Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07A759
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FARIA ANTUNES
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
Nº do Documento: SJ20070508007591
Data do Acordão: 05/08/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: MANDADA AMPLIAR A MATÉRIA DE FACTO
Sumário :
I- Ao reapreciar as provas, deve a Relação formular o seu próprio juízo relativamente à matéria de facto posta em causa no recurso.
II- Neste caso, o Tribunal de Relação é um tribunal de substituição, e não de cassação.
III- Se não usar fielmente a metodologia prevista na lei, a Relação faz um mau dos poderes conferidos pelo artº 712º, nº 2 do CPC, devendo o Supremo ordenar o reenvio do processo, nos termos do artº 729º, nº 3 do CPC, já que a ampliação da matéria de facto aí prevista passa não só pela averiguação de factos que não foram apurados, embora alegados, mas também pela reapreciação de factos que terão sido deficientemente aquilatados.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA Ldª veio intentar acção ordinária contra BB, Ldª, pedindo que se declare a existência do direito de propriedade da A. sobre o prédio rústico que discriminou, e que se condene a R. a reconhecer esse direito de propriedade, a abster-se da prática de qualquer acto de que possa resultar a turbação do seu livre e amplo exercício, e a indemnizar a A. por todos os danos que a prática dos actos de turbação lhe causa e venha futuramente a causar, em quantia a liquidar ulteriormente ou em execução de sentença.
Após os articulados e subsequente processamento, procedeu-se a julgamento, posto o que foi proferida sentença que:
a) Declarou a existência do direito de propriedade da A. sobre o prédio rústico descrito como cultura arvense de regadio e lameiro, sito no Lugar de ..., com a área de 5.100 m2, a confrontar de norte com parte fabril, de nascente com residência paroquial, de sul com estrada, e de poente com linha-férrea, inscrito em parte do artigo 246º da matriz predial rústica da freguesia de S. Miguel, de onde se fraccionou a parcela com a área de 3.670 m2, sita na freguesia das Caldas de S. Miguel, concelho de Vizela, e descrita na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o nº 577/260 393;
b) Condenou a R. a reconhecer o direito de propriedade da A. referido em a) e a abster-se da prática de qualquer acto do qual possa resultar a turbação do livre e amplo exercício desse direito;
c) Condenou a R. a indemnizar a A. dos prejuízos causados, a liquidar em execução de sentença.
Inconformada, apelou a R. para a Relação de Guimarães, que confirmou a sentença.
Novamente irresignada, recorre agora de revista, fechando a minuta recursória com as seguintes conclusões:
1ª- Na apelação, atacou a decisão de 1ª instância relativa à matéria de facto, dando cumprimento ao disposto no artº 690º-A, 1 e 2 do CPC, pois indicou: (i) os pontos concretos de facto que considerou incorrectamente julgados; (ii) os meios probatórios constantes do processo e da gravação realizada em audiência que, em seu entender, impunham decisão diversa tendo também indicado quais os factos concretos em que houvera errada apreciação dos meios de prova; (iii) no tocante à prova gravada, quais os depoimentos em que suporta a sua alegação, por referência ao assinalado na acta, tendo até procedido à transcrição de parte desses depoimentos; (iiii) qual o sentido concreto que, em seu entender, a decisão deveria ter tomada;
2ª- As transcrições efectuadas não foram descontextualizadas nem consistem em passagens truncadas, incompletas ou desprovidas de sentido;
3ª- A Relação limitou-se a declarar que o julgamento da matéria de facto não sofre censura, uma vez que, em 1ª instância, e segundo o princípio da imediação, pôde apreciar o conjunto dos meios de prova;
