Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1256/17.5SGLSB.L2.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
RECLAMAÇÃO
DUPLA CONFORME
REJEIÇÃO DE RECURSO
Data do Acordão: 12/02/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
É inadmissível o recurso em que o arguido pretende reagir de um segundo acórdão da Relação, que se pronunciou sobre reacção processual que encetara contra o primeiro, quando este (primeiro) era já irrecorrível.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:



1. Relatório

1.1. No processo comum colectivo n.º 1256/17...., do Tribunal Judicial da Comarca de ...., juízo Central Criminal de ..., JUIZ ..., e ao que ora interessa, foi proferido acórdão a condenar, entre outros, o arguido AA como autor de um crime de homicídio qualificado tentado, dos arts. 14.°, n.º 3, 26.°,22.° n.ºs 1 e 2, al. b), 73.°,131.° e 132.°, n.ºs 1 e 2, al. e), do CP, na pena de cinco anos e quatro meses de prisão.

Na improcedência de recurso que interpôs da decisão de primeira instância,  foi esta (decisão de primeira instância) integralmente confirmada por acórdão da Relação ... de 20 de Fevereiro de 2020.

Mantendo-se inconformado, reagiu de novo o arguido, apresentando um requerimento junto do Tribunal da Relação ...., que denominou de “reclamação” e em que invocou nulidades da decisão, e que mereceu um segundo acórdão da Relação a rejeitar “por ser legalmente inadmissível, a reclamação apresentada pelo arguido AA” e a manter “na íntegra a decisão deste Tribunal da Relação, de 20 de Fevereiro de 2020”.

 Inconformado com esta segunda decisão, recorreu de novo o arguido, para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo:

“Não se conforma o Arguido/Recorrente com o Douto Acórdão proferido pelo Tribunal “a quo” em 10.09.2020, por via do qual rejeitou a “Reclamação” que apresentou, nos termos seguintes:

“(...) Resulta claro que do cabeçalho do requerimento apresentado pelo arguido AA, ali se faz a clara menção a RECLAMAÇÃO.

Ora esta, como se sabe só pode ser admitida após a prolação de uma decisão sumária, conforme claramente resulta do disposto no artigo 417º nº 8 do C.P.P., coisa que não aconteceu no caso dos autos, pois como é óbvio foi proferido um acórdão colegial, o qual não comporta qualquer reclamação nos termos sobreditos. (...)”

B) O Arguido/Recorrente apresentou o requerimento em apreço, visando, por seu intermédio, o reconhecimento de diversas nulidades que, em seu entender, enfermam o Acórdão proferido Tribunal “a quo” e que decidiu julgar improcedente o recurso interposto sobre a decisão de primeira instância (conforme se extraí da leitura de tal peça processual).

C) O Arguido/Recorrente não fez qualquer referência às disposições legais constantes dos artigos 425.º, n.º 4, 379.º e 380.º do C.P.P. e ao apelidá-la de “Reclamação”, fê-lo, evidentemente, em sentido lato, sem pretender estabelecer qualquer correspondência com tais disposições. Fê-lo do mesmo modo como poderia ter omitido essa denominação ou ter atribuído qualquer outra (como “Requerimento” ou “Arguição de Nulidades”).

D) Daí que, não podia tal peça processual ser entendida em sentido diverso daquele que efectivamente tinha, e que era o que nela se lê: invocação de nulidades do Acórdão (!). Pelo que, contrariamente à conclusão alcançada pelo Tribunal “a quo”, impunha-se a apreciação da peça processual apresentada pelo Arguido/Recorrente e, bem assim, das nulidades aí suscitadas. Mas, ainda que assim não se entenda, sempre se dirá que

E) Mesmo que a peça processual apresentada pelo Arguido/Recorrente se houvesse de ter por consubstanciar uma “Reclamação”, apenas e só por atendendo ao cabeçalho que lhe foi aposto, que, aliás, é o único argumento/razão invocada pelo acórdão para a não apreciação do seu teor, sempre se impunha a sua admissão e conhecimento pelo Tribunal “a quo”.

F) O Acórdão proferido e ora recorrido, ao rejeitar – sem mais – a peça processual apresentada pelo Arguido/Recorrente, afrontou directamente dois princípios fundamentais que, SMO, se impunham, também, ao Tribunal “a quo” na conformação do dever de gestão processual.

