Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
15440/17.8T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
NEXO DE CAUSALIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ÓNUS DA PROVA
PRESUNÇÃO JUDICIAL
MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DEVER DE INFORMAÇÃO
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 06/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário : I - Relativamente às obrigações subscritas no domínio de vigência do DL n.º 357-A/2007, de 31-10, não se aplica diretamente o AUJ n.º 8/2022 que foi proferido ao abrigo do CVM na sua versão originária. Todavia, há que ter em conta as orientações nele expressas, desde que não impliquem soluções mais desfavoráveis para o investidor do que as previstas no DL n.º 357-A/2007 quanto ao conteúdo do dever de informação.
II - Já quanto à questão de saber a quem compete o ónus da prova do incumprimento do dever de informação e do nexo causal, a orientação do AUJ é aplicável, pois não se verificou qualquer mudança legislativa que possa ter consequências na distribuição do ónus da prova.
III - Violou culposamente o dever de informação o banco, intermediário financeiro, que diz à investidora que o emitente do Produto Financeiro Complexo “notes db rendimento Portugal Telecom” é o Deutsche Bank, quando na verdade é uma empresa denominada de “db Investor Solution Plc” sediada na Irlanda, e que o ativo subjacente a este produto eram obrigações da Portugal Telecom, quando as obrigações eram emitidas por uma das várias empresas do universo PT, a Portugal Telecom International Finance BV, com sede na Holanda, estando o produto sujeito ao risco de crédito desta e não da Portugal Telecom.
IV - O dever de informação não se esgota no momento da celebração do contrato (subscrição do produto financeiro), mas abrange ainda a evolução do mercado e qualquer modificação do grau e da intensidade do risco.
V - É válida a presunção judicial deduzida pela Relação do facto provado segundo o qual a autora, pessoa de idade avançada (mais de 85 anos), tinha um perfil muito conservador e não queria correr riscos de perda do capital, para dar como demonstrado que, se o réu tivesse cumprido os seus deveres de informação no âmbito do contrato de intermediação com a autora, esta não teria investido nas “Notes db rendimento Portugal Telecom”.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I – Relatório

1. DEUTSCHE BANK AKTIENGESELLSCHAFT – SUCURSAL EM PORTUGAL, S.A., réu nestes autos, em que é autora AA e interveniente, BB, notificado do acórdão da Relação que deu provimento ao recurso de apelação da autora e da interveniente, revogando a sentença de improcedência da ação proferida no dia 23 de novembro de 2018, e não se conformando com o citado acórdão, interpôs recurso de revista para o Supremo Tribunal de justiça.

2. A autora intentou ação contra o réu, pedindo:

- que se declare nula, por inobservância da forma especialmente prevista, a alteração dos dados referentes aos respetivos conhecimentos e experiência relativamente à subscrição de produtos financeiros complexos e a alteração do seu perfil de risco, constante do documento intitulado “Declaração Manuscrita do Investidor”, e, consequentemente,

- que se declare inválido o negócio jurídico de subscrição do produto financeiro intitulado “Notes db Rendimento Portugal Telecom

- que se condene o R. a restituir-lhe as quantias por si prestadas, no valor de € 52.458,52 – valor correspondente ao capital investido, € 60.000,00, deduzido do montante do capital devolvido, de € 7.541,48 –, acrescidos de juros à taxa supletiva legal, contados desde a data da interpelação para pagamento, que teve lugar no dia 14 de Dezembro de 2016, cifrados em € 1.052,04 e vincendos até integral pagamento.

Subsidiariamente, pede:

- que se condene o R. a pagar-lhe indemnização no valor de € 71.491,85, valor correspondente ao capital investido de € 60.000,00, acrescido de juros contratuais no valor de € 19.426,78, deduzidos do valor do pagamento parcial de capital e juros contratuais, de € 7.934,93, e acrescido de juros moratórios à taxa legal supletiva de 4%, contados desde a citação até integral pagamento.

Alega:

- que procedeu a aplicação financeira junto do R., sem que lhe tivessem sido explicadas as características da mesma, mas que lhe foi assegurado que se tratava de um produto seguro;

- que não lhe foi entregue qualquer documento que descrevesse o produto, tendo-se limitado a assinar dois formulários em branco;

- que o R. a informou da potencial situação de incumprimento subjacente;

- que se procurou inteirar da situação junto do seu gestor, tendo-lhe sido dito que iria receber todo o seu dinheiro.

3. Regularmente citado, o Réu contestou.

Arguiu as exceções de ilegitimidade processual ativa e de prescrição.

Alegou:

- que foram explicadas ao A. as características do investimento e entregue a documentação atinente;

- que o decretamento da verificação de uma situação de incumprimento e do vencimento antecipado das notes são faculdades do trustee, sendo por isso alheias ao Banco;

- que, em todo o caso, sempre se manifestou disponível para prestar todos os esclarecimentos.

4. Houve lugar à intervenção da contitular da conta CC.

5. Teve lugar audiência prévia no decurso da qual foi elaborado despacho saneador em que se decidiu ser o tribunal competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia, não existirem nulidades que invalidassem todo o processo e terem as partes personalidade e capacidade judiciárias e serem legítimas. O conhecimento da exceção de prescrição foi relegado para final. Bem assim se declarou inexistirem outras exceções de que cumprisse conhecer. Foi fixado o objeto do processo, elencou-se a matéria assente e foram elaborados temas da prova.

Procedeu-se a julgamento com observância das formalidades legais.

Questões resolvidas:

- se o eventual direito da A. prescreveu;

- se o R. observou os deveres de informação que sobre si impendiam relativamente à A. no que concerne à aplicação financeira por esta subscrita.

6. A sentença do tribunal de 1.a instância declarou a improcedência da ação.

7. O Tribunal da Relação debruçou-se sobre as seguintes questões, que integraram o objeto do recurso de apelação da autora e da interveniente:

«(...)

- a prova foi mal apreciada, devendo a matéria de facto ser alterada;

- o réu, na sua relação contratual com a autora, violou deveres de informação;

- só por causa das más informações prestadas pelo réu, a autora investiu em produtos com elevado risco de perda de capital e veio, efetivamente, a perder a quase totalidade do dinheiro investido;

- o direito de a autora ser ressarcida pelos danos decorrentes do comportamento do réu prescreveu;

- o contrato celebrado é inválido por vício de forma».

8. O Tribunal da Relação, após proceder a modificações e aditamentos à matéria de facto, decidiu o seguinte:

«Com os fundamentos expostos, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, condenando o réu a pagar à autora a quantia de € 52.458,52, acrescida de juros à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação até integral pagamento».

9. No recurso de revista interposto pelo réu Deutsche Bank, foram formuladas as seguintes conclusões:

«A. O presente recurso de Revista vem interposto do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido a 10 de Setembro de 2019, que julgou procedente o recurso de apelação e, em consequência, revogou a sentença recorrida, condenando o Réu a pagar à Autora a quantia de € 52.458,52, acrescida de juros à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação até integral pagamento.

B. Entendeu o venerando Tribunal da Relação, proceder à alteração da matéria de facto dada como provada e não provada na sentença recorrida, aceitando os factos provados 1 a 11, sendo o facto 3 acrescentado, alterando a redação do facto 12, excluindo dos factos provados os factos 13 a 17 e 21, e aditando quatro factos novos à matéria dada como provada.

C. Considerou ainda o venerando Tribunal da Relação que, tendo o Réu, ora Recorrente, na qualidade de intermediário financeiro, violado os deveres de informação a que se encontra vinculado, se constituiu na obrigação deindemnizar a Autora AA pelos prejuízos sofridos com a subscrição do produto Notes db Portugal Telecom.

D. Ora, o Recorrente não se conforma com o douto Acordão do Tribunal da Relação de Lisboa, porquanto, salvo o devido respeito, a decisão em causa viola a lei substantiva, padecendo de erro de interpretação e aplicação da norma aplicável ao caso sub judice, nos termos do disposto no artigo 674.º n.º 1 al. a) e n.º 3 do CPC, isto é, entendeu ser exigida certa espécie de prova para a existência de determinado facto, quando na realidade a lei não o exige nos termos propugnados no referido Acórdão.

E. Acresce ainda que, no modesto entendimento do Recorrente, o Tribunal da Relação violou ainda, e por decorrência de errada interpretação da lei, o princípio da livre apreciação da prova, que o tribunal de 1.a Instância aplicou em conformidade, face à inexistência de imposição legal de determinado meio de prova, para corroboração ou confronto com a prova testemunhal e declarações de parte produzidas em sede de audiência de julgamento.

F. A douta decisão do Tribunal de1.ªInstância, julgou a acção interposta pela Autora improcedente por não provada porquanto, no entender daquele Tribunal, o aqui Recorrente cumpriu as obrigações decorrentes dos deveres de informação como intermediário financeiro, acrescendo que também concluiu, embora não como fundamento primordial para a improcedência da acção que o direito das Autoras já se encontrava prescrito à data da interposição da acção.

G. O Tribunal de 1.ª Instância, considerou provado que a Autora AA, teve acesso à informação contendo as características do produto financeiro objeto da ação e dos riscos inerentes ao mesmo; foi advertida de que o produto subscrito não era adequado ao seu perfil de investidor, tendo, no entanto, mantido a sua decisão de investir, e que tudo lhe foi explicado, no que respeita à natureza e características do produto, pelo funcionário do Réu, ora Recorrente.

H. O Tribunal da 1.ª instância alicerçou a sua convicção na prova documental e testemunhal produzida nos autos, “(...) avultando o depoimento de DD e o próprio teor dos documentos que a Autora assumiu ter subscrito pelo seu punho.”

I. E concluiu que a Autora teve acesso ao doc. 12 junto com a contestação (powerpoint explicativo do produto) e respectivo teor, bem como que foi entregue à Autora o doc. 13 junto com a contestação, que é o IFI (Informações Fundamentais ao Investidor) do produto.

J. Por outro lado, o Tribunal da 1.ª Instância não ficou convicto, face às declarações de parte da Autora, por confronto com o depoimento de DD e dos documentos juntos, que a mesma desconhecia as características do produto subscrito.

K. O Tribunal da Relação de Lisboa, delimitou o objeto do recurso, com base nas conclusões apresentadas pelas Autoras, condicionando-o à apreciação das seguintes questões:

- a prova foi mal apreciada, devendo a matéria de facto ser alterada;

- o réu, na sua relação contratual com a autora, violou deveres de informação;

- só por causa das más informações prestadas pelo réu, a autora investiu em produtos com elevado risco de perda de capital e veio, efetivamente, a perder a quase totalidade do dinheiro investido;

- o direito de a autora ser ressarcida pelos danos decorrentes do comportamento do réu prescreveu;

- o contrato celebrado é inválido por vício de forma.

L. Ora, entendeu assim o venerando Tribunal da Relação, proceder à reapreciação da prova e nessa sequência alterar a matéria de facto dada como provada e não provada na sentença recorrida, aceitado os factos provados 1 a 11, sendo o facto 3 acrescentado, alterando a redação do facto 12, excluindo dos factos provados os factos 13 a 17 e 21, e aditando quatro factos novos à matéria dada como provada (e que aqui se dão por integralmente reproduzidos).

M. Nesta sequência, veio o douto Tribunal da Relação concluir que o Recorrente violou gravemente os deveres de informação a que está vinculado, bem como a boa fé na celebração do contrato, por ter prestado informações falsas à Autora sobre o produto que subscreveu e que se tivesse informado devidamente a Autora a mesma não teria investido nas Notes db Portugal Telecom.

N. O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, não pode ser objecto de recurso de revista, cabendo apenas ao Supremo Tribunal de Justiça aplicar aos factos definitivamente fixados pelo Tribunal recorrido o regime jurídico adequado (Acordão do STJ de 07/02/2017, proferido no âmbito do Processo 3071/13.6...).

