Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07A2773
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FARIA ANTUNES
Descritores: CONTRATO DE LEASING
MEDIDA DE REESTRUTURAÇÃO FINANCEIRA
NOVAÇÃO
ALTERAÇÃO DO CONTRATO
Nº do Documento: SJ200710180027731
Data do Acordão: 10/18/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Sumário :
I- A novação objectiva traduz-se num contrato extintivo-constitutivo de obrigações, pelo qual as partes expressam a vontade de substituir uma obrigação originária, que se extingue, por uma nova, que se constitui, estando-lhe pois subjacente a ideia de que a contracção da nova obrigação se faz em substituição da antiga.
II- O animus novandi não se presume, tendo de ser expressamente manifestado.
III- Se as partes apenas modificarem um mero elemento acessório da relação creditória, v.g. o prazo de pagamento da dívida, sem alterarem as restantes cláusulas contratuais, não há novação mas simples modificação ou alteração do contrato.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

T... Crédito Especializado, S.A. - Instituição Financeira de Crédito, requereu providência cautelar de entrega judicial contra F... ­Sociedade de Construções e Comércio, S.A., pedindo que se ordene a apreensão da grua Torre Potain, modelo M... 85A City Crane SM, COM, alegando para tanto que, tendo resolvido o contrato de locação financeira celebrado com a requerida, não lhe foi restituído o equipamento locado.
A requerida deduziu oposição, defendendo-se por excepção e alegando que, no âmbito do processo de recuperação de empresa contra si requerido e que correu termos no 2° juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, sob o processo n0484/03.5TYVNG, foi reconhecido o crédito da requerente e aprovada, com voto favorável da mesma, uma medida de reestruturação financeira, mediante a qual se dispunha, para os créditos das sociedades de locação financeira e relativamente aos contratos já resolvidos, "a celebração de novos contratos" nas condições aí estipuladas.
A requerente pronunciou-se sobre o teor dos documentos apresentados com a oposição.
O Mmº Juiz, entendendo não ser necessária a produção de prova, indeferiu a providência requerida.
A requerente agravou para a Relação do Porto, que negou provimento ao agravo.
Inconformada, recorre agora de agravo para o STJ, invocando conflito jurisprudencial entre a decisão agravada e a decisão tirada no agravo nº 1020/07-2ª secção da mesma Relação, de que juntou cópia.
O recurso foi bem admitido, atento o disposto na parte final do artº 387º-A e no 678º, nº 4 do CPC.
Não foram apresentadas contra-alegações.
A agravante fechou a minuta recursória concluindo:
1º- Ao contrário do que o acordão decidiu, o simples voto favorável da agravante na assembleia de credores que aprovou a medida de recuperação não consubstancia qualquer vontade de novar as obrigações emergentes do contrato de leasing extinto;
2º- A vontade de novar tem de ser manifestada de forma expressa, o que no caso concreto não sucedeu;
3º- E não se diga que, pelo facto de na medida de recuperação se aludir, relativamente aos contratos já resolvidos, que iriam ser celebrados novos contratos, que tal menção traduz a vontade de novar;
4º- Na verdade, tal referência é feita no contexto da reestruturação da dívida relativa aos contratos de leasing, sendo claro que a alusão a novos contratos foi efectuada apenas porque os mesmos tinham sido resolvidos, já que, em relação aos não resolvidos, a medida se circunscrevia á mera reestruturação dos prazos de pagamento;
5º- Tal reestruturação/modificação dos prazos de pagamento abrangeu também os contratos resolvidos e só porque a resolução tinha ocorrido é que a medida alude à celebração de novos contratos, como forma de "repristinar" os contratos de leasing iniciais: do que se tratou foi apenas de, através da fórmula utilizada, restabelecer/retomar os aludidos contratos, ou seja, fazer a sua "repristinação";
6º- Se a intenção tivesse sido a de novar as obrigações emergentes do contrato resolvido, as condições de pagamento não seriam idênticas às dos que não tinham sido resolvidos. O que as partes pretenderam foi, tão só, prolongar ou diferir o pagamento das prestações estabelecidas no contrato resolvido, ou seja, de modificar as condições de pagamento, não tendo sido prevista a alteração de qualquer outra cláusula do contrato resolvido;
7º- Acresce que não chegou sequer a ser celebrado qualquer novo contrato, tendo sido ultrapassado o prazo previsto para o pagamento das importâncias em dívida, sem que a recorrida o tivesse feito;
8º- Não tendo sido celebrado qualquer novo contrato, não existe fonte de uma nova obrigação, motivo por que não se vislumbra como é possível sustentar que nasceu uma nova obrigação que extinguiu a que tinha por fonte o contrato resolvido;
