Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
380/07.7TCSNT.L1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: LOPES DO REGO
Descritores: EMPARCELAMENTO
PRÉDIO RÚSTICO
DIREITO DE PREFERÊNCIA
UNIDADE DE CULTURA
FIM NÃO AGRÍCOLA
EXPLORAÇÃO AGRO-PECUÁRIA
Data do Acordão: 05/24/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITOS REAIS
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 1380.º, N.º1, 1381.º, AL. A).
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 27/1/10, PROCESSO N.º 1543/04.2TBVIS.C1.S1.
Sumário : 1. Deve qualificar-se, para os efeitos do nº1 do art. 1380º do CC, como de «sequeiro», de modo a envolver a aplicação da área da unidade de cultura mais ampla, o prédio rústico em que há muito se não verificava o cultivo de qualquer planta, legume ou vegetal, inexistindo nele qualquer sistema de rega, de aproveitamento de águas, incluindo as pluviais – por, neste concreto circunstancialismo, inexistir o menor índice que pudesse configurá-lo – face ao uso efectivo e predominante que lhe vinha sendo dado – como terreno de «regadio».

2.Não existe o direito de preferência do proprietário de terreno confinante, fundado naquele normativo, quando o prédio rústico alienado está exclusivamente afectado, em termos administrativamente lícitos, a uma exploração agro-pecuária que envolve a implantação, em prédio misto contíguo, de um estabelecimento de exploração agro pecuária, - destinando-se, deste modo, o prédio alienado a fins de produção animal que extravasam manifestamente uma primacial função agrícola ou a exploração florestal ou silvo-pastorícia dos terrenos.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1. AA e BB intentaram contra os RR. CC, Lda, DD, SA, Sociedade EE – Imobiliária e Construções, SA acção de preferência, na forma ordinária, pedindo o reconhecimento do direito a haverem para si determinado prédio rústico, que identificam, alegando que são proprietários de outro prédio rústico, com aquele confinante, vendido pela 1ª R. à 2ª e dado de locação financeira à 3ª R., sem que lhes tivesse sido dada oportunidade de exercer o direito de preferência emergente do regime legal em vigor, em sede de emparcelamento rural.

As RR. contestaram a acção, questionando a tempestividade do exercício do direito de preferência e a verificação dos pressupostos deste, sustentando que a área de ambos os prédios em causa seria superior à unidade de cultura estabelecida regulamentarmente para a zona e ainda que ao imóvel adquirido não foi dado uso agrícola ou florestal, já que o mesmo se encontra adstrito à actividade de suinicultura, conjuntamente com outro prédio misto, identicamente adquirido através do mesmo negócio jurídico.

Procedeu-se ao saneamento e condensação da matéria litigiosa, organizando-se base instrutória, de que as partes reclamaram sem êxito, sendo, após audiência final, proferida sentença a julgar a acção improcedente, por se entender que, estando demonstrado que «o terreno adquirido não se destinava à agricultura, destinando-se antes a uma unidade de exploração agro pecuária, sita no Magoito, que implicava transmissão de um estabelecimento e de trabalhadores, isto é, de uma unidade industrial de que o prédio rústico era apenas um local afecto à respectiva actividade» se não verificariam os pressupostos da invocada preferência legal, por a tal obstar o disposto na al. a) do art. 1381º do CC.

Inconformados com a improcedência da acção, apelaram os AA., impugnando, desde logo, a decisão proferida sobre a matéria de facto e sustentando que se verificariam inteiramente os pressupostos do direito de preferência legal que pretendiam efectivar.
A Relação, porém, confirmou a decisão recorrida, embora por diferente fundamento: entendendo que a afectação do imóvel alienado às actividades de suinicultura se não enquadraria na previsão referida al. a) do art. 1381º, inserindo-se ainda o destino dado ao prédio no conceito de «culturas» (destinadas, quer à produção de vegetais, quer à criação de animais), considerou que não se mostravam preenchidos os elementos da «causa petendi» invocada, já que nenhum dos prédios confinantes teria, afinal, área inferior à unidade de cultura aplicável.