O. O que se traz agora à apreciação de V. Exas., assenta numa clara violação da lei substantiva assente no erro de interpretação de normativos aplicáveis, e que levou a que o Tribunal da Relação considerasse a exigência legal de determinado documento (Informações Fundamentais ao Investidor) para prova do cumprimento dos deveres de informação por parte do intermediário financeiro (o Recorrente), quando assim não o é.

P. Logo, estamos perante fundamento para interposição do presente recurso de Revista ao abrigo dos n.ºs 1 al. a) e n.º 3 do artigo 674.º do CPC.

Q. Dos factos 13 a 17 excluídos da matéria assente na 1a Instância e da decisão do Tribunal da Relação, resulta violação de lei substantiva e de disposição que exige certa espécie de prova para a existência do determinado facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

R. O Tribunal da Relação afirma não ter ficado convicto através do depoimento da testemunha do Recorrente que os docs. 12 e 13 juntos com a contestação, respetivamente powerpoint do produto e Informações Fundamentais ao Investidor, foram entregues ou disponibilizados ou que os seus conteúdos tenham sido transmitidos à Autora pela testemunha DD, na qualidade de gestor, antes da subscrição do produto financeiro.

S. Afirmando ainda que, relativamente ao doc. 13 – IFI - a lei não admite prova testemunhal.

T. O powerpoint que consubstancia o doc. 12 junto com a contestação, contém efectivamente as informações do produto elencadas na sentença como factos 14 a 17 o que está exposto, pelo que, salvo melhor entendimento nunca poderiam ser excluídos dos factos provados, existindo erro probatório da Relação.

U. Destarte, não pode o Tribunal da Relação, sem qualquer sustentação de facto, assumir que a informação constante no referido powerpoint é falsa! Como se fosse intencional e dolosa por forma a enganar os clientes do banco.

V. Aliás, o intuito do documento em questão é, como ressalta à vista, exactamente o contrário. Isto é, permitir ao próprio intermediário financeiro conhecer o produto e prestar com maior clareza transparência a informação a transmitir aos investidores que o pretendem subscrever.

W. Ora. não corresponde à verdade o que foi fixado pelo Tribunal da Relação e consubstanciado nos factos aditados 2 a 4 por aquela instância, o que facilmente se percebe se lermos atentamente o documento em questão.

X. Ou seja, o powerpoint utilizado pelo gestor identificava correctamente o emitente (pág. 8 do doc. 12 da contestação) e mencionava o risco de incumprimento do colateral que, permitam-nos a correcção, não era a O..., S.A. (tal facto ocorre mais tarde, como é público e notório) e sim a P... .

Y. Resulta da sentença proferida nos autos, ainda que não de forma expressa, que o Recorrente, enquanto intermediário financeiro, prestou à Autora um serviço de recepção e execução de ordens e o Acórdão da Relação em crise, não nega este facto.

Z. A este propósito dispõe o artigo 2.º, n.º 3 do Regulamento da CMVM n.o 2/2012 (regulamento entretanto revogado em 2018, mas aplicável ao caso concreto uma vez que o produto em apreço nos autos foi subscrito em 2013), o seguinte:

3 – A prestação exclusiva do serviço de receção e transmissão ou execução de ordens relativas a PFC negociado em mercado regulamentado ou sistema de negociação multilateral não fica sujeita ao disposto no presente regulamento, desde que o serviço seja comprovadamente prestado por iniciativa do cliente.

AA. Ora, acresce que não resulta dos autos que o produto foi comercializado por iniciativa do gestor, nem existe presunção que determine que não se comprovando que foi por iniciativa do cliente, então só pode ter sido por iniciativa do banco.

BB. De facto, caberia no nosso modesto entender, ao Tribunal da Relação ter apreciado esta questão em conformidade, e que foi alegada pelo ora Recorrente, em sede de contra-alegações, no recurso de apelação.

CC. Veja-se a este propósito, o que foi decidido por este venerando tribunal, no Acordão do STJ proferido em 11/07/2019, no âmbito do Processo n.º 901/17.7T8VRL.G2.S1, disponível na íntegra em www.dgsi.pt.

DD. Destarte, no caso em apreço, Regulamento da CMVM 2/2012 não tem aplicação no caso concreto, mormente no que respeita às disposições relativas ao IFI.

EE. A verdade é que, à data da subscrição pela Autora, o produto já estava a ser comercializado em mercado secundário, em mercado aberto, não sujeito à supervisão da CMVM, nos moldes aplicáveis aquando da venda no momento da emissão.

FF. Nesta medida, à data, a forma de a Autora adquirir o investimento pretendido passava pela emissão de uma ordem de compra dos títulos relevantes, estando estes já a negociar em mercado regulamentado (também apelidado de secundário, por oposição ao primário).

GG. Da informação supra, facilmente se extrai que existe efectivamente uma distinção entre mercado primário e mercado secundário, mas que não foi considerada pelo Tribunal da Relação.

HH. A entrega e assinatura do IFI aos investidores, faz sentido no âmbito do período de comercialização antes da vigência do produto e enquanto o mesmo não está sujeito à apreciação do mercado.

II. Quando o comportamento do mesmo já é visível e apresenta um histórico nos mercados, estando nesta fase já em mercado secundário a ser transacionado e sujeito às inerentes flutuações, o intermediário financeiro acaba por actuar como mero agente de recepção e execução de ordens.

JJ. Ora, estando o Recorrente a prestar serviços de execução de ordens sobre produtos financeiros complexos, deu cumprimento aos procedimentos então instituídos e aplicáveis à prestação de tal serviço, que diferem dos estabelecidos para a comercialização inicial do produto em mercado primário e que incluem, estes sim, a entrega e assinatura de documentos específicos referentes à subscrição do produto, nomeadamente o Boletim de subscrição e Informações Fundamentais ao Investidor.

KK.O que está em causa neste recurso de revista é o facto do Tribunal da Relação ter atribuído força a um documento particular – IFI – como prova do cumprimento dos deveres de informação, quando a lei não lhe atribui tal força probatória.

LL.Pelo que, contrariamente ao defendido pelo Tribunal da Relação, sempre seria de admitir a prova testemunhal para prova do cumprimento dos deveres de informação, ainda que conjugada com as demais, e valorá-la ao abrigo do princípio da livre apreciação, tal como o fez, sem reparo, o tribunal da 1.ª Instância.

MM. O tribunal de 1.ª instância ficou convicto da disponibilização da informação escrita à Autora através do powerpoint (ainda que elaborado para uso interno e auxiliador da informação a prestar aos clientes) e da IFI.

NN. Sobre a livre apreciação da prova, reportando-se a um caso com alguns contornos semelhantes ao do caso sub judice, mas em que a decisão (desfavorável) da 1.a Instância foi confirmada pelo Tribunal da Relação, sendo depois negada a revista pelo STJ, veja-se o Acordão do STJ, de 11/07/2019 proferido no âmbito do Proc. 6518/16.6T8VIS.C1.S3, disponível na integra em www.dgsi.pt.

OO. E aqui chegados, concluímos que:

- O IFI não tem força probatória plena nem afasta a possibilidade de consideração de prova testemunhal;

- o Tribunal da Relação ao decidir como decidiu, atribuindo ao IFI força probatória que a lei não exige, nem reconhece, violou o princípio da livre apreciação da prova.

XX. Considerar que o Recorrente só poderia provar que cumpriu com os deveres de informação e que entregou a IFI à Autora se tivesse na sua posse a IFI assinada pela Autora, não é o que resulta da lei.

YY. Acresce ainda referir que concluiu o Tribunal da Relação no ponto B.iii do Acordão que “A inexistência do IFI corresponde a uma violação de um dever do intermediário financeiro imposto pela entidade reguladora; não se trata de forma legalmente imposta para a celebração do contrato, pelo que o facto de o intermediário financeiro não ter dado cumprimento àquele dever de informação nos indicados moldes não invalida o contrato de intermediação, nem o contrato intermediado.”

ZZ.Ora, salvo melhor entendimento, esta conclusão reforça o que vem sendo exposto pelo Recorrente. Isto é, que o IFI não era necessário para a comercialização do produto, motivo pelo qual, não viu o gestor qualquer necessidade de o recolher assinado pela Autora.

AAA. Mas, não consta em qualquer regulamentação ou normativo legal que regule matéria sobre produtos financeiros complexos que a idade do investidor seja um factor que determine que tenha que existir um especial dever de cuidado no cumprimento dos deveres de informação, nem que isso (factor idade) determine por si só um grau de iliteracia financeira maior ou menor.

BBB. Perguntamos se, um indivíduo de 85 anos, na posse das suas faculdades plenas, não pode ser um investidor experiente e alguém que demonstre estar habilitado a investir em produtos de risco acrescido.

CCC. Se o Tribunal considerou que a Autora é responsável por ter assinado a declaração de desadequação que teve tempo de ler e que foi entregue já manuscrita ao gestor então não seria provável que a Autora tivesse questionado porque razão estaria a assinar tal declaração de perfil desadequado?

DDD. Não deveria a Autora questionar-se então se aquele produto seria adequado ao seu perfil e/ou porque motivo assinava uma declaração de desadequação?

EEE. Colhendo a argumentação plasmada na 1.ª instância “Exige-se ao consumidor espírito crítico e um ónus de auto-esclarecimento. O perímetro dos deveres de informação dos bancos não é tão extenso que exima o cliente bancário dos deveres de cuidado inerentes à sua situação, investidor qualificado ou não qualificado que seja.”

FFF. Não ficou provado que a Autora não subscreveria o produto se, como entendeu o Tribunal da Relação, existisse uma IFI por si assinada.

GGG. Nem que a Autora não investiria num produto com possibilidade de perda de capital, porquanto foi dado como assente pela 1.a Instância e mantido pelo Tribunal da Relação que “ 20 - Quando era acompanhada por DD no Banco Comercial Português, a A. tinha investido, na subscrição de ativos sem capital garantido, como fundos de investimento, obrigações, ações e unit-linked (doc. 20 da contestação).”

HHH. Para que recaísse sobre o banco Recorrente a obrigação de indemnizar, e na esteira da formulação negativa da teoria da causalidade adequada, a Autora deveria ter demonstrado que, segundo a sua teoria, se o banco tivesse cumprido os seus deveres de informação como a mesma entende que deveria ter feito, então não teria investido no produto financeiro em apreço.

III. E essa prova não foi feita nos autos, revelando-se matéria meramente conclusiva do Tribunal da Relação.

JJJ. Ora, no caso em análise a causa do dano ocorreu em consequência de um evento de crédito, alheio ao intermediário financeiro, (circunstância anómala e não previsível, à data da subscrição do produto, contrariamente ao sindicado pelo Tribunal da Relação, que nem sequer fundamenta tal argumento) e não devido a qualquer violação de deveres de informação ou de obrigação contratual a que o Banco estivesse, porventura, vinculado.

KKK. Assim, o resultado danoso não foi, em concreto e relevantemente, causado pela alegada conduta ilícita do ora Recorrente, pelo que é manifesta a inexistência de nexo de causalidade para responsabilizar o banco como entendeu o Tribunal da Relação.

LLL. O Tribunal da Relação não podia considerar excluídos dos factos provados os factos 13 a 17, fazendo depender a prova de tais factos de um documento cujo valor probatório não se sobrepõe à prova testemunhal.

MMM. Desta forma, impõe-se a revogação da decisão proferida pelo Tribunal da Relação, devendo manter-se nos factos provados os pontos 13 a 17 dados como provados na sentença do Tribunal de 1a Instância, devendo por seu turno excluir-se os factos 2, 3 e 4 aditados pelo Tribunal da Relação.

NNN. O Tribunal da Relação, fazendo uma errada interpretação das disposições do CVM e do Regulamento Regulamento da CMVM n.o 2/2012, no que respeita aos deveres de informação, ao considerar a exigência legal do IFI assinado pela Autora como prova do cumprimento dos deveres de informação, violou gravemente o disposto nos artigos 304.º-A, 312.º a 312.º-E do CVM, o n.º 3 do artigo 2.º do Regulamento da CMVM n.º 2/2012 e ainda o disposto nos artigos 363.º n.º 1, 364.º n.º 1, 376.º, 393.º e 396.º do C. Civil, e consequentemente o princípio da livre apreciação da prova.