9º- O Acórdão recorrido considerou e reconheceu que o contrato de "leasing" não foi cumprido pela recorrida e que o recorrente procedeu à respectiva resolução;
10º- Um dos efeitos da resolução é assegurar ao agravante a devolução do bem objecto do contrato, sendo certo que, de acordo com o regime legal em causa, o proprietário desse bem continua a ser o ora recorrente;
11º- Desse modo, é lícito ao ora recorrente lançar mão da presente providência cautelar;
12º-Acresce que os factos que o Tribunal "a quo" deu como provados são suficientemente indiciadores do direito que o recorrente alega, bem como da necessidade desse direito ser rapidamente acautelado;
12º- A prevalecer a decisão proferida no âmbito do Acórdão recorrido, estar-se-á a permitir que a parte não cumpridora, se mantenha, indefinidamente, a usufruir do equipamento, ainda que se aceite que o correspondente contrato de leasing se encontra resolvido por facto a si imputável e que, em resultado disso mesmo, incorre a recorrida na obrigação de restituir o bem à recorrente, sua legitima titular e proprietária;
13º- Melhor demonstração de tudo quanto foi referido e sobretudo de que não existiu novação objectiva da dívida é que as condições de pagamento previstas para os "novos contratos" é exactamente igual às condições de pagamento prevista para os contratos ainda vigentes;
14º- O que significa que, a alusão à celebração de "novos contratos" para aqueles que já tinham sido resolvidos, prende-se com uma questão meramente de forma, que em nada belisca nem altera o conteúdo substancial das obrigações neles previstas;
15º- Decidindo como decidiu a decisão recorrida violou o disposto no artigo 859º do Código Civil,
Devendo o presente agravo ser provido e, em consequência, revogar-se o acórdão recorrido e decretar-se a apreensão do bem objecto do contrato de leasing.
Com os vistos, cabe decidir.
A 1ª instância considerou estarem indiciados os seguintes factos, que a Relação não alterou:
1) A requerente, anteriormente denominada "M... Leasing, Sociedade de Locação Financeira, S.A." e posteriormente "S... Central Hispano - Leasing", é uma empresa parabancária, autorizada a praticar operações de locação financeira (leasing);
2) No exercício dessa actividade, a então denominada "M... Leasing", celebrou, em 21 de Agosto de 2000, com a requerida, um acordo mediante o qual colocava a grua "Torre Potain", modelo "M... 85A City Crane SM, COM" à disposição desta pelo período de 48 meses, com início em 21 de Agosto de 2000 e termo em 21 de Agosto de 2004, mediante o pagamento de uma renda mensal, com vencimento ao dia 5 de cada mês, de 1.956,64 €, a fim de a requerida a utilizar mediante o pagamento de uma renda de 1.956,64 € por mês, ficando a requerida com o direito à sua aquisição pelo valor de 2% do preço de 99.210,90 €, acrescido de IVA, à taxa legal, conforme resulta do teor dos documentos de fls. 11 a 13 dos autos e que aqui se dá por inteiramente reproduzido;
3) Aquele equipamento foi adquirido pela requerente à "Potain - Portugal, S.A.", com o propósito de ceder o gozo do mesmo à requerida, conforme resulta do documento de fls. 13 dos autos;
4) A requerida começou a utilizar o equipamento referido em 2) em 21 de Agosto de 2000;
5) A requerida não pagou a 34ª renda a que estava obrigada e que se venceu em 20 de Julho de 2003;
6) Nem qualquer das rendas subsequentes que se venceram;
7) Em 22 de Março de 2004 a requerente enviou à requerida uma carta registada com aviso de recepção declarando resolver o contrato referido em 2);
8) O equipamento referido em 2) continua a ser utilizado pela requerida no exercício da actividade de construção;
9) Foi requerido em 4 de Agosto de 2003 e correu termos contra a requerida o processo nº 484/03.5TYVNG, sob a forma de processo de recuperação de empresas, no 2º Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia;
10) No decurso do mesmo processo judicial, o gestor judicial elaborou e submeteu à aprovação da Assembleia Definitiva de Credores uma medida de reestruturação financeira;
11) Para os credores das sociedades de locação financeira, de renting e similares, a referida medida prescreve o seguinte: "Propõe-se para os créditos destas sociedades: a) Pagamento da totalidade das rendas vencidas e vincendas em 3 anos, após 1 semestre de carência, contados a partir do trânsito em julgado da sentença homologatória do acordo de reestruturação, incluindo juros vencidos. Para os contratos já resolvidos, propõe-se a celebração de novos contratos nas condições acima identificadas.", conforme resulta do teor do documento junto aos autos a fls. 47 a 60, mais concretamente a fls. 57, e que se dá aqui por integralmente reproduzido;
12) A Requerente votou favoravelmente a medida de reestruturação financeira da aqui requerida, conforme resulta do teor do documento de fls. 66;
13) A sentença homologatória da deliberação da Assembleia de Credores transitou em julgado em 25 de Outubro de 2004.