G) O Princípio do máximo aproveitamento possível dos actos processuais [n.º 3 do art. 122.º do CPP e art.º 193º do CPC (ex vie do art. 4.º do CPP)] e o Princípio da adequação formal, acolhida no art.º 547º do CPC (ex vie do art. 4.º do CPP), e que na hipótese dos autos nos parece particularmente pertinente.

H) 15. Ante a aposição de um título (e foi tão somente isso – um título) na peça processual apresentada diverso do fim com ela pretendido (e que, reitera-se, resulta do seu teor), não se poderia o mesmo ter por insuprível. Mas ainda que o fosse, sempre se teria de impor, em homenagem aos referidos princípios, a admissão de tal peça processual.

I) Atente-se que, o Tribunal não estava condicionado pela qualificação jurídica feita àquela peça processual pela parte apresentante, em desconformidade com a sua substância. Trata-se, no fundo, do cumprimento da regra, emergente do princípio da tutela jurisdicional efectiva, constitucionalmente consagrado, que manda privilegiar as decisões de mérito em detrimento das decisões de mera forma, e que corresponde ao dever de os tribunais providenciarem oficiosamente pelo andamento regular e célere do processo, determinando a prática dos actos que melhor se ajustem ao fim do processo (art. 411.º e 547.º do CPC, aplicável ex vie, art. 4.º do CPP), o que inclui a faculdade de convolação dos meios processuais incorrectamente utilizados.

J) Seguindo esse entendimento, pode ler-se no Douto Acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional, em sede dos autos n.º 445/06 que:

“(...) Nesta mesma linha jurisprudencial se inserem, por último, o Acórdão n.º 379/2006, que decidiu tratar como reclamação para a conferência um “requerimento de aclaração” de decisão sumária no qual não se apontava nenhum problema de interpretação desta, mas apenas se revelava discordância quanto à afirmação, nela contida, de que não fora definida pelo recorrente qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, e o Acórdão n.º 427/2006, que desatendeu arguição de nulidade do Acórdão n.º 362/2006, arguição fundada em este Acórdão ter decidido como reclamação para a conferência um requerimento designado por “arguição de nulidade” de decisão sumária, referindo o Tribunal que, não obstante tal requerimento não ter sido formalmente designado pelo requerente como “reclamação para a conferência”, a verdade é que, atento o seu conteúdo, era esse o meio processual a que correspondia, sendo, por outro lado, inquestionável, desde logo por força dos princípios da economia e da adequação processuais, que o tribunal que proferiu certa decisão tem o poder-dever de corrigir a incorrecta qualificação jurídico-processual de certa pretensão do recorrente, tratando-a nos quadros da reclamação para a conferência quando, em termos substanciais, apesar de invocadas pretensas ou ficcionadas nulidades, o que se pretende é a pura e simples impugnação da decisão sumária proferida. (...)”

K) E ainda, mutatis mutandis, no Douto Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 2/2010, cuja doutrina se continua a impor por força do disposto no n.º 3 do art. 193.º do CPC, a propósito da possibilidade de convolação do requerimento de interposição de recurso em reclamação, onde se conclui que “(…) A parte, ao apresentar o requerimento de recurso, manifestou a vontade de impugnar a decisão do relator, não devendo a apresentação ser entendida como manifestação específica da vontade de ver o tribunal superior apreciá-la. Se a lei prevê a impugnação apenas para a conferência, deve ser entendido, sem mais, que a intervenção desta está contida naquela manifestação de vontade. (…)” e que, nos termos antes expostos, sempre valeria para a situação dos presentes autos, designadamente no que tange ao poder/dever violado pelo Tribunal “a quo”.

L) Atentos os fundamentos supra-expostos, ter-se-á de concluir que a decisão proferida – e que rejeitou a peça processual apresentada pelo Arguido/Recorrente – enferma de nulidade, como prescrito na al. c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP.

M) Nulidade essa que o Arguido/Recorrente argui e arguiu perante o Tribunal “a quo” (por requerimento de 17.09.2020, sem provimento), mas que deverá ser reconhecida, revogando-se o Douto Acórdão recorrido (nessa parte), sendo substituído por decisão que determine a admissão e apreciação pelo Tribunal “a quo” da peça processual em questão.

N) Sendo que, ainda que tal falta – a não admissão da peça processual ou sua convolação – se houvesse de ter por consubstanciadora de mera irregularidade (o que não se concede e apenas por dever de patrocínio se admite), importará ter presente que a mesma foi tempestivamente arguida pelo Arguido/Recorrente junto do Tribunal “a quo”.