OOO. Aqui chegados, e considerando tudo o que vem sendo exposto, deverá manter-se a decisão da 1.ª instância, que absolveu o Recorrente dos pedidos formulados pelas Autoras, concluindo pela ausência da verificação dos pressupostos da responsabilidade civil e que, de todo o modo, caberia à Autora provar em sede de ilicitude, dano e nexo de causalidade, acrescendo que, ainda que a culpa seja presumida, a mesma foi afastada pelo Recorrente.

PPP. Concluindo-se igualmente, que não tendo existido dolo nem culpa grave do Recorrente, e tendo a Autora tomado conhecimento dos termos do negócio na data da subscrição do produto (11/09/2013), à data da propositura da ação já tinham decorrido dois anos sobre a data da celebração do negócio pelo que o direito da Autora já se encontrava prescrito, devendo também nesta sede manter-se a decisão da 1.ª Instância.

QQQ. Considerando tudo o supra exposto, sempre se dirá que, não obstante o Supremo Tribunal de Justiça cingir, em regra, o seu poder de cognição ao reexame da matéria de direito, aplicando definitivamente o regime jurídico que julgue adequado aos factos materiais fixados pelas instâncias, a verdade é que, este venerando tribunal não está impedido de apreciar o uso que a 2.ª Instância fez dos seus poderes de reapreciação dos meios de prova, nos casos como presente, em que está em causa averiguar se houve violação de lei substantiva ao abrigo do disposto no n.º 1 da al. a) do artigo 674º do CPC e ofensa de disposição que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, bem como dos preceitos substantivos relativos ao regime probatório, nos termos do disposto no n.º 3 do mesmo artigo 674.º do referido diploma.

RRR. Cabe, assim, ao Supremo Tribunal de Justiça, na vertente adjetiva, o controlo dos parâmetros formais ou balizadores a seguir pelo Tribunal da Relação na reapreciação da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal de 1.ª instância.

SSS. Face ao exposto, deverá o presente recurso de revista ser julgado procedente e, em consequência, deverão V. Exas. revogar a decisão do Acórdão da Relação de Lisboa em apreço, substituindo-o por outro que confirme a sentença de primeira instância.

Nestes termos e nos demais de direito aplicável, requer a Vs. Exas. que julguem procedente o presente recurso de revista e consequentemente se dignem a revogar a decisão recorrida, proferindo uma outra que confirme a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, com consequente absolvição do Réu de todos os pedidos formulados pela Autora, só assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

Mais se requer a Vs. Exas., ao abrigo do disposto no artigo 676.º n.º 2 do CPC, atendendo aos prejuízos consideráveis que advêm para o Recorrente da sua condenação, conforme oportunamente justificado, que seja atribuído efeito suspensivo à presente revista mediante a prestação de caução pelo Recorrente nos presentes autos, na medida da sua condenação, através de depósito autónomo, devendo ser fixado prazo ao Recorrente para os aludidos fins».

10. A autora e a interveniente apresentaram contra-alegações, em que pugnaram pela manutenção do decidido.

11. Sabido que, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso, as questões a decidir, pela sua ordem lógica, são as seguintes:

I – Legalidade do modo como o Tribunal da Relação modifica a matéria de facto e imputação ao acórdão recorrido de violação de norma substantiva e de direito probatório, ao abrigo do artigo 674.º, n.º 1, al. a) e n.º 3, do CPC;

II – Responsabilidade civil do Banco réu enquanto intermediário financeiro: ilicitude, culpa, nexo de causalidade entre o facto e o dano;

III – Prescrição do direito de indemnização da autora.

12. Em 11 de dezembro de 2019, foi ordenada a suspensão da instância dos presentes autos, até ser proferido e transitado em julgado o Acórdão Uniformizador do processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1 -A, que incidiu sobre as questões de direito suscitadas no presente processo e que se reveste de prejudicialidade em relação a esta ação.

13. Na pendência da presente ação declarativa, já em fase de recurso de revista, veio a falecer a autora, em ...-08-2021 (certidão de óbito junta aos autos), AA, tendo sido deduzido, em 15-10-2021, incidente de habilitação, nos termos do disposto nos artigos 351.º e ss. do CPC, pelos filhos: CC, Recorrida nos autos acima identificados; EE, titular do Cartão de Cidadão n.o ..., válido até 19.11.2030, e do NIF ..., residente em Avenida ... ...; FF, titular do Cartão de Cidadão n.o ..., válido até 15.01.2029, e do NIF ..., residente em Quinta ..., ....

14. Nos termos do artigo 354.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), em 20-12-2021, a Relatora julgou os requerentes habilitados como herdeiros da falecida autora AA, a fim de prossecução da demanda até final.

15. Declarada a cessação da suspensão de instância, após o trânsito em julgado do AUJ n.º 8/2022, proferido no processo n.º 1479/16.4... -A, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

A – Os Factos

Estão provados os seguintes factos, que são os adquiridos em 1.ª instância, com as alterações a que procedeu o Tribunal da Relação:

1 - A A. e BB são contitulares de conta bancária junto do R. com o n.º ...52.

2 - A A. estava qualificada junto do R. com o perfil de risco de nível 3 em 9 níveis possíveis.

3 - Em 27-11-2012, a A. deu as seguintes respostas no questionário de apuramento do perfil do investimento junto como doc. 10 da contestação:

“Tipo de Produto/Serviço: Produto complexo

Módulo 1: Conhecimento e experiência

1. Até ao momento, qual foi o seu investimento de maior risco?

Ações (Nacionais e Internacionais).

2. Qual é a sua experiência de investimento?

Efetua alguns investimentos de volume relevante por ano.

[...]

3. Que nível de estudos completou?

Ensino Superior / Pós Graduação

[...]

Módulo 2: Situação Financeira

6. Que percentagem do seu património está investido em ativos financeiros líquidos (ações cotadas, obrigações, FIM, depósitos e estruturados mobilizáveis antecipadamente).

Mais de 75%

7. Os seus investimentos junto do Deutsche Bank... Considera que possam representar uma parte importante do seu património total (incluído património imobiliário) ou dos seus compromissos financeiros regulares)?

Entre 20% e 50%”.

No mesmo formulário (documento n.º 10 da contestação), a Autora declarou ainda que se a Euribor a 12 meses estivesse nos 3%, o cenário de rendibilidade que preferia para o prazo de 1 ano era de «3% garantidos», e que não aceitava «qualquer perda, mesmo que temporária e não realizada no seu investimento», tendo-lhe sido atribuído pelo banco Réu, em resultado das suas respostas, um perfil de “1 – Muito Conservador”.

4 - Em 11 de Setembro de 2013 a A. adquiriu o produto financeiro denominado “Notes db Rendimento Portugal Telecom” no montante de € 60.000 (doc. 1 da P.I.).

5 - A A. apôs duplamente a sua assinatura no doc. de que se mostra junta cópia a fls. 31, em que, assinaladamente, se lê:

Declaração manuscrita do Investidor

Produto Financeiro Complexo

Assunto: Adequação ao Investidor (art.º 28.º do Regulamento da CMVM n.º 2/2012)

A preencher nos casos em que o Cliente não tem perfil de investidor e em caso de desadequação de perfil.

Declaro ter-me sido solicitada informação sobre os meus conhecimentos e experiência em matéria de investimento (a manuscrever pelo cliente):

Declaro ter-me sido solicitada informação sobre os meus conhecimentos e experiências em matéria de contratos.

Data 11/9/2013

A preencher em caso de desadequação de perfil de investidor

Declaro ter sido avisado do facto de, em resultado do teste de adequação, foi feito (designação do P.F.C.) não ser adequado ao meu perfil de investidor, mantendo não obstante a minha decisão de investimento (designação do P.F.C.) (a manuscrever pelo cliente): declaro ter sido avisada do facto de em virtude do facto de o teste de adequação que me foi feito o Note db Rendimento PT não ser adequado ao meu perfil de investidor, mantendo não obstante a minha decisão de investir no mesmo.

6 - Em maio e junho de 2016, o R. remeteu à A. a três cartas relativas a uma possível situação de incumprimento sobre a “obrigação subjacente” que poderia levar a vencimento antecipado (docs. 2, 3 e 4).

7 - Com as duas primeiras cartas, datadas de 9 e de 15 de maio de 2016, o R. deu conhecimento à A. de que se verificava uma Potencial Situação de Incumprimento relativamente às Obrigações Subjacentes às Notes db Rendimento Portugal Telecom, decorrente do incumprimento de obrigações relacionadas com a preparação e reporte de informação financeira. A falta de sanação desta situação poderá, conforme comunicado pelo Trustee, resultar numa Situação de Incumprimento e levar ao vencimento antecipado das Obrigações Subjacentes às Notes db Rendimento Portugal Telecom.

8 - Na carta datada de 22 de junho de 2016, o R. informou a A. de que o Trustee considera verificar-se atualmente uma Situação de Incumprimento relativamente à Obrigação Subjacente, decorrente da apresentação do pedido de recuperação judicial acima identificado”, sendo que “esta situação poderá levar ao decretamento por parte do Trustee do vencimento antecipado da Obrigação Subjacente, o que ainda está a ser objeto de ponderação por parte do Trustee.

9 - Por carta de 15 de julho de 2016, o R. comunicou à A. que, perante o evento de incumprimento, todos os títulos seriam reembolsados no dia 3 de agosto de 2016 pelo seu Montante de Reembolso Antecipado (doc. 5).

10 - Nos termos do Aviso de Incumprimento no Colateral e de Vencimento das Obrigações, anexo à carta junta como doc. 5, o Montante de Reembolso Antecipado a pagar na Data de Reembolso Antecipado em relação a cada Obrigação (e que nunca poderá ser inferior a zero) será determinado pelo Agente de Cálculo na Data de Reembolso Antecipado através de um pro rata, determinado conforme:

A - B

Onde:

“A” é o Valor de Mercado do Colateral (sendo este resultante de uma avaliação do Colateral, que em certas circunstâncias poderá ser zero, tendo por base a maior cotação de licitação obtida pelo Agente de Cálculo relativamente ao Colateral entre cinco ou mais operadores de referência no dia útil anterior à Data de Reembolso ou, se nenhumas cotações forem obtidas, por uma estimativa feita pelo Agente de Cálculo, agindo de boa fé); e “B” é o Custo associado ao Reembolso Antecipado (este irá refletir, entre outras coisas, quaisquer custos ou despesas da contraparte de cobertura incorridos em conexão com o reembolso das Obrigações (incluído o reembolso do Acordo de Cobertura) e quaisquer custos legais decorrentes incorridos pelo Emitente, o Trustee ou a Contraparte de Cobertura como resultado do Reembolso das Obrigações..

11 - A A. recebeu o extrato da Conta relativo ao período de 1 a 31 de agosto de 2016 em que se indicava a “amortização de 60 RPT 2020”, pelo montante de € 7 541, 48, e “pag. juros de 60 RPT 202”, no valor de € 393,45 (doc. 6).

12 - Em 11-9-2013, o R., através do seu funcionário DD, em casa da A., comunicou a esta que a aplicação em Note db Rendimento PT era segura, uma vez que se tratava da P..., uma empresa fortíssima (Facto alterado pelo Tribunal da Relação)

13 a 17 – Factos eliminados pelo Tribunal da Relação

18 - DD voltou a casa da A. em 12-9-2013 para recolher os dois impressos referidos preenchidos – na parte que devia ser preenchida pela Cliente – e assinados (docs. 15 e 16 da contestação).

19 - Na sequência da correspondência de 9 e 15 de maio de 2016 e de 22 de junho de 2016, instado pela A., DD disse-lhe que não se deveria preocupar por se tratar de uma oscilação do mercado.

