Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | HENRIQUES GASPAR | ||
Descritores: | DOCUMENTO FALSIDADE DE DEPOIMENTO OU DECLARAÇÃO NOVOS FACTOS NOVOS MEIOS DE PROVA RECURSO DE REVISÃO TESTEMUNHA | ||
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Data do Acordão: | 07/04/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO DE REVISÃO | ||
Decisão: | NEGADA A REVISÃO | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL - RECURSOS EXTRAORDINÁRIAS. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 449.º, N.º1, ALS. A ) E D). | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 7/7/2009, PROC. Nº 60/02.0TAMBR; -DE 7/9/2011, PROC. N.º 286/06.7PAPTM. | ||
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Sumário : | I - O recurso de revisão, como meio extraordinário para suscitar a reapreciação de uma decisão transitada em julgado, pressupõe que esta esteja inquinada por um erro de facto originado por motivos estranhos ao processo. II - A revisão tem o seu fundamento essencial na necessidade de evitar sentenças injustas, reparando erros judiciários, para fazer prevalecer a justiça substancial sobre a formal, ainda que com sacrifício do caso julgado. III -O fundamento previsto na al. a) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, pressupõe, pelo menos, como elemento constitutivo, uma sentença proferida em processo diverso daquele em que foi proferida a sentença cuja revisão é objecto do recurso extraordinário. IV -É insubsistente este fundamento quando o recorrente não refere qualquer outra decisão e se limita a alegar que a falsidade dos meios de prova decorre de serem falsas as declarações prestadas pela assistente na audiência de julgamento. V - O fundamento previsto na al. d) deste preceito é a existência de factos novos ou de novos meios de prova, que não tenham sido apreciados no processo que levou à condenação e que, sendo desconhecidos do tribunal na data do julgamento, possam ser susceptíveis de suscitar dúvidas sérias sobre a justiça da decisão. VI -Novos meios de prova são aqueles que são processualmente novos, ou seja, que não foram apresentados no processo da condenação, sendo indiferente a circunstância de a pessoa indicada se ter recusado a prestar declarações no exercício de um direito processual. VII - A novidade refere-se a meio de prova ─ seja pessoal, documental ou outro ─ e não ao resultado da produção. No caso de provas pessoais, a novidade refere-se à testemunha na sua identidade e não ao resultado da prova efectivamente produzida. VIII - Não é novo o meio de prova que foi produzido no julgamento e que o tribunal, no uso da sua livre apreciação, valorou para fundamentar a convicção sobre os factos. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça: 1. AA, interpõe recurso extraordinário de revisão de sentença transitada em julgado, ao abrigo do disposto nos art°s 449° n.1 alínea d), 450° n.° 1 alínea c) e 451.°, todos do Código de Processo Penal, invocando o seguinte fundamento jurídico-legal da revisão: «Numa lógica de aproximação do geral para o concreto», «in casu, o segmento do normativo susceptível de aplicação efectiva, reporta-se à alínea a) e alínea d) do n.° 1 do art.° 449.° do CPP». A alínea a) dispõe que se tiver considerado falsos meios de prova, que tenham sido determinantes para a decisão, é possível a revisão em nome da defesa; por sua vez, a alínea d) dispõe que se se descobrirem novos factos ou meios de prova, que, de per si, ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. Com base neste fundamento, não se pode pedir a revisão com fim único de se obter uma correcção da sentença penal aplicada, o que se almeja efectivamente é que por via da descoberta e da exposição de tais falsos meios de prova, se suscitem dúvidas sobre a justiça da condenação. Os novos factos ou meios de prova, que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitam graves dúvidas sobre a justiça da condenação e que tornam possível a revisão em nome da defesa consistem numa primeira linha. «O móbil do crime que o Tribunal considerou como bastante e suficientemente provado que o arguido quis matar a assistente, sua ex-mulher. Mas tal é amplamente desmontado quer pelo auto de notícia do acidente em causa, quer pelas declarações dos agentes da autoridade que consideraram tratar-se apenas e tão só de um acidente. Mas mais grave e deveras relevante ao que importa, a assistente mentiu descaradamente em tribunal. E induziu de igual forma o depoimento da pessoa que a acompanhava no seu carro, na altura do acidente. E fê-lo, para prejudicar deliberadamente o arguido, pessoa de quem se queria divorciar e deste modo poder livrar-se da presença do mesmo na sua vida. A Assistente, relativamente à qual se quer desde já, a sua audição, veio a reconhecer recentemente que mentiu em tribunal, aquando do seu depoimento, tendo por único fito, prejudicar deliberadamente o arguido. Tendo também confessado que de forma directa, influenciou o depoimento da BB, para que as declarações de ambas em tribunal, pudessem ser coincidentes e tão perfeitas que levassem à condenação do arguido. O que efectivamente veio a acontecer. Acontece porém e quiçá, num rebate de consciência, veio a revelar que, estava