O) A interpretação do Tribunal “a quo” sobre as disposições legais constantes dos art. 425.º, n.º4, 379.º e 380.º do CPP e ainda do art. 417.º, n.º 8, no sentido de não admitir a peça processual apresentada pelo Arguido/Recorrente, porquanto “formalmente” titulada de Reclamação, em evidente arrepio da imposição do n.º 3 do art. 193.º do CPC (aplicável ex vie do art. 4.º do CPP), a manter-se, resulta violadora do princípio da tutela jurisdicional efectiva, consagrado nos artigos 20.° e 204.º, da Constituição da República Portuguesa, porquanto assenta num critério puramente formal (e que, em rigor nem se verificou), sobrepondo-o ao aspecto material, em clara contradição com o corolário da prevalência da justiça material sobre a justiça meramente formal e da descoberta da verdade.

P) Donde, além de nulo/irregular, é tal Acórdão, decidida e materialmente, inconstitucional, porquanto a interpretação nele plasmada sobre as citadas normas afronta as disposições constantes dos artigos 20.º e 204.º, da Constituição da República Portuguesa, impondo-se, como se alegou, a sua revogação e substituição por decisão que determine a admissão e apreciação pelo Tribunal “a quo” da peça processual apresentada pelo Arguido/Recorrente.

NESTES TERMOS E nos melhores de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, sendo o presente recurso julgado procedente, deverá ser:

A) Reconhecida a nulidade do Douto Acórdão proferido pelo Tribunal “a quo”, decorrente de omissão de pronúncia, nos termos do disposto no art. 379.º, n.º 1 al. c) do CPP, igualmente geradora de inconstitucionalidade por violação do disposto no art. 20.º e 204º da CRP, na parte em que não admitiu a peça processual apresentada pelo Arguido/Recorrente, por entendê-la como Reclamação, quando a mesma se reconduz à arguição de nulidades, ou

Caso assim não se entenda,

B) Ser reconhecida a nulidade do Douto Acórdão proferido pelo Tribunal “a quo”, decorrente de omissão de pronúncia, nos termos do disposto no art. 379.º, n.º 1 al. c) do CPP, igualmente geradora de inconstitucionalidade por violação do disposto no art. 20.º e 204º da CRP, na parte em que não determinou a convolação da Reclamação apresentada pelo Arguido/Recorrente em requerimento de arguição de nulidades, ou

Caso também assim não se entenda,

C) Ser reconhecida a irregularidade do Douto Acórdão recorrido, decorrente da não admissão da peça processual apresentada pelo Arguido/Recorrente (arguição de nulidades) igualmente geradora de inconstitucionalidade por violação do disposto no art. 20.º e 204º da CRP, e Em consequência, ser o Douto Acórdão recorrido parcialmente revogado (na parte atinente à não admissão da peça processual apresentada) e substituído por decisão que a admita e ordene o conhecimento pelo Tribunal “a quo” do alegado na peça processual apresentada pelo Arguido/Recorrente.”

O Ministério Público respondeu ao recurso pronunciando-se no sentido da improcedência, e concluindo:

“1ª A questão nuclear que vem gizada no Recurso, seu objecto afinal, é a invocada nulidade da Deliberação de 10.09.20, enquanto se demitiu de conhecer da Reclamação de 9.03.20, que, a par de pretensas nulidades (cometidas pelos Acórdãos da 1ª Instância, de 7.06.19, e da Relação......., de 20.02.20, que conferiu “dupla conforme” à 1ª Deliberação), suscitou, também, inconstitucionalidades.

2ª Tratando-se de Acórdão irrecorrível (arts 400.º, 1, e), e 432º, 1, b), CPP), somente poderia a Deliberação, de 10.09.20, ser impugnada por via dos mecanismos e fundamentos dos arts 425º,4, , 379º ou 380º, CPP, nunca por outro “incidente pós-decisório”, como aquele accionado pelo recorrente, vocacionado a sindicar decisões singulares (cfr. Arts 405º ou 417º, 8, CPP), que não actos colegiais (como é o caso do Acórdão de 10.09.20).

3ª O recorrente alega que somente usou o termo Reclamação no cabeçalho da peça de 9.03.20, e sem rigor terminológico, quando o texto, corpo e síntese da petição exuberantemente repetem aquela expressão (ver pontos 1, 5, 7, 61, 63, 64, 67 e 69. A conclusões A, B1, B2, C e D), evidenciando a real intenção processual, que aliás não se cinge a nulidades, abrangendo eventuais inconstitucionalidades, ultrapassando os limites impugnatórios permitidos pelo art 425º,4, CPP, dispositivo que, de resto, nunca surge assinalado na Reclamação, quando deveria ser o seu fundamento legal, se de meras nulidades somente pretendesse o reclamante, ora recorrente, reagir.