4º- Porém, a Relação não deu cumprimento ao disposto no artº 712º-2 do CPC, pois não procedeu à reapreciação das provas em que assentou a decisão impugnada, designadamente reportando-se ao relatório que sustenta a decisão da matéria de facto impugnada, nem mesmo fundamentou - de facto e de direito - a sua própria decisão por referência aos meios de prova considerados, o que constitui nulidade (artº 668º-1, b) do CPC);
5º- A Relação limitou-se a rejeitar de forma praticamente liminar a impugnação da apelante quanto à matéria de facto, sustentando-se em considerações sobre o que defende ser o privado (talvez quisesse dizer primado) da apreciação de prova em 1ª instância, o que acaba por constituir verdadeira omissão de pronúncia sobre questões que lhe cumpria conhecer, ou seja, a nulidade prevista no artº 668º, nº1, al. d) do CPC;
6ª- E o termo "obstaculizado" constante do ponto 13 de factos assentes é mero conceito ou conclusão de direito pelo que não pode fundamentar uma decisão;
7ª- As águas podem ser objecto de direito, independentemente dos prédios onde se situam, podendo ser objecto de propriedade, ou, demonstrando-se que são aproveitadas a favor de prédio de dono diferente ao daquele em que se situam e são captadas, podem ser objecto de servidão;
8ª- Se se provar a existência de posse continuada sobre as águas de um prédio, com características susceptíveis de conduzir à formação de um direito real sobre as mesmas (propriedade ou servidão), poderá tal direito constituir-se;
9ª- Mas não se constituirá qualquer outro direito sobre o prédio se os actos de posse se confinarem ao objecto águas, não versando quaisquer outras partes ou utilidades daquele;
10ª- No caso, provou-se apenas que a A. utiliza as águas captadas em prédios distintos do identificado na al. A) dos factos assentes e de tal facto, mesmo que tenha a natureza de exercício de posse, não pode resultar a aquisição de direitos reais (propriedade ou outro) sobre aqueles prédios;
11ª- A simples afirmação perante a Refer do direito de propriedade sobre os prédios expropriados, munida de títulos de aquisição bastantes e depois de se ter diligenciado até ao limite do exigível no sentido de esclarecer a validade e alcance desses títulos, reclamando em consequência o direito a receber a justa indemnização, não é mais do que o exercício legítimo de um direito;
12ª- E se porventura se vier a verificar que, apesar dos títulos e diligências referidas na conclusão anterior, o direito de propriedade não existe, sempre a actuação terá de ser considerada sem culpa;
13ª- A Relação também não se pronunciou sobre a matéria constante da apelação no tocante à não verificação dos pressupostos de responsabilidade civil ausência de culpa e causalidade adequada (conclusões 11ª, 12ª e 13ª das alegações daquele recurso) incorrendo portanto, também por esta via, na nulidade prevista no artº 668º, nº 1, al. d) do CPC;
14ª- Não cabe em recurso de revista decisão sobre matéria de facto (artº 722º-2 CPC) pelo que, para suprimento das apontadas deficiências quanto à reapreciação dessa matéria, deverá o processo baixar novamente à Relação;
15ª- O acórdão recorrido violou os artºs 202º-1, 204º-1, b), 1390º, 1395º, 1543º e 483º do CC, 53º do Cód. das Expropriações, e 378º, 661º-2, 668º-1 als. b) e d) e 712º-2 do CPC, pelo que deverá:
a) O processo baixar à Relação para suprimento das invocadas nulidades quanto à reapreciação da matéria de facto, em consequência do que deverá a recorrente ser absolvida dos pedidos formulados na acção;
b) Em qualquer caso e desde já ser a recorrente absolvida dos pedidos formulados sob a al. b) da petição inicial.
Contra-alegou a agora A. CC Ldª (entrementes julgada habilitada, como adquirente, a prosseguir na acção na posição da massa falida da primitiva A., no que se refere ao peticionado na p.i. nas alíneas a) e b), e no que respeita apenas aos danos e prejuízos apontados na al. c), que a adquirente habilitada sofreu e venha a sofrer a partir da data em que adquiriu o prédio, ou seja, 27.12.2005), pugnando pela manutenção do decidido.
Corridos os vistos, cabe decidir.