arrependida de ter dito o que disse em tribunal. Pois a versão por si apresentada, não corresponde à verdade dos acontecimentos. Tendo tomado tal atitude e postura em tribunal, porquanto na época, estava sedenta de vingança por o arguido não lhe dar o divórcio. Sendo aquela a única forma que lhe ocorreu, para tirar o arguido da sua vida. Tendo amadurecido esta vingança, ao longo dos meses que mediaram entre a ocorrência do acidente e a data do julgamento. Teve o tempo necessário e suficiente para arquitectar e preparar ao detalhe, a forma como iria depor. Bem sabendo que o seu depoimento iria seguramente pesar na decisão do tribunal. Depoimento que a assistente, reconhece ser falso. Tendo dito o que disse, apenas e tão só, por pura vingança. Não se coibindo mesmo assim, de ainda hoje, vangloriar-se de tal feito. Reconhecendo que, apesar de ter falseado a verdade, é o que o arguido merece. Mas uma verdade é incontornável: A assistente mentiu em tribunal, levou a testemunha BB a mentir de igual modo: E tem vindo a reconhecer em público que só não dirá o dito por não dito perante autoridade judicial, porque tem medo das consequências que tal possa vir a ter na sua vida, nomeadamente, eventual condenação por ter faltado à verdade em tribunal. No fundo e no que tange a este detalhe, o qual seja, a nova postura da assistente, é o mesmo fundamental para uma nova perspectiva sobre o que se discutiu em Julgamento, sendo por demais evidente que o arguido, em tempo algum, quisesse por termo à vida da assistente e que foi fundamental para que o Tribunal se convencesse que o arguido quis matar a assistente. Antes pelo contrário. A assistente, tão só congeminou um plano, alicerçado num meio acidente de viação, num plano maquiavélico em que ela era a vítima duma tentativa de homicídio. E o Tribunal «engoliu» o seu depoimento. Mas, talvez por remorsos, a assistente vem agora dizer algo bem diferente e reconhecendo que mentiu em tribunal. E tudo aquilo que até foi expendido, tem bastante prova documental. Na verdade, o arguido já havia recebido em tempos, uma série de sms enviados pela assistente, que vêem de forma inequívoca, demonstrar o plano maquiavélico que aquela arquitectou. Contudo, só agora conseguiu recuperar tais sms, porquanto e no meio de tantas atribulações peias quais tem passado, não se recordava onde tinha tais documentos. Mas, o que é vivo sempre aparece e eis que muito recentemente, ao arrumar documentos antigos, recuperou tais documentos que ora junta em folha de suporte como documento nº 1. E como diz o povo na sua ancestral sabedoria «mais vale tarde, que nunca». O recorrente não teve em tempo algum, qualquer ensejo em por termo à vida da assistente. Apenas e tão só, falar com ela. Reconhece que não o terá feito da forma mais correcta mas jamais quis colocar em perigo a vida daquela que é a mãe da sua filha. E é agora a assistente, que, finalmente, vem reconhecer algo tão simples quanto isto: “menti em tribunal deliberadamente, para prejudicar o AA, para o tirar da minha vida” Distorcendo a verdade dos factos com o seu depoimento, conduziu o Tribunal "a quo", a concluir da forma como conclui, com os elementos de que dispunha. Por outro lado, assume de igual forma importância o testemunho dos agentes da autoridade em classificarem o caso em apreço, como sendo um simples acidente de viação. O que vem agora e perante as recentes declarações da assistente, dar consistência ao presente recurso. Não agiu pois o arguido, de modo algum, de forma livre e consciente, com intenção de matar, como o Tribunal "a quo" considerou, verificando-se, no que tange a esta questão da determinação da culpa, uma errada valoração da prova produzida. Acresce ainda que o Acórdão de que se recorre, apresenta-nos um juízo de apreciação global que suscita, em nosso entender, raves e sérias dúvidas sobre a justiça da condenação. Pelo que se considera imprescindível, enquanto meio de prova e essencial para a descoberta da verdade material, para além da prova documental e a considerar pelo Tribunal, que sejam tomadas declarações ao arguido, à assistente, bem como todas as testemunhas arroladas nos presentes autos». 2. O recorrente requer ao abrigo do disposto no art.° 451° n.° 2 in fine e 453° n.°1 do C.P.P., que lhe sejam tomadas declarações, bem como das demais testemunhas a indicar, porquanto meio de prova indispensável para a descoberta da verdade. 3. O magistrado do Ministério Público respondeu à petição de recurso, concluindo: 1-ª Inexistem os invocados fundamentos da revisão de sentença (no caso dos autos, de acórdão): O que necessariamente tem de concluir-se dos termos do requerimento e das características do novo meio de prova, pretensamente de natureza documental, apresentado. 2-ª O recurso é manifestamente improcedente, devendo, em conformidade, ser indeferido o respectivo pedido de revisão. 