4ª Aliás, bem vista a estratégia do arguido (assistido por uma estrutura societária de advogados), ela revela uma teia complexa de incidentes reactivos (Recursos para o TC, STJ, Reclamações e arguição de nulidades), qual intrincada dinâmica processual, meios contemporâneos e incidentes sobre temática coincidente ou pelo menos conexa, resultando no não conhecimento ou inadmissão dos Recursos para o TC e STJ, e indeferimento ou não conhecimento de Reclamações (decisão do STJ de 4.12.20 e Acórdão desta Relação...... em 10.09.20), numa esgotante tarefa saneadora para que as Instâncias vêm sendo convocadas.

5ª Perpassando a ideia do arguido/reclamante/recorrente visar atípicos meios de controlo do mérito das decisões judiciais, protelando o efeito definitivo das mesmas, pelo que bem andou, nomeadamente, o Tribunal recorrido ao vedar o uso de um instituto grosseiramente inadequado, observando o Direito.”

Neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que acompanhou a resposta ao recurso e concluiu designadamente que “se o acórdão proferido em 20 de Fevereiro de 2020 era já irrecorrível, o Tribunal a quo bem andou ao considerar inadmissível a reclamação apresentada pelo arguido, que este pretendeu travestir com outro nome; tanto mais que se verificava já uma situação de dupla conforme.

Em suma, garantido que foi o duplo grau de jurisdição consagrado pelo art.º 32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, não pode o recorrente pretender uma terceira apreciação – garantia que aquele diploma lhe não concede – nem continuar a persistir numa interminável senda de incidentes que mais não visam que atrasar o cumprimento das decisões judiciais. Tudo isto extravasa, em muito, a observância das garantias de defesa legalmente previstas (…) o douto acórdão recorrido não é passível de impugnação, pelo que o recurso não deverá ser admitido.”

Na resposta ao parecer o arguido concluiu que “Deve o presente recurso ser admitido e julgado procedente, nos precisos termos peticionados, revogando-se parcialmente o Acórdão Recorrido (na parte atinente à não admissão da peça processual apresentada, arguindo nulidades), substituindo-se por decisão que admita e ordene o conhecimento pelo Tribunal “a quo” do alegado na peça processual apresentada pelo Arguido/Recorrente” e teve lugar a conferência.

1.2. O acórdão recorrido tem o seguinte teor:

“No processo 1256/17...., do Tribunal Judicial da Comarca de ...., juízo Central Criminal de ...- JUIZ ..., decidiu-se condenar os arguidos, todos devidamente identificados nos autos, julgando-se a pronúncia procedente, nos seguintes termos:

Condenar BB pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 14.°, n.º 3, 26.°, 22.°, n.ºs 1 e 2, al. b), 73.°, 131.° e 132.°, n.ºs 1 e 2, al. e), do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão;

Condenar CC pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 14.°, n.º 3, 26.°,22.°, n.ºs 1 e 2, al, b), 73.°, 131.° e 132.°, n.ºs 1 e 2, al. e), do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão;

Condenar AA pela prática, em autoria material, de um crime de homicídio qualificado na forma tentada, p. e p. pelos artigos 14.°, n.º 3, 26.°,22.° n.ºs 1 e 2, al. b), 73.°,131.° e 132.°, n.ºs 1 e 2, al. e), do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de prisão;

Condenar BB e AA, solidariamente, no pagamento

- DD de 12,747,50 € (doze mil, setecentos e quarenta e sete euros e cinquenta cêntimos), acrescidos de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a data da leitura deste acórdão - 07.06.2019 - até ao integral pagamento dessa quantia, absolvendo-os do remanescente peticionado por este demandante;

- CENTRO HOSPITALAR ……, EP.E, de 362,37 € (trezentos e sessenta e dois euros e trinta e sete cêntimos), acrescidos de juros de mora, calculados, à taxa legal, desde a data da notificação do correspondente pedido de indemnização até ao integral pagamento dessa quantia.