A 1ª instância considerou provados os seguintes factos:
1- Na Conservatória do Registo predial de Guimarães está descrito sob o nº 00577/260393 da freguesia de Caldas São Miguel o prédio rústico sito no Lugar de Ramadinha, também designado de Lugar de Rio de Passos, a confrontar de norte com António Monteiro, de Nascente com Domingos Fernandes, de Sul com Manuel Ângelo Pinheiro e de Poente com terras da Quinta da Ramada e servidão própria, com a área de 5.100 m2, que antes se encontrava inscrito na respectiva matriz predial rústica sob o artigo 326º e descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o nº 32.509, e cuja aquisição aí está registada a favor da A., através da inscrição G1, Ap. 03/130363, por compra a Bernardino da Silva, Maria da Silva Vieira e marido Domingos de Oliveira, Ana da Silva Vieira e marido José Ferreira, Camila da Silva e marido Agostinho Ribeiro de Freitas, Manuel da Costa Vieira e mulher Margarida de Abreu e a António da Costa Vieira e mulher Maria da Silva Alves;
2- Na matriz predial rústica da freguesia de S. Miguel sob o artigo 246, está inscrito em nome da A. um prédio rústico, cultura arvense de regadio e lameiro, sito no Lugar de Rio de Passos, com a área de 15.000 m2, a confrontar de norte com parte fabril, de nascente com residência paroquial, de sul com estrada e de poente com linha férrea;
3- No dia 23 de Janeiro de 2002, a Rede Ferroviária Nacional, REFER, E.P., na qualidade de entidade expropriante, tomou posse administrativa da parcela nº 126.47, com a área de 3.670 m2, sita na freguesia das Caldas de S. Miguel, concelho de Vizela, omissa na competente Conservatória do Registo Predial e inscrita na matriz rústica 246º;
4- A R. apresentou-se junto da Rede Ferroviária Nacional, REFER, E.P, arrogando-se proprietária da parcela mencionada em 3, e desse modo reclamando o pagamento da justa indemnização devida pela expropriação dessa parcela, o que criou na entidade expropriante uma situação de incerteza quanto ao respectivo proprietário;
5- A R. persiste em afirmar, designadamente perante a Rede Ferroviária Nacional, REFER, E.P., que é a proprietária do prédio rústico que integra a parcela expropriada referida em 3;
6- Na Conservatória do Registo Predial de Guimarães está descrito sob o nº 01159/03022000 da freguesia de Caldas São Miguel o prédio misto, situado no Lugar da Ramadinha ou Travessa de Rio de Passos, freguesia de São Miguel das Caldas de Vizela (anteriormente designada de Caldas - São Miguel), concelho de Vizela, desta comarca, composto por duas casas, sendo uma de rés-do-chão, dependência e quintal e a outra de rés-do-chão, 1º andar, anexo, dependência e quintal e pelos Campos do Lameiro ou da Vessada e Campo da Vessada ou Vessada Pequena, a confrontar de norte com Fábrica da Igreja de São Miguel das Caldas e José Maria Coutinho Pinheiro, de sul com a rua Dr. Bráulio Caldas, Adelino Ribeiro de Matos e Rio de Passos, de nascente com Fábrica da Igreja de São Miguel das Caldas e de poente com a estação da CP, com a área de 5.050 m2, e inscrito na matriz urbana sob os artigos 238º e 1804º e na matriz rústica sob os artigos 502º e 503º, resultante da anexação dos prédios nºs 00248, 00349, 00370 e 030790, e cuja aquisição, por compra, aí está registada a favor da R., através da inscrição G2, Ap. 37/17042000;
7- Por escritura pública celebrada no dia 6 de Abril de 2000, no 1º Cartório Notarial de Guimarães, José Manuel Rego de Almeida Pinto Varela, intervindo na qualidade de procurador e em representação de seu pai Manuel Fernando Pinto Varela, Manuela de Fátima da Cunha Pinto Varela Campelos e Rosa Jacinta Cunha Pinto Varela Araújo, intervindo ambas na qualidade de sócias gerentes e em representação da sociedade Agrovarelas-­Sociedade Agrícola Ldª, Paula Antónia Machado de Pinto Vare1a, Amélia da Silva Ferreira Machado, intervindo esta na qualidade de procuradora e em representação de Magda da Conceição Machado Pinto Varela, Gustavo Manuel Machado de Pinto Varela e mulher Teresa Cristina Pacheco e Freitas Gonçalves, declararam vender à R., representada por Armando da Silva Antunes, pelo preço de 70.000.000$00, o prédio identificado em 6;
8- Manuel Fernando Pinto Varela, Paula Antónia Machado de Pinto Varela, Magda da Conceição Machado Pinto Varela, Gustavo Manuel Machado de Pinto Varela e Agrovarelas-­Sociedade Agrícola, Ldª, mediante requerimentos datados de 3-2-2000 e dirigidos ao Conservador do Registo Predial de Guimarães, e alegando terem adquirido os prédios descritos na competente Conservatória do Registo Predial sob os números 00248/Caldas São Miguel (artigo 238º), 00349/Caldas São Miguel (artigo 873º), 00370/Caldas São Miguel (artigo 332º) e 00371/Caldas São Miguel (artigo 333º), requereram a rectificação das respectivas descrições prediais quanto à área, de onde constava que cada um desses prédios tinha a área de 244 m2, 3.115 m2, 1.400 m2 e 1.200 m2, respectivamente, por forma a que daquelas descrições prediais passasse a constar a área correcta total de cada um desses prédios de 325 m2, 4.115 m2, 2.750 m2 e 2.300m2, respectivamente;