20 - Quando era acompanhada por DD no Banco Comercial Português, a A. tinha investido, na subscrição de ativos sem capital garantido, como fundos de investimento, obrigações, ações e unit-linked (doc. 20 da contestação).

21 – Facto eliminado pelo Tribunal da Relação

Aditado 1 - A autora nasceu em 1926 e aquando da aquisição das «notes db rendimento Portugal Telecom» contava mais de 85 anos.

Aditado 2 - O emitente do Produto Financeiro Complexo «notes db rendimento Portugal Telecom» não era o Deutsche Bank, como constava do PowerPoint preparado pelo réu e foi afirmado por DD, mas uma empresa supostamente sua participada, denominada de «db...» sediada na ..., como consta da IFI, estando o produto sujeito ao risco de crédito desta participada e não do Deutsche Bank;

Aditado 3 - O ativo subjacente ao Produto Financeiro Complexo «notes db rendimento Portugal Telecom» não eram obrigações da P..., com sede em ..., “líder em Portugal em todos os sectores em que atua”, como refere o PowerPoint criado pelo réu e como DD afirmou em tribunal, mas antes obrigações emitidas por uma das várias empresas do universo PT, a P...BV, com sede na ..., como consta da IFI, estando o produto sujeito ao risco de crédito desta e não da “robusta” e conhecida P....

Aditado 4 - Produto Financeiro Complexo «notes db rendimento Portugal Telecom» estava ainda sujeito ao risco de incumprimento do colateral do produto, a O..., S.A.., facto que não é mencionado no PowerPoint criado pelo réu.

B - O Direito

I – Legalidade do modo como a Relação conheceu da matéria de facto, ao abrigo do artigo 662.º do CPC e do artigo 674.º, n.º 1, al. a) e n.º 3, do mesmo diploma.

1. Alega o recorrente que o Tribunal da Relação ao excluir os factos 13 a 17 violou normas de direito substantivo, regras de direito probatório material e o princípio da livre apreciação da prova.

Está no âmbito dos poderes de cognição do STJ, em sede de revista, sindicar o mau uso (deficiente ou patológico) e/ou o não uso pela Relação dos poderes-deveres oficiosos de modificação e instrução/fundamentação probatória em sede de reapreciação da decisão sobre a matéria de facto, atribuídos pelo artigo 662.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, com a ressalva de que o Supremo Tribunal de Justiça não controla a apreciação sobre a verificação de factos provados por meios de prova sem valor tabelado (artigo 662º, n.º 4, do CPC).

Como se afirma no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 05-07-2022 (proc. n.º 400/18), «IV - No campo da sindicação das als. a) e b) do art. 662.º, n.º 2, poderemos ter um vício processual que, nomeadamente em sede de prova sujeita à livre apreciação, conduzirá à anulação do acórdão recorrido pelo STJ e devolução dos autos à Relação, com duas configurações possíveis: “vício simples” (quanto às regras legais do procedimento probatório), em que se ordena à Relação uma nova reapreciação do mérito da apelação na impugnação da matéria de facto, com cumprimento dos deveres legais previstos nos arts. 662.º, n.º 2, als. a) e b), do CPC, em articulação com o art. 411.º do CPC, e que se profira nova decisão; “vício amplo”, em que se conclua que, pela verificação do vício referente às diligências do art. 662.º, n.º 2, als. a) e b), e necessidade da sua observância, a matéria de facto carece de ser ampliada ou haja necessidade de superar contradições entre os factos provados, sempre para viabilizar a correcta decisão de direito no pleito (com aplicação dos arts. 682.º, n.º 3, e 683.º, n.º 1, do CPC). V - Fora destes dois cenários, a discordância manifestada em relação ao exercício do art. 662.º, n.º 2, als. a) e b), do CPC na reapreciação da decisão de facto constitui questão que escapa ao controlo do Supremo».

2. A questão principal suscitada pelo recorrente reside na prova do facto que serve de base à ilicitude (violação do dever de informação) do comportamento do réu, ou seja, à questão de saber se o réu explicou à autora, ou não, aquando da comercialização do produto financeiro complexo “Notes db Rendimento Portugal Telecom” em que consistia tal produto e se entregou à Autora a denominada “Informação Fundamental ao Investidor” (adiante “IFI”).

O Tribunal da Relação eliminou da matéria de facto provada os factos 13 a 17, em que a sentença do tribunal de 1.a instância deu como provado que o Banco réu, através do funcionário DD, apresentou à autora o produto financeiro complexo em causa com recurso a um powerpoint, em papel, e que este funcionário teria explicado e entregado à Autora a IFI.

A fundamentação aduzida pelo tribunal recorrido foi a seguinte:

«Nos factos 13 a 17 descreve-se que a testemunha DD transmitiu à autora determinadas informações sobre as “Note db Rendimento PT”, constantes: a) do documento n.o 12 junto com a contestação (fls. 170 v.º a 176 v.º dos autos), que consiste numa impressão de ficheiro PowerPoint com conteúdo inserido pelo réu; e b) do documento n.o 13 junto com a contestação (fls. 177 a 179 v.º dos autos), intitulado «Informações fundamentais ao investidor» do qual consta em destaque que o produto adquirido é «produto financeiro complexo», com risco 4 de perder a totalidade do capital investido numa escala crescente de 1 a 4. A autora negou ter sido informada dos correspondentes conteúdos, bem como ter visto ou lido os documentos em causa, na apresentação impressa junta aos autos ou em qualquer outra.

A declaração da testemunha do banco é insuficiente para gerar em nós a convicção de que os docs. 12 e 13 com a contestação ou os seus conteúdos tenham sido transmitidos à autora pela testemunha em causa antes da subscrição. Tanto mais que, relativamente ao doc. 13, a lei não admite prova testemunhal, como passamos a explicar.

O Regulamento da CMVM n.o 2/2012, sobre «Deveres Informativos Relativos a Produtos Financeiros Complexos (PFC) e Comercialização de Operações e Seguros Ligados a Fundos de Investimento» (hoje parcialmente revogado pelo Regulamento da CMVM n.º 8/2018, mas aplicável ao produto financeiro complexo dos autos), obrigou as entidades comercializadoras de PFC a assegurar a existência de um documento informativo intitulado «Informações Fundamentais ao Investidor» (IFI) – art. 5.o do Reg. CMVM n.o 2/2012. O documento 13 com a contestação é o IFI correspondente ao produto dos autos.

A entidade comercializadora é responsável: a) Pela entrega ou disponibilização do IFI ao investidor previamente à aquisição ou transação inicial do PFC; e b)Pela informação constante do IFI, assegurando-se que a mesma obedece ao presente regulamento e aos requisitos do artigo 7.o do Código dos Valores Mobiliários, mesmo quando o IFI seja elaborado por terceiro (art. 5.º, n.º 4, do Reg. CMVM n.º 2/2012).

O IFI deve conter todas as informações necessárias para que o investidor tome uma decisão de investimento esclarecida sobre as características e riscos de determinado PFC, designado IFI individual, ou da categoria de PFC a que respeita, designado IFI genérico (art. 6.º do mesmo Regulamento).

O IFI ou o documento que o substitua é entregue gratuitamente ao investidor em papel (ou noutro suporte duradouro que obedeça a determinados requisitos) – art. 7.º do Reg. CMVM n.º 2/2012.

O IFI deve incluir, em particular, a advertência genérica de que «Um investimento responsável exige que conheça as suas implicações e que esteja disposto a aceitá-las»; advertências específicas ao investidor, descrição e principais características do PFC, descrição dos principais fatores de risco, descrição de cenários e probabilidades, entre outras informações

O IFI contém, nos termos constantes do Anexo I, dois campos que devem ser manuscritos, assinados e datados com dia e hora pelo investidor, tendo o seguinte teor: a) «Tomei conhecimento das advertências»; b)«Recebi um exemplar deste documento previamente à aquisição», ou «Recebi um exemplar deste documento previamente à transação inicial», consoante aplicável (art. 8.º, n.º 4, do Reg. CMVM n.o 2/2012).

No caso dos autos, o documento IFI não foi assinado pela autora (fls. 177 a 179 v.º).

Nos termos do disposto no art. 393, n.º 1, do CC, se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal.

Ainda que assim não fosse, considerando os depoimentos discordantes da autora e da testemunha DD nesta matéria, o facto de o IFI não ter sido assinado pela autora, as regras da experiência comum e do ónus da prova que sobre o réu recai nesta matéria, sempre seria de considerar não provados os factos em questão.

O argumento do tribunal a quo de que a autora admitiu ter visto uma foto da Portugal Telecom nuns papéis é insuficiente, mesmo irrelevante, para a prova os factos 13 a 17, pois nestes o que se afirma é que a testemunha DD informou a autora sobre as características do produto, que se encontravam descritas quer na apresentação impressa do PowerPoint, quer na ficha IFI, e lhe as explicou. É possível e mesmo provável que a testemunha, na visita que fez à autora, transportasse consigo os documentos em causa e os tivesse folheado enquanto asseverava a segurança do produto, mas não é isso que os factos 13 a 17 afirmam, nem isso tem relevância.

Porquanto exposto, excluem-se os factos 13 a 17 do universo dos assentes».

Entende o recorrente que foram violadas regras de direito substantivo e probatório, pelo acórdão recorrido, por ter baseado o incumprimento dos deveres de informação apenas em prova documental, desconsiderando a prova testemunhal que entendeu não ser admissível.

O Tribunal da Relação considerou que a circunstância de os documentos informativos não estarem assinados pela Autora, nem deles constar declaração de que tivessem sido lidos e explicados à investidora, implicava que não se podia dar como provado o cumprimento dos deveres de informação impostos por lei ao Banco. Entende o recorrente que o acórdão recorrido tinha de considerar admissível a prova testemunhal proveniente das declarações de DD que afirmou ter explicado à autora as caraterísticas do produto em causa e que lhe tinha entregue o IFI. Invoca que estamos perante factos que admitem prova testemunhal, ao contrário do afirmado pelo acórdão recorrido que fez prevalecer a prova documental, como a única admissível, com base no artigo 393.º, n.º 1, do Código Civil, que dispõe que «Se a declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal».

Ora, da leitura do excerto do acórdão recorrido acima transcrito resulta, diferentemente, que o único ponto de facto relativamente ao qual o acórdão recorrido entendeu não ser admissível prova testemunhal, foi o referente à entrega do documento n.º 13 junto com a Contestação, isto é a IFI. E, em relação a esta questão, subsidiariamente, afirmou, que, mesmo que se assim não se entendesse, considerando a circunstância de a autora não ter assinado o documento e regras de experiência, teria de se considerar não provado que tal documento tivesse sido entregue à autora antes da transação. Ou seja, o tribunal recorrido acabou por remeter para a livre apreciação da prova, tal como fez quanto a todos os restantes factos elencados nos pontos 13 a 17, como decorre da fundamentação do acórdão. Nunca esteve, pois, em causa qualquer questão de prova vinculada nem foram violadas regras de direito substantivo, no sentido de não ter sido atribuído relevo a meios probatórios com força vinculada ou de terem sido desrespeitadas regras sobre a exigibilidade de determinado meio de prova. A questão colocada pelo recorrente não faz sentido, pois a prova testemunhal nunca é prova vinculada, que o tribunal esteja obrigado a seguir ou a conferir-lhe um peso decisivo na demonstração de um determinado facto. Pelo contrário, é prova de livre apreciação, que o Tribunal da Relação, enquanto 2.ª instância em matéria de facto, pode desconsiderar por entender serem mais fiáveis outros meios de prova, designadamente documental.

Assim, nesta sede, não se afigura ter havido qualquer violação de direito probatório, pois, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, o tribunal recorrido sempre teria a possibilidade de dar prevalência à prova documental e às inferências a retirar dela, em detrimento da prova testemunhal, em relação à qual, desde que fundamente a sua decisão de forma racional, pode não reconhecer credibilidade. Ademais, questões relativas à livre apreciação de prova não são sindicáveis pelo Supremo Tribunal de Justiça, que se limita a aplicar o direito aos factos do caso, e não fixa matéria de facto nem conhece erros de apreciação da prova (artigos 682.º, n.º1 e 674.º, n.oº 3, 1.ª parte, ambos do CPC).