Condenar CC no pagamento a:

-     EE de 7.500 € (sete mil e quinhentos euros), acrescidos de juros de mora, calculados à taxa legal, desde a data da leitura deste acórdão - 07.06.2019 -até ao integral pagamento dessa quantia, absolvendo-o do remanescente peticionado por este demandante;

-    CENTRO HOSPITALAR ………., E.P.E., de 179,07 € (cento e setenta e nove euros e sete cêntimos), acrescidos de juros de mora, calculados, à taxa legal, desde a data da notificação do correspondente pedido de indemnização até ao integral pagamento dessa quantia.

Condenar os arguidos BB, CC e AA no pagamento, cada um, de 6 UC de taxa de justiça e demais custas criminais.

Condenar os demandados BB e AA no pagamento das custas cíveis, na totalidade quanto ao pedido de indemnização deduzido pelo demandante CENTRO HOSPITALAR .........., E.P.E. (362,37 € - trezentos e sessenta e dois euros e trinta e sete cêntimos), e na proporção do respectivo decaimento quanto ao pedido de indemnização deduzido pelo demandante DD (no que se refere à quantia de 12.747,50 € - doze mil, setecentos e quarenta e sete euros e cinquenta cêntimos), sendo a responsabilidade deste demandante quanto a 92.424,50 € - noventa e dois mil, quatrocentos e vinte e quatro euros e cinquenta cêntimos.

Condenar o demandado CC no pagamento das custas cíveis, na totalidade quanto ao pedido de indemnização deduzido pelo demandante CENTRO HOSPITALAR .........., E.P.E. (179,07 € - cento e setenta e nove euros e sete cêntimos), e na proporção do respectivo decaimento quanto ao pedido de indemnização deduzido pelo demandante EE (no que se refere à quantia de 7.500 € - sete mil e quinhentos euros), sendo a responsabilidade deste demandante quanto a 42.500 € - quarenta e dois mil e quinhentos euros.

Inconformados os arguidos interpuseram cada um o seu recurso da decisão proferida na primeira instância para o Tribunal da Relação .... tendo este Tribunal Superior (competente para sobre eles conhecer) confirmado a decisão da primeira instância, por acórdão datado de 20 de fevereiro de 2020.

Neste conspecto, e previamente à prolacção do sobredito acórdão, veio o arguido AA requerer e ao abrigo do artº 411 nº 5 do C.P.P. a audiência de julgamento, a qual teve lugar neste Tribunal, em 16.01.2020 (tendo sido dado cumprimento ao disposto no artigo 416º nº 2 do C.P.P.), com a presença não só do/a ilustre mandatário/a do arguido AA, mas também dos/as dois ilustres mandatários/as dos demais arguidos conforme se pode constatar da acta de audiência de folhas 2408 destes autos.

Após a prolacção do acórdão pelo TR...., verifica-se que: (…)

Por seu turno, o arguido AA vem apresentar uma reclamação a folhas 2655 até 2662. (…)

C) 0 arguido AA, Arguido/Recorrente, devidamente identificado nos autos, tendo sido notificado do Douto Acórdão proferido, vem, mui respeitosamente, sobre ele apresentar RECLAMAÇÃO, como já acima se anotou e se deixou exarado, encontrando-se esta reclamação a folhas 2655 até 2662 destes autos dando-se por aqui reproduzida na integra o seu conteúdo.

O processo seguiu os seus termos legais.

Cumpre então decidir em conferência. (…)

C) Reclamação apresentada pelo arguido AA

Consabidamente, e como é de fácil entendimento, a legal concessão ao respectivo sujeito passivo do direito de acionamento do mecanismo jurídico-processual de reclamação para a conferência (prevenida sob os arts. 417.º, n.° 8, do CPP), e da consequente manifestação de vontade de desencadeamento de colegial revisão do acto reclamado não comporta e, ou pressupõe qualquer legitimação de eventual desautorização do relator, fundada nalgum ideado critério de força/autoridade resultante de virtual somatório de diferentes sensibilidades da maioria no âmbito do processo penal de dois desembargadores: relator, e adjunto, (cfr. art.º 419.-, ns. 1 e 2, do CPP), mas antes, evidentemente, tão-só a oportunidade para a respectiva submissão a plural escrutinação da sua (despacho reclamado] racional conformação à adequada legalidade, pela deliberativa avaliação de pertinente, esclarecida e precisa argumentação técnico-jurídica que o reclamante necessária e responsavelmente aduza no respectivo acto reclamativo, no sentido demonstrativo da objectiva ilicitude da concernente decisão do relator, posto que, pela própria natureza e definição, a figura jurídica de reclamação, sempre se haverá que constituir numa especial prerrogativa legal-procedimental de controlo, de fundamentada impugnação do acto decisório a que se reporte, posta à disposição do destinatário que por ele se considere prejudicado, tendente à referente revogação, modificação ou substituição, por eventual ilegalidade, por si exercitável, se e enquanto se não tiver conformado expressa ou tacitamente com o atinente acto.