9- A A., por si e antepossuidores, há mais de 10, 15, 20, 30 e 40 anos que vem fruindo o prédio rústico identificado em 1 que, actualmente, em razão das novas avaliações, se acha inscrito na matriz predial em parte do artigo rústico 246º referido em 2, e no qual se inclui a parcela e referida em 3, assinalado na planta topográfica de fls. 14 a sombreado de cor amarela fosforescente, utilizando para a sua indústria a água que se extrai dos poços no mesmo implantados, colhendo os respectivos frutos e nele depositando diversos materiais;
10- Sempre à vista de toda a gente, nomeadamente vizinhos e rendeiros;
11- Sem oposição ou embaraço de quem quer que seja;
12- E na convicção de exercer direito próprio, sem prejudicar ninguém e em tudo se comportando como dona;
13- Em virtude da sua conduta referida em 4 e 5, a R. vem obstaculizando a que a A. receba da respectiva entidade expropriante o valor correspondente à justa indemnização devida pela expropriação da parcela de terreno mencionada em 3;
14- O que é causa de prejuízos para o património da A.
Deflui do artº 712º, nº 1, al. a), 2ª parte, da lei adjectiva, que a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser alterada pela Relação se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artº 690º-A a decisão com base neles proferida.
Não se suscitando quaisquer dúvidas, no caso vertente, sobre a possibilidade de a ré/recorrida, impugnar os segmentos da decisão de facto que indicou, ao abrigo do último mencionado preceito legal, tinha a Relação que observar o comando do nº 2 daquele artº 712º, que é do seguinte teor:
... a Relação reaprecia as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em atenção o conteúdo das alegações de recorrente e recorrido, sem prejuízo de oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
Ora, afigura-se que a Relação não seguiu fielmente a metodologia imposta por este dispositivo legal.
Com efeito ele determina que a Relação reaprecie as provas em que assentou a parte impugnada da decisão, tendo em conta o conteúdo das alegações e das contra-alegações.
Logo por aqui se vê que o legislador pretendeu que a Relação formule a sua própria convicção, seja ela coincidente ou não com a que prevaleceu na 1ª instância.
Mais. Para que a Relação possa formular serena e conscienciosamente o seu próprio juízo relativamente à matéria de facto posta em causa, facultou o legislador que ela possa oficiosamente atender a quaisquer outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados.
E, the last but not the least, se dúvidas subsistissem ainda sobre esta temática, seriam dissipadas pelo nº 3 do mesmo preceito legal, segundo o qual a Relação pode determinar a renovação dos meios de prova produzidos em 1ª instância que se mostrem absolutamente indispensáveis ao apuramento da verdade quanto à matéria de facto impugnada, aplicando-se às diligências ordenadas, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na 1ª instância e podendo o relator determinar a comparência pessoal dos depoentes.
Depois disto, não pode, salvo o devido respeito, sufragar-se a tese esposada na Relação, que se traduz, na prática, em postergar o intuito de criar um duplo grau de jurisdição em matéria de facto, intenção essa que também presidiu à reforma adjectiva operada pelos Decretos-Lei nºs 329-A/95, de 12/12 e 180/96, de 25/9.
A Relação não pode esquecer que neste caso é um Tribunal de substituição, e não de mera cassação.
Na verdade, se na reapreciação das provas a Relação encontrar justificação, dentro das fronteiras da lei, para alterar a matéria de facto, não anula a decisão do tribunal inferior para que este a reformule, antes se substitui ao tribunal a quo, ficando subjacente à alteração que porventura introduza no quadro factual uma nova e diferente convicção entrementes adquirida.
E se a Relação, em seu juízo, não vir razões para efectuar qualquer mexida na matéria de facto, após ter reapreciado as provas, não se limita a considerar razoável o que a respeito decidiu a 1ª instância, antes adere à convicção subjacente à decisão do tribunal recorrido.
Do que fica dito se conclui que não foi feita adequada aplicação do artº 712º da lei adjectiva.
Não se tratou, no caso sub judice, propriamente de uma nulidade, mas antes de uma actuação que não obedeceu rigorosamente aos ditames da lei.