4. «Tendo em consideração os fundamentos invocados pelo recorrente», foi considerado que não haveria que proceder a qualquer diligência probatória. Foi, consequentemente, indeferido o pedido para que se procedesse à tomada de declarações ao próprio, à assistente e de depoimentos a todas as testemunhas arroladas nos processo (art. 82º das alegações de recurso), «tanto mais que tais declarações e depoimentos foram já valorados em momento próprio» - art. 453o, n° 1, do Cód. de Proc. Penal. Foi prestada a Informação a que se refere o artigo 454º do CPP. Na Informação, o Senho Juiz entendeu que o alegado pelo recorrente não contém nenhum facto novo ou elemento de prova capaz de fundamentar ou alicerçar a pretendida revisão, sendo por isso de parecer que a mesma deve ser negada - art. 454º do Cód. de Proc. Penal. 5. No Supremo Tribunal, o Exmº Procurador-Geral teve intervenção nos termos do art.º 455º, nº 1 do Cód. Proc. Penal, considerando que não se verifica qualquer dos fundamentos invocados para a revisão. 6. Colhidos os vistos, o processo foi à conferência, cumprindo decidir. O recorrente invoca como fundamento do recurso de revisão as alíneas a) e d) do nº 1 do artigo 449º do CPP. Dispõe o artigo 449º, nº 1, do Código de Processo Penal que a revisão de uma sentença transitada em julgado é admissível quando a) «uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão», e d) «se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação». O recurso de revisão, como meio extraordinário para suscitar a reapreciação de uma decisão transitada em julgado, pressupõe que esta esteja inquinada por um erro de facto originado por motivos estranhos ao processo; a revisão tem o seu fundamento essencial na necessidade de evitar sentenças injustas, reparando erros judiciários, para fazer prevalecer a justiça substancial sobre a formal, ainda que com sacrifício do caso julgado. O fundamento previsto na alínea a) («uma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão»), independentemente das questões que possa suscitar e do âmbito e integração da noção «falsos meios de prova», pressupõe, pelo menos, como elemento constitutivo, uma sentença proferida em processo diverso daquele em que foi proferida a sentença cuja revisão é objecto do recurso extraordinário; «uma outra sentença» é, necessariamente, uma sentença diversa daquela cuja revisão se pretende (cf., por todos, acórdão do STJ de 7/7/209, proc. nº 60/02.0TAMBR, com indicação da variada jurisprudência). Mas sendo assim, como é elementar, o fundamento é imediatamente insubsistente. O recorrente não refere qualquer outra decisão, sendo que a «falsidade» dos meios de prova que considera estará na circunstância de, segundo alega, as declarações da assistente na audiência seriam falsas. Improcede, pois, este fundamento. O fundamento previsto na alínea d) é a existência de factos novos ou novos meios de prova, que não tenham sido apreciados no processo que levou à condenação e que, sendo desconhecidos do tribunal na data do julgamento, possam ser susceptíveis de suscitar dúvidas sérias sobre a justiça da decisão. São factos novos ou novos meios de prova os que não tenham sido apreciados no processo que levou à condenação, e que, sendo desconhecidos da jurisdição no acto do julgamento, permitam suscitar graves dúvidas acerca da culpabilidade do condenado; para efeito de fundamentar o pedido de revisão de decisões penais, os meios de prova são novos quando não foram administrados e valorados no processo que conduziu à condenação, embora não fossem ou pudessem não ser ignorados pelo arguido no momento em que o julgamento teve lugar (cfr., por todos, v. g.,os acórdão do STJ, de 7 de Setembro de 2011, proc. 286/06.7PAPTM, com exaustiva indicação de jurisprudência). Novos meios de prova são aqueles que são processualmente novos, ou seja, que não foram apresentados no processo da condenação. Se foram apresentados no processo da condenação, não são novos no sentido da “novidade” que está subjacente na definição da alínea d) no nº 1 do artigo 449º do CPP. A novidade, neste sentido, refere-se a meio de prova – seja pessoal, documental ou outro, e não ao resultado da produção. No caso de provas pessoais, a “novidade” refere-se à testemunha na sua identidade e individualidade e não ao resultado da prova efectivamente produzida. Por isso, afastada a novidade por o meio de prova pessoal ter sido apresentado e administrado no processo da condenação, é indiferente a circunstância de a pessoa indicada ter, legitimamente, recusado prestar declarações no exercício de um direito processual que lhe assiste. De outro modo, criar-se-iam disfunções sérias contra a estabilidade e segurança do caso julgado, abrindo caminho a possíveis estratégias probatórias moldadas por uma atitude própria da influência da “teoria dos jogos” no processo, se existisse a possibilidade de revisão, ou mesmo de pedir a revisão, quando, como atitude ou estratégia, o silêncio não tivesse contribuído para os resultados probatórias pretendidos. Deste modo, não é novo um meio de prova que foi produzido ou apresentado no processo do julgamento, e a que o tribunal, no uso da sua livre apreciação, valorou para fundamentar a convicção sobre os factos. O recurso extraordinário não pode ser usado para proceder a um rejulgamento com base nos mesmos factos e nas mesmas provas que determinaram a convicção do tribunal sobre a culpabilidade. 7. Nestes termos, nega-se a revisão – artigo 456º do CPP. Supremo Tribunal de Justiça, 4 de Julho de 2013 Henriques Gaspar (relator) Santos Cabral Pereira Madeira |