Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B4057
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: FERREIRA DE ALMEIDA
Descritores: CONSUMIDOR
PROTECÇÃO DO CONSUMIDOR
RESPONSABILIDADE CIVIL
PRODUTO DEFEITUOSO
Nº do Documento: SJ200501130040572
Data do Acordão: 01/13/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL COIMBRA
Processo no Tribunal Recurso: 431/04
Data: 04/27/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I. Apenas se considera consumidor para efeitos da Lei da Defesa do Consumidor aprovada pela L 24/96 de 31/7(LDC) todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.
II. E especificamente no que tange às normas do DL 383/89 de 6/11 (Responsabilidade Civil do Produtor por Coisas Defeituosas) só são ressarcíveis os danos resultantes de morte ou lesão pessoal e os danos em coisa diversa do produto defeituoso, desde que seja normalmente destinada ao "uso ou consumo privado" e o lesado lhe tenha dado principalmente este destino.
III. A "ratio essendi" dessa última estatuição normativa é proteger apenas o consumidor em sentido estrito, ou seja, aquele que utilize a coisa destruída ou determinada pelo produto defeituoso para um fim privado, pessoal, familiar ou doméstico, que não para um fim profissional ou um actividade comercial.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1. "Companhia de Seguros A", intentou, com data de 19-7-01, no Tribunal da comarca de Albergaria-a-Velha, acção ordinária contra "B, Caixas Isotérmicas, Lda., e "C", Lda", com os fundamentos a seguir enunciados por forma abreviada:

- em cumprimento de um contrato de seguro, do tipo mercadorias transportadas, celebrado com "D", Transportes, Lda" pagou os prejuízos sofridos por esta no valor de 5.528.615$00, encontrando-se, assim, sub-rogada nos direitos da dessa segurada;

- tais prejuízos cifraram-se na perda total de mercadoria transportada pela segurada (gelados) do estrangeiro para uma empresa portuguesa, em semi-reboque frigorífico, este de marca representada em Portugal pela 2ª Ré, adquirido em estado novo pela segurada à 1ª ré, havia 4 meses;

- a mercadoria deteriorou-se em virtude de o sistema de frio ter avariado devido a defeito de construção da caixa isotérmica onde era transportada a carga.
Concluiu pedindo fossem as RR condenadas a pagarem-lhe a quantia de 5.528.615$00, acrescida de juros à taxa legal desde a citação.

2. Contestou a ré B:
- por excepção, invocando a caducidade do direito de a D e de a Ré accionarem a contestante, nos termos dos art°s 921°, n° 4, do C.Civil e 12°, n° 3, da Lei n° 24/96, de 31/7 e a ilegitimidade da A.;
- e, por impugnação, sustentando não ter sido qualquer defeito ou avaria da caixa isotérmica por ela fabricada que deu origem aos supostos prejuízos e ao pagamento da indemnização referida na p.i.
3. Contestou também a ré C:
- por excepção, invocando a caducidade do direito e a sua ilegitimidade;
- e, por impugnação, defendendo que a responsabilidade do transporte da mercadoria competiria à transportadora "D", Lda, e a obrigação de reparação do equipamento à Thermo King.
4. Respondeu a A. à matéria das excepções, defendendo a sua improcedência.

5. No despacho saneador foram julgadas improcedentes as excepções de ilegitimidade activa e passiva e de caducidade do direito de acção contra a Ré C, mas julgada procedente a de caducidade do direito da acção contra a ré B, com absolvição desta do pedido.

6. Elaborada a base instrutória sem reclamações, procedeu-se ao julgamento, com gravação da prova e, a final, proferida sentença, com data de 15-7-03, pelo Mmo Juiz da Comarca de Albergaria-a-Velha, pela qual a acção foi julgada parcialmente procedente, com a consequente condenação da ré C a pagar à A. a quantia de 27.227,46 €.

7. Inconformada, apelou a Ré C (Portugal), tendo o Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 27-4-04, concedido provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e absolvendo essa Ré do pedido.