3. Entende, ainda, o recorrente que os factos aditados pelo tribunal recorrido, 1 a 4), não correspondem à verdade, tal como resulta da análise dos documentos juntos ao processo.

Sobre este ponto diz o acórdão recorrido o seguinte:

«As características do produto acabadas de descrever constam do doc. 13 junto pelo próprio réu na sua contestação, intitulado «Informações Fundamentais ao Investidor» (já acima referido, que não se mostra assinado pela autora) e seguramente não foram comunicadas à autora por DD, pois este, durante o seu depoimento, demonstrou não estar delas ciente.

Pretendeu o réu que o PowerPoint impresso e junto como doc. 12 com a contestação foi apresentado à autora por DD, o que não se provou. Ainda que se tivesse provado, o conteúdo do PowerPoint é enganador. Por exemplo, a fls. 7 do PowerPoint, fls. 174 dos autos, consta que o Deutsche Bank é o emitente do produto; no mesmo PowerPoint, na «apresentação dos ativos subjacentes», a empresa apresentada é a «P...», os seus resultados, a sua qualidade creditícia.

Os factos que a autora pretende ver aditados estão indubitavelmente provados e são importantes para a compreensão do litígio e decisão da causa, pelo que se aditam aos factos assentes».

Esta questão do conteúdo e interpretação dos documentos particulares sai fora da competência do Supremo Tribunal de Justiça e não é cognoscível em sede de recurso de revista, pois estamos no domínio da livre apreciação da prova, pelo que, estando a decisão fundamentada e indicando os meios de prova usados, nada temos a censurar ao acórdão recorrido.

Como se entendeu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03-11-2021 (proc. n.º 4096/18.0T8VFR.P1.S1), «Assumindo-se a 2.ª instância como um verdadeiro e próprio segundo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto, com autonomia volitiva e decisória nessa sede, mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que se mostraram acessíveis com observância do princípio do dispositivo, sempre que essa reapreciação se move no domínio da livre apreciação da prova e sem se vislumbrar que se tenha desrespeitado a força plena de qualquer meio de prova, imposta por regra vinculativa extraída de regime do direito probatório, essa actuação regida pelo art. 662.º, n.º 1, do CPC é insindicável em sede de revista, nos termos conjugados dos arts. 662.º, n.º 4, e 674.º, n.º 3, 1.ª parte, do CPC».

Assim se conclui que, reconduzindo-se as questões aqui impugnadas pelo recorrente a matéria de facto e não a matéria de direito, improcedem as conclusões D, E, G, H, I, J, L, O a T , W, LLL, MMM), QQQ) e RRR) da alegação de revista do recorrente.

II – Os pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro: ilicitude e nexo causal entre facto e dano

1. Dos factos acima descritos resulta que autora e réu mantinham entre si uma relação contratual duradoura, assente num contrato bancário geral.

No decurso dessa relação, foi celebrado entre ambos, em 11/09/2013, um contrato de intermediação financeira para aquisição de um conjunto de títulos (receção e transmissão de ordens) e depósito dos mesmos, contrato que a autora põe em crise nestes autos.

As atividades de intermediação financeira estão reguladas no Código dos Valores Mobiliários (CVM), sobretudo nos seus artigos 289.º a 351.º. Trata-se de atividades e serviços de investimento em instrumentos financeiros, serviços auxiliares daqueles, gestão de instituições de investimento coletivo e exercício das funções de depositário dos valores mobiliários que integram o património dessas instituições (artigo 289, n.o 1, do CVM). Estas atividades apenas podem ser exercidas, a título profissional, por intermediários financeiros (artigo 289.º, n.ºs 2 e 3, do CVM), entre os quais avultam as instituições de crédito, maxime, os bancos (artigo 293 do CVM).

O CVM regula vários contratos de intermediação financeira, em particular os contratos de execução das ordens, gestão de carteira, assistência, colocação, tomada firme, colocação com garantia, recolha de intenções de investimento, registo e depósito. A receção, a transmissão e a execução de ordens são serviços prestados por conta de outrem (artigos 290.º, n.º 1, a) e b), e 325.º a 334.º do CVM) ao abrigo de um negócio de cobertura, pelo qual o cliente concede ao intermediário os poderes necessários a receber, ou transmitir as ordens com vista à celebração dos negócios de execução que têm por objeto instrumentos financeiros. O negócio jurídico de cobertura é normalmente um contrato de mandato sem representação, podendo constituir também um mandato representativo (neste sentido, Carlos Ferreira de Almeida, «As transações de conta alheia no âmbito da intermediação no mercado de valores mobiliários», in AAVV, Direito dos valores mobiliários, Lex, 1997, p. 296; Paulo Câmara, Manual de direito dos valores mobiliários, Almedina, 2009, p. 443; Fátima Gomes, «Contratos de intermediação financeira, sumário alargado», in Estudos dedicados ao Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida Costa, Lisboa, UCP, 2002, pp. 582-3). O negócio de execução em que a ordem se integra é, portanto, celebrado por conta, eventualmente também em representação, do cliente, em cumprimento da obrigação assumida no negócio de cobertura.

O depósito constitui contrato auxiliar de prestação de serviço (artigos 291, n.º a) e 343 do CVM) – cfr. Fátima Gomes, «Contratos de intermediação financeira, sumário alargado», cit., p. 595.

O CVM impõe ao intermediário financeiro fortes deveres de informação e de esclarecimento que devem ser atuados independentemente do tipo de relação que mantenham com os seus interlocutores. Trata-se de disposições legais destinadas a proteger interesses alheios, cuja violação, juntamente com outros requisitos da responsabilidade civil, obriga à indemnização nos termos do artigo 483, n.º 1, 2.a hipótese (neste sentido, Carlos Ferreira de Almeida, «Normas de imputação e normas de proteção no regime da responsabilidade civil extracontratual pela informação nos mercados de valores mobiliários», Direito das Sociedades em Revista, Ano 8, Vol. 16, outubro 2016, pp. 15 e ss.).

Havendo contrato de intermediação, muitos desses deveres integram-se nessa relação contratual, como concretizações do dever geral de boa fé na formação e execução dos contratos (cfr. Manuel A. Carneiro da Frada, «A responsabilidade dos intermediários financeiros por informação deficitária ou falta de adequação dos instrumentos financeiros», Revista de Direito Comercial, 12/10/2018, pp. 1225-40). O Código de Valores Mobiliários, sendo direito especial, que visa fornecer uma tutela reforçada a uma das partes, como forma de combater a assimetria informativa entre elas, explicita e particulariza ou desenvolve princípios de justiça contratual do direito comum, como o princípio da boa fé, vigente em todas as fases do contrato (artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil).

2. Tratando-se de obrigações subscritas em 2013, o direito aplicável ao caso concreto é o Código de Valores Mobiliários, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 357- A/2007, de 31 de outubro. Este diploma veio densificar e alargar o conteúdo do dever de informação a cargo do intermediário financeiro, discutindo-se na jurisprudência se tem natureza inovatória em relação à versão originária do CVM ou natureza meramente interpretativa.

Independentemente da resposta a dar a esta questão, certo é que o AUJ n.º 8/2022 (proferido no Processo n.o 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A e publicado em Diário da República, I .ª Série, N.º 212, 3 de novembro de 2022, pp. 10 e seguintes), se reportou apenas à legislação anterior a 2007.

Para efeitos de aplicabilidade do AUJ n.º 8/2002 ao presente caso, suscita-se, pois, a questão de saber se a orientação aí fixada quanto ao ónus da prova do dever de informação e quanto ao conteúdo e alcance do citado dever de informação é aplicável, ou não, às obrigações subscritas após o início de vigência do DL 357-A/2007.

Ora, quanto ao conteúdo do dever de informação, uma vez que a nova legislação o veio alargar, parece não ser de aplicar o AUJ n.º 8/2022 diretamente, mas apenas como um elemento auxiliar de interpretação, caso seja necessário e desde que não implique soluções mais desfavoráveis para o investidor do que as previstas no diploma de 2007. Já quanto à questão de saber a quem compete o ónus da prova do incumprimento do dever de informação, a orientação do AUJ é aplicável, quanto às obrigações subscritas no domínio de vigência do DL 357-A/2007, pois que, não se verificou qualquer mudança legislativa que possa ter consequências na distribuição do ónus da prova.

No que diz respeito ao nexo causal, a legislação de 2007 também não trouxe qualquer alteração, continuando a ser aplicável a disposição do artigo 563.o do Código Civil, que deve ser interpretada nos mesmos termos em que o foi aquando da fixação de orientação jurisprudencial pelo AUJ n.º 8/2022.

3. Assim, importa ter em conta a orientação fixada no AUJ n.º 8/2022, porque as questões a decidir no presente processo, apesar de convocarem legislação parcialmente distinta, são semelhantes:

«1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.

3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir».

4. O direito aplicável é, pois, o CVM na redação do DL n.º 357-A/2007, de 31-10.

O artigo 7.o do CVM, sob a epígrafe «Qualidade da informação», dispõe o seguinte:

1 - A informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às atividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.

2 - O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco.

3 - O requisito da completude da informação é aferido em função do meio utilizado, podendo, nas mensagens publicitárias, ser substituído por remissão para documento

acessível aos destinatários.

4 - À publicidade relativa a instrumentos financeiros e a atividades reguladas no presente Código é aplicável o regime geral da publicidade.

Nos termos do Artigo 304.º, n.º 1, que consagra os princípios orientadores da atividade, «Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da

proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado» e devem observar, segundo o n.º 2 do preceito, «os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência». Nos termos do n.º 3, «Na medida do necessário para o cumprimento dos seus deveres na prestação do serviço, o intermediário financeiro deve informar-se junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiência no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objetivos de investimento do cliente».

O artigo 304.º - A, com importância capital no presente processo, sob a epígrafe «Responsabilidade civil», estipula o seguinte:

1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no

âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja

originado pela violação de deveres de informação.

Nos termos do artigo 310.º, n.º 1, do CVM (Intermediação excessiva), «O intermediário financeiro deve abster-se de incitar os seus clientes a efetuar operações repetidas sobre instrumentos financeiros ou de as realizar por conta deles, quando tais operações tenham como fim principal a cobrança de comissões ou outro objetivo estranho aos interesses do cliente».

A norma do artigo 312.º descreve, com pormenor, o conteúdo e o âmbito do dever de informação a cargo do intermediário financeiro:

1 - O intermediário financeiro presta, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo as respeitantes:

a) Ao intermediário financeiro e aos serviços por si prestados;

b) À natureza de investidor não profissional, investidor profissional ou contraparte elegível do cliente, ao seu eventual direito de requerer um tratamento diferente e a qualquer limitação ao nível do grau de proteção que tal implica;

c) À origem e à natureza de qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço a prestar:

i) Sempre que as medidas organizativas adotadas pelo intermediário nos termos dos artigos 309.º e seguintes não sejam suficientes para garantir, com um grau de certeza razoável, que serão evitados o risco de os interesses dos clientes serem prejudicados, incluindo as medidas adotadas para mitigar esses riscos; e

ii) Em qualquer caso, a informação deve ser suficientemente detalhada, tendo em conta a natureza do investidor, para permitir que este tome uma decisão informada relativamente ao serviço no âmbito do qual surge o conflito de interesses e cumprir o disposto na legislação da União Europeia;

d) Aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas, incluindo se o instrumento financeiro se destina a investidores profissionais ou não profissionais, tendo em conta o mercado-alvo identificado;

e) Aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar;

f) À sua política de execução de ordens, que contém informação sobre os locais de execução e, se for o caso, à possibilidade de execução de ordens de clientes fora de mercado regulamentado ou de sistema de negociação multilateral ou organizado;

g) À proteção do património do cliente e à existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar;

h) Ao custo do serviço a prestar.

2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.

3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral.