Com efeito, como decorre da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.° 109/X, a reforma do Código de Processo Penal introduzida pela Lei n.9 48/2007, visou racionalizar o funcionamento dos tribunais superiores, "promovendo-se uma maior intervenção dos juízes que os compõem a título singular".

Daí que, deixando de ser obrigatório o julgamento, o tribunal de recurso passou a funcionar em três níveis:

1 - Decisões da competência do relator, incumbindo ao relator proferir decisão sumária sempre que alguma circunstância obstar ao conhecimento do recurso, este deva ser rejeitado, existir causa extintiva do procedimento ou da responsabilidade criminal que ponha termo ao processo ou seja o único motivo do recurso, ou a questão a decidir já tiver sido judicialmente apreciada de modo uniforme e reiterado - art. 417º n.º 6 - a) a d);

2 - Decisões em conferência (se não for possível proferir decisão sumária e funcionando com uma composição mais restrita, já que engloba apenas o presidente da secção, o relator e um adjunto - art. 419º);

3 - Decisões em julgamento (apenas quando requerido - arts. 41 lº n.9 5 e 423°).

(vide aqui a decisão do TRL de 27.01.2016,, in www. dgsi.pt e também neste sentido o Ac do STJ de 2-10-2003, no processo nº 2453/2003)

• Destartes temos por certo e em linhas simples que, das decisões proferidas singularmente cabe reclamação (art. 652º, nº 3 do CPC) para a conferência, que é composta pelo colectivo a quem caberia a apreciação do recurso se não houvesse sido proferida decisão singular ( art. 652º, nº 2 do CPC).

Ou seja a regra de funcionamento nos Tribunais da Relação é a da colegialidade, mas não sendo caso disso, e estando expressamente previsto na lei, exara-se que de todas as decisões singulares do Desembargador relator caberá, em princípio, reclamação para a conferência (art. 652º, n9 3 do CPC), para que venha a recair um acórdão sobre a decisão singular.

E das decisões tomadas em Conferência cabe então recurso, nos termos gerais (art. 652º, nº 5, al. b), do CPC).

Então em processo crime, após a prolação de acórdão em conferência, a lei só possibilita ao recorrente a apresentação de requerimento em que invoque nulidades da sentença ou peça a sua correcção, atento o disposto no art.° 425.º, n°4, art.° 379.º e artº 380.º, todos do CP. Penal, com eventual recurso a normas do CP. Civil, nos casos possíveis, atento o vertido no art° 4° do CP. Penal, mas não comporta dedução de uma reclamação após a prolacção de um acórdão ( colegial portanto...) proferido e no caso dos autos por este Tribunal.

Resulta claro que do cabeçalho do requerimento apresentado pelo arguido AA, ali se faz a clara menção a RECLAMAÇÃO.

Ora esta, como se sabe só pode ser admitida após a prolacção de uma decisão sumária, conforme claramente resulta do disposto no artigo 417º nº 8 do C.P.P., coisa que não aconteceu no caso dos autos, pois como é óbvio foi proferido um acórdão colegial, o qual não comporta qualquer reclamação nos termos sobreditos.

Nestes termos e pressupostos, não é viável o conhecimento da reclamação apresentada pelo arguido AA, devendo a mesma ser rejeitada, o que se declara.

DECISÃO Nestes termos, indefere-se a existência de quaisquer nulidades e/ou inconstitucionalidades, mantendo-se na íntegra a decisão desta Relação de 20 de Fevereiro de 2020, indeferindo-se concomitantemente os pedidos de declaração de nulidade/inconstitucionalidades do acórdão, apresentado pelos arguidos, BB e CC, mantendo-se na íntegra a decisão deste Tribunal da Relação de 20 de fevereiro de 2020.

Rejeita-se por ser legalmente inadmissível, a reclamação apresentada pelo arguido AA.”


2. Fundamentação

Como se começou por enunciar, o recorrente foi  condenado em primeira instância na pena de cinco anos e quatro meses de prisão (como autor de um crime de homicídio qualificado tentado, dos arts. 14.°, n.º 3, 26.°,22.° n.ºs 1 e 2, al. b), 73.°,131.° e 132.°, n.ºs 1 e 2, al. e), do CP), e esta pena foi integralmente confirmada por acórdão da Relação ... de 20 de Fevereiro de 2020.

