Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
427/01.0GAABF-A.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ALBERTINA PEREIRA
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
NOVOS FACTOS
ERRO DE IDENTIDADE
IDENTIDADE DO ARGUIDO
INJUSTIÇA DA CONDENAÇÃO
PROCEDÊNCIA
Data do Acordão: 02/15/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: PROCEDÊNCIA / DECRETAMENTO TOTAL.
Sumário :
I - No âmbito do recurso extraordinário de revisão é de conceder a revisão da sentença num caso, como o presente, em que um terceiro, terá utilizado uma autorização de residência falsa com os elementos de identificação do recorrente AAA, a fim de com ela se identificar em diversas ocasiões.
II - Nestes autos surge como facto novo o erro de identidade do arguido. Conjugando esse facto com a circunstância de AAA não ter estado no local dos factos em questão, o terceiro que se terá feito passar por AAA apresentar características físicas bem diversas das deste, ter trabalhado como segurança, o que não sucede com aquele, e ter indicado como morada local onde AAA não reside, considerando ainda os demais elementos de prova constantes do processo, suscitam-nos sérias e graves dúvidas sobre a justiça da condenação do recorrente.
III - Não é de aplicar o disposto no art. 380.º, n.º 1, al. b), do CPP, uma vez que não estando demonstrada, com segurança, a identidade da pessoa que praticou os factos e terá sido julgada, não é possível proceder-se à rectificação da sentença, corrigindo-se a identificação de AAA com a inserção da identificação correcta do agente do crime.
Decisão Texto Integral:

Proc. 427/01.0GAABF-A.S1


Revisão – 5.ª Secção

Acordam em conferência da 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

1. Relatório

1.1. AA, arguido nos autos identificados, vem por apenso aos presentes autos e, ao abrigo do disposto nos artigos 449.º n.º 1 alíneas a) e d), 450.º n.º 1 alínea c), 451.º e 452.º, todos do Código de Processo Penal (CPP), interpor o presente recurso extraordinário de revisão, concluindo a sua motivação do seguinte modo:

A) Por sentença datada de 11 de Abril de 2007, proferida no âmbito dos presentes autos, o Recorrente foi condenado, como autor material de um crime de roubo, p. e p. pelo art.º 210.º n.º1, do Código Penal na pena de doze meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos. – Cfr. DOC 1

B) O Recorrente foi ainda condenado:

• nopagamentodataxadejustiça, fixadaem2UC, acrescidade1% sobre areferida taxa, nos termos do Art.ºº 13º n.º 3 do DL 423/91, de 30/10 e, demais encargos, com procuradoria pelo mínimo;

• no pagamento de honorários à sua ilustre defensora oficiosa, fixado nos termos da tabela anexa à Portaria N.º 1386/200, de 10/11;

• no pagamento dos honorários à senhora interprete, fixados em € 300,00 (trezentos euros).

C) Tal decisão veio a ser confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora, por Acórdão datado de 13 de Julho de 2022, já transitado em julgado. – Cfr. DOC 2 e 3.

D) Realizada a audiência de discussão e julgamento foram considerados provados os seguintes factos:

E) “1. No dia 30 de Junho de 2001, pelas 17 horas, o arguido encontrava-se a exercer a sua actividade profissional de “segurança” na Casa do ..., em ..., onde decorria a cerimónia de casamento do BB, quando foi alertado para a presença de um fotógrafo nas imediações;

F) 2. Então, o arguido, dirigiu-se para o local, onde efectivamente se encontrava ofendido CC, fotógrafo ao serviço de uma agência espanhola;

G) 3. O arguido solicitou ao ofendido que lhe entregasse o rolo da máquina fotográfica, mas, porque o ofendido não lhe tivesse obedecido nos termos que ele pretendia, desferiu-lhe um encontrão no obro direito, e de seguida lançou-lhe as mãos à câmara e retirou-lhe o rolo;

H) 4. O arguido agiu assim, movido pelo propósito que tinha firmado de subtrair ao ofendido e fazer seu o rolo que ele tinha na máquina fotográfica, contra a vontade dele e com recurso à violência física;

I) 5. O arguido agiu com vontade livremente determinada, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei;

J) 6. O arguido é solteiro;

K) 7. O arguido exerce a actividade de Segurança;

L) 8. O arguido não tem quaisquer antecedentes criminais.”

M) Realizada a audiência de discussão e julgamento foram considerados não provados os seguintes factos:

- Com interesse para a decisão, não se provou que o arguido tenha dado dois murros no ombro direito do ofendido CC.

N) Inconformado com o teor da douta sentença, o Recorrente interpôs recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Évora, apontando à mesma os seguintes vícios:

c) nulidade da sentença proferida por insuficiência de fundamentação, nos termos do disposto no art.º 379.º n.º 1 alínea a) e art.º 374.º n.º 2, do Código de Processo Penal;

d) erro de julgamento da matéria de facto, nos termos do art.º 412.º n.º 3, do Código de Processo Penal, pugnando por que os factos provados sob os pontos 1 a 7 sejam considerados não provados.

O) O Recorrente invocou ainda factos novos em sede de recurso ordinário.

P) O Venerando Tribunal da relação de Évora, julgou totalmente improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Q) Quanto aos factos novos invocados, considerou o Venerando Tribunal da Relação de Évora, que não é possível impugnar a sentença com base na alegação de factos novos em sede de recurso ordinário, pois a sentença só pode ser impugnada com vista à sua modificação, através do reexame da matéria nela apreciada e, não mediante prolação de decisão sobre matéria nova estando o tribunal ad quem impedido de pronunciar-se sobre questões que não tenham sido objecto de conhecimento na decisão impugnada, sob pena de excesso de pronúncia – art.º 379.º n.º 1 alínea c), do CPP, pelo que não se pronunciou sobre o alegado erro na identificação do arguido, por falsificação dos seus documentos, não sendo admissível a junção de prova documental emsede recurso ordinário – art.º165.º n.º 1, do CPP.

R) O Recorrente não praticou nenhum dos factos que lhe são imputados na douta acusação e, pelos quais veio a ser condenado, como infra se passa a demonstrar.

S) O Recorrente apenas tomou conhecimento da existência dos presentes autos em 02 de Março de 2021, data em que foi notificado da douta sentença proferida nos mesmos em 11 de Abril de 2007.

T) O Recorrente desconhece em absoluto o ofendido CC, bem como a testemunha DD, nunca esteve na presença dos mesmos, nem com eles interagiu, seja a que título for.

U) O Recorrente não esteve presente no casamento de BB, seja a que título for, desconhece quando e onde o mesmo ocorreu (a não ser o que resulta do que veio a ser divulgado pela comunicação social), desconhece qual a empresa de segurança que foi contratada para prestar os respectivos serviços em tal evento, sendo que não tinha, nem tem qualquer relação com a mesma, seja a que título for.

