Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08A1873
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: PROCEDIMENTOS CAUTELARES
ALEGAÇÕES DE RECURSO
PROCESSO URGENTE
FÉRIAS JUDICIAIS
INTERRUPÇÃO DO PRAZO DE RECURSO
Nº do Documento: SJ200806030018736
Data do Acordão: 06/03/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - O carácter de urgência atribuído por lei aos procedimentos cautelares implica a não suspensão dos prazos para a prática de actos durante as férias judiciais.

II - A apresentação das alegações de recurso num procedimento cautelar é um acto praticado em processo que a lei define como urgente, logo tramita em férias, não valendo aí a regra geral de suspensão dos prazos.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


Recorrente “E...Construções P...C...e F...S.A.”

Recorrida – “M...C...Terraplanagens Ldª”.

Inconformada com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 6.4.2006 – fls. 471 – que, em conferência, confirmou o despacho do Ex.mo Relator que considerou deserto o recurso da ora recorrente no processo cautelar em questão, pelo facto de se ter considerado que, tratando-se de processo urgente, as alegações de recurso deveriam ter sido produzidas durante o período da férias judicias do Verão – o que a recorrente não fez por considerar suspenso tal prazo – interpôs ela o presente recurso.

Alegando, formulou as seguintes conclusões – fls. 549 a 551:

I. Verifica-se uma clara oposição de decisões entre o acórdão recorrido e os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto (Proc. nº200/05-2 de 07.02.06), do Tribunal da Relação de Lisboa (de 02.10.2005), do Tribunal da Relação de Coimbra (de 16/01/2001) e do Tribunal da Relação de Évora (de 07.10.2003 e 16.12.2003), in www.dgsi.pt.

II. Pois considerou o Tribunal a quo no Acórdão ora em crise que embora o art. 382° do Código de Processo Civil não distinga se a natureza da urgência nos procedimentos cautelares, tal característica não termina com a decisão em Primeira Instância, devendo estender-se à apreciação de recurso.

III. No entanto, a aqui Agravante entende que o carácter urgente dos procedimentos cautelares termina com a notificação e execução do despacho final proferido ou a proferir na primeira instância, onde juiz fez logo a sua summaria cognitio a respeito da necessidade ou não do decretamento da providência, uma vez que,

IV. O pressuposto do periculum in mora inerente aos procedimentos cautelares cessa com a decisão proferida em primeira instância, já que nem a oposição, nem o recurso suspendem a providência, a não ser que seja prestada caução pela parte requerida.

V. Neste sentido, e, face às interpretações que as decisões jurisprudenciais, de seguimento obrigatório, tinham percutido no art. 144° do Código de Processo Civil, caso o legislador pretendesse que, na fase de recurso, se mantivesse a natureza urgente, o teria dito e esclareceria quais os prazos razoáveis para a decisão, consentâneos com a relevância dos interesses em causa.

VI. Pelo que, a Agravante entende que a prática de actos processuais ou a não suspensão de prazos durante o período de férias judiciais são uma excepção à regra geral do art. 144° do Código de Processo Civil, insusceptível de interpretação extensiva a outros actos que se prolonguem para além da decisão proferida em Primeira Instância – cfr. nº2 do art. 382° do Código de Processo Civil.

VII. De outra banda, veio o Tribunal a quo indeferir o acórdão ora em crise, a admissão de recurso deduzido pela Agravante, alegando que (….) a “urgência” não pode terminar com a decisão em 1ª instância, esta bem pode agravar intoleravelmente o “periculum in mora”. Por isso, terá de se estender à apreciação em via de recurso”, e;

VIII. Justificando que “é por isso que existem “turnos de férias”, não sendo por acaso que o respectivo serviço incide, na quase totalidade, sobre os procedimentos cautelares…”

IX. Ora, sendo patente que o pressuposto do periculum in mora, inexiste nos presentes autos, inexiste, igualmente fundamentação de facto e de direito que sustente tal acepção no acórdão recorrido.