8. Inconformada agora a seguradora "A", SA" com tal aresto, dele veio a mesma recorrer de revista para este Supremo Tribunal, em cuja alegação formulou as seguintes conclusões:

1ª- A A. invocou o seu direito a ser indemnizada, nomeadamente, ao abrigo do disposto no n°4 do art° 12° da lei 24/96 - vide art°23° da p.i.;

2ª- Tendo provado os factos necessários para o efeito.

3ª- Sendo certo que o legislador ao atribuir esse direito à indemnização (n° 4 do art° 12° da L 24/96) ao consumidor prejudicado pelo produto defeituoso, ainda na fase da garantia, o fez no pressuposto de que o produtor agiu com culpa ao lançar no mercado esse produto;

4ª- Competia, por isso, à R invocar e provar factos de modo a iludir tal presunção de culpa, de acordo com o preceituado no n° 5 do referido art° 12° da L° 24/96;

5ª- O que a R. não fez;

6ª- Em consequência, não pode a mesma beneficiar do regime da responsabilidade pelo risco, regulado no DL 383/89, regime esse que lhe era mais favorável,

7ª- E por isso não é aplicável ao direito à indemnização em litigio, o regime disposto no n° 1 do art° 8° do DL 383/89;

8ª-O que torna despicienda a sua análise;

9ª- À cautela sempre se dirá, aliás na esteira da tese perfilhada na douta sentença proferida na primeira instância, que tal norma só exclui a indemnização dos danos provocados em coisas de uso não privado, o que não é obviamente o caso;

10ª- No douto acordo sob recurso não foram devidamente interpretadas e aplicadas as normas contidas no n° 4 e 5° da L 24/96 e n°1 do art° 8° do DL 383/89;

9. Contra-alegou a Ré "C (Portugal) sustentando a correcção decisória do acórdão absolutório, para o que formulou as seguintes conclusões:
1ª- A Lei da Defesa do Consumidor não é aplicável ao caso concreto, quer porque a ora recorrente não é considerada consumidor para os efeitos previstos no diploma legal, quer porque, no caso concreto, e como bem foi decidido em sede de 1ª instância, não é relevante o prazo de garantia, legal ou convencional;
2ª- Apenas se considera consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios;

3ª- A lei da defesa do consumidor não é aplicável à situação concreta, dado que os fornecimentos se destinavam ao exercício de uma actividade comercial e, portanto, a um uso profissional, já que a mercadoria danificada tinha como destinatário a firma «E - Distribuição de Gelados e Ultracongelados, Lda.», sendo que, por outro lado, o equipamento de marca «Thermo King» vendido pela «C» à «B, Caixas Isotérmicas, Lda.» e que esta veio a instalar na galera semi-reboque frigorífico e que vendeu a «D, Transportes, Lda», também se destinava ao exercício de actividades comerciais e, portanto, a uso profissional;

4ª- Acresce que, conforme previsto no art. 8°, n° 1° do DL 383/89, de 6/11, são ressarcíveis os danos resultantes de morte ou lesão pessoal e os danos em coisa diversa do produto defeituoso, desde que sela normalmente destinada ao uso ou consumo privado e o lesado lhe tenha dado principalmente este destino;

5ª- O âmbito do diploma legal é proteger apenas o consumidor em sentido estrito, ou seja, aquele que utilizava a coisa destruída ou determinada pelo produto defeituoso para um fim privado, pessoal, familiar ou doméstico, e não para um fim profissional ou um actividade comercial;

6ª- A mercadoria destruída que seguia na caixa isotérmica avariada tinha como destinatário a firma «E - Distribuição de Gelados e Ultracongelados, Lda.», pelo que haverá que concluir que os danos em causa não são ressarcíveis porque, como decorre da firma ou denominação social da destinatária da mercadoria, os gelados se destinavam a uma actividade comercial e não ao mero uso ou consumo privado.