4 - A informação prevista no n.º 1 deve ser prestada por escrito ainda que sob forma padronizada.

5 - Sem prejuízo do disposto no n.º 8, sempre que, na presente subsecção, se estabeleça que a informação é prestada por escrito, esta é prestada em formato eletrónico, que consiste em qualquer suporte duradouro que não o papel.

6 - (Revogado.)

7 - (Revogado.)

8 - Caso um investidor não profissional solicite a entrega da informação referida no n.º 5 em papel, o intermediário financeiro presta-a gratuitamente nesse suporte.

9 - O intermediário financeiro informa os potenciais ou atuais clientes que sejam investidores não profissionais que podem optar pela prestação da informação em papel.

(...)

11 - A informação prevista no número anterior é comunicada periodicamente ao investidor e, pelo menos, anualmente, durante todo o período de duração do investimento.

(...)

14 - Quando o serviço de investimento seja proposto ou prestado conjuntamente com outro serviço ou produto, como parte de um único pacote ou como condição para a prestação de um serviço ou aquisição de um produto (vendas cruzadas), o intermediário financeiro deve:

a) Informar o investidor sobre a possibilidade de adquirir os diferentes componentes em separado e apresentar informação separada sobre os custos e encargos inerentes a cada componente;

b) Fornecer uma descrição adequada dos diferentes componentes e do modo como a sua interação altera os riscos de cada uma, caso os riscos decorrentes dos serviços prestados conjuntamente ou do pacote comercializados junto de um investidor não profissional sejam suscetíveis de ser diferentes dos riscos decorrentes de cada componente em separado.

(...)

A informação a prestar pelo intermediário financeiro deve ser verdadeira, completa, clara, atual, objetiva e lícita, nos termos do artigo 7.º, n.º 1, e 312.º, n.º 1, do CVM, e suficientemente detalhada para capacitar o investidor a uma tomada de decisão livre e esclarecida.

Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes (artigo 304, n.º 1, do CVM). Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência (n.º 2 do artigo 304.º do CVN). Neste artigo 304 evidencia-se que o dever geral de boa fé, em particular a conduta diligente, leal e transparente, é nuclear na atividade do intermediário financeiro. O comportamento diligente, leal e transparente atua-se de vários e muitos modos em cada relação concreta. Facilitando essa avaliação, várias normas do CVM densificam estes conceitos com deveres mais específicos.

O dever de informação tem um conteúdo amplo e deve incidir, designadamente, sobre os “riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar”, “a existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar”, referindo-se “à origem e à natureza de qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço a prestar”, bem como ter em conta a natureza do investidor, para permitir que este tome uma decisão informada relativamente ao serviço no âmbito do qual surge o conflito de interesses (als. a, c) e g) do n.º 1 do artigo 312.º do CVM.

A lei consagra ainda o princípio da proporcionalidade inversa, de acordo com o qual «A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente» (n.º 2 do artigo 312.º do CVM). A informação prevista no n.º 1 do artigo 312.º deve ser prestada por escrito ainda que sob forma padronizada (n.º 4 do artigo 312.º do CVM) e deve estender-se ao longo de todo o período de duração do investimento, sendo comunicada periodicamente ao investidor, pelo menos, anualmente (n.º 11 do artigo 312.º do CVM)

Nos termos do AUJ n.º 8/2022, o intermediário financeiro tem o dever de se informar sobre o cliente e proporcionar-lhe informação clara, cabal e relevante para a opção que pretende tomar e tem de ter a iniciativa para prestar a informação, não tendo o investidor não institucional dever de a solicitar.

Para além do cumprimento dos deveres de informação prévia (que antecede a celebração do negócio), o intermediário tem ainda o dever de informação sucessiva — dever de disponibilizar informação no decurso da execução contratual. Quer no momento anterior à contratação, quer durante a execução do contrato, os deveres de informação devem sempre envolver a prestação de informação com clareza, lealdade e transparência, já que se destinam a fornecer aos clientes elementos fundamentais e caracterizadores dos produtos financeiros propostos.

Nos termos do AUJ n.º 8/2022:

«Quanto ao âmbito dessa informação, nas palavras de Sofia Nascimento Rodrigues, na obra citada, “[...] Existe um conjunto de informações que o intermediário está obrigado a prestar a um cliente, potencial investidor, antes de lhe prestar qualquer serviço de intermediação financeira.

Trata -se de informações prévias no âmbito das quais se inserem todas as necessárias para que o cliente tome uma decisão de investimento esclarecida e fundamentada (art. 312.º Cód. VM), as respeitantes à estrutura empresarial do intermediário financeiro e ainda as relativas à natureza e características do investimento a realizar (artigos 38.º e 39.º do Regulamento n.º 12/2000).

A lei não enumera taxativamente o conteúdo da informação considerada necessária, tendo por obrigatório prestar aquela informação que se revele relevante para efeitos de uma tomada de decisão consciente por parte do investidor. O legislador não dispensou, contudo, o enunciado de um conjunto mínimo de dados informativos que necessariamente terão de ser fornecidos pelo intermediário financeiro, encontrando-se nesse grupo elementos cujo conhecimento é, desta forma, reconhecido como indispensável à adopção de qualquer decisão de investimento. Entre esses elementos encontram -se os riscos envolvidos pelas operações a realizar e suas implicações, o custo do serviço a prestar, a existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente bem como a possibilidade de uma eventual reclamação ser recebida pela CMVM e ainda qualquer interesse que o intermediário financeiro tenha no serviço que presta [alíneas a) a d) do n.º 1 do art. 312.º do Cód. VM e 39.o do Regulamento CMVM n.º 12/2000]. O intermediário financeiro deverá ainda fornecer ao investidor toda a documentação necessária.» - destaque nosso

A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem atribuído ao dever de informação um conteúdo amplo e exigente quando estão em causa investidores não profissionais e conservadores. Veja-se, por exemplo, por todos, o Acórdão de 10-04-2018 (proc. n.º 753/16.4TBLSB.L1.S1), onde se sumariou o seguinte:

«I. A protecção dos interesses legítimos dos clientes de produtos financeiros implica, em relação a eles, que o intermediário financeiro indague sobre a sua situação financeira e experiência – o princípio know your costumer, ou, know your client no que respeita ao tipo específico de instrumento financeiro ou serviço oferecido ou procurado, bem como, se aplicável, sobre a situação financeira e os objectivos de investimento do cliente – nº3 do art. 304º do CVM – devendo observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

II. O dever de conhecimento do perfil do cliente, sobretudo nos casos de investidores não qualificados, a avaliação não só da sua capacidade de investimento como a de suportar o risco inerente ao produto que pretende adquirir, para se ajuizar se certa transacção é adequada ao cliente – suitablity test –, impõe ao intermediário financeiro um rigoroso dever pré-contratual de informação, que não se queda pelo padrão do bom pai de família, mas antes, dada a professionalidade do banco/intermediário financeiro, lhe impõe um grau de diligência mais acentuado, devendo actuar como “diligentissimus pater familias”, não sendo toleráveis procedimentos que possam sequer ser incursos em culpa leve.

III. O dever contratual de agir de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, impostos ao intermediário financeiro, no interesse legítimo dos seus clientes, não é mais, afinal, que o dever de agir de boa fé, constituindo um dever principal – a prestação propriamente dita no complexo obrigacional a cargo do intermediário financeiro.

IV. A relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro, exige deste um elevado padrão de conduta, com lealdade e rigor informativo pré-contratual e contratual: informação completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, tendo em conta que, entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte».

5. Para além das normas específicas do regime do CVM são ainda convocadas as disposições do Código Civil relativas à responsabilidade civil, na medida em que não tenham sido expressamente afastadas por aqueles preceitos.

Os requisitos da responsabilidade civil, quer pré-contratual quer contratual, são os previstos no artigo 798.º do Código Civil:

- o facto voluntário, enquanto comportamento dominável pela vontade, que pode revestir a forma da ação ou da omissão;

- a ilicitude, ou seja, a desconformidade entre a conduta devida e o comportamento do intermediário financeiro, traduzindo-se na inexecução da obrigação para com o cliente (investidor); no caso da responsabilidade pré-contratual, a ilicitude consiste na violação de algum dos deveres de boa-fé contratual, como o dever de informação, o dever de lealdade e o dever de diligência.

- a culpa do intermediário financeiro, por força da presunção de culpa estabelecida na regra do n.º 2 do artigo 304.º-A do CVM, ilidível nos termos do artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil.

- o nexo de causal entre a violação do dever de informação e o dano, que deve ser aferido pelo critério da causalidade adequada nos termos do artigo 563.º do Código Civil, que prescreve que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.

- o dano, que, em termos genéricos, consiste no prejuízo resultante do investimento nas obrigações.

6. Afastada pelo AUJ n.º 8/2022 a possibilidade de aplicar uma presunção legal de ilicitude e de causalidade, cabe ao autor da ação o ónus da prova da violação do dever de informação e da existência de um nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito e o dano.

O Tribunal da Relação considerou verificados os requisitos da ilicitude e do nexo causal, tendo sumariado o seguinte:

«I. Viola gravemente os seus deveres profissionais, bem como o dever boa fé na celebração do contrato, o intermediário financeiro que propõe a um cliente o investimento num produto financeiro complexo, sem retorno de capital garantido, informando, falsamente, tratar-se de obrigações da P....

II. Não se pode considerar negligente a confiança de um cliente de 86 anos no seu banco e no seu gestor de conta de longa data, que investe num produto financeiro apenas com base em informações verbais (falsas), sem curar de obter a informação escrita sobre o produto (que lhe era devida, mas que lhe foi omitida).

III. Demonstrado que, se tivesse sido devidamente informado das características do produto, o cliente não teria nele investido, o intermediário financeiro responde pelos danos causados pela violação do seu dever de informar».

7. Da matéria de facto decorre que o Banco cumpriu a lei quanto ao dever de recolha de informação prévia quanto ao perfil da investidora (artigo 304.º, n.º 3, do CVM), que foi classificada como investidora de nível três em nove níveis possíveis, portanto, com apetência por investimentos de baixo risco, e, em 2012, por força das respostas dadas pela autora ao questionário de apuramento de perfil feito pelo banco réu, a autora foi classificada com o perfil “Muito conservador”.

O dever de informação não se esgota no momento da celebração do contrato (subscrição do produto financeiro), mas abrange ainda a evolução do mercado e qualquer modificação do grau e da intensidade do risco.

Os factos provados indicam que, para além de o dever de informação ter sido violado na fase inicial da subscrição da obrigação, quanto à identificação da entidade emitente e das entidades que respondiam pelas obrigações, houve também da parte do Banco violação do dever de informação, na fase de execução do contrato, quanto ao grau de risco e segurança do produto financeiro em causa, bem como quanto à possibilidade de perda de capital.