X. Pelo que, tal facto constitui uma nulidade nos termos do arts. 156°, n.°1, 158°, 660º, nº2 e 668°, nº1, als. b) e d), todos do Código de Processo Civil e ainda art. 205°, nºl, da Constituição da República Portuguesa.

Normas jurídicas violadas: do Código de Processo Civil: arts. 144°; 382°, 201°, n.°1, 203°, 205°, 156°, nº1, 158°; 660º, nº2, e 668°, n.°1, als. b) e d).
Da Constituição da República Portuguesa: art. 205°, n.°1.

Nestes termos deve ao presente recurso de agravo ser dado provimento e, em consequência, ser revogado o acórdão recorrido, sendo substituído por outro que o admita expressamente e seja fixada jurisprudência no que respeita à não extensão do carácter urgente nos procedimentos cautelares depois de proferida a decisão em Primeira Instância.

A recorrida contra-alegou, pugnando pela confirmação da decisão recorrida.

Porque desta decisão foi interposto recurso visando a prolação de Agravo Ampliado, que veio ser julgado deserto, também por falta de alegações, foi proferido o Acórdão de fls. 613 a 620 de 12.7.2007, que revogou a decisão que assim considerou – Acórdão da Relação de Lisboa de fls. 570 a 571, de 12.10.2006, pelo que importa apreciar aquele primeiro recurso, que tem por objecto saber se o carácter urgente do processo cautelar abrange a fase do recurso que, por isso, deve tramitar em férias.
***

Pelo Ex.mo Presidente deste Supremo Tribunal de Justiça, por douto despacho de fls. 657, foi indeferido o pedido de julgamento ampliado do agravo.
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Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que relevam os seguintes factos:

A) - Na Providência Cautelar Comum que teve como requerente e requerida, respectivamente, “M...C...Terraplanagens e Terraplanagens Ldª” e BNC-Banco Nacional de Crédito, S.A”, na procedência de tal providência, decidida em 12.8.2005, foi o requerido B.N.C. notificado para se abster de pagar à “E...” [ora recorrente] a garantia bancária, à primeira solicitação, número D000011328 de que contratualmente é beneficiária – cfr. decisão certificada a fls. 361 a 374, de 12.8.2005.

B) - Em 26.9.2205, a “E...” alegando ter tido conhecimento daquela decisão, que a prejudicava – art. 680º, nº2, do Código de Processo Civil – mas sem nunca referir em que data dela tinha tomado conhecimento, interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa – cfr. fls. 389 a 392.
C) - A fls. 421 a 422 verso, em 6.2.2006, o Ex.mo Relator, apreciando a “questão prévia” suscitada pela recorrida “M... Ldª, julgou extemporâneo tal recurso, por considerar que a recorrente deveria ter alegado em que data havia tomado conhecimento da decisão, e, por isso, não o admitiu.

D) - A fls. 428 a 433, em 21.2.2006, a “E...” reclamou – art. 700º, nº3, do Código de Processo Civil – pretendendo que sobre o despacho do Relator recaísse Acórdão em Conferência, ao mesmo tempo em que sustentava que o prazo para apresentar as alegações de recurso não corria em férias.

E) Depois da resposta da parte contrária, foi proferido Acórdão em 6.4.2006 – fls. 471 e verso – tendo a Conferência confirmado o despacho do Relator.

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber:

- se o carácter urgente da tramitação cautelar abrange a fase do recurso ou antes se suspende durante as férias judicias, in casu, de Verão;

- se o Acórdão é nulo;

- se viola a Constituição por falta de fundamentação.

Vejamos a 1ª questão.

“Os procedimentos cautelares são meios provisórios de tutela do direito, destinados a evitar o perigo de demora do desfecho definitivo de acções ou execuções, devendo o requerente provar: ser titular do direito, a existência de “justo receio” de que outrem cause ao direito tutelando, lesão grave e de difícil reparação”.