10. Corridos os legais vistos, e nada obstando, cumpre apreciar e decidir.

11. Em matéria de facto, deu o acórdão recorrido como assentes (por remissão para a decisão de 1ª instância) os seguintes pontos:
1º- A ré C vendeu a B, Caixas Isotérmicas, Lda, o equipamento de marca Thermo King, modelo SL 200, n° de série 0695G3107, equipamento que, em 06/05/2000, a B veio a instalar na galera semi-reboque frigorífico, marca Lecitrailer, modelo LTP-3 ES, ano de construção 2000, e que vendeu a D, Transportes, Lda;
2º- No exercício da sua actividade como seguradora a autora celebrou com a D um contrato de seguro do ramo "Mercadorias Transportadas", titulado pela apólice n° 71/5177797, nos termos do qual a autora garantia à sua segurada os riscos cobertos e descritos na apólice de transporte de mercadorias no veículo (galera);

3º- O veículo/galera supra referido saiu de Hepenheim a 28/07/00 com destino a Portugal, tendo chegado ao local de descarga em 31/07/00;

4º- Em 02/08/00 procedeu-se à vistoria do camião e da mercadoria transportada no seu interior;

5º- O sistema de refrigeração do combinado tinha uma deficiência de fabrico - o motor da trampilha encontrava-se queimado, originando deficiências no sistema de descongelação das alhetas do evaporador, situação que provocou o bloqueio da instalação do frio e a avaria do sistema de refrigeração do combinado;

6º- A proprietária do semi-reboque efectuou o plano de revisões estabelecido pela marca para os seus veículos;

7º- No âmbito do contrato de seguro aludido, a autora liquidou à D a quantia de 5.528.615$00 pelos danos na carga sofridos na sequência do transporte e avaria aludidos e que a esta foram reclamados pelo destinatário ou recebedor da mercadoria - al. G);

8º- No dia e local aludidoso veículo/galera foi carregado de mercadoria composta de 33 paletes com 5940 embalagens de gelados "magnum double";

9º- A referida mercadoria tinha como destinatário a firma "E - Distribuição de Gelados e Ultracongelados, Lda", sendo o local de descargas nos armazéns da Frisul;

10º- Ao iniciar-se a descarga da mercadoria transportada constatou-se que a temperatura da mercadoria era de -11° C e a da galera acusava a temperatura de -8° C;

11º- A mercadoria deveria viajar à temperatura de -25° C que constava no CMR;

12º- Aquando da vistoria aludida em D) a máquina Thermo King SI, 200, instalada na galera, conforme descrito A), indicava a temperatura de -1,6° C;

13º- Em 29/07/2000 a temperatura atingia somente o valor de -11° C e nos dias 30 e 31 continuou a descer até aos -2,3° C;

14 º- A organização Thermo King tem disponível um serviço de assistência técnica durante 24 horas por dia, através da sua rede interna de serviços técnicos, que funciona em toda a Europa, estando a segurada da autora de posse de tal informação, conhecendo o modo de contacto dos serviços internacionais que prestam assistência;

15º- O frigorífico da galera aludida em A) manteve a temperatura de -26° C durante todo o dia 28/07/2000 até à 1 hora do dia 29/07/2000;

16º- À 1 hora do dia 29/07/2000 o frigorífico apresentava o símbolo de descongelação com a temperatura de -16,5° C;

17º- Durante todo o dia 29 o comportamento do motor de frio foi normal, apresentando por várias vezes, descongelações com temperatura negativa adequada para a função sem quaisquer sinais de avaria;

18º- Pelas 22 horas do dia 29, e depois de tirar uma impressão de frio, o motorista do semi-reboque observou que durante todo o dia o frigorífico não atingiu a temperatura pedida no CMR;

19º- Só então aquele motorista chamou a assistência Thermo King 24 horas, que, através da intervenção efectuada por um seu agente credenciado, assistiu ao reboque pelas 4 horas do dia 30, sem quaisquer resultados. Nessa altura a série frigorífica SL 200 apresentava uma temperatura de -11° C;

20º- Após a intervenção do agente da Thermo King, o motorista prosseguiu a viagem até ao seu destino;

21º- Por instruções da segurada da autora (por lapso diz-se da ré), ao serviço da qual exercia as suas funções;

22º- Os técnicos da Thermo King, contactados pelo motorista em Bordéus, a 30/07/2000, verificaram a existência de avaria que não repararam por a mercadoria se encontrar chumbada pelos serviços alfandegários e porque era necessário retirar toda a mercadoria do interior da máquina de frio não dispondo o motorista de local adequado para a acondicionar durante o tempo necessário para o efeito.