A questão em discussão é meramente de direito, centrando-se na interpretação a dar à decisão proferida quanto à medida de reestruturação financeira aprovada na assembleia geral dos credores, na parte em que, «para os contratos já resolvidos, propõe-se a celebração de novos contratos nas condições acima identificadas».
Essa questão colocou-se exactamente da mesma forma nos dois mencionados agravos para a Relação do Porto que lhe deu todavia respostas diametralmente opostas.
Assim, no acórdão recorrido, expendeu-se:
«… no processo de recuperação de empresas, que correu termos pelo 2° Juízo do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia, contra a aqui requerida, foi elaborado e submetido à aprovação da Assembleia de Credores uma medida de reestruturação financeira, a qual previa, para os créditos das sociedades de locação financeira, de renting e similares:
"o pagamento da totalidade das rendas vencidas e vincendas em 3 anos, após 1 semestre de carência, contados a partir do trânsito em julgado da sentença homologatória do acordo de reestruturação, incluindo juros vencidos. Para os contratos já resolvidos, propõe-se a celebração de novos contratos nas condições acima identificadas.”
A medida de reestruturação financeira foi apresentada como proposta pelo gestor judicial, aprovada pela Assembleia de Credores, tendo a requerente votado favoravelmente tal medida e por escrito.
Para o tribunal a quo, depois de considerar que o contrato celebrado entre a requerente e a requerida se classifica de um contrato de locação financeira, analisa seguidamente o problema do ponto de vista jurídico, considerando que, quanto aos efeitos jurídicos desta medida sobre as obrigações emergentes da resolução do contrato de locação financeira, aquela deliberação vincula os credores e terceiros nos termos previstos nos arts. 92°, 93° e 94° do CPEREF, e há-de ser interpretada de acordo com o disposto no art. 236°, nº1, do CC.
E considera ainda que, numa primeira análise, se poderia entender que a medida aprovada traduzir-se-ia tão-só na renegociação dos créditos indemnizatórios emergentes da resolução dos contratos de locação financeira resolvidos, operando assim uma mera modificação ou alteração da obrigação ao nível de um elemento acessório da mesma - o prazo de cumprimento -, resultando que aquelas obrigações seriam pagas em 36 prestações após um período de carência de um semestre.
Mas, quanto aos contratos já resolvidos, como é o caso dos autos, considera que a vontade dos credores, com aquela deliberação, significa e expressa a intenção de operar uma verdadeira extinção das obrigações emergentes da resolução dos contratos de locação financeira com a criação ou assunção da obrigação de celebrar novos contratos sujeitos a plano prestacional de 36 meses, antecedido de um período de carência de um semestre, ou seja, a deliberação aprovada teve como efeito, no que às obrigações decorrentes da resolução dos contratos de locação financeira diz respeito, operar uma verdadeira novação.
E assim, no caso em análise, «por força da aprovação da medida de reestruturação financeira, é de entender que se operou uma novação objectiva das obrigações que recaiam sobre a requerente por força do contrato de locação financeira - como dissemos supra, de indemnizar nos termos convencionados e de restituir o bem locado - na obrigação de celebrar novos contratos de locação financeira».