É que não pode negar-se que houve decisão da questão posta, que denegou a pretendida alteração da decisão da matéria de facto.
É legítimo pensar-se que chegou a haver um uso dos poderes do artº 712º, não havendo verdadeira omissão de pronúncia pois a Relação concluiu que as respostas não devem ser alteradas.
Mas houve uma apreciação da questão manifestamente insuficiente, um mau uso dos poderes conferidos pelo artº 712º, nº 2 do CPC.
O que sucedeu, em suma, foi a Relação não se ter dado ao cuidado de realizar uma menção, embora sintética, do conteúdo e sentido dos pertinentes depoimentos gravados, acompanhando-a da necessária análise crítica possível, em ordem a poder assumir e exteriorizar uma convicção própria, bem cimentada, coincidente ou não com a da 1ª instância.
Não bastava dizer, grosso modo, que a 1ª instância avaliou com imediação toda a prova documental e testemunhal produzida, que o julgamento da matéria de facto não merece censura por do exame dos depoimentos globalmente considerados não resultar provada a versão dos factos petendida pela recorrente, e que a fundamentação das respostas aos quesitos se apresenta perfeita e claramente justificada, havendo conformidade entre ela e as respostas.
Importava e importa controlar se houve ou não erro na apreciação da prova produzida, lançando mão das possibilidades conferidas pelo artº 712º, nº 2.
Os casos de insuficiência (ou mediocridade) da fundamentação na apreciação das questões colocadas não consubstanciam nulidade por omissão de pronúncia, ou qualquer outra, não contendendo com a validade da sentença ou do acórdão.
Não se trata, pois, no caso que nos prende, de nulidade por omissão da especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, ou de nulidade por omissão de pronúncia quanto a questão posta, mas de um mau uso do texto legal em referência.
Sendo a matéria dos quesitos aludidos nas conclusões da minuta da apelação importante para o desfecho da demanda, e assentando a decisão das questões colocadas quanto à alteração da decisão da matéria de facto numa interpretação e aplicação da lei adjectiva que se afigura não ser a mais avisada, não se mostra ainda definitivamente fixada a matéria de facto, justificando-se e impondo-se mesmo a devolução dos autos à 2ª instância para nova decisão que tenha em conta as preocupações que se acabam de expôr.
Foi aliás no sentido atrás explanado que a legislada garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto foi interpretada no acórdão de 19.4.01, tirado na Revista nº 435/01, da 1ª Secção.
Também no acórdão de 30.4.02, tirado na Revista 917/02 da 1ª secção (em cuja apelação o recorrente questionou a matéria de facto dada como provada e em que a Relação se limitou à identificação das provas que, de acordo com a fundamentação feita na 1ª instância convenceram o julgador em sentido contrário, mas sem qualquer análise ou referência do seu teor, com aceitação dos motivos da decisão), se entendeu que a reapreciação imposta pelo nº 2 do artº 712º do CPC não foi feita, o que, não sendo causa de nulidade, impunha o uso dos poderes conferidos pelo nº 3 do artº 729º do CPC, argumentando-se que a ampliação da matéria de facto aí prevista passa não só pela averiguação de factos que não foram apurados, embora alegados, mas também pela reapreciação de factos que terão sido deficientemente aquilatados.
Pode ainda ser consultados, na mesma senda, os acórdaos do STJ, tirados nas revistas nºs 3433/02-1, 1728/03-1, 3001/03-1 (todos com relato do aqui relator) e 82/07-1 (relatado pelo Cons. Borges Soeiro).
Tudo visto e ponderado, não se mostrando ainda fixada a matéria de facto a subsumir juridicamente, devendo de novo ser julgada a apelação, nada mais se podendo, portanto, apreciar e decidir de momento, acordam em:
- qualificar os vícios apontados nas conclusões recursórias, não como nulidades, mas como errada aplicação da lei processual;
- revogar o acórdão recorrido, devendo os autos, nos termos do artº 729º, nº 3 do CPC na interpretação acima referida, ser remetidos à Relação de Guimarães, para, se possível pelos mesmos Ex.mos Juizes Desembargadores, de novo seja julgada a apelação, com efectiva reapreciação da prova produzida e gravada;
- condenar nas custas a parte vencida a final.

Lisboa, 08 de Maio de 2007

Faria Antunes (relator)
Sebastião Póvoas
Moreira Alves