacional (art 13º nº1 al. b) da Lei nº 65/2003, de 23/8).»


O artigo 13.º da LMDE estabelece, sob a epígrafe “Garantias a fornecer pelo Estado-Membro de emissão em casos especiais”:


«1 - A execução do mandado de detenção europeu só terá lugar se o Estado-Membro de emissão prestar uma das seguintes garantias:


(…)


b) Quando a pessoa procurada para efeitos de procedimento penal for nacional ou residente no Estado-Membro de execução, a decisão de entrega pode ficar sujeita à condição de que a pessoa procurada, após ter sido ouvida, seja devolvida ao Estado-Membro de execução para nele cumprir a pena ou a medida de segurança privativas da liberdade a que foi condenada no Estado-Membro de emissão.


2 - À situação prevista na alínea b) do número anterior é correspondentemente aplicável o disposto na parte final do n.º 4 do artigo 12.º»


Verifica-se, pois, que se entendeu estar reunido o circunstancialismo previsto na alínea b), do n.º 1, do artigo 13.º, mas sem que, no entanto, tenha sido devidamente explicitado no dispositivo que a entrega é condicionada à prestação por parte do Estado-Membro de emissão da garantia de que o requerido, após audição, será devolvido a Portugal para aqui cumprir a eventual pena ou medida de segurança privativa da liberdade aplicada.


Essa garantia prévia tem de ser exigida, na lógica inerente ao acórdão recorrido, pelo que o dispositivo deve ser explicitado, nesse sentido.


*


III - DECISÃO


Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça em:


A) Substituir o segmento da factualidade do acórdão onde se diz


«- No Tribunal Judicial de ..., no processo n. º ........37, instrução n.º ..............03, o requerido é suspeito da prática de 11 crimes, puníveis com pena máxima de 30 anos de prisão, cometidos entre novembro de 2021 e maio de 2022 concretamente:»


por


«No Tribunal Judicial de ..., no processo n. º ........37, instrução n.º ..............03, o requerido é suspeito da prática de 11 crimes, puníveis com pena máxima de 30 anos de prisão, circunscrevendo-se o MDE a factos praticados entre os dias 1 e 31 de maio de 2022, em ..., no território francês:».


B) Negar no mais provimento ao recurso interposto por AA, explicitando-se, porém, que execução da entrega fica sujeita à condição de a autoridade judiciária da República Francesa, enquanto Estado de emissão, prestar garantia (caso não haja sido entretanto prestada) de que o requerido será devolvido a Portugal, após ter sido ouvido, para cumprimento da pena ou medida de segurança privativa da liberdade em que venha a ser condenado em França.


Dê conhecimento de imediato ao TRL para que, independentemente do trânsito do presente acórdão, seja desde já solicitada à autoridade judiciária da República Francesa, enquanto Estado de emissão, a prestação, no prazo de cinco dias, da garantia exigida (caso não haja sido entretanto prestada) com menção de que a entrega do requerido não será executada antes de prestada tal garantia.


Dilig. nec.


Supremo Tribunal de Justiça, 29 de fevereiro de 2024


(certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do artigo 94.º, n.ºs 2 e 3 do CPP)


Jorge Gonçalves (Relator)


Orlando Gonçalves (1.º Adjunto)


Leonor Furtado (2.ª Adjunta)