As Providências Cautelares – visam precisamente impedir que, durante a pen­dência de qualquer acção declarativa ou executiva, que a situação de facto se altere de modo a que a sentença nela proferida, sendo favorável, perca toda a sua eficácia ou parte dela.
Pretende-se deste modo combater o “periculum in mora” (o prejuízo da demora inevitável do processo) a fim de que a sentença se não torne numa decisão puramente platónica (Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, 2ª edição, 23).
Chama-se-lhes procedimen­tos e não acções porque carecem de auto­nomia – dependem de uma acção já pendente ou que vai ser seguidamente proposta pelo requerente (ibidem)”.

Dispõe o nº1 do art. 381º do Código de Processo Civil – (Procedimento Cautelar Comum):

“Sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado”.

Consigna o art. 382º do citado Código:

“1. Os procedimentos cautelares revestem sempre carácter urgente, precedendo os respectivos actos qualquer outro serviço judicial não urgente.
2. Os procedimentos instaurados perante o tribunal competente devem ser decididos, em lª instância, no prazo máximo de dois meses ou, se o requerido não tiver sido citado, de 15 dias”.

Nos termos do art. 144º,nº1, do mesmo Código, o prazo processual fixado na lei ou por despacho judicial é contínuo, suspendendo-se nas férias, excepto se a sua duração for igual ou superior a seis meses “ou se tratar de actos a praticar em processos que a lei considere urgentes”.

Sustenta a recorrente que o carácter urgente da tramitação cautelar apenas se aplica até ao momento do decretamento da decisão requerida, relacionando essa sua interpretação com o facto de, com a decisão de decretamento, se obstar ao “periculum in mora”, cessando aí o carácter de urgência.

Nem se diga que a lei – art. 381º, nº1, a) do Código de Processo Civil – ao conferir ao requerido o direito de recorrer nos “termos gerais”, não estabelece qualquer regra quanto aos prazos do recurso, pelo que a proposição “sempre”, constante do nº1 do art. 382º do Código de Processo Civil – “os procedimentos cautelares revestem sempre carácter urgente”, não se aplica ao recurso, pelo que nas férias judiciais – art. 12° da Lei nº3/99, de 13.1 – os prazos inerentes à tramitação recursiva se suspendem.

Salvo melhor opinião, esta não é a interpretação mais compaginável, quer com a atribuição de tramitação urgente aos processos cautelares, quer com o fim específico que visam (celeridade e decisão provisória), sendo, quiçá, infractora da norma constitucional que consagra o princípio da igualdade – art. 13º – e do acesso ao direito e aos Tribunais – art. 20º da Lei Fundamental – o entendimento, implícito, nas alegações da recorrente, que a tramitação urgente do processo cautelar apenas se refere aos casos em que a providência é decretada.

Não pode sufragar-se tal entendimento, porque o requerente que vê o procedimento indeferido tem interesse, de igual modo urgente, em ver a decisão reapreciada, em sede de recurso, porque o periculum in mora pode persistir, ou seja, não é pelo facto do procedimento ser indeferido que o requerente “perde” o direito à reapreciação urgente em sede de recurso.

Se assim não fosse entendido seria, infundadamente discriminado, em relação ao requerido, que poderia recorrer visando a revogação da decisão, recurso esse que, entendemos, tramitar em férias, porque a lei não distingue, entre a fase da tramitação cautelar e a fase recursiva, para desprover esta de urgência, apenas a atribuindo à tramitação de actos praticados na 1ª instância.

A lei processual civil, no art. 144º, nº1, refere-se a actos a praticar em processos urgentes, mandando que corram em férias.

A apresentação das alegações de recurso num procedimento cautelar é um acto praticado em processo que lei a define como urgente, logo tramita em férias, não valendo aí a regra de suspensão dos prazos.

Lopes do Rego, na obra infra citada, pág.150, em nota ao art. 144º do Código de Processo Civil, comenta:

“Não se suspendem, portanto, durante os dias que, nos termos das leis de organização judiciária, se integram nas férias judiciais todos os prazos processuais que respeitem a actos incluídos na tramitação de processos urgentes (v.g. procedimentos cautelares – art. 382.° - processos de recuperação da empresa e de falência – art. 10° do Código provado pelo DL nº132/93, de 23/4), independentemente da sua duração”.