E conclui, então, que não pode a requerente vir a juízo fazer valer o cumprimento de uma obrigação extinta - a extinta obrigação de restituição do equipamento locado por força da resolução do contrato de locação financeira.
… temos para nós que ao caso se não pode aplicar a interpretação defendida pelo recorrente de que se está perante uma mera modificação do contrato e antes aquela que efectuou o tribunal a quo.
…Desde logo, trata-se aqui de analisar um problema, que embora parcial e restrito - dívidas devidas a sociedades de locação financeira -, está integrado numa medida de recuperação de empresa, apresentada pelo Gestor Judicial e aprovada pela Assembleia de Credores, medida esta aprovada que também o foi pela requerente, por escrito.
Por outro lado, trata-se de obrigações resultantes de um contrato de locação financeira existente entre a requerente e requerido que fora resolvido por aquela por falta de pagamento das prestações por esta e que, por isso mesmo, estava resolvido.
Temos ainda que, quanto aos créditos resultantes dos contratos de locação financeira, previa expressamente a medida de recuperação da requerida, a sua distinção entre os ainda em vigor e os já resolvidos, da seguinte forma:
- o pagamento da totalidade das rendas vencidas e vincendas em 3 anos, após 1 semestre de carência, contados a partir do trânsito em julgado da sentença homologatória do acordo de reestruturação, incluindo juros vencidos;
- para os contratos já resolvidos, propõe-se a celebração de novos contratos nas condições acima identificadas.
Ora, segundo o art. 857º do CC dá-se a novação objectiva quando o devedor contrai perante o credor uma nova obrigação em substituição da antiga, isto é, substitui-se a obrigação mas mantêm-se os sujeitos.
Ensina A. Varela, Das Obrigações em Geral, 7ª ed. vol. II, pág. 230 que novação consiste na convenção pela qual as partes extinguem uma obrigação, mediante a criação de uma nova obrigação, em lugar dela, considerando ainda essencial que queiram realmente extinguir a obrigação primitiva por meio da contracção de uma nova obrigação.
Daí que o art. 859º do CC considere que a vontade de contrair a nova obrigação em substituição da antiga deva ser expressamente manifestada, o que, no caso concreto, dúvidas não existem dado que a requerente votou a medida neste particular e até por escrito.
Portanto, a requerente aceitou, votou a medida, segundo a qual resultava que o crédito de que era titular fosse substituído por outro, uma vez que esta fala em "novos contratos", ou seja, atendendo ao sentido da medida, há uma substituição da forma de pagamento do crédito vencido agora para 36 meses prestacional, com carência de 6 meses.
Há, assim, uma vontade expressamente declarada, que nos surge de forma bem explícita, de forma inequívoca, extinguindo-se a anterior obrigação com a criação de uma nova em lugar daquela.
E a denominada vontade novatória "animus novandi" de que fala Galvão Telles, em CJ, Ano 1987, vol. II, pág. 35, surge claramente dos termos do contrato, mesmo ao cuidado colocado de distinguir as situações em apreço, especificamente para os contratos de locação financeira e para os contratos já resolvidos e no sentido de existir uma vontade das partes de substituir a obrigação antiga, que fica extinta, por uma obrigação nova embora nascida de contrato ínsito na convenção celebrada, contrato que fica a ser a fonte, causa ou título dessa obrigação nova.
E quanto à distinção entre novação e modificação da obrigação, releva a interpretação que efectua A. Varela, na mesma Colectânea, a pág. 43, considerando que na primeira situação as partes pretendem realmente extinguir a antiga obrigação, mediante a constituição de um novo débito, enquanto que no segundo a intenção é manter dívida, mas alterando uma ou mais cláusulas acessórias ou secundárias da respectiva relação obrigacional, dando como exemplos, a taxa de juro, datas de amortização de capital, etc.
Ora, repetindo, a cláusula que se aceitou no acordo fala mesmo na realização de novos contratos e daí que, caiba plenamente no conceito que é usado por Almeida Costa, em Direito das Obrigações, 9ª ed. pág. 1036 de que a novação será a extinção contratual de uma obrigação em virtude da constituição de uma nova que vem ocupar o lugar da primeira e considera ainda que não será forçoso que a nova obrigação apresente um conteúdo diferente do da antiga.