2. Novamente inconformados, interpuseram os AA. a presente revista, que encerram com as seguintes conclusões que lhe definem o objecto:

A - Vem o presente Recurso interposto do Acórdão que julgou improcedente a Apelação e, em consequência, absolveu os Recorridos do pedido formulado pelos Recorrentes no sentido de lhes ser reconhecido o direito de haverem para si o prédio rústico denominado Lote ....
B - O Acórdão recorrido, afastando o entendimento plasmado na sentença da l5 instância {dando, nessa medida, razão aos Recorrentes) concluiu que o recurso teria de improceder porque o exercício do direito de preferência exige que, pelo menos, um dos terrenos confinantes tenha área inferior à unidade de cultura
C- Os Recorrentes são proprietários de um prédio rústico, denominado "Lote......", com a área de 47.980 m2 - cfr. nº 1 dos Factos Provados
D- A Recorrida DD, S.A. é proprietária de um prédio rústico, denominado "Lote ....", com a área de 33.693 m2 - cfr. nº 2 dos Factos Provados
E - Os dois prédios referidos são confinantes entre si -cfr. ns 6 dos Factos Provados
F - O prédio objecto da preferência (Lote ....) não possui sistema de rega nem qualquer sistema de aproveitamento de água, nem sistema de aproveitamento ou retenção de águas pluviais-cfr. nºs 9 e 10 dos Factos Provados
G - No referido prédio há muito que não se verifica o cultivo de qualquer planta, legume ou vegetal - cfr. n.º 11 dos Factos Provados
I- Os Recorrentes têm desenvolvido no seu prédio a produção e cultivo de diversos produtos hortícolas pretendendo alargar a sua exploração agrícola ao prédio objecto da preferência - cfr. nºs 13 e 14 dos Factos Provados
J - O exercício do direito de preferência exige que, previamente, se determine a unidade de cultura aplicável aos prédios confinantes
L- A área da unidade de cultura está prevista no art- lº da Portaria n- 202/70, de 21 de Abril com duas categorias de terrenos: os de regadio (com a vertente arvense e hortícola) e os de sequeiro.
M - Os conceitos de terrenos de regadio e sequeiro correspondem a termos técnicos em função do conteúdo que lhes é dado pela respectiva ciência - Agronomia
N - Cultura de sequeiro é aquela em que a planta para o seu desenvolvimento normal não dispõe de água da rega, ficando dependente das condições climáticas o que implica fortes irregularidades quanto à produção final
O - A classificação dos terrenos, para efeitos de determinação da unidade de cultura, tem de ser efectuada em função do aproveitamento efectivamente dado ao terreno
P- Estamos perante matéria de facto apurar quais as culturas que existem em determinado terreno e perante matéria de direito determinar, no recurso aos conceitos técnico - agrários, qual é a classificação do terreno para efeitos de unidade de cultura -cfr. Acórdão da Relação de Coimbra 15/01/1985, in C.J., Ano X, Tomo 1, pág. 65.
Q - A classificação de um terreno como "regadio de cultura arvense", "regadio hortícola" ou "terreno de sequeiro", essencial para o exercício do direito de preferência, constitui uma conclusão de direito a extrair da factualidade assente nos autos
R- O prédio objecto da preferência (Lote ....) não possui sistema de rega, não possui qualquer sistema de aproveitamento de água, não possui qualquer sistema de aproveitamento ou retenção de águas pluviais e há muito que ali não se verifica o cultivo de qualquer planta, legume ou vegetal - cfr. n^s 9 e 10 dos Factos Provados
S- O terreno objecto de preferência consta na Carta Agrícola e Florestal de Portugal (anexa à p.i. como doe. n$ 6) como terreno de sequeiro
T- Da referida factualidade conclui-se (de direito) que o terreno objecto da preferência (Lote ....) é classificado como terreno de sequeiro com uma unidade de cultura para a região de Lisboa de 40.000m2
U- O terreno objecto de preferência tem uma área de 33.693 m2 inferior à unidade de cultura exigida
V - O prédio dos Recorrentes tem uma área de 47.980 m2 sendo permitido o exercício do direito de preferência por força do art.º 18.º do D.L n2 384/88, de 25 de Outubro porque se demonstrou que a finalidade daqueles é alargar e rentabilizar a área da sua actividade agrícola
X - Encontra-se, assim, preenchido o requisito exigido no Acórdão recorrido: um dos terrenos confinantes tem uma área inferior à unidade de cultura devendo, em consequência e por referência à fundamentação ali expressa, dar-se integral provimento ao recurso interposto
Z- O Acórdão recorrido violou, assim, o disposto no ns l do arts 13802 do C.C. e arts 18.º do D.L. n.º 384/88, de 25 de Outubro

Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso de Revista e, em consequência, revogar-se o douto Acórdão recorrido reconhecendo-se aos Recorrentes o direito de haverem para si, pelo exercício do seu direito de preferência, o prédio rústico denominado "Lote ....", sito em Casal .........., freguesia de São J........., concelho de Sintra, descrito na 1^ Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o n^ 177 e inscrito na matriz cadastral rústica sob o artigo 69-Secção Q, Qle Q2 (parte), só assim se fazendo JUSTIÇA!


A 1ª R./recorrida contra alegou, sustentando que o prédio rústico alienado deveria efectivamente ser qualificado como terreno de «regadio/ cultura arvense», sendo em função de tais potencialidades que se deveria aferir a área da unidade de cultura aplicável; e que, de qualquer modo, a acção sempre teria de improceder pela circunstância de tal prédio ter sido alienado no âmbito de um negócio complexo, envolvendo a transmissão de uma unidade de exploração agropecuária, abrangendo o estabelecimento e respectivos trabalhadores, estando o imóvel afecto a fim diverso do exercício da agricultura.
3. As instâncias fizeram assentar a decisão jurídica do pleito na seguinte matéria de facto:

1. Encontra-se registada a favor dos autores a aquisição por compra e permuta do prédio rústico composto por terreno de cultura com a área de 47.980 m2 (quarenta e sete mil novecentos e oitenta metros quadrados) identificado por "Lote....." sito em C, freguesia de São J........., concelho de Sintra, descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o n° 00000, antigamente inscrito na matriz cadastral sob parte do artigo 53 - Secção Q, Ql e Q2 da freguesia de São J......... e actualmente, inscrito na matriz cadastral sob o artigo 68 -Secção Q e Ql da referida.
2. Pela Ap. 00/00000, encontrava-se registada a favor da ré CC, a aquisição por compra, do prédio rústico composto de terreno_de cultura arvense com a área 33.693 m2 (trinta e três mil seiscentos e noventa e três metros quadrados) identificado por "Lote ......", sito em C, freguesia de São J........., concelho de Sintra descrito na Ia Conservatória do Registo Predial de Sintra sob o art. 00177 e inscrito na matriz cadastral rústica sob o artigo 69 - Secção Q, Ql e Q2 (parte) da referida freguesia.
3. Pela Ap. 000000000, encontra-se registada a favor da ré BPI, SA por compra, do prédio identificado em 2.
4. A ré BPI, SA, declarou comprar o referido prédio à ré CC, e esta vender, por escritura outorgada no Cartório Notarial de Torres Vedras a cargo da Ora. FF em 28 de Abril de, pelo preço de € 33.693,00 (trinta e três mil seiscentos e noventa e três euros), que recebeu e de que deu quitação.
5. Pela Ap. 000000000, foi registada a locação financeira do prédio referido em 2 à ré Euroeste, pelo prazo de 10 anos e a ter o seu início no dia 28 de. Abril de 2006.
6. Os prédios referidos em 1 e 2 são confinantes.
7. Os réus não comunicaram aos autores o projecto de venda do referido em 4, o qual englobava igualmente o referido em 16, por qualquer forma nem lhes concederam qualquer prazo para serem eles a adquirir o imóvel referido em 1 nas mesmas condições e preço.
8. Em 25 de Setembro de 2006 quando, nessa data, obtiveram do Cartório Notarial de Torres Vedras cópia da escritura pública em causa.
9. Prédio referido em 2 não possui sistema de rega nem qualquer sistema de aproveitamento de água.
10. O "Lote ...." não possui sistema de aproveitamento ou retenção de águas pluviais.
11. No prédio identificado em 2 há muito que não se verifica o cultivo de qualquer planta, legume ou vegetal.
12. O prédio referido em 1 possui um furo para captação de águas e tem um tanque aberto para depósito de águas pluviais.
13. No prédio referido em 1 os autores têm desenvolvido a produção e cultivo de diversos produtos hortícolas, designadamente alfaces, tomates, alho francês e couve de Bruxelas.
14. Os autores pretendem alargar a exploração hortícola que desenvolvem no prédio referido em 1 ao prédio referido em 2.
15. O prédio referido em 2 está afecto, exclusivamente, à suinicultura.
16. O negócio que envolveu a venda do terreno referido em 2 envolvia também a transmissão de unidade de exploração agro-pecuária sita no Magoito, que implicava a transmissão de um estabelecimento e de trabalhadores.


