Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2345/01.3TAGMR.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: SOUSA FONTE
Descritores: ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
ACORDÃO DA RELAÇÃO
APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL PENAL NO TEMPO
RECURSO PENAL
PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL
DIREITOS DE DEFESA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 10/01/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO
Sumário :

I - A Lei 48/2007, de 29-09, não contém nenhuma norma de direito transitório especial, pelo que, colocando-se um problema de aplicação da lei processual penal no tempo, se deve atender à norma de direito transitório geral do art. 5.º do CPP, em cujo n.º 1.º se prescreve, como princípio geral em matéria de aplicação da lei processual no tempo, que esta é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior – a regra do tempus regit actus que constitui, afinal, a reafirmação da doutrina consagrada no art. 12.º do CC, de que a lei, qualquer lei, só dispõe para o futuro.

II - Tendo embora a Lei 48/2007 alterado os pressupostos e condições do recurso para o STJ, de modo algum rompeu com o paradigma anterior e menos ainda com o modelo de processo; por isso, tendo a fase de recurso autonomia relativa, mas processualmente relevante, na estrutura e na dinâmica do processo (Ac. STJ n.º 4/2009, de 18-02, publicado no DR, I Série, de 19-03-09), a aplicação da lei nova a esta fase de processo iniciado na vigência da lei antiga não é susceptível de criar inconciliabilidade com as fases anteriores e desarticulação entre os vários actos do processo.

III - Assim, a um processo que teve o seu início em 2001 e em que o acórdão da 1.ª. instância foi proferido em 15-02-08 é aplicável a lei nova.

IV - É o art. 432.º do CPP que define a recorribilidade das decisões penais para o STJ: de forma directa, nas als. a), c) e d) do seu n.º 1; de modo indirecto, na al. b) do mesmo n.º, através da não recorribilidade das decisões proferidas, em recurso, pelos tribunais da Relação, tal como estabelecidas nas diversas als. do n.º 1 do art. 400.º.

V - A coerência interna do regime de recursos para o STJ em matéria penal supõe que uma decisão em que se não verifique uma dupla de pressupostos – a natureza e a categoria do tribunal a quo e a gravidade da pena efectivamente aplicada – não possa ser recorrível para o STJ. Com efeito, se não é admissível recurso directo de decisão proferida pelo tribunal singular, ou que aplique pena de prisão não superior a 5 anos, também por integridade da coerência que deriva do princípio da paridade ou até da maioria de razão, não poderá ser admissível recurso de segundo grau de decisão da Relação que conheça de recurso interposto nos casos de decisão do tribunal singular ou do tribunal colectivo ou do júri que aplique pena de prisão não superior a 5 anos.

VI - No caso, estando-se perante um acórdão do Tribunal da Relação proferido em recurso interposto de um acórdão do tribunal colectivo que aplicou penas parcelares e pena conjunta não superiores a 5 anos, o recurso em segundo grau para o STJ não é admissível.

VII - Contudo, a Lei 48/2007 alargou as possibilidades de recurso para o STJ quanto à questão do pedido civil – se antes o recurso só era viável quando fosse admissível recurso da decisão sobre a questão penal, agora, por força da redacção dada aos n.ºs 2 e 3 do art. 432.º, a admissibilidade do recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil depende apenas do valor do pedido e da alçada do tribunal recorrido bem como da sucumbência, independentemente de ser ou não admissível recurso da parte penal.

VIII - E o arguido não poderá dizer que o alargamento da possibilidade deste recurso agrava o seu estatuto processual, pois mesmo que se aceite que aqui, no domínio da lei processual proprio sensu, não se impõe a regra da aplicação em bloco de um dos regimes sucessivos – e, numa análise muito superficial, parece que não repugnaria aceitar a possibilidade de aplicar a cada um dos segmentos da decisão (o que tratou da questão penal e o que incidiu sobre o pedido civil) diferente versão do CPP, dado tratar-se de questões que a própria lei autonomiza entre si, nos termos do art. 403.º, n.º 2, als. a) e b), do CPP –, a verdade é que não é a sua posição processual que é afectada, porque nenhum direito ou garantia de defesa lhe é tirado por essa via. O muito que poderá acontecer é que, por via do segundo grau de recurso, o arguido veja afectado o seu património. Mas isso nada tem a ver com o seu estatuto processual, tanto mais que teve oportunidade de responder à motivação, como efectivamente respondeu.