Este mesmo autor aponta ainda, obra citada mas a tis. 1038, os requisitos para que haja novação, quais sejam:
1° - a intenção de novar, expressamente declarada.
2° - que a obrigação primitiva seja válida e não se encontre extinta ao tempo em que a segunda foi contraída.
30 - que a nova obrigação se constitua validamente.
Ora, da análise de todo o processado e perante o atrás relatado, verificamos que se encontram preenchidos todos os requisitos exigíveis para a verificação no caso de novação e não simples modificação da obrigação.
Por isso que consideramos que se não está na presença de uma simples modificação da obrigação aprovada em assembleia de credores efectuada em processo de recuperação de empresa mas antes em firme novação da obrigação existente por outra em lugar daquela.
A aprovação por escrito da medida pelo credor/agravante e os termos em que a mesma se mostra redigida, contextualizada na reestruturação das dívidas relativas ao contrato de leasing, consubstanciam uma declaração expressa de vontade de novar tendo, portanto, a virtualidade de se poder concluir que se tratou de uma efectiva novação da obrigação.
E nem se diga que se a intenção tivesse sido a de novar as obrigações emergentes do contrato resolvido, as condições de pagamento não seriam idênticas às dos que não tinham sido resolvidos.
De facto, a novação objectiva pode abranger perfeitamente uma nova forma de pagamento, como foi o caso, agora em 36 meses com seis meses de carência.
A não realização do novo contrato não releva para efeitos de classificação da alteração da obrigação operada.
Assim, não podemos nem devemos alterar a decisão impugnada, por se mostrar conforme o fixado na lei.
Podemos concluir que em processo de recuperação de empresa, aprovada uma medida relativo ao crédito resultante de um contrato de locação financeira, já resolvido por falta de pagamento, com o voto favorável do credor, por escrito, segundo a qual para os contratos já resolvidos, se propõe a celebração de novos contratos agora com a condição de o pagamento da totalidade das rendas vencidas e vincendas ser em 3 anos, após 1 semestre de carência, devemos considerar que se está perante uma novação objectiva da dívida e não simples modificação da obrigação, porquanto o crédito primitivo se extingue por substituição do novo crédito.
Mas diga-se ainda que não será em sede de providência cautela r de apreensão que poderá ou deverá ser averiguada da razão ou razões da não elaboração do novo contrato.
Esta problemática não tem aqui e agora cabimento - artigos 3810 e 3820 do CPC…».
Em sentido completamente diferente se pronunciou o outro referido aresto da Relação do Porto, onde se escreveu nomeadamente o seguinte:
«…A proposta aprovada… tinha a redacção seguinte:
"Propõe-se para os créditos destas sociedades (sociedades de locação financeira, de renting e similares):
a) Pagamento da totalidade das rendas vencidas e vincendas em 3 anos, após I semestre de carência, contados a partir do trânsito em julgado da Sentença homologatória do acordo de reestruturação, incluindo juros vencidos. Para os contratos resolvidos, propõe-se a celebração de novos contratos nas condições acima identificadas. "
Se bem repararmos, a proposta, tal como foi apresentada, começa com uma alínea alínea a), e não refere mais nenhuma outra.
No entanto, verificamos da sua leitura, que sob a alínea em causa estão indicadas duas previsões regimentais distintas: uma para os contratos (ainda) vigentes; outra para os contratos já resolvidos.
a) Para os contratos ainda vigentes (leia-se aqui leasing), ficou aprovado o pagamento do crédito das locadoras no tocante à totalidade das rendas vencidas e vincendas em três anos, após 1 semestre de carência, contados a partir do trânsito em julgado da Sentença homologatória do acordo de reestruturação, incluindo juros vencidos;
b) Para os contratos já resolvidos, "a celebração de novos contratos nas condições acima identificadas."
Ora, as "condições acima identificadas" nada mais previam que não fossem as relativas à alteração do prazo para pagamento de dívidas.
No despacho recorrido foi entendido que se estava perante a novação de dívida.
No entanto, a novação de dívida exige o acordo expresso do credor em substituir uma dívida por outra dívida nova - art. 859.° do CC - , levando à extinção da primeira, e surgindo a nova como totalmente independente daquela.