Lebre de Freitas/Montalvão Machado/ Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. II, em nota ao art. 381º do Código de Processo Civil, ensinam:

“A expressa consagração do carácter urgente do procedimento cautelar, sem distinguir entre a fase que precede a decisão e a que se lhe segue, por via de recurso interposto pelo requerente ou pelo requerido ou por dedução de oposição ex. post, leva a concluir que respeita a todas as suas fases, devendo assim os actos do procedimento preceder sempre os actos a praticar em processos não urgentes”.

Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil “ Volume I, 2ª edição, pág.347, escreve:

“O regime estabelecido, em geral, para os procedimentos cautelares visou garantir simultaneamente a celeridade no decretamento das providências e a efectividade das mesmas, traduzida no seu acatamento pelos destinatários.
Nesta perspectiva, o nºl do preceito – que corresponde ao artigo 325° do Anteprojecto de 1993 – afirma explicitamente algo que já se considerava ínsito na natureza dos procedimentos: o seu carácter de processos urgentes, incluindo naturalmente a fase de recurso, com as consequências daí decorrentes, nomeadamente em matéria de prazos”.

E, na pág. 382, depois de aludir a divergências jurisprudenciais acerca da contagem do prazo na fase do recurso, opina:

“…A nosso ver, não há razão para afastar a urgência do procedimento quanto a qualquer fase do respectivo processo, que abarca as fases do recurso e da oposição: o que, como atrás se referiu, sucede é que o legislador conferiu uma tutela específica e acrescida a tal urgência na fase anterior ao decretamento da providência, impondo um prazo máximo para a prolação da decisão em 1ª instância”.

No mesmo sentido Abrantes Geraldes, in “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. III -1998 – págs. 116-117.

Também este STJ, em Acórdão de 28 de Setembro de 1999, in BMJ – 489-227 sentenciou:

“Os procedimentos cautelares revestem sempre carácter urgente — nºl do artigo 382° do Código de Processo Civil.
Por isso é que não se suspendem os prazos destes processos durante o período das férias judiciais, recursos incluídos”.

Pelo quanto expusemos, reafirmamos que o carácter de urgência atribuído por lei aos procedimentos cautelares implica a não suspensão dos prazos para a prática de actos durante as férias judiciais.

[Claramente neste sentido a Jurisprudência deste Tribunal, como no douto Parecer de fls. 654, indicou o Ex.mo Procurador-Geral da República Adjunto.
Assim na Jurisprudência da Secção Social – v. g., Acórdãos de 24.Nov.04, Proc. 2851/04-4, de 7 de Abril de 2005; Proc. 4128/04-4, de 28.Set.06, Proc. 2453/06-4, de 9. Jan.08, Proc. 4222/07-4 – e das Secções Cíveis – de 28. Set.99, Proc. 552/99, de 21.Dez.05, Proc. 3441/05-2, de 11.Jul.06, Proc. 2097/05-2, de 28.Set.06, Proc. 1701/06-6, encontrando-se, ainda, igualmente pendente, o Proc. 197/08, desta mesma 6ª secção (em sentido contrário, todavia, Acórdão de 19.Dez.06, Proc. 3778/05-7)].

Sustenta a recorrente que o Acórdão recorrido não se mostra fundamentado, o que constitui nulidade processual, e viola também o art. 205º, nº1, da Constituição da República.

Mas sem razão. É certo que o Acórdão não contém uma exaustiva fundamentação, sobretudo, de direito mas só enfermaria de nulidade, nos termos do art. 668º, nº1, b) do Código de Processo Civil, se tal omissão fosse absoluta no que se refere aos fundamentos de facto ou de direito – Ac. deste STJ, de 14.1.1993, BMJ, 423-519.

Tal omissão não existe. O Acórdão considerou, além do mais, o facto da existência dos turnos de férias se destinar ao despacho dos processos urgentes como são os procedimentos cautelares, fundamentando minimamente a decisão recorrida.