4. Como é manifesto, a sorte da presente acção depende decisivamente da resposta a dar a dois pontos fulcrais – o primeiro relacionado com a verificação dos pressupostos do direito de preferência invocado, no caso que algum dos prédios rústicos confinantes tenha «área inferior à unidade de cultura» aplicável, nos termos previstos no nº1 do art. 1380º do CC ; e o segundo conexionado com o obstáculo ou impedimento a tal direito real de aquisição, decorrente , na presente situação litigiosa, de o prédio alienado com desconsideração da preferência estar destinado a «algum fim que não seja a cultura», nos termos prescritos na alínea a) do art. 1381º do CC.

Note-se que a primeira daquelas questões – tida por prejudicada na 1ª instância, face à solução que ali se deu ao litígio – conduziu decisivamente à improcedência da acção de preferência na Relação, ao considerar-se no acórdão recorrido que é elemento constitutivo da preferência legal em causa que pelo menos um dos terrenos confinantes tenha área inferior à unidade de cultura.
Sendo esta conclusão presentemente pacífica – estando perfeitamente assente que tal direito de preferência legal envolve apenas a exigência de que um dos prédios em confronto tenha área inferior à unidade de cultura vigente na região – importa, todavia, valorar e ponderar a peculiar situação dos autos, como condição indispensável à subsunção a realizar nas categorias tipificadas na Portaria 202/70 – assente na dicotomia entre terrenos de regadio e de sequeiro e, quanto àqueles, entre os arvenses e os hortícolas.

Ora, a dificuldade de enquadramento da situação dos autos radica em que – como resulta a matéria de facto fixada - há muito que se não verificava o cultivo no prédio alienado de qualquer planta, legume ou vegetal, inexistindo nele qualquer sistema de rega, de aproveitamento de águas, incluindo as pluviais; ou seja: estamos confrontados com terreno que há muito era desprovido de qualquer utilização humana efectiva para fins agrícolas ou florestais, não existindo o menor elemento que indiciasse, ainda que no passado, a utilização para culturas agrícolas que passassem ou envolvessem o aproveitamento, ainda que mínimo, pelo cultivador de recursos hídricos.
Ora, perante esta especificidade do caso, entende-se que, numa interpretação funcionalmente adequada das referidas categorias legais, o terreno deverá qualificar-se como de sequeiro, de modo a envolver a aplicação da área da unidade de cultura mais ampla ( no caso, 4 hectares), por inexistir manifestamente o menor índice que pudesse configurá-lo – face ao uso efectivo e predominante que lhe há muito lhe vinha sendo dado – como terreno de regadio ( o que implicaria um mínimo de aproveitamento de recursos hídricos, por o exigir o tipo de culturas nele efectivamente praticadas).

E tal conclusão não é posta em causa pelo facto de os AA. pretenderem reconverter radicalmente o prédio em causa, dando-lhe uma utilização diferente, caso lograssem adquiri-lo através do exercício da preferência que invocam – no caso, a ampliação da exploração agrícola de produtos hortícolas que exercem no prédio que lhes pertence ( não sendo seguramente essa intenção de futuro aproveitamento que permitiria considerar que a área de cultura aplicável passasse a ser de 0,50 hectares) :

o que releva decisivamente não é uma eventual e inovatória reconversão da exploração agrícola levada a efeito no prédio, mas o uso efectivo predominante dos terrenos rústicos no momento da alienação que faz despoletar o direito legal de preferência.

Por outro lado, e ao contrário do sustentado pela entidade recorrida, não pode inferir-se da catalogação do terreno litigioso como sendo de «cultura arvense» - fundamentalmente com base na descrição constante da matriz e do registo predial - que tal implique inelutavelmente a classificação como «terreno de regadio» ( sendo, aliás, manifesto que nem todas as culturas arvenses implicam uma utilização de recursos hídricos, de que depende decisivamente a referida catalogação como terreno de «regadio»).