0 que se mostra expresso "nas condições acima identificadas", é apenas aceitação de um período de carência de seis meses a contar do trânsito em julgado Sentença homologatória e o protelamento do pagamento das rendas vencidas e vincendas, com juros vencidos, que poderia passar a fazer-se ao longo de três anos (em vez de serem imediatamente exigíveis, como eram quanto ao contrato resolvido).
Em nenhum lugar vem referido como tendo sido aceite que a Requerida se mantivesse na utilização da viatura como se o contrato anterior não tivesse sido resolvido ou se quisesse fazer um contrato novo que fosse em tudo independente do anterior e se esquecesse que tinha havido resolução por incumprimento da Requerida.
Em matéria de novação, não são admitidas, de resto, presunções de animus novandi.
Concluímos portanto, que a referência à "celebração de novos contratos relativamente aos contratos já resolvidos" pretende apenas significar que os novos contratos respeitam apenas à reestruturação da dívida, que era imediatamente exigível, e que foi alterada, passando a contar com um prazo de carência e um modo de pagamento diluído ao longo de três anos.
Mas mesmo que porventura se viesse a admitir que o efeito pretendido era efectivamente o da celebração de um contrato inteiramente novo, seria então necessário que esse contrato se mostrasse firmado entretanto e que surgisse nos autos, para vermos em que tinha constituído ele. O que não se mostra efectuado.
A pendência do processo de recuperação de empresa não obsta por outro lado à instauração e procedência da providência requerida já que, visando a mesma um bem propriedade da Requerente, não é abrangida pelas limitações impostas pelo art. 29º do CPEREF.
Ora estando reconhecido que a Requerida incumpriu o contrato, deve devolver de imediato o bem dado em locação, pois não lhe pertence, beneficiando já das vantagens decorrentes dos prazos de pagamento acordados e que a Sentença homologatória passou a contemplar.
Acresce que a sua não apreensão imediata faz perigar o seu desaparecimento, e faz presumir o aumenta do desgaste e a falta de cuidados com a sua manutenção, aumentando ainda a sua desvalorização ao longo do tempo.
Entendemos, portanto, que pelo menos neste procedimento cautelar, não foi feita da forma que parece mais plausível a interpretação da proposta aprovada no tocante ao contrato de leasing aqui em apreciação.
Estão assim verificados os requisitos legais exigíveis nos arts. 381º do CPC e 21º do DL nº 149/95, de 24 de Junho, aplicável ex vi do art. 24º do mesmo diploma…».
Vistos os autos, do que se trata, no fundo, é de determinar se com a aprovação da medida de reestruturação financeira, a que se reportam 10), 11) e 12) do rol dos factos provados, se pretendeu novar ou apenas alterar ou modificar as anteriores obrigações da recorrida.
Ora, a distinção entre a novação e a mera modificação da obrigação pode revelar-se na prática bem difícil, disso nos dando conta os dois discursos díspares da Relação do Porto, ambos recheados de argumentos aparentemente não despiciendos, evidenciando a dimensão e a dificuldade do problema.
Não raro surgem questões assaz melindrosas sobre aquela distinção, de que é exemplo o caso tratado nos Pareceres contraditórios de dois Ilustres Professores Universitários, constantes de fls. 29 a 38 e 39 a 50 do tomo II do ano 1987 da Colectânea de Jurisprudência.
Pois bem. A propósito da distinção entre a novação e a simples modificação da obrigação, expende Antunes Varela (Das Obrigações Em Geral, Vol II, Reimpressão da 7ª Edição, pág. 233):
«… A fixação da vontade das partes a esse respeito… reveste o maior interesse, pois a substituição da obrigação pressupõe, em regra, a eliminação das garantias e dos acessórios da dívida extinta, ao passo que na simples modificação da obrigação se mantêm todos os elementos que não forem alterados.
… Se a alteração resultante da convenção das partes se reflecte apenas em elementos acessórios da relação creditória (prorrogação… de um prazo… etc.), nenhumas dúvidas se levantarão, em regra, acerca da persistência da obrigação e da manutenção dos seus elementos não alterados.