É clara e indiscutível a irrecorribilidade desta decisão – a irrecorribilidade do acórdão que decidiu o recurso interposto da decisão de primeira instância -, atenta a medida da pena aplicada e a existência de dupla conforme.

Com efeito, o art. 400.º do CPP é uma norma de excepção ao regime-regra de recorribilidade dos acórdãos, das sentenças e dos despachos, regime-regra previsto no art. 399.º do CPP. E da limitação do direito ao recurso consagrada na norma legal em causa (o art. 400.º do CPP), designadamente do seu n.º 1, al. f), decorre que não é admissível recurso  “de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão da 1ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”.

Por consagração legal expressa, afirmada à exaustão na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, só é admissível recurso de decisão confirmatória da Relação quando a pena aplicada for superior a oito anos de prisão, só podendo constituir assim objecto de conhecimento do recurso interposto para o Supremo as questões que se refiram a condenação(ões) em pena superior a oito anos (seja pena parcelar ou pena única, mas exigindo-se sempre que sejam superiores a oito anos).

E a jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça é bem ilustrativa da interpretação do art. 400.º, n.º 1, al. f), nas variantes e desenvolvimentos que, em concreto, nem se justifica detalhar muito, atenta a clareza da situação de irrecorribilidade da decisão sub judice.

Como se pode começar por ler no acórdão do STJ de 14.01.05 (Rel. Oliveira Mendes), “I - Face à redacção da al. j) do n.º 1 do art. 400.º vem o STJ entendendo, de forma constante e pacífica, só ser admissível recurso de decisão confirmatória da Relação no caso de a pena aplicada ser superior a 8 anos de prisão, quer estejam em causa penas parcelares ou singulares quer penas conjuntas ou únicas resultantes de cúmulo.

II - Mais vem entendendo que, estando o STJ impedido de sindicar os acórdãos confirmatórios da Relação no caso de a pena aplicada não ser superior a 8 anos de prisão (quer as penas singulares quer a pena conjunta), obviamente que está impedido, também, de exercer qualquer censura sobre a actividade decisória prévia que subjaz e conduziu à condenação.

E prossegue-se no acórdão do STJ de 14-05-2015 (Rel. Nuno Gomes da Silva), que  “II -Nos termos do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, havendo uma decisão do Tribunal da Relação que mantém integralmente a decisão da 1.ª instância que aplicou penas parcelares inferiores a 8 anos de prisão – a chamada dupla conforme – o recurso para o STJ só é admissível quanto à medida da pena única caso esta exceda 8 anos de prisão.

V - Ora, no caso presente, o recurso tinha um propósito específico (qualificação jurídica) e foi apresentado com um âmbito (o dos crimes parcelares) relativamente ao qual, por força do caso julgado já formado, a discussão está encerrada, sendo, assim, de rejeitar na totalidade o recurso.”

Reitera-se no acórdão do STJ de 11.07.2019 (Rel. Raul Borges) que “II - Este STJ tem entendido que, em caso de dupla conforme, à luz do art. 400.º, n.º 1, al. f), do CPP, são irrecorríveis as penas parcelares, ou únicas, aplicadas em medida igual ou inferior a oito anos de prisão e confirmadas pela Relação, restringindo-se a cognição às penas de prisão, parcelares e/ou única, aplicadas em medida superior a oito anos de prisão.

IV - Esta solução quanto a irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelo Tribunal da Relação, enquanto confirmativas da deliberação da primeira instância, que tenha aplicado pena de prisão igual ou inferior a oito anos, não ofende qualquer garantia do arguido, nomeadamente, o direito ao recurso, expressamente incluído na parte final do n.º 1 do art. 32.º da CRP pela 4.ª Revisão Constitucional (introduzida pela Lei Constitucional 1/97, de 20-09 - DR, I-A, n.º 218/97, de 20-09-1997, entrada em vigor em 05-10-1997).”