A recorrente, sem explicitar os motivos, afirma ainda a nulidade do Acórdão, citando o art. 668º, nº1, d) do Código de Processo Civil.

Nos termos de tal norma a decisão é nula – “ Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Assim a nulidade ali prevista pode ser por excesso de pronúncia ou por omissão.

Não explicitando a recorrente qual dos vícios entende conter a decisão, não pode este Tribunal, em bom rigor, considerar tal argumentação.

Todavia, sempre se dirá que, atento o objecto do recurso para o Tribunal da Relação, o Acórdão recorrido versou as questões suscitadas, e só elas, pelo que não se vislumbra nem excesso nem omissão de pronúncia.

A nulidade prevista na alínea d) do n.° l do mesmo art. 668.°, directamente relacionada com o comando do art. 660.°, n.° 2, servindo de cominação ao seu desrespeito, só existe quando a sentença deixa de conhecer de questões que devia decidir e não também quando apenas deixa de se pronunciar acerca de razões ou argumentos produzidos na defesa das teses em presença” – Ac. deste STJ, de 5.5.2005 – Proc. 05B839, in www.dgsi.pt.

A obrigação de fundamentação das decisões judiciais decorre de imperativo constitucional – art. 205, nº1, da Constituição da República – visando possibilitar aos destinatários da decisão o conhecimento dos fundamentos legais e factuais para poder ser controlada a respectiva legalidade.

Como se pode ler no “Manual de Processo Civil” do Professor Antunes Varela, Sampaio e Nora e J. Miguel Bezerra, 2ª edição, págs. 688/699:

“A nulidade da sentença carecida de fundamentação justifica-se por duas ordens de razões.
A primeira, baseada na função dos tribunais como órgãos de pacificação social, consiste na necessidade de a decisão judicial explicitar os seus fundamentos como forma de persuasão das partes sobre a legalidade da solução encontrada pelo Estado.
Não basta, nesse ponto, que o tribunal declare vencida uma das partes; é essencial que procure convencê-la, mediante a argumentação dialéctica própria da ciência jurídica, da sua falta de razão em face da Direito.
A segunda liga-se directamente à recorribilidade das decisões judiciais.
A lei assegura aos particulares, sempre que a decisão não caiba na alçada do tribunal, a possibilidade de impugná-la, submetendo-a à consideração de um tribunal superior. Mas, para que a parte lesada com a decisão que considera injusta a possa impugnar com verdadeiro conhecimento de causa, torna-se de elementar conveniência saber quais os fundamentos de direito em que o julgador a baseou.”

Como referem os mesmos tratadistas “...Não é indispensável, conquanto seja de toda a conveniência, que na sentença se especifiquem as disposições legais que fundamentem a decisão: essencial é que se mencionem os princípios, as regras, as normas em que a sentença se apoia...” – pág. 688.

Ora, analisando o Acórdão, dele consta fundamentação jurídica.

Quanto à alegada inconstitucionalidade por violação do art. 205º, nº1, da Lei Fundamental – falta de fundamentação da decisão judicial que não seja de mero expediente – pelas razões antes expressas não existe.

Como consta do Acórdão do Tribunal Constitucional de nº304/88, de 14.12, in BMJ, 382-231:

A fundamentação das decisões judiciais cumpre, em geral, duas funções:

a) uma, de ordem endoprocessual, que visa essencialmente impor ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica da decisão, permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação e ainda colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente;
b) outra, de ordem extraprocessual, que procura tornar possível um controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão, garantindo a transparência do processo e da decisão.

Nenhuma das duas funções apontadas no douto aresto do Tribunal Constitucional se mostra infringida.

Decisão:

Nestes termos nega-se provimento ao agravo.

Custas pela recorrente.

Supremo Tribunal de Justiça, 3 de Junho de 2008


Fonseca Ramos (Relator)
Cardoso de Albuquqerque
Azevedo Ramos