Quando, pelo contrário, a alteração convencionada atinja os elementos essenciais da relação obrigacional (o objecto, a causa, os sujeitos), o seu sentido pode já ser radicalmente distinto.
Pode ser, mas não quer dizer que necessária ou sistematicamente o seja.
… importa saber é se as partes quiseram ou não, com a modificação operada, extinguir a obrigação, designadamente as suas garantias acessórias. É para esse alvo prático (animus novandi) que o julgador deve apontar directamente, com os instrumentos facultados pela interpretação e integração da declaração negocial. E é nesse sentido que os artigos 859º e 840º encaminham a resolução das dúvidas que as várias espécies concretas possam suscitar ao intérprete».
Resulta do artº 857º do CC que se dá a novação objectiva quando o devedor contrai perante o credor uma nova obrigação em substituição da antiga.
A novação traduz-se num verdadeiro contrato extintivo – constitutivo de obrigações, pelo qual as partes visam expressamente substituir uma obrigação originária, que se extingue, por uma obrigação nova, que se constitui (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, 4ª Edição Revista e Actualizada, pág. 147).
O animus novandi não se presume.
Com efeito, o artº 859º do CC diz que a vontade de contrair a nova obrigação em substituição da antiga deve ser expressamente manifestada.
E nos termos do artº 217º, nº 1 do CC, a declaração é expressa quando feita por palavras, escrito ou qualquer outro meio directo de manifestação de vontade.
Reportando-se o artº 859º da lei substantiva menos à vontade de contrair a obrigação do que à ideia de que esta contracção da dívida se faz em substituição da antiga (Antunes Varela, citado vol. II, pág. 237), ocorre perguntar: de acordo com os dados colhidos houve a vontade de substituir uma antiga obrigação?
É certo que para os contratos de leasing já resolvidos (caso do ajuizado contrato) foi proposta pelo gestor judicial da recorrida e aceite por escrito pela recorrente, a celebração de «novos contratos» em que o pagamento da totalidade das rendas vencidas e vincendas seria feito em tês anos, após 1 semestre de carência, contados a partir do trânsito em julgado da sentença homologatória do acordo de reestruturação, incluindo juros vencidos.
Todavia, aludiu-se a novos contratos, mas não se falou na substituição da anterior dívida, que continuou a mesma, apenas se alterando o prazo do seu pagamento.
O “novo contrato” recairia apenas sobre a prorrogação de prazo de pagamento, portanto sobre um mero elemento acessório da relação creditória.
As partes não manifestaram directamente a vontade de substituir a antiga obrigação pela criação de uma outra em seu lugar.
Não se desenha claramente, com nitidez, inequivocamente, na aprovação pela ora agravante da medida de recuperação da aqui agravada, a vontade de novar as obrigações emergentes do contrato de leasing extinto.
No contrato resolvido as rendas vencidas e vincendas eram imediatamente exigíveis, e foi só esse aspecto que as partes quiseram alterar, criando um período de carência de seis meses a contar do trânsito em julgado da sentença homologatória e protelando o pagamento, a processar ao longo de três anos.
As partes pretenderam tão-só prolongar ou diferir o pagamento das prestações estabelecidas no contrato resolvido, não tendo sido sua intenção alterar qualquer outra cláusula.
Nada foi dito no sentido de a agravada manter a utilização da viatura, como se o anterior contrato não tivesse sido resolvido.
E, como bem se salienta no referido segundo acórdão da Relação do Porto, mesmo que porventura se viesse a admitir que o efeito pretendido pelas partes era o da celebração de um contrato inteiramente novo, seria então necessário que esse contrato se mostrasse firmado e junto aos autos, o que não sucede, para se poder verificar quais os seus verdadeiros contornos.
Resolvida, nos termos indicados, a mesma questão fundamental de direito sobre a qual caíram em contradição os dois acórdãos da Relação do Porto, acordam em conceder provimento ao agravo, revogando o acórdão recorrido, e com ele a decisão da 1ª instância, ordenando a remessa directa dos autos ao 2º Juízo Cível da comarca de Matosinhos, para de novo aí ser julgado o procedimento cautelar, ficando as custas a cargo da parte vencida a final.

Supremo Tribunal de Justiça, 18 de Outiubro de 2007

Faria Antunes (Relator)
Moreira Alves
Alves Velho