Direito aplicável.
12. Insiste a A., ora recorrente, "Companhia de Seguros "A", SA" no seu direito a ser indemnizada "nomeadamente ao abrigo do disposto no nº 4 do artº 12º da Lei 24/96" (sic) de 31/7" Lei de Defesa do Consumidor", (LDC) pugnando simultaneamente pela não aplicação ao caso "sub-specie" do regime do nº 1 do artº 8º do DL 383/89 de 6/11, diploma este que transpôs para a ordem interna a Directiva nº 85/374/CEE em matéria de responsabilidade do produtor por produtos defeituosos.

Na sua óptica, competiria à Ré C - designadamente - ter alegado e provado factos tendentes à ilisão da presunção de culpa que sobre a mesma impenderia "ex-vi" dos nºs 4 e 5 do supracitado artº 12º da LDC. E, como não satisfez tal ónus, teria que ser responsabilizada pelos danos culposamente causados.

Mas uma tal pretensão não foi acolhida - e bem acrescentamos nós - pelo Tribunal da Relação.
A Ré C, ora recorrida, havia imputado a responsabilidade da deterioração da carga ao motorista da segurada da recorrida por só ter chamado a "Assistência Thermo King 24 horas" pelas 22 horas do dia 29-7-00, apesar de durante todo o dia ter observado que o frigorífico não atingira a temperatura de - 25° C que constava do CMR, e por ter prosseguido a viagem não obstante o agente da Thermo King ter entendido que o equipamento se não encontrava em condições para tal.

A decisão de 1ª instância - com o aplauso da Relação - entendera, todavia, não resultar da matéria de facto apurada que aquele motorista houvesse actuado de forma negligente ou descuidada no transporte em apreço.

E isto pela razão primacial de o agente da Thermo King, não obstante ter verificado a existência da avaria, não ter diligenciado (ele sim) pela respectiva reparação, uma vez que a mercadoria se encontrava já "reprovada" pelos serviços alfandegários e se tornava necessário retirá-la (na sua totalidade) do interior da máquina de frio, não dispondo o motorista de local adequado para a acondicionar durante o tempo necessário para o efeito. Ainda que a intervenção da assistência houvesse sido solicitada de modo mais atempado, tal ter-se-ia revelado inócuo para efeitos de responsabilização do motorista, dado que a avaria não teria sido reparada em qualquer circunstância.

Ademais, concluíram as instâncias que a produção dos danos teria resultado antes de um defeito de fabrico do sistema de refrigeração, que a assistência prevista na garantia fornecida pelo fabricante não reparou por circunstâncias alheias ao proprietário do equipamento.

Seja como for, a Lei da Defesa do Consumidor não é aplicável ao caso concreto, desde logo porque a segurada da ora recorrente não era de considerar como consumidora para os efeitos previstos no diploma legal, não sendo relevante no caso presente o prazo de garantia, legal ou convencional (a mercadoria transportada pela segurada ainda se encontrava, contudo, dentro do prazo de garantia por haver sido adquirida há menos de um ano).

Na verdade, apenas se considera consumidor para efeitos da LDC todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios.
Ora, os fornecimentos em causa destinavam-se ao exercício de uma "actividade comercial" e, portanto, a um "uso profissional", já que a mercadoria danificada tinha como destinatário a firma «E - Distribuição de Gelados e Ultracongelados, Lda.», sendo que, por outro lado, o equipamento de marca «Thermo King» vendido pela «C» à «B, Caixas Isotérmicas, Lda.» - e que esta veio a instalar na galera semi-reboque frigorífico e que vendeu à «D, Transportes, Lda» - também se destinava ao exercício de actividades de natureza comercial ("uso profissional").

E especificamente no que tange às normas do DL 383/89 de 6/11?
De harmonia com o preceituado no artº 8°, n° 1° desse diploma só são ressarcíveis os danos resultantes de morte ou lesão pessoal e os danos em coisa diversa do produto defeituoso, desde que seja normalmente destinada ao "uso ou consumo privado" e o lesado lhe tenha dado principalmente este destino.