Vejamos:

Segundo o facto provado n.º 1, a autora e BB são contitulares de conta bancária junto do Réu com o n.º ...52. A A. estava qualificada junto do R. com o perfil de risco de nível 3 em 9 níveis possíveis (facto provado n..º 2). Em 27-11-2012, a Autora passou a ser classificada pelo Banco réu com o perfil de “Muito conservador” (doc. 10 da contestação): «(...) a Autora declarou ainda que se a Euribor a 12 meses estivesse nos 3%, o cenário de rendibilidade que preferia para o prazo de 1 ano era de «3% garantidos», e que não aceitava «qualquer perda, mesmo que temporária e não realizada no seu investimento», tendo-lhe sido atribuído pelo banco Réu, em resultado das suas respostas, um perfil de “1 – Muito Conservador”» (facto provado n.º 3). Em 11 de setembro de 2013, com 86 anos de idade, a A. adquiriu o produto financeiro denominado “Notes db Rendimento Portugal Telecom” no montante de € 60.000 (facto provado n.º 4). Em 11-9-2013, o R., através do seu funcionário DD, em casa da A., comunicou a esta que a aplicação em Note db Rendimento PT era segura, uma vez que se tratava da P..., uma empresa fortíssima (facto provado n.o 12). Segundo os factos aditados pelo Tribunal da Relação, o emitente do Produto Financeiro Complexo «notes db rendimento Portugal Telecom» subscrito pela Autora não era o Deutsche Bank, como constava do PowerPoint preparado pelo réu e foi afirmado por DD, mas uma empresa supostamente sua participada, denominada de «db...» sediada na ..., como consta da IFI,   estando o produto sujeito ao risco de crédito desta participada e não do Deutsche Bank ou da P.... O ativo subjacente ao Produto Financeiro Complexo «notes db rendimento Portugal Telecom» não eram obrigações da P..., com sede em ..., “líder em Portugal em todos os sectores em que atua”, como refere o PowerPoint criado pelo réu e como DD afirmou em tribunal, mas antes obrigações emitidas por uma das várias empresas do universo P..., a P...BV, com sede na ..., como consta da IFI, estando o produto sujeito ao risco de crédito desta e não da “robusta” e conhecida P.... O Produto Financeiro Complexo «notes db rendimento Portugal Telecom» estava ainda sujeito ao risco de incumprimento do colateral do produto, a O..., S.A., facto que não é mencionado no PowerPoint criado pelo réu. Por outro lado, quando começou a constar que havia incumprimento da entidade emitente, o R. remeteu à A. em maio e junho de 2016 três cartas relativas a uma possível situação de incumprimento sobre a “obrigação subjacente” que poderia levar a vencimento antecipado (factos provados n.ºs 6,7 e 8). Na sequência desta correspondência, instado pela Autora, DD disse-lhe que não se deveria preocupar por se tratar de uma oscilação do mercado (facto provado n.º 19).

Como se afirmou no acórdão recorrido, o Banco «Não informou à autora as reais características do produto (cremos, aliás, que o empregado do banco que interagia com a autora não estava sequer ciente delas, decorrendo do seu depoimento que não as conhecia), prestou informações falsas sobre o mesmo, afirmando tratar-se de obrigações da PT, cujos risco seria o do crédito da PT, quando na realidade se tratava de um produto emitido por uma empresa denominada «db...» sediada na ..., tendo por ativo subjacente obrigações emitidas por uma empresa designada P...BV, com sede na ..., sujeito ao risco de crédito desta, e, ainda ao risco de incumprimento do colateral do produto, a O..., S.A. (sociedade brasileira parcialmente adquirida pela P..., já então em grandes dificuldades e votada ao insucesso na medida em que apenas se dedicava a telefones fixos, já então caídos em desuso e sem futuro).

A realidade não foi apenas omitida, foi falseada. Foi dito à autora que estava a investir em obrigações da P... (falso), que seria uma empresa fortíssima (igualmente falso, ainda que fossem obrigações P... e não eram), quando na realidade estava na verdade estava a investir num produto que, já na altura, seria quase certo ter o desfecho que teve».

Assim, foi prestada informação errónea, incompleta e obscura, que desrespeita o conteúdo do dever de informação prescrito na lei e no AUJ n.º 8/2022, aqui utilizado como parâmetro mínimo, uma vez que a lei em vigor à data da subscrição da obrigação em causa tem um teor mais exigente para com o intermediário financeiro do que a lei interpretada e aplicada pelo AUJ n.º 8/2022, o CVM na redação do Decreto-Lei n.º 486/99, de 13 de novembro.

O não cumprimento dos deveres de informação, se bem que podendo ser sancionado ao abrigo do artigo 227.º do Código Civil (culpa na formação dos contratos), que consagra a chamada responsabilidade civil pré-contratual, tem sido sancionado, no quadro da responsabilidade civil contratual, impendendo sobre o intermediário financeiro ou banco, que age nessa veste, presunção de culpa nos termos do artigo 799º, nº1, do Código Civil, sendo claro o n.º 2 do artigo 304-A do CVM, quando estatui – “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado por violação de deveres de informação.”

No caso concreto, não resultou provado qualquer facto suscetível de ilidir a presunção de culpa que recai sobre o Banco. Acresce que o padrão para avaliar a culpa não é o critério abstrato fixado no artigo 487.º do Código Civil, que remete para a figura tradicional do «bom pai de família», sendo exigível ao intermediário financeiro, por força da legislação específica que regula esta relação obrigacional com o cliente, um grau de diligência mais acentuado, em que não são toleráveis procedimentos que possam ser considerados culpa leve.

A informação prestada foi incompleta, falsa e obscura, nos termos exigidos pelo AUJ n.º 8/2022, onde se consagrou o seguinte na sua fundamentação:

«A informação foi incompleta porque não foi explicada ao Autor a característica da subordinação das obrigações, bem como não foi explicada a relação de dependência do Banco perante o emitente das obrigações.

(...)

A informação foi incompleta e inexata porque o reembolso do capital aplicado não era garantido.

(...)

A informação foi obscura, porque nos termos em que foi dada, não permitia ao cliente (investidor) entender as especificidades do instrumento financeiro que adquiria: Os Autores não sabiam o que são obrigações e o Banco não explicou o que eram obrigações, nem explicou que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar dinheiro no BPN.

Assim, as informações incorretamente prestadas ao Autor assumiam um cariz objetivo – pois o que relevava para os Autores, para além da rentabilidade, era saber se o reembolso do capital investido estava assegurado – constituem informações que não estavam dependentes de quaisquer variantes analíticas ou evolução da conjuntura económico-financeira, decorrendo das próprias características do produto».

No presente processo, o funcionário não equiparou o produto financeiro a um depósito a prazo, como tem sido dado como provado nalguns casos semelhantes, mas referiu que era um produto seguro porque a P... era uma empresa fortíssima. Também não se encontra provado que o funcionário tenha feito um contacto prévio com a autora para lhe apresentar o produto e aconselhar a sua subscrição, como tem sucedido na generalidade dos casos de intermediação financeira decididos em processos entrados neste Supremo Tribunal. Todavia, estas circunstâncias não permitem valorar a conduta do Banco no sentido de considerar cumprido o dever de informação, como pretende o recorrente.

O Banco, através da pessoa do funcionário do réu, informou erradamente a autora acerca de qual a entidade emitente do produto e acerca de quem assumia a responsabilidade pelo incumprimento, tendo-lhe dito que essas entidades eram o Deutshe Bank e a P..., omitindo o nome das empresas emitentes responsáveis pelo crédito, e, desvalorizando os avisos de incumprimento e de possibilidade de vencimento antecipado e perda de capital, afirmando que a autora não tinha de se preocupar e que se tratava apenas de uma oscilação de mercado. Ademais, a informação não foi prestada por escrito, como exige a lei, nem foi entregue à autora qualquer documento, por si assinado, que incluísse a informação correta (ou qualquer outra) sobre o produto financeiro subscrito.

O acórdão recorrido valorou também nesta sede a circunstância de a autora ser pessoa de muita idade, mais de 85 anos, e que estava habituada a apoiar-se no seu gerente de conta, em quem depositava uma confiança absoluta, confiança que deve ser protegida pela lei.

A este propósito afirmou o seguinte:

«Ocorre-nos, ainda, frisar que à autora não era exigível maior diligência, não se podendo dizer que tenha contribuído para o dano que lhe foi causado. Considerando a sua muita idade, que viveu a maior parte da sua vida numa sociedade em que as instituições bancárias e os seus empregados eram vistos como pessoas em cujas informações e conselhos se podia confiar, e ainda a relação de longa data com o banco réu e com gestor de conta, era expectável e razoável que a autora tivesse confiado no que o réu, através do seu empregado, lhe asseverou relativamente à segurança do investimento».

O Banco réu insurge-se contra esta interpretação dos factos, considerando a idade avançada da autora um elemento irrelevante no contexto do caso. Ora, este quadro de uma pessoa de idade avançada que confia absolutamente no seu gestor de conta, com quem costuma lidar e de quem depende para preencher e compreender os documentos bancários, é um quadro perfeitamente plausível e comum, o que implica que a presunção de experiência ou de facto tirada pela Relação é dotada de lógica e está de acordo com a lei, que protege a confiança do cliente bancário, pelo que está fora do domínio cognitivo do Supremo revogar esta presunção, que aceita como válida.

8. Assim, conclui-se que a Autora logrou cumprir o ónus da prova da violação do dever de informação que o AUJ n.º 8/2022 põe a seu cargo.

Improcedem as conclusões C, M, N, U, V, YY, AAA, BBB, CCC, DDD e EEE.

9. Nexo de causalidade entre o facto e o dano

Resta, então analisar o requisito do nexo de causalidade entre o facto (ilícito e culposo) e o dano, tradicionalmente considerado pela doutrina o pressuposto mais obscuro da responsabilidade civil.

No que diz respeito à responsabilidade civil do intermediário financeiro, foi afastada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no AUJ n.º 8/2022, a solução jurídica que incluía na presunção de culpa do artigo 314.º, n.º 2, do CVM uma presunção de causalidade, pelo que são aqui decisivas as regras quanto ao ónus da prova nos termos definidos no AUJ, em cujo segmento uniformizador se concluiu que «1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro,(...) incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano».

Prossegue, depois, nos pontos 3. e 4., afirmando o seguinte:

«3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir».

«4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir».

O artigo 563.º do Código Civil prescreve que “A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”, isto é, se não tivesse ocorrido o incumprimento.

Nesta disposição legal encontra-se consagrado o critério da causalidade adequada, pela formulação negativa, ou seja, o incumprimento contratual tem, em concreto, de ter constituído condição necessária ao dano, só se excluindo a responsabilidade se ele for, pela sua natureza, indiferente para a produção daquele tipo de prejuízos, isto é, se o lesante provar que apenas a ocorrência de circunstâncias extraordinárias ou invulgares determinou a aptidão causal daquele facto para a produção do dano verificado.

Segundo jurisprudência deste Supremo Tribunal, «O juízo de causalidade, numa perspectiva meramente naturalística, insere-se no âmbito da matéria de facto e, por conseguinte, é insindicável; porém, cabe nos poderes de cognição do STJ apreciar se a condição de facto, que ficou determinada, constitui ou não causa adequada do evento lesivo» (cfr., por todos, Acórdão de 26-11-2009, Revista n.º 3178/03.8JVNF.P1.S1).

10. O nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado ao autor (artigo 563.º do Código Civil) deve ser analisado através da demonstração, que decorra da matéria de facto, de que se tais deveres de informação tivessem sido cumpridos, o autor não teria investido naquela aplicação, mas noutra que lhe garantisse um retorno seguro.

Ora, a este propósito, não obstante a autora ao longo da sua vida ter já feito aplicação de dinheiro em ações e outros produtos sem capital garantido (facto provado n.o 20), declarou ao Banco em 27-11-2012, em questionário para o apuramento do perfil (documento n.º 10 da contestação), que se a Euribor a 12 meses estivesse nos 3%, o cenário de rendibilidade que preferia para o prazo de 1 ano era de «3% garantidos», e que não aceitava «qualquer perda, mesmo que temporária e não realizada no seu investimento», tendo-lhe sido atribuído pelo banco Réu, em resultado das suas respostas, um perfil de “1 – Muito Conservador”.

O Tribunal da Relação retirou deste facto a presunção judicial de que a autora se tivesse conhecimento das informações verdadeiras acerca do grau de risco e da identidade das entidades emitentes e responsáveis pelo crédito, não teria investido naquele produto denominado como “Notes db Rendimento Portugal Telecom”, que erradamente lhe garantiram como sendo um produto seguro e garantido pela P..., uma empresa fortíssima.

As presunções judiciais são meios lógicos ou mentais de descoberta de factos ou operações probatórias que se firmam mediante regras de experiência, e permitem ao julgador extrair conclusões de factos conhecidos e provados para firmar factos desconhecidos. À semelhança da prova testemunhal (artigo 351.º do Código Civil), esta operação depende apenas da convicção do julgador, extraída a partir dos demais factos provados, notórios ou de conhecimento oficioso. O juiz, valendo-se de certo facto e das regras de experiência, conclui que aquele denuncia a existência doutro facto. No fundo, ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, o juiz pode utilizar a experiência da vida, da qual resulta, com forte grau de probabilidade, que um facto é consequência de outro. As presunções judiciais baseiam-se nas máximas de experiência, nos juízos correntes de probabilidade, nos princípios da lógica ou nos próprios dados da intuição humana.