IX - Não sendo admissível recurso do segmento do acórdão do Tribunal da Relação que versa sobre a questão penal, não existe espaço processual para o STJ poder exercer os poderes de cognição que lhe são conferidos como tribunal de recurso, em apreciação da decisão recorrida na sua parte cível, quanto à matéria de facto fixada no acórdão e directamente relacionada com a questão penal.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

1. O arguido AA, com os sinais dos autos, foi julgado (com outro) na 2ª Vara Mista do Tribunal Judicial de Guimarães e, a final, foi condenado pela prática, em autoria material e em concurso real,
- de dois crimes de peculato, ambos p. e p. pelos arts. 375º, nº 1 e 386º, n º1, alínea c), do CPenal, nas penas de 3 anos e 3 meses de prisão, por um, e de 2 anos e 3 meses de prisão, pelo outro;
- de um crime de falsificação, p. e p. pelo artº 256º, nº 1, alínea c), do CPenal, na pena de 6 meses de prisão;
- em cúmulo jurídico, nos termos do artº 77.º, do mesmo Código, na pena única de 4 anos e 3 meses de prisão, suspensa por idêntico período, com a condição de o Arguido pagar ao assistente Vitória Sport Clube, no prazo de 1 ano, a quantia de €38.946,22, acrescida de juros legais vencidos e vincendos, desde 21/03/2001, até à data do pagamento, e a quantia de 34.347.909$00 (€171.326,65), acrescida de juros legais vencidos e vincendos, desde 4 de Abril de 1997, até à data do integral pagamento.
Na procedência parcial do pedido cível deduzido pelo Assistente, o Arguido foi ainda condenado a pagar ao demandante a quantia de €38.946,22, acrescida de juros legais vencidos e vincendos, desde 21/03/2001, até à data do pagamento, e a quantia de 34.347.909$00 (€171.326,65), acrescida de juros legais vencidos e vincendos, desde 4 de Abril de 1997, até à data do integral pagamento.
Decidiu ainda o mesmo Tribunal que «o dinheiro apreendido ao arguido, na parte a que se refere o ponto 78º da factualidade dada como assente, constituiu, na parte em que se considerou ter havido uma apropriação ilícita por parte do arguido, proveito de uma actividade criminosa por parte do arguido AA, pelo que o mesmo deve ser restituído ao seu legítimo proprietário, ou seja ao assistente Vitória Sport Clube». Consequentemente determinou que se devolvesse ao “Vitória,” a quantia de €38.946,22, acrescida de juros legais vencidos e vincendos, desde 21/03/2001, até à data da restituição, e a quantia de 34.347.909$00 (€171.326,65), acrescida de juros legais vencidos e vincendos, desde 4 de Abril de 1997, até à data da restituição,
com o que se considerou cumprida a condição da suspensão da pena, bem como a obrigação decorrente da condenação no “PIC”.

O Arguido foi ainda absolvido da prática de dois outros crimes de peculato por que ia pronunciado.

Publicado o respectivo acórdão, o Assistente requereu a sua correcção, nos termos do artº 380º, nº 1-b), do CPP, alegando, em síntese, que havia pedido o ressarcimento pelo imposto pago relativo aos pagamentos feitos à off-shore “S...” pela alegada intermediação na transferência do jogador F...M..., no montante de €67.377,71; que o facto foi dado como provado e que, pela conduta relacionada com esse episódio, o Arguido foi condenado pela prática de um crime de falsificação. Por isso, conclui, a «não condenação do arguido … no pagamento ao Vitória Sport Clube da quantia de €67.377,71 apenas se poderá entender como um manifesto lapso, cuja correcção … requer…» (cfr. fls. 6772 e segs.).
Este requerimento foi indeferido pelo despacho de fls. 6781 porque «o valor que o assistente teve de pagar à Administração Fiscal foi resultante do pagamento efectuado à “S...” no âmbito do … negócio da venda do jogador F...M...» e, «quanto a esses factos o arguido foi absolvido [do crime que por aí lhe ia imputado]» – razão por que tinha também de o ser «no que concerne ao PIC». «E foi o que se fez …, pelo que se absolveu o arguido do restante Pedido Civil, que não aquele em que foi condenado».

2. Desse acórdão interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães o Arguido – que também interpôs recurso do despacho de fls