Também no acórdão do STJ de 11.03.2020 (Rel. Nuno Gonçalves) se desenvolveu que “só é admissível recurso de decisão confirmatória da Relação quando a pena aplicada for superior a 8 anos de prisão, quer estejam em causa penas parcelares ou singulares, quer penas conjuntas ou únicas resultantes de cúmulo jurídico. Irrecorribilidade que é extensiva a todas as questões relativas à atividade decisória que subjaz e que conduziu à condenação, incluída a fixação da matéria de facto, nulidades, os vícios lógicos da decisão, o princípio in dubio pro reo, a escolha das penas e a respetiva medida. Em suma, todas as questões subjacentes à decisão, submetidas a sindicância, sejam elas de constitucionalidade, substantivas ou processuais, referentes à matéria de facto ou à aplicação do direito, confirmadas pelo acórdão da Relação, conquanto a pena aplicada, parcelar ou conjunta, não seja superior a 8 anos de prisão. Trata-se de jurisprudência uniforme destes Supremo Tribunal, adotada e seguida no recente Ac. de 19/06/2019, desta mesma secção, onde se decidiu: “As questões subjacentes a essa irrecorribilidade, sejam elas de constitucionalidade, processuais e substantivas, enfim das questões referentes às razões de facto e direito assumidas, não poderá o Supremo conhecer, por não se situarem no círculo jurídico-penal legal do conhecimento processualmente admissível, delimitado pelos poderes de cognição do Supremo Tribunal”.

E na fundamentação do acórdão do STJ de 29.04.2015 (Rel. Raul Borges) encontra-se referência a abundante jurisprudência do TC no sentido da conformidade constitucional do entendimento exposto. Assim, pode ler-se ali:

“O Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar que o direito ao recurso como garantia de defesa do arguido não impõe um duplo grau de recurso.(…)

A constitucionalidade da norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, na actual redacção, na medida em que condiciona a admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça aos acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, foi apreciada pelo Tribunal Constitucional, que decidiu não a julgar inconstitucional – acórdão n.º 263/2009, de 25 de Maio, processo n.º 240/09-1.ª Secção (Acórdãos do Tribunal Constitucional – ATC –, volume 75, pág. 249), acórdão n.º 551/2009, de 27 de Outubro - 3.ª Secção, versando a questão, inclusive, ao nível do artigo 5.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do artigo 5.º do CPP (ATC, volume 76, pág. 566), acórdão n.º 645/2009, de 15 de Dezembro, processo n.º 846/2009 - 2.ª Secção (ATC, volume 76.º, pág. 575 - em sumário e com referência ao artigo 5.º, n.º 2, do CPP), o infra mencionado acórdão n.º 649/2009, de 15 de Dezembro - 3.ª Secção, confirmando decisão sumária que emitiu juízo de não inconstitucionalidade (ATC, volume 76, pág. 575, igualmente em sumário), e acórdão n.º 174/2010, de 4 de Maio, processo n.º 159/10-1.ª Secção.

No recurso que agora interpôs, o arguido pretende reagir de um segundo acórdão da Relação, que se pronunciou sobre a reacção processual que encetou contra o primeiro. Mas, como pertinentemente referiu o Senhor Procurador-Geral Adjunto no parecer “se o acórdão proferido em 20 de Fevereiro de 2020 era já irrecorrível, o Tribunal a quo bem andou ao considerar inadmissível a reclamação apresentada pelo arguido, que este pretendeu travestir com outro nome; tanto mais que se verificava já uma situação de dupla conforme. Em suma, garantido que foi o duplo grau de jurisdição consagrado pelo art.º 32.º, n.º 1 da CRP, não pode o recorrente pretender uma terceira apreciação – garantia que aquele diploma lhe não concede – nem continuar a persistir numa interminável senda de incidentes que mais não visam que atrasar o cumprimento das decisões judiciais. Tudo isto extravasa, em muito, a observância das garantias de defesa legalmente previstas (…) o douto acórdão recorrido não é passível de impugnação.”

E perante tão manifesta irrecorribilidade da decisão que se pretende impugnar, seja qual for o fundamento desta nova impugnação nada mais se justifica aditar. Pois conhecer do fundamento invocado pressuporia sempre a viabilidade formal prévia desse conhecimento, ou seja, a recorribilidade da decisão impugnanda.


3. Decisão

Face ao exposto, acordam na 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em rejeitar recurso por inadmissibilidade, face à irrecorribilidade da decisão (arts. 414.º, n.º 2 e 420.º, n.º 1., al. b) do CPP).

Custas pelo recorrente, que se fixam em 5 UC, acrescendo a importância de 3 UC’s (art. 420.º, n.º 3, do CPP) .


Lisboa, 02.12.2021


Ana Barata Brito, relatora

José Luís Lopes da Mota, adjunto