A "ratio essendi" dessa estatuição normativa é proteger apenas o consumidor em sentido estrito, ou seja, aquele que utilize a coisa destruída ou determinada pelo produto defeituoso para um fim privado, pessoal, familiar ou doméstico, que não para um fim profissional ou um actividade comercial.

Na sentença de 1ª instância decidira-se que a Ré C, ora recorrida, responderia perante a A. seguradora, ora recorrente, como sub-rogada nos direitos da sua segurada D, por via da responsabilidade objectiva consagrada naquele
DL 383/89, mas este entendimento também não foi - e bem - coonestado pelo Tribunal da Relação.

Com efeito, dispõe o art° 1° desse DL que o produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação.

Por sua vez, o art° 4° estatui, no seu n° 1, que um produto é defeituoso quando não oferece a segurança com que legitimamente se pode contar, tendo em atenção todas as circunstâncias, designadamente a sua apresentação, a utilização que dele razoavelmente possa ser feita no momento da sua entrada em circulação.

O art° 5° estabelece, por seu turno, na sua al. b), que o produtor não é responsável se provar que, tendo em conta as circunstâncias, se pode razoavelmente admitir a inexistência do defeito no momento da entrada do produto em circulação.

Face pois a uma tal normatividade, o momento relevante para se aferir da existência ou inexistência de um defeito será o da entrada do produto em circulação e, para haver exclusão de responsabilidade do produtor, tornar-se-á necessário que este prove a inexistência do defeito nesse momento (o da entrada do produto em circulação).

Ficou, todavia, provado que o sistema de refrigeração do combinado (galera semi-reboque frigorífico) evidenciava já uma deficiência (originária) de fabrico - o motor da trampilha encontrava-se queimado, originando deficiências no sistema de descongelação das alhetas do evaporador, situação que provocou o bloqueio da instalação do frio e a avaria daquele sistema de refrigeração.

Não restam assim dúvidas de que, face às regras de repartição do ónus da prova contemplados no nº 1 do artº 342º do C. Civil, recairá, em princípio, sobre o autor, alegadamente lesado, o encargo de provar quer a existência de danos, quer o defeito do produto comercializado, quer a ainda do nexo causal entre o defeito e esses putativos danos (artº 4º do DL 383/89 de 6/11).

Mas o produtor não será responsável se demonstrar, "inter alia", que atentas as concretas circunstâncias, se possa razoavelmente admitir a inexistência do defeito no momento da entrada do produto em circulação.

Seja como for, face ao circunstancialismo supra-descrito não são os danos alegados ressarcíveis na hipótese vertente ao abrigo do disposto no nº 1 do artº 8º do DL 383/89 de 6/11.

Na realidade, os gelados transportados destinavam-se a uma actividade comercial da firma destinatária (tratava-se de 33 paletes com 5940 embalagens de gelados "magnum double" destinadas à firma E - Distribuição de Gelados e Ultracongelados, Lda"), que não ao mero uso ou consumo privado de uma dado consumidor concreto, tudo em conformidade com a noção de "uso ou consumo privado" acima enunciada, na esteira de Calvão da Silva, in "Compra e Venda de Coisas Defeituosas - Conformidade e Segurança", 2004, págs. 212-213.

E daí que - tudo ponderado - a recorrida C não devesse nem deva ser responsabilizada pelos prejuízos advenientes da circunstância de o equipamento transaccionado apresentar defeito e que se consubstanciavam na destruição da mercadoria que seguia transportada na caixa isotérmica avariada, quer ao abrigo das disposições da LDC, quer ao abrigo do regime da responsabilidade do produtor por produtos defeituosos instituído pelo DL 383/89 de 6/11.

14. Assim havendo decidido neste pendor, não merece o acórdão revidendo qualquer censura.
15. Decisão:
Em face do exposto, decidem:
- negar a revista;
- confirmar, em consequência, o acórdão recorrido.
Custas pela A., ora recorrente, no Supremo e nas instâncias.

Lisboa, 13 de Janeiro de 2005
Ferreira de Almeida
Abílio Vasconcelos
Duarte Soares