E daqui decorre que, se o prédio rústico em causa tivesse sido alienado, no estado e tipo utilização que o caracterizava, para fins agrícolas ou florestais, consideraríamos verificados os pressupostos do direito real de aquisição invocado e feito valer pelos AA., no âmbito do regime do emparcelamento rural.

5. Sucede, porém, como atrás se relatou, que o prédio alienado está afecto, exclusivamente, à suinicultura, fazendo parte de uma unidade, explorada por uma das sociedades RR., em que se inclui o prédio misto em que está situado o estabelecimento de exploração agro-pecuária, com trabalhadores ao seu serviço, cuja titularidade foi, aliás, transmitida pelo mesmo negócio jurídico.
Por outro lado, tal afectação dos prédios à exploração de suinicultura é administrativamente lícita, como decorre, nomeadamente, das licenças constantes de fls. 486 e seguintes dos presentes autos.

Ora, perante este quadro factual, importa verificar se ocorre, porventura, a situação impeditiva do direito de preferência, decorrente da previsão normativa constante da al. a) do art. 1381º do CC, que exclui tal direito quando o terreno alienado «se destine a algum fim que não seja a cultura».

As instâncias interpretaram este segmento normativo em termos perfeitamente diversificados: na verdade, a sentença proferida considerou que – face à demonstração pelos RR. que o terreno adquirido se não destinava à agricultura, mas antes «a uma exploração agro-pecuária, que implicava a transmissão de um estabelecimento e de trabalhadores, isto é, a transmissão de uma unidade industrial de que o prédio rústico era apenas um local afecto à respectiva actividade» – se verificava de pleno a excepção contida na referida al. a) ; pelo contrário, a Relação, no acórdão recorrido, entendeu que á expressão legal «cultura» deveria ser atribuído um sentido mais amplo que o de «agricultura», definindo, consequentemente, em termos linguísticos, aquele conceito de modo a abranger a criação ou desenvolvimento, com cuidados especiais, quer de plantas ou vegetais, quer de animais utilizados para satisfação de necessidades humanas.

Como parece evidente, a definição do sentido normativo a atribuir ao vocábulo legal «cultura» não encerra um problema semântico, mas antes funcional ou teleológico – e que se traduz em saber se os objectivos e fins subjacentes ao instituto do fraccionamento e emparcelamento de prédios rústicos têm cabimento e sentido quando estão em causa, não actividades principais de agricultura, silvicultura e exploração florestal dos terrenos (que acessoriamente poderão compreender a pastorícia ou criação de animais), mas antes – e exclusivamente - actividades principais e em larga escala de produção animal (suinicultura), envolvendo, como ocorre no caso dos autos, a existência de uma unidade ou estabelecimento a que está acessoriamente afectado o prédio rústico em questão.

Entende-se que a resposta a esta questão deve ser negativa, já que a definição legal e regulamentar da «unidade de cultura» apta a uma exploração economicamente rentável – conforme os terrenos se destinem predominantemente a culturas «arvenses», «hortícolas» ou «de sequeiro», -nada tem que ver com a eventual definição da dimensão economicamente aceitável de explorações agro-pecuárias que envolvem a implantação de um estabelecimento comercial, a cuja utilização está exclusivamente afecto o terreno rústico conjuntamente alienado – e, deste modo, destinado a fins que extravasam manifestamente uma primacial função agrícola ou a exploração florestal ou silvo-pastorícia dos terrenos ( cfr. Ac. de 27/1/10, proferido pelo STJ no P. 1543/04.2TBVIS.C1.S1).

E, sendo tal utilização ou afectação aos fins da exploração agro pecuária administrativamente lícita – estando, aliás, sedimentada ou consolidada no momento da venda que despoletou o alegado direito de preferência – verifica-se de pleno o facto impeditivo da preferência , resultante da parte final da citada al. a) do art. 1381º, o que determina a improcedência da acção.


6. Nestes termos, confirma-se, embora por diferente fundamento, o acórdão recorrido, na parte em que julgou improcedente a presente acção.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 24 de Maio de 2011

Lopes do Rego (Relator)
Orlando Afonso
Távora Victor