V) Foi considerado provado que no dia da cerimónia de casamento em causa, 20.06.2001, na então Caso do ..., sita no concelho de ... o Recorrente encontrava-se aí a exercer a sua actividade profissional de “segurança” e, que usava uma etiqueta da empresa de segurança contratada por BB.

W) Na motivação da decisão de facto, o Tribunal a quo considerou e valorou positivamente o depoimento do ofendido, segundo o qual, foi abordado pelo ora Recorrente, nas circunstância de tempo e modo descritas nos factos provados 1 a 5 e 7, identificando-o como “…um individuo de raça negra, corpulento, mais alto que o depoente (o depoente mede cerca de 1,85 metros)…”, bem como o depoimento da testemunha DD, que afirmou ser o Recorrente autor dos factos constantes da douta acusação, identificando-o como “…individuo de raça negra, muito corpulento…”.

X) Porém, os factos cuja prática foi imputada ao Recorrente e, pelos quais foi condenado, não foram praticados por si, atento o referido supra.

Y) À data dos factos, o Recorrente não exercia quaisquer funções de segurança e, não esteve no ... e, seguramente não esteve na Casa do ..., sita em ....

Z) O Recorrente não reside, nem nunca residiu na morada do TIR constante a fls. 36, 37 dos autos – Rua ..., ..., nem na Avenida ....º, ....

AA)À data dos factos, o Recorrente vivia na Rua ..., .... – Cfr DOC 4

BB)À data dos factos, o Recorrente exercia a actividade profissional de pintor da construção civil, trabalhando sem contrato na sua área de residência e, sem descontos para a Segurança Social.

CC) O Recorrente nunca trabalhou para a empresa de segurança, identificada nos auto como sendo a que prestou serviços no dia e local em causa – “A. ........, Vigilância Privada”, com sede em Rua ..., .... – Cfr. DOC 5

DD) O Recorrente tem apenas 1,72 m de altura, conforme consta do seu documento de identificação – fls. 234 e 235 - sendo que a pessoa identificada pelo Ofendido e pela testemunha, identificados supra, tinha cerca de 1,85m de altura, o que consta igualmente da sentença condenatória (fls. 438). – Crf. DOC 6

EE)O Recorrente tem nacionalidade Angolana e, nunca solicitou a nacionalidade portuguesa, sendo titular do Cartão de Residência Temporária N.º .......79, pelo que nunca foi titular do Bilhete de Identidade indicado no TIR de fls. 36 dos autos. – Cfr. DOC 7, VIDE FLS. 698 dos autos

FF) O Recorrente não tinha à data dos factos, registo criminal, sendo que presentemente, do seu registo criminal consta apenas a condenação no âmbito dos presentes autos. – Cfr. DOC 7, VIDE FLS. 204 dos autos.

GG) Quando tomou conhecimento dos presentes autos, o Recorrente ficou chocado, pois não praticou os factos em causa, tendo de imediato procurado assegurar a sua defesa nos presentes autos. – VIDE FLS. 697

HH) O Recorrente apresentou queixa crime junto da Polícia Judiciária …, à qual foi atribuído o número de processo 76/21.7..., a qual correu termos no Departamento de Investigação e Acção Penal de ....

II) A Polícia Judiciária solicitou aos presentes autos, na sequência de ofício do Ministério Público junto do Tribunal Judicial de ..., o envio da documentação que especificou, por ser indispensável aqueles autos em que se investigava o crime de falsificação de documentos. – VIDE FLS 716 dos autos.

JJ) Os presentes autos tomaram conhecimento do teor do Relatório da Polícia Judiciária no âmbito do NUIPC N.º 76/21.7..., conforme informação transmitida pela Polícia Judiciária e junta aos autos em 23.02.2023, com a Ref.ª .....35. – VIDE FLS. 748 a 750 Cfr. DOC 8.

KK) De acordo com o Relatório da Polícia Judiciária, dúvidas não restam deque o verdadeiro autor dos factos constantes da acusação e, considerados provados nestes autos foi EE. – VIDE DOC 8 supra.

LL) De acordo com o referido Relatório Policial, cujas passagens mais relevantes se transcrevem infra:

“Nas primeiras diligências efectuadas nesta investigação, em pesquisas realizadas no sistema informático desta Polícia Judiciária, apurou-se que o nome falso de AA está relacionado com um suspeito de nome EE (Fls. 28-29).

Quando foram comparadas as várias informações que constam na identificação do arguido condenado no Tribunal de ..., com os elementos descritivos de EE percebe-se que estamos perante a mesma pessoa.

Assim, verifica-se que EE tem 1,84 metros de altura (Fls. 28 – 29) muito próximo da informação que surge na sentença (Fls. 17 verso), ao passo que o denunciante AA tem apenas 1,72 metros de altura (Fs. 37).

Segundo surge na ficha biográfica desta P.J., EE tem como profissão oficial a carreira de segurança ou vigilante privado (Fl. 28).

Para além destes pormenores, verifica-se que o individuo que foi condenado no Tribunal de ..., deu como morada a Rua ...c, ..., ... (Fls. 16), que é exactamente a mesma morada fornecida pelo EE nos vários processos-crime que teve ao longo do tempo, e que o levou a passar vários anos na cadeia (Cfr. FLS. 28, vero e Fls. 31 32).

Aliás, nos arquivos dos Serviços prisionais, ainda é essa morada conhecida de EE (Fls. 31), obtida durante o ano de 2003, quando este suspeito foi detido pela primeira vez.

Foram solicitados todos os elementos digitalizados relacionados com o Bilhete de Identidade de Cidadão Estrangeiro n.º ......84, em nome de AA, emitido em 1993/…/… (Fls 34 40), tendo-se confirmado que foi o primeiro documento oficial que o denunciante obteve em Portugal, conforme o próprio reconheceu na inquirição que prestou nesta polícia judiciária (Fls. 99 100).

O Sector de Identificação Judiciaria do Laboratório de Polícia Científica estabeleceu, de forma conclusiva, que o denunciante AA e EE, são pessoas totalmente diferentes (Fls. 84 87). (sublinhado nosso).

Solicitaram ao Tribunal de ... as cópias dos documentos mais relevantes do processo crime com o NUIPC 427/01.0 GAABF, nomeadamente, os relacionados com s elementos de identificação do arguido desse inquérito (Fls. 52 83).

Os elementos enviados confirmam todas as conclusões que tinham sido atingidas, conforme se pode observar através de várias peças processuais que constam no processo, nomeadamente, a denúncia (Fls. 54 55), o termo de identidade e residência (Fls. 57). O interrogatório (Fls. 58), o despacho de acusação (Fls. 59 61) e a sentença proferida (Fls 65 79) (…). De acordo com todos os elementos recolhidos ao longo deste inquérito, relacionados com a competência territorial, todos os factos relevantes de eventual usurpação de documentos e de usurpação de identidade ocorreram na comarca de ....