Neste domínio, o Supremo Tribunal de Justiça só tem poderes para intervir, no caso de terem sido dados como provados, por presunção judicial, factos para cuja demonstração a lei exige um meio de prova com força probatória superior, por exemplo, um documento autêntico. Na apreciação da conformidade das ilações inerentes às presunções judiciais ou de facto com as regras de experiência e de normalidade do acontecer, ou no controlo da verosimilhança ou congruência dos juízos feitos pelo tribunal recorrido, não pode o Supremo Tribunal de Justiça intervir, por ser um tribunal de revista que conhece apenas de questões de direito e não tem competência para modificar os factos nem para corrigir erros de julgamento ou erros na apreciação da matéria de facto ou formação de juízos de facto.

Da jurisprudência firmada neste Supremo Tribunal, resulta que só em casos extremos de falta de lógica ou de violação de normas legais é que o Supremo pode controlar o uso de presunções pelo Tribunal da Relação, conforme decorre da orientação, entre outros, dos acórdãos citados:

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12/01/2017 (Proc. n.º 892/14.6T8GDM.P1.S1):

«I- A censura que, em regra, pode ser exercida pelo STJ no domínio da matéria de facto confina-se à legalidade do apuramento dos factos (não se discutindo, pois, a sua ocorrência), formulando-se, se for caso disso, um juízo sobre a existência de um obstáculo legal à convicção que se formou.

II- O uso de presunções judiciais apenas não é admitido quando seja legalmente inviável o recurso à prova testemunhal, pelo que, não sendo aplicável a terceiros a proibição constante dos n.ºs 1 e 2 do art.º 394.º do CC, nada impedia a Relação de, perante a invocação de simulação dos contratos sujeitos a impugnação pauliana, se socorresse daqueles meios de prova para alterar a decisão da matéria de facto.

III- Inexistindo violação das normas legais aplicáveis ao emprego de presunções judiciais, é inviável ao STJ sindicar a decisão da Relação referida em II».

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 19/01/2017 (Proc. n.º 841/12.6 TBMGR.C1S):

«-I- As questões a decidir, em sede recursória, centram-se nos pontos essenciais do objecto do recurso, delimitado pelas conclusões, não abrangendo os argumentos fácticos-jurídicos invocados em defesa das teses sustentadas pelas partes.

II- Na fixação da matéria factual relevante para a solução do litígio a Relação tem a derradeira palavra através do exercício dos poderes que lhe são conferidos pelos n.º 1 e 2 do art.º 662.o do Cód. Proc. Civil, acrescendo que da decisão proferida nesse particular pela Relação não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça (art.º 662.º n.º 4 do Cód. Proc. Civil).

III- É residual a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no apuramento da factualidade relevante da causa, restringindo-se, afinal, a fiscalizar a observância das regras de direito probatório material, a determinar a ampliação da matéria de facto ou o suprimento de contradições sobre a mesma existentes.

IV- O uso de presunções não se reconduz a um meio de prova próprio, consistindo antes, como se alcança do art.º 349.º do Cód. Civil, em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos (factos de base) para dar como provados factos desconhecidos (factos presumidos).

V- A presunção traduz-se e concretiza-se num juízo de indução ou de inferência extraído do facto de base ou instrumental para o facto essencial presumido, à luz das regras da experiência, sendo admitida nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (art.º 351.º do Cód. Civil).

VI- Face à competência alargada da Relação em sede de impugnação da decisão de facto (art.º 662.º, n.º 1 do Cód. Proc. Civil), é ilícito à 2.ª instância, com base na prova produzida constante dos autos, reequacionar a avaliação probatória feita pela instância, nomeadamente no domínio das presunções judiciais, nos termos do n.º 4 do art.º 607.º, aplicável por via do art.º 663.º, n.º 2, ambos do Cód. Proc. Civil.

VII- Todavia, em sede de recurso de revista, a sindicância sobre a decisão de facto das instâncias em matéria de presunções judiciais é muito circunscrita, admitindo-se, ainda que com alguma controvérsia, que o Supremo Tribunal de Justiça apenas poderá sindicar o uso de tais presunções pela Relação se este uso ofender qualquer norma legal, se padecer de evidente ilogicidade ou se partir de factos não provados.» (sublinhado nosso).

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28-03-2019 (Proc. n.º 281648/11.7YIPRT.L1.S1):

«I. As presunções judiciais não se reconduzem a um meio de prova próprio, consistindo, antes, em ilações que o julgador extrai a partir de factos conhecidos para dar como provados factos desconhecidos, nos termos definidos no artigo 349.º do Código Civil.

II. O Supremo Tribunal de Justiça só pode censurar o recurso a presunções judiciais pelo Tribunal da Relação se esse uso ofender qualquer norma legal, se padecer de evidente ilogicidade ou se partir de factos não provados» (sublinhado nosso).

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24-10-2019 (processo n.º 56/14):

«IV - O Supremo tem apenas competências residuais para censurar a forma como o tribunal recorrido utilizou as presunções judiciais em três casos: ofensa de norma legal, violação evidente de regras elementares de lógica, ou se o tribunal recorrido firmar os factos desconhecidos a partir de outros que não estejam provados no processo».

Assim, tem-se entendido que este Supremo Tribunal só pode controlar o recurso pela Relação a presunções de facto ou de experiência se estas forem ilógicas, deduzidas de factos não provados ou contrárias à lei, o que no caso não sucede.

Em conclusão, considera-se provado por presunção judicial tirada pela Relação o requisito do nexo de causalidade, nos precisos termos em que o acórdão recorrido o fez e que coincidem com o segmento n.º 4 do AUJ n.º 8/2022:

«Atente-se que a autora contava, aquando do negócio, 86 anos de idade, mantinha com o réu uma relação de muitos anos e o réu sabia do seu perfil muito conservador e quem não investiria num produto com possibilidade, para mais forte, de perda do capital. «(... )Tivesse o réu cumprido os seus deveres de informação no âmbito do contrato de intermediação com a autora e esta não teria investido nas “Notes db...”».

11. Improcedem, em consequência, as conclusões FFF, GGG, HHH, III, JJ e KKK do recurso de revista do Banco réu.

Prescrição do direito da autora

12. Invoca o réu que o direito de a autora obter uma indemnização já prescreveu, pois que entre a data da subscrição do produto e a data da interposição da ação já decorreram mais de dois anos, não estando respeitado o prazo de prescrição, necessariamente curto, por razões de segurança jurídica, previsto no artigo 324.º do CVM.

O artigo 324.º do CVM, epigrafado «Responsabilidade contratual», dispõe no seu n.º 2, que, «Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respetivos termos».

Apesar de o prazo de o prazo de prescrição estar aparentemente cumprido à data em que a autora propôs a ação, a lei prevê que, em casos de dolo ou negligência grave, não se aplica o prazo de dois anos, sendo antes aplicável o prazo geral de prescrição de 20 anos, consagrado no Código Civil para a responsabilidade contratual.

Ora, da análise efetuada a propósito do dever de informação, decorre que a conduta do réu – não fornecer informação verdadeira e não entregar o documento com a informação escrita (IFI) – foi praticada com culpa grave. Trata-se de uma entidade bancária especializada e que devia estar preparada profissionalmente para atender clientes não qualificados, bem como para renunciar a estratégias de promoção dos produtos mais agressivas e com conteúdos erróneos. Assim, ao omitir as reais características do produto e ao atribuir-lhe outras, muito mais atraentes, mas não verdadeiras, o Banco agiu com culpa grave. E agiu dessa forma para obter um proveito a que não tinha direito, bem sabendo que se agisse como devia não conseguiria convencer a autora a investir nas “Notes db...”, dado o seu perfil muito conservador e a sua declaração de que não queria subscrever produtos com risco de perda de capital.

Dada a semelhança entre este caso e o decidido pelo Acórdão do Supremo tribunal de Justiça, de 17-03-2016 (70/13.1TBSEI.C1.S1), entende-se que, tal como aí, a autora foi vítima de “ técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com o intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto, nomeadamente se soubesse que nem sequer o capital investido era garantido”.

Assim, conclui-se que, no caso vertente, a violação culposa do dever de informação pelo Banco, demonstrada na matéria de facto, preenche o padrão da negligência grave ou grosseira, e, consequentemente, não se justifica considerar in casu como aplicável o prazo curto de prescrição fixado no artigo 324.°, n.° 2, do CVM, mas antes o prazo geral de prescrição mais alargado de 20 anos, e ao qual alude o artigo 309.° do Código Civil.

Por outro lado, os factos provados demonstram que a autora apenas começou a ter conhecimento das características do produto financeiro em questão e dos termos relevantes do negócio com as cartas que o réu lhe enviou em meados de 2016.

A ação foi intentada em 03/07/2017.

O direito da autora não está, portanto, prescrito.

Pelo que, também por este motivo, improcede a exceção de prescrição invocada pelo réu.

Improcede, assim, a conclusão PPP da alegação de recurso do Banco réu.

13. Incorre, pois, o Deutsch Bank na obrigação de indemnizar os herdeiros habilitados da autora, nos termos decididos pelo acórdão recorrido – 52.458,52 euros (reembolso do capital investido, depois de abatido o capital recuperado), montante a que acrescem juros à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da citação até integral pagamento – pois não veio questionado na revista, por nenhuma das partes, a extensão do dano indemnizável nem o seu cálculo.

Improcedem, pois, todas as conclusões do recurso de revista do réu.

14. Anexa-se sumário elaborado pela Relatora, de acordo com o n.º 7 do artigo 663.º do CPC:

I - Relativamente às obrigações subscritas no domínio de vigência do DL n.º 357-A/2007, de 31-10, não se aplica diretamente o AUJ N.º 8/2022 que foi proferido ao abrigo do CVM na sua versão originária. Todavia, há que ter em conta as orientações nele expressas, desde que não impliquem soluções mais desfavoráveis para o investidor do que as previstas no DL n.º 357-A/2007 quanto ao conteúdo do dever de informação.

II - Já quanto à questão de saber a quem compete o ónus da prova do incumprimento do dever de informação e do nexo causal, a orientação do AUJ é aplicável, pois não se verificou qualquer mudança legislativa que possa ter consequências na distribuição do ónus da prova.

III – Violou culposamente o dever de informação o banco, intermediário financeiro, que diz à investidora que o emitente do Produto Financeiro Complexo «notes db rendimento Portugal Telecom» é o Deutsche Bank, quando na verdade é uma empresa denominada de «db...» sediada na ..., e que o ativo subjacente a este produto eram obrigações da P..., quando as obrigações eram emitidas por uma das várias empresas do universo P..., a P...BV, com sede na ..., estando o produto sujeito ao risco de crédito desta e não da P....

IV – O dever de informação não se esgota no momento da celebração do contrato (subscrição do produto financeiro), mas abrange ainda a evolução do mercado e qualquer modificação do grau e da intensidade do risco.

V– É válida a presunção judicial deduzida pela Relação do facto provado segundo o qual a autora, pessoa de idade avançada (mais de 85 anos), tinha um perfil muito conservador e não queria correr riscos de perda do capital, para dar como demonstrado que, se o réu tivesse cumprido os seus deveres de informação no âmbito do contrato de intermediação com a autora, esta não teria investido nas “Notes db rendimento Portugal Telecom”.

III – Decisão

Pelo exposto, decide-se na 1.ª Secção deste Supremo Tribunal de Justiça negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 20 de junho de 2023


Maria Clara Sottomayor (Relatora)

Pedro de Lima Gonçalves (1.º Adjunto)

Maria João Vaz Tomé (2.ª Adjunta)