Sugere-se que as conclusões desta investigação sejam comunicadas ao Tribunal de ..., a fim de ser possível corrigir a imputação do crime ao denunciante destes autos, que mantém esta condenação no seu registo criminal, em virtude do suposto autor destes factos ilícitos ter utlizado a identidade do ora denunciante. (…)”.

MM) Conforme se concluiu, no Relatório da Polícia Judiciária, elaborado no âmbito do NUIPC 76/21.7..., de forma clara, objectiva e devidamente fundamentada, que EE, com longo registo criminal e, cumprimento de pena de prisão, em determinada altura, usurpou a documentação e a identidade do ora Recorrente, falsificou documentos utilizando a sua identidade e, sob a mesma praticou vários factos ilícitos criminais, designadamente aqueles pelos quais o Recorrente foi condenado nos presentes autos.

NN)Nos referidos autos, na sequência de todas as diligências realizadas, foi ainda possível concluir que em data anterior a 30.04.2002, EE, conhecido do Requerente, com quem partilhara habitação, fabricou ou veio-lhe à posse, passando a utilizá-la, uma autorização de residência em tudo idêntica à que tinha sido emitida pelo SEF ao Recorrente, tendo-se identificado a partir de então, como AA, designadamente nestes autos, o que lhe permitiu eximir-se à responsabilização criminal pelos factos que praticou fazendo-se passar por aquele, que assim, veio a ser condenado pelo crime de roubo.

OO) Os referidos autos foram arquivados por inadmissibilidade legal do procedimento em virtude do decurso do prazo de prescrição e, não porque restem quaisquer dúvidas de que o mesmos praticou os crimes que o ora Recorrente denunciou contra si.

PP)Da documentação junta aospresentesautos e, tambémda documentação agoracarreada para os mesmos resulta claramente que a assinatura do verdadeiro AA é muito diferente da aposta no TIR de fls. 37.

QQ) Basta confrontar esse documento com a notificação da sentença ao verdadeiro AA, que o mesmo assinou, ou com o TIR ou com o Requerimento e Cartão de Residência Temporária que veio juntar aos autos, para constar a “olho nu”, que a sua assinatura foi falsificada no TIR de fls. 37, que não foi aí aposta por si. – VIDE FLS 37, 697, 698, 706 dos autos

RR)Trata-se, pois, de factos novos e de novos meios de prova que fundamentam e sustentam o presente recurso de revisão, na medida em que, por si e também combinados com os que foram considerados nos presentes autos e, levaram à condenação do Recorrente, suscitam graves dúvidas sobre a justiça de tal condenação.

SS)O Recorrente, em momento processual oportuno, requereu, com base em tais factos novos e novos meios de prova, a correcção da sentença, requerendo que fossem eliminados todos os elementos da sua identificação, passando a constar na mesma a verdadeira identidade do condenado, ou seja: EE, o que fez ao abrigo do art.º 380º n.º 1, alínea b) do CPP. – VIDE FLS. 754 a 756 dos autos.

TT) Contudo, tal foi indeferido por falta de fundamento legal. – VIDE FLS. 765 dos autos

UU) Tais factos novos e novos meios de prova, serviram também de base ao recurso da sentença interposto para o Venerando Tribunal da Relação de Évora. – VIDE FLS. 757 a 764.

VV) Contudo, não foram os mesmos acolhidos, na medida em que, nos termos do disposto no art.º 379.º n.º 1, alínea c), do CPP, ao tribunal ad quem está vedado pronunciar-se sobre questões que não tenham sido objecto de conhecimento pelo tribunal a quo, sob pena de nulidade por excesso de pronuncia. – VIDE FLS 849 e segs. dos autos.

WW) Contudo, esses mesmos factos novos e, novos meios de prova são totalmente adequados à instrução e interposição do presente recurso de revisão, atento o disposto no art.º 449.º n.º 1 alíneas a) e d), do CPP.

XX) Os factos novos e novos meios de prova indicados supra, permitem concluir, sem margem para dúvidas, que a sentença condenatória proferida nos presentes autos, condenou a pessoa errada, porque os seus documentos foram usurpados, falsificados por quem, na realidade cometeu os factos em causa.

YY) Os novos meios de prova trazidos aos autos, permitem afirmar que, no caso concreto, correu claramente erro na identificação do arguido: o autor dos factos dados como provados nasentença, não é o Recorrente, EE.

ZZ) O presente recurso de revisão, insere-se nas garantias constitucionais na defesa – art.º 29.º n.º 6, da CRP - visando obviar à decisão injusta proferida no caso concreto, na medida em que, embora a segurança seja um dos principais fins do processo penal, não é o único nem o que deve prevalecer, mas sim o fim maior, que é o da justiça.

AAA) Os novos factos e novos meios de prova agora carreados para os autos, impõem, pois, a revisão da decisão condenatória do Recorrente, no sentido de se considerar que os factos constantes da douta acusação de fls. e., dados como provados na douta sentença de fls. não foram praticados pelo Recorrente e, que houve erro na sua identificação, por o verdadeiro autor dos factos ter usurpado e, falsificado os seus documentos, utilizando a sua identidade e, com a mesma ter praticados tais ilícitos criminais.

BBB) Estão reunidos os pressupostos legais, previstos no art.º 449.º n.º 1 alíneas a) e d), do Código Penal, para que a decisão tomada quanto ao Recorrente e, já transitada em julgado, seja revista, com as legais consequências.

1.2. O Ministério Público respondeu ao recurso nos seguintes termos:

Vem AA condenado pela prática de um crime de roubo previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, pedir revisão da sentença condenatória invocando factos novos e novas provas.

Invoca, em apertada síntese, que:

Não foi o autor dos factos.

O autor foi EE.

Os elementos de identificação constantes do seu título de residência foram utilizados por EE para forjar documento de identificação, passando este último a identificar-se com os seus elementos de identificação do recorrente condenado.

Foi EE quem foi chamado desde início ao processo, assinando os documentos produzidos na qualidade de arguido (termo de identidade e residência), embora identificado com os elementos de identificação do condenado recorrente.

Invoca que da condenação em primeira instância teve conhecimento após a prolação da sentença e que esteve ausente de Portugal entre 2002 e 2018.

Juntou como elementos de prova, para além do mais, a certidão extraída do inquérito 76/21.7... instaurado em consequência de queixa sua contra EE por falsificação de documento e usurpação da sua identidade.

Das provas apresentadas com o presente pedido de revisão, para além do mais elencado no seu requerimento, ressalta-se o seguinte elemento probatório do inquérito 76/21.7...:

O relatório de exame pericial N.º .......53-CIJ (fls. 67-68 da aludida certidão) que indica haver uma diferença assinalável, por absolutamente distintas, nas figuras dactiloscópica das impressões digitais produzidas em dois documentos, um deles com impressões digitais da pessoa que se identificou com os nomes do recorrente e outro com as impressões digitais da pessoa que se identificou com os nomes de EE.

No despacho de encerramento do inquérito 76/21.7... datado de 11-5-2022, integrante da mencionada certidão a fls. 82-83, considerou-se, tendo em conta os elementos de prova adquiridos pela Polícia Judiciária, que EE terá utilizado uma autorização de residência falsa com os elementos de identificação do recorrente a fim de com ela se identificar em diversas ocasiões e também no processo 427/01.0GAABF. Apesar deste entendimento, foram declarados prescritos tais factos pelo decurso de dez anos posteriores à última utilização indiciada do documento forjado, e arquivado o inquérito.

O recorrente foi condenado em primeira instância por sentença de 11 de abril de 2007

Recorrendo o condenado AA para o Venerando Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 13 de Julho de 2022 entendeu-se não dever haver lugar a apreciação de provas não tidas em conta na decisão de primeira instância e verificou-se não existirem vícios do artigo 410.º CPP ou nulidade da sentença da primeira instância, mantendo-se inalterada a decisão condenatória.

Nos termos do artigo 499.º, n.º 1 alínea c) do Código de Processo Penal “A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando (…) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.

São pressupostos da revisão:

A descoberta de novos factos ou meios de prova;

O surgimento de graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Por factos novos entende-se aqueles que não foram apresentados e apreciados no processo que conduziu à condenação.

Por outro lado, a dúvida tem de ter intensidade e seriedade para poder pôr em causa a condenação em termos de se impor ponderar a absolvição.

Neste caso, tendo em atenção o sentido do relatório do exame pericial junto pela Polícia Judiciária, a origem dos documentos objeto de análise e a data do mesmo, pode entender-se que se verificam os pressupostos mencionados constituindo tal exame novo meio de novo meio de prova a conjugar com as dos autos.

Poderá a alegação de não ter sido autor dos factos e o resultado de tal exame pericial apoiar o que alega o recorrente, assim se concretizando dúvida grave (por intensa e justificada), quanto à justiça da decisão condenatória.

Em face do exposto, poderá o recurso de revisão ser admitido.

1.3. O Mm.º Juiz de Direito prestou a informação a que alude o artigo 454.º do CPP, pronunciando-se nos seguintes termos:

Concorda-se na íntegra com a Douta resposta do MP.

Assim,

Vem AA condenado pela prática de um crime de roubo previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1 do Código Penal, pedir revisão da sentença condenatória invocando factos novos e novas provas.

Invoca os seguintes fundamentos:

Não foi o autor dos factos.

O autor foi EE.

Os elementos de identificação constantes do seu título de residência foram utilizados por EE para forjar documento de identificação passando este último a identificar-se com os seus elementos de identificação do recorrente condenado.

Foi EE quem foi chamado desde início ao processo, assinando os documentos produzidos na qualidade de arguido (termo de identidade e residência), embora identificado com os elementos de identificação do condenado, ora recorrente.

Invoca que da condenação em primeira instância teve conhecimento após a prolação da sentença e que esteve ausente de Portugal entre 2002 e 2018.

Juntou como elementos de prova, para além do mais, a certidão extraída do inquérito 76/21.7... instaurado em consequência de queixa sua contra EE por falsificação de documento e usurpação da sua identidade.

Das provas apresentadas com o presente pedido de revisão, para além do mais elencado no seu requerimento, ressalta-se o seguinte elemento probatório do inquérito 76/21.7...:

O relatório de exame pericial N.º .......53-CIJ (fls. 67-68 da aludida certidão) que indica haver uma diferença assinalável, por absolutamente distintas, nas figuras dactiloscópica das impressões digitais produzidas em dois documentos, um deles com impressões digitais da pessoa que se identificou com os nomes do recorrente e outro com as impressões digitais da pessoa que se identificou com os nomes de EE.

No despacho de encerramento do inquérito 76/21.7... datado de 11-05-2022, integrante da mencionada certidão a fls. 82-83, considerou-se, tendo em conta os elementos de prova adquiridos pela Polícia Judiciária, que EE terá utilizado uma autorização de residência falsa com os elementos de identificação do ora recorrente, a fim de com ela se identificar em diversas ocasiões e também no processo 427/01.0GAABF.

Apesar do resultado da referida prova pericial, foram declarados prescritos tais factos pelo decurso de dez anos posteriores à última utilização indiciada do documento forjado, e arquivado o inquérito 76/21.7....

O recorrente foi condenado em primeira instância por sentença de 11 de abril de 2007.

Recorrendo o condenado AA para o Venerando Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 13 de Julho de 2022 entendeu-se não dever haver lugar a apreciação de provas não tidas em conta na decisão de primeira instância e verificou-se não existirem vícios do artigo 410.º, do CPP ou nulidade da sentença da primeira instância, mantendo-se inalterada a decisão condenatória.

Nos termos do artigo 499.º, n.º 1 alínea c), do Código de Processo Penal “A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando (…) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”. São pressupostos da revisão: A descoberta de novos factos ou meios de prova; O surgimento de graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Por factos novos entende-se aqueles que não foram apresentados e apreciados no processo que conduziu à condenação. Por outro lado, a dúvida tem de ter intensidade e seriedade para poder pôr em causa a condenação em termos de se impor ponderar a absolvição.

Neste caso, tendo em atenção o sentido do relatório do exame pericial junto pela polícia Judiciária, no inquérito76/21.7..., a origem dos documentos objeto de análise e a data do mesmo, pode entender-se que se verificam os pressupostos mencionados constituindo tal exame novo meio de prova a conjugar com os dos autos.

Poderá a alegação de não ter sido autor dos factos e o resultado de tal exame pericial apoiar o que alega o recorrente, assim se concretizando dúvida grave (por intensa e justificada), quanto à justiça da decisão condenatória.

Em face do exposto, considera-se plausível a possibilidade do presente recurso obter provimento.

1.4. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da autorização da impetrada revisão.

1.5. Após exame preliminar foram colhidos os vistos legais e realizada a conferência.


Cumpre apreciar e decidir


2. Fundamentação de facto


Nos presentes autos, para além do que consta do relatório, resultou apurado o seguinte:


1. No processo comum 427/01.0GAABF, do atual Juízo Local Criminal de ..., foi deduzida acusação contra AA, solteiro, segurança, nascido a ... de ... de 1974, em ..., de nacionalidade angolana, filho de FF e de GG, titular da Autorização de Residência n.º ....51, emitida pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, com residência na Rua ..., ..., pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210.º, n.º 1, do Código Penal.


2. O julgamento realizou-se sem a presença do arguido, tendo sido o recorrente, AA, a final, condenado pela prática do referido crime na pena de doze meses de prisão, suspensa na execução por dois anos.


3. Nessa decisão consideraram-se provados os seguintes factos:


«1. No dia 30 de Junho de 2001, pelas 17 horas, o arguido encontrava-se a exercer a sua actividade profissional de "segurança" na Casa do ..., em ..., onde decorria a cerimónia do casamento do … BB, quando foi alertado para a presença de um fotógrafo nas imediações;


2. Então, o arguido dirigiu-se para o local, onde efectivamente se encontrava o ofendido CC, fotógrafo ao serviço de uma agência espanhola;


3. O arguido solicitou ao ofendido que lhe entregasse o rolo da máquina fotográfica, mas, porque o ofendido não lhe tivesse obedecido nos termos em que ele pretendia, desferiu-lhe um encontrão no ombro direito, e de seguida lançou-lhe as mãos à câmara e retirou-lhe o rolo;


4. O arguido agiu assim, movido pelo propósito que tinha firmado de subtrair ao ofendido e fazer seu o rolo que ele tinha na máquina fotográfica, contra vontade dele e com recurso à violência física;


5. O arguido agiu com vontade livremente determinada, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei;


6. O arguido é solteiro;


7. O arguido exerce a actividade de segurança;


8. O arguido não tem quaisquer antecedentes criminais.»


4. A sentença foi notificada ao recorrente AA em 2 de março de 2021.


5. Em 22 de fevereiro de 2022 foi junto ao processo comum 427/01.0GAABF o relatório final produzido pela Polícia Judiciária no âmbito do inquérito 76/21.7... onde se concluía que a identidade de AA teria sido usurpada por EE.


6. Em 7 de março de 2022 AA requereu a retificação da sentença e interpôs recurso da mesma para o Tribunal da Relação de Évora.


7. O pedido de retificação foi indeferido.


8. O recurso foi admitido.


9. No recurso, AA conclui, nomeadamente, que:


«VIII. (…) apenas teve conhecimento dos factos que lhe são imputados nos presentes autos quando foi notificado da sentença, tendo, nessa sequência, informado os autos não ter sido ele o autor dos factos e de ter apresentado queixa-crime por alguém ter “usurpado” a sua identidade, a que foi atribuído o número de processo 76/21.7..., que, actualmente, corre termos no Departamento de Investigação e Acção Penal de ....


IX. Na sequência de tal denúncia, a Polícia Judiciária empreendeu diversas diligências e apurou que os factos em apreço nos presentes autos não foram praticados pelo ora recorrente, como melhor resulta do relatório ora junto com as alegações.


X. Nos termos do artigo 691.º, n.º 1, conjugado com o artigo 425.º, ambos do Código de Processo Civil, ex vi artigo 4.º do CPP, as partes podem juntar documentos às alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até àquele momento.


XI. Assim, deve ser admitida a junção do relatório elaborado pela Polícia Judiciária, no âmbito do processo 76/21.7..., do qual resulta que os dados do indivíduo identificado nos autos como AA terão sido utilizados abusivamente por um indivíduo de nome EE.»


10. O Tribunal da Relação de Évora julgou o recurso totalmente improcedente e confirmou a sentença recorrida depois de assinalar, designadamente o seguinte:


«(…) constitui princípio básico e elementar em matéria de recursos em processo penal o de que a impugnação de decisão judicial visa a modificação da mesma, por via do reexame da matéria nela apreciada, e não a criação de decisão sobre matéria nova, estando o tribunal de recurso limitado nos seus poderes de cognição às questões que, tendo sido objecto da decisão recorrida, sejam submetidas à sua apreciação, isto é, constituam objecto da impugnação, razão pela qual está vedado a este Tribunal “ad quem” pronunciar-se sobre questões que não tenham sido objecto de conhecimento na decisão impugnada, sendo que a fazê-lo incorreria em nulidade por excesso de pronúncia, artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal.


Por estes mesmos motivos, não pode este tribunal de recurso pronunciar-se sobre os novos factos introduzidos nesta sede de recurso, nomeadamente os relativos ao eventual erro na identificação do arguido, por falsificação dos respectivos documentos.


Sendo certo, que em processo penal a prova documental só pode ser junta até ao encerramento da audiência em primeira instância, estando excluída a sua junção em sede de recurso ordinário, conforme resulta inequívoco do artigo 165.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.


Tal como resulta inequívoco do disposto no artigo 449.º, n.º 1, alínea a) ou d), do Código de Processo Penal, quanto ao fundamento para a interposição de recurso extraordinário de revisão.»


11. Segundo o relatório de exame pericial n.º .......53-CIJ junto ao inquérito 76/21.7..., existem diferenças assinaláveis, por absolutamente distintas, nas figuras dactiloscópica das impressões digitais produzidas em dois documentos, um deles com impressões digitais da pessoa que se identificou com os nomes do recorrente AA e outro com as impressões digitais da pessoa que se identificou com os nomes de EE.


12. No despacho de encerramento do inquérito 76/21.7..., datado de 11 de maio de 2022, concluiu-se, com base nos elementos de prova adquiridos pela Polícia Judiciária, que EE terá utilizado uma autorização de residência falsa com os elementos de identificação do recorrente AA a fim de com ela se identificar em diversas ocasiões.


3. Fundamentação de Direito


Uma vez que nos situamos no âmbito de um recurso extraordinário de revisão, afigura-se-nos útil fazer um breve enquadramento sobre o seu fundamento e respectivo regime.


O direito à revisão da sentença encontra-se previsto no art.º artigo 29.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa (CRP), como direito fundamental, aí se dispondo que «Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos». A esse respeito referem Gomes Canotilho e Vital Moreira inConstituição da República Portuguesa Anotada”, Coimbra Editora, 4.ª Edição Revista, Vol. I, pág. 498, “O n.º 6 (do art.º 29.º) reconhece e garante: (a) o direito à revisão de sentença; (b) o direito à indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos no caso de condenações injustas. É um caso tradicional de responsabilidade do Estado pelo facto da função jurisdicional o ressarcimento dos danos por condenações injustas provadas em revisão de sentença”.


A importância do recurso de revisão como instrumento para remediar situações de intolerável injustiça cobertas pelo caso julgado, deu-lhe assento constitucional. A reparação da decisão, condenatória ou absolutória, reputada de materialmente injusta, pressupõe que a certeza, a paz e a segurança jurídicas que o caso julgado encerra cedam perante a verdade material (Acórdão deste Supremo Tribunal de 16-06-2011, proc. n.º 108/07.1PASJM-K.S1, in www.dgs.pt).


A esse respeito ensina José Alberto dos Reis, inCódigo de Processo Civil Anotado”, 1984 (reedição), volume V, pág. 158, 336-337, “O recurso de revisão pressupõe que o caso julgado se formou em condições anormais, que ocorreram circunstâncias patológicas susceptíveis de produzir injustiça clamorosa. Visa a eliminar o escândalo dessa injustiça. Quer dizer, ao interesse da segurança e da certeza sobrepõe-se o interesse da justiça”. Mais esclarecendo o mesmo autor que “a sentença pode ter sido consequência de vícios de tal modo corrosivos, que se imponha revisão como recurso extraordinário para um mal que demanda consideração e remédio. Quer dizer, pode a sentença ter sido obtida em condições tão estranhas e anómalas, que seja de aconselhar fazer prevalecer o princípio da justiça sobre o princípio da segurança. Por outras palavras, pode dar-se o caso de os inconvenientes e as perturbações resultantes da quebra do caso julgado serem muito inferiores aos que derivariam da intangibilidade da sentença».


Aduz, por seu turno, Eduardo Correia inA Teoria do Concurso em Direito Criminal”, Almedina, 1983, pág. 302, “o fundamento central do caso julgado radica-se numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do direito. Ainda mesmo com possível sacrifício da justiça material, quer-se assegurar através dele aos cidadãos a sua paz jurídica, quer-se afastar definitivamente o perigo de decisões contraditórias. Uma adesão à segurança com um eventual detrimento da verdade, eis assim o que está na base do instituto”.


Refere Figueiredo Dias, inDireito Processual Penal, 1.ª Edição, 1974 – Reimpressão, Coimbra Editora, 2004, págs. 42 a 45 “a segurança é um dos fins prosseguidos pelo processo penal, “o que não impede que institutos como o do recurso de revisão contenham na sua própria razão de ser um atentado frontal àquele valor, em nome das exigências da justiça. Acresce que só dificilmente se poderia erigir a segurança enfim ideal único, ou mesmo prevalente, do processo penal. Ele entraria então constantemente em conflitos frontais e inescapáveis com a justiça; e, prevalecendo sempre ou sistematicamente sobre esta, pôr-nos-ia face a uma segurança do injusto que, hoje, mesmo os mais cépticos têm de reconhecer não passar de uma segurança aparente e ser, só, no fundo, a força da tirania”.


Uma vez que o princípio da res judicata pro verita habetur é um princípio de utilidade e não de justiça, não pode, por força dele, impedir-se a revisão de sentença quando haja fortes elementos de convicção de que a decisão proferida não corresponde em matéria de facto à verdade histórica que o processo penal pretende alcançar (Vd. Pereira Madeira, anotação ao art.º 449.º inCódigo de Processo Penal Comentado”, Henriques Gaspar e Outros, Almedina, 3.ª Edição, pág. 1436).


No presente domínio, o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a acentuar o carácter excepcional do presente recurso, representando este uma válvula de segurança do sistema, um modo de reparar o erro judiciário cometido, sempre que, numa reponderação do decidido, possa ser posta em causa seriamente, através da consideração de factos-índice taxativamente enumerados, a justiça da decisão ou do despacho que ponha termo ao processo (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-04-2005, proc. n.º 135/05, CJSTJ, 2005, Tomo 2, pág. 179).


A revisão da sentença realiza, pois, o formato da concordância prática entre a segurança, a estabilidade e o ideal de justiça, que, em situações de clamorosa ofensa e lesividade do sentimento de justiça reinante no tecido social, reclama atenuação da eficácia da decisão a coberto do trânsito em julgado. Nenhum Estado pode adoptar como dogma, em nome do valor da certeza e segurança do direito o caso julgado, quando uma decisão já transitada contraria flagrantemente a verdade e os direitos fundamentais dos cidadãos (Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10-09-2008, proc. n.º 2154/08 e de 23-11-2023, proc. n.º 1/07.4ACPRT-A.S1, in www.dgs.pt).


A consagração constitucional do recurso de revisão funda-se na necessidade de salvaguardar as exigências da justiça e da verdade material, já que também elas comportam valores relevantes que são igualmente condição de aceitação e legitimidade das decisões jurisdicionais e da paz jurídica.


Visa, assim, o recurso de revisão assegurar um equilíbrio, o equilíbrio possível, entre segurança jurídica e justiça material (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-05-2017, proc. n.º 344/15.7GDCNT-A.S1- 3.ª Secção).


O carácter excepcional desta modalidade de recurso extraordinário, reflecte-se no elenco taxativo de hipóteses que o legislador prevê como fundamento da admissibilidade da revisão da sentença transitada em julgado. Apenas circunstâncias substantivas e imperiosas devem permitir a quebra do caso julgado, de modo a que o recurso extraordinário de revisão se não transforme em uma apelação disfarçada. (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.01.2021, proc. n.º 2728/20.0T8VNG.P1.S1, in www.dgsi.pt).


Nessa linha, o recurso extraordinário de revisão não admite a reapreciação da prova produzida em julgamento, nem se destina a analisar nulidades processuais ou outros vícios do julgamento ou da sentença. Afastada está também a possibilidade deste tipo de recurso ter como fim único a correcção da pena concreta ou a correcção da qualificação jurídica dos factos (ainda que esta se afigure injusta ou errada), pois para essas situações existe o recurso ordinário.


Acresce ainda, como tem sido reiteradamente afirmado, que o caso julgado cobre inexoravelmente todos os erros de julgamento (Vd., entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 06.11.2019, proc. n.º 739/09.5TBTVR-C. S1 e de 25-03-2018, proc. 558712.1JELSB-L1,S1, in www.dgsi.pt ).


São três as fases a considerar no âmbito do aludido recurso. A fase rescindente preliminar que abrange a apresentação do respetivo requerimento no tribunal que proferiu a decisão a rever, que deve ser sempre motivado e conter a indicação dos meios de prova, para além de ser instruído com determinados documentos. A fase rescindente intermédia que inclui toda a tramitação no Supremo até à decisão que concede ou denegue a revisão. E a fase rescisória, no caso de a revisão ser autorizada, que se inicia com a baixa do processo e termina com um novo julgamento.


Em regra, a autorização da revisão não implica a anulação da sentença revidenda, mas antes a sua revisão após a realização de novo julgamento da matéria de facto, que será realizado pelo tribunal que, segundo as regras gerais, seja competente para o efeito.


O novo julgamento implicará a reapreciação das provas já produzidas além de outras novas, eventualmente aditadas, bem como a realização das diligências requeridas pelos interessados ou oficiosamente determinadas pelo juiz (Pereira Madeira, “Ob. Cit.”, pág. 1451).


Através do recurso de revisão visa obter-se uma outra decisão judicial que se substituirá, através de um outro julgamento, à já transitada em julgado. Decisão essa decorrente da realização de novo julgamento do feito, agora baseada em novos dados de facto. O recurso de revisão encontra-se regulado nos artigos 449.º a 466.º, do Código de Processo Penal (CPP).


Nos termos do art.º 449.º (Fundamentos e admissibilidade da revisão)


1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:


a) Uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;


b) Uma outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;


c) Os factos que serviram de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;


d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.


e) Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do artigo 126.º;


f) Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;


g) Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.


2 - Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo.


3 - Com fundamento na alínea d) do n.º 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.


4 - A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida.


Nos termos do citado normativo e conforme assinalado supra, são taxativos os fundamentos do recurso de revisão.


E, uma vez que o âmbito do pedido de revisão é o decorrente do requerimento inicial apresentado (no presente caso pelo condenado, nos termos do art.º 450.º n.º 1, alínea a), do CPP), importa considerar o disposto nas alíneas a) e d), do citado art.º 449.º, invocado pelo recorrente.


Será, pois, necessário, para se autorizar a revisão que “uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinante para a decisão” (alínea a)) e que se descubram novos factos ou novos meios de prova”, mas também que estes de “per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação” (alínea d)).


Quanto ao fundamento previsto na citada alínea a), do art.º 449.º, importa desde já esclarecer que a mesma não tem aqui aplicação, pois inexiste outra sentença transitada em julgado que tenha considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a condenação ditada no processo comum 427/01.0GAABF.


Importa, assim, começar por aferir à luz do disposto na citada alínea d), do art.º 449.º, o que se deve entender por “novos factos ou novos meios de prova”.


Consoante resulta da jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, são três as orientações que têm sido seguidas a este propósito. Uma primeira, mais ampla, considera que são novos os factos ou os meios de prova, invocáveis em sede de recurso de revisão, que não tiverem sido apreciados no processo que levou à condenação do arguido, por não serem do conhecimento do tribunal, na ocasião em que ocorreu o julgamento, pese embora, nessa altura, pudessem ser do conhecimento do condenado. A segunda, limitativa, apelando, essencialmente, à natureza extraordinária do recurso de revisão e ao dever de lealdade processual que recai sobre todos os sujeitos processuais, sustenta que os novos factos ou meios de prova, invocáveis em sede de recurso de revisão, são apenas aqueles que eram desconhecidos do recorrente aquando do julgamento. E a terceira, mais restritiva do que a primeira, porém, mais ampla do que a segunda e seguida maioritariamente por este Supremo Tribunal, sustentando que os novos factos ou novos meios de prova, invocáveis em sede de recurso de revisão, são os desconhecidos do tribunal e os conhecidos de quem cabia apresentá-los no momento em que o julgamento teve lugar, desde que seja apresentada justificação bastante para a omissão verificada - por impossibilidade ou por, na altura, se considerar que não deviam ter sido apresentados os factos ou os meios de prova agora novos para o tribunal. Assim, os factos e ou as provas têm de ser novos. E novos no sentido de serem desconhecidos do tribunal e do arguido ao tempo do julgamento, resultando a sua não oportuna apresentação precisamente desse desconhecimento ou, no limite, duma real impossibilidade de apresentação em julgamento, da prova em causa (Neste sentido, entre outros, podem ver-se os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26.10.2023, proc. n.º 28/20.4SVLSB-C.S1, de 25.05.2023, proc. n.º 149/17.0T9CSC-A.S1, de 27.04.2022, proc. nº 1928/16.1PAALM-A.S1 de 26.10.2011, proc. 578/05.2PASCR.A.S1, de 09.02.2022, proc. n.º 163/14.8PAALM-A.S1, de 30.01.2013, proc. n.º 2/00.7TBSJM-A.S1 e de 29.04.2009, proc. n.º 15189/02.6.DLSB.S1, todos disponíveis em www.dgs.pt).


Para além dos novos factos ou meios de prova, é ainda indispensável, como se viu, que estes “de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.


As dúvidas relevantes para a revisão têm de ser efetivamente fortes, significativas e consistentes. Não se trata apenas de uma dúvida “razoável”, mas de uma dúvida “grave” sobre a justiça da condenação. E, por graves, só podem ser havidas as dúvidas que “atinjam profundamente um julgado passado na base de inequívocos dados presentemente surgidos” (Vd. Paulo Pinto de Albuquerque, inOb. Cit., pág. 759).


“A dúvida há-de, assim, elevar-se do patamar da mera existência e ser suficientemente grave, sólida e séria para pôr a condenação em causa, sugerindo fortemente a verificação de um erro judiciário e a inocência do condenado” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-10-2023, proc. n.º 28/20.4SVLSB-C.S1, in www.dgs.pt).


Dos novos factos ou meios de prova devem resultar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, o que quer dizer que na ponderação conjunta de todos os meios de prova, seja possível justificadamente concluir que, e sem prejuízo da sujeição das novas provas ao teste do contraditório, imediação e oralidade do novo julgamento, deles resulta uma forte possibilidade de não condenação (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-02-2021, proc. 75/15.8PJAMD-D.S1).


No presente caso, como resulta da factualidade apurada, no âmbito do proc. n.º 427/01.0GAAF, foi o recorrente AA condenado como autor de crime de roubo p. e p. pelo art.º 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de doze meses de prisão, suspensa na execução por dois anos.


O julgamento decorreu sem a presença do arguido, tendo a referida decisão apenas sido notificada ao recorrente, em 02-03-2021. Este veio informar nos autos não ter sido ele o autor dos factos, tendo apresentado queixa-crime por alguém ter “usurpado” a sua identidade, a que foi atribuído o n.º 76/21.7.... No âmbito destes autos veio a ser emitido relatório pericial pela Polícia Judiciária, onde se concluíu que a identidade de AA teria sido usurpada por EE. Nessa sequência em 7 de Março de 2022 o recorrente, requereu a retificação da sentença, o que foi indeferido. Interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, no qual invocou não ter sido o autor dos factos em questão e requereu a junção do referido relatório elaborado pela Polícia Judiciária, no âmbito do proc. n.º 76/21.7..., recurso esse que veio a ser julgado improcedente, com os fundamentos acima referidos.


Perante esta factualidade, é legítimo concluir que o recorrente surge no âmbito do proc. n.º 427/010GAAF na qualidade de arguido em virtude dos seus dados identificativos terem sido usados por terceiro. Surge-nos, assim, como facto novo o erro de identidade do arguido. Facto esse que, consoante supra descrito, era desconhecido tanto pelo tribunal como pelo recorrente aquando da prolação da referida decisão.


Em caso de erro de identidade do arguido por usurpação de identidade por terceiro, tem-se considerado que ao invés da aplicação do recurso extraordinário de revisão, deve lançar-se mão da figura da correcção da sentença nos termos do disposto no art.º 380.º, do CPP (1- O tribunal procede, oficiosamente ou a requerimento, à correcção da sentença quando: (…).b) A sentença contiver erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial (…)”).


Segundo esta posição, não há lugar a revisão de sentença penal condenatória quando o condenado é a pessoa física que foi julgada e que cometeu o crime objecto da condenação, embora identificada com os elementos de identidade relativos a outra pessoa. Feita a prova da verdadeira identidade do condenado, deve ser oficiosamente ordenada a correspondente correcção de sentença, nos termos do art.º 380.º do CPP. Nossos sublinhados. (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.01.2012, proc. n.º 31710.2GTCBR-A.S, CJAST, Tomo 1, pág. 295. Com o mesmo entendimento o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23.11.2023, proc. n.º 47/17.8PAMRA.S1, in www.dgsi.pt).


Um outro entendimento considera que importa determinar se a dúvida, divergência ou incompletude de identificação se refere exclusivamente ao sujeito ou também ao julgamento; dito de outro modo, devem ser relevantes os termos e o modo em que a situação vem exposta e o recurso de revisão motivado e fundamentado. Segundo esta óptica, se a dúvida se refere apenas ao sujeito concreto, ou seja, quando as incorrecções ou a incompletude dos elementos sobre a identidade não possibilitem a execução da sentença, mas sem estar em causa outra pessoa (com a consequente possibilidade, probabilidade ou risco de confusão ou confundibilidade de posições ou papéis processuais) por não estar em causa um elemento essencial, será de efectuar a correcção (material) da sentença, nos termos permitidos pelo artigo 380.º, n.º 1, alínea b), do CPP: erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade cuja eliminação não importe modificação essencial. No caso, porém, de não estar em causa apenas um erro de identificação, mas uma sobreposição, ou mesmo usurpação de identidade, a perspectiva não é já inteiramente coincidente. Na verdade, em tais circunstâncias, a relação formal que se estabelece tem implícita uma terceira pessoa e exige do tribunal um juízo de exclusão: ou foi A ou foi B. Tal realidade não constitui apenas um problema de identificação, mas também de conteúdo de julgamento, pois importa dizer, na reposição da correspondência da realidade com o processo, quem é o autor do acto ilícito. Nossos sublinhados. (Neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23.09.2010, proc. n.º 82/08.7PFAMD-A.S1 e de 31.12.2012, proc. n.º 117/95.1TBPNF-A.S1).


Uma vez que o aludido art.º 380.º do CPP se destina à correcção da sentença quando a mesma enferme de lapsos, falhas, erros, obscuridades ou ambiguidades que não sejam essenciais à sua estrutura normativa e que resultem do próprio texto ou sejam detectados pelos sujeitos processuais – aceitando-se, à luz da indicada jurisprudência a aplicabilidade do referido art.º 380.º do CPP, afigura-se-nos que sempre será de exigir a demonstração, segura, da identidade da pessoa que praticou o crime e foi julgada, pois só assim poderá ocorrer a rectificação da sentença, corrigindo-se a identificação do arguido com a inserção da identificação correcta do agente do crime (Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-06-2017, proc. n.º 45/08.2GGLSB-A.L1.S1).


Em nosso entender, não essa a situação que se verifica nestes autos. Com efeito, resulta da matéria apurada que terá sido EE quem terá utilizado uma autorização de residência falsa com os elementos de identificação do recorrente, AA, a fim de com ela se identificar em diversas ocasiões. De referir é ainda que as referências identificativas feitas pelo ofendido e testemunha no âmbito do proc. n.º 427/01.OGAABF-A.S1, poderão corresponder à sua pessoa. Todavia, tendo o julgamento decorrido sem a presença do arguido, não tiveram tais pessoas a oportunidade de o voltar a ver e de o identificar presencial e integralmente. A isto acresce a circunstância de se não ter apurado se foi efectivamente, EE, o autor dos factos (roubo) no processo em questão.


Não há, assim, certeza quanto à identidade do autor do crime, pelo que não é viável o recurso à simples rectificação da sentença, como pressupõe a referida jurisprudência.


No caso subjudice, ocorre, como já dito, a descoberta de um novo facto: erro de identificação do arguido, verificando-se também os demais fundamentos de que depende a autorização da revisão.


Na verdade, para além do relatório pericial da Policia Judiciária ter concluído no âmbito do proc. n.º 76/21.7..., de que “existem diferenças assinaláveis, por absolutamente distintas, nas figuras dactiloscópica das impressões digitais produzidas em dois documentos, um deles com impressões digitais da pessoa que se identificou com os nomes do recorrente AA e outro com as impressões digitais da pessoa que se identificou com os nomes de EE”, e de se ter considerado nesse inquérito, como referido, com base nos elementos de prova adquiridos pela Polícia Judiciária, que EE terá utilizado uma autorização de residência falsa com os elementos de identificação do recorrente AA a fim de com ela se identificar em diversas ocasiões - importa ainda ponderar que o ofendido e a testemunha ouvidos no proc.º n.º 427/01.0GAABF-A.S1, identificaram a pessoa do arguido mediante a indicação de características físicas que não correspondem às do recorrente. Pelos mesmos foi fito que o arguido, é “… um individuo de raça negra, corpulento, mais alto que o depoente, e o depoente mede cerca de 1,85 metros” e que é “… individuo de raça negra, muito corpulento…”. Sucede que o recorrente, mede apenas 1,72cm como emerge do seu documento de identificação. O recorrente nunca trabalhou para a empresa de segurança identificada nos autos como sendo a que prestou serviços no dia e local em causa, “A. ........, Vigilância Privada”, com sede em Rua ..., .... Sendo também de salientar que à data dos factos em questão o recorrente tão pouco exercia funções de segurança, nem se demonstra que tivesse estado no ..., na Casa do ..., sita em .... O recorrente residia na Rua ..., ... e não nas moradas que constam do TIR (Rua ..., ..., nem na Avenida ..., ...). Acresce ainda que o recorrente tem nacionalidade angolana, não solicitou a nacionalidade portuguesa, sendo titular do Cartão de Residência Temporária n.º .......79 e nunca foi titular do Bilhete de Identidade indicado no TIR de fls. 36 dos autos. Impondo-se ainda assinalar que o recorrente não tem registo criminal, com excepção da condenação no âmbito dos presentes autos.


Do apontado circunstancialismo é, assim, legítimo concluir pela verificação de novo facto e de novos meios de prova que de per si e combinados com os que foram apreciados no processo nos suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação do recorrente, AA, pelo que será de autorizar a revisão da decisão em causa.


Em face disso, deverá determinar-se o reenvio do processo ao tribunal de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão a rever que se encontrar mais próximo, que, na presente situação, será o Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Local Criminal de ..., com excepção do Juiz … (artigos 455.º n.º 3 e 457.º n.º 1, do CPP e Mapa III do DL 49/2014, de 27 de Março).


Procede, pois, o presente recurso.


4. Decisão


Em face do exposto, acordam em conferência os Juízes Conselheiros que compõem a 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em autorizar a revisão da sentença, acima referida, proferida no processo n.º 427/01.0GAABF-A.S1, que correu termos Juízo (J…), Tribunal Judicial da comarca de Faro, Juízo Local Criminal de ...., reenviando-se o processo, para esse efeito, para o Juízo Local Criminal de ...., com excepção do Juiz 2.


Sem custas


Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 2024-02-15


Texto elaborado e informaticamente editado, integralmente revisto pela Relatora, sendo eletronicamente assinado pela própria e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos (art.º 94.º, n.º 2, do CPP).


Albertina Pereira (Relatora)


Orlando Gonçalves (1.º Adjunto)


Jorge Gonçalves (2.º Adjunto)


Helena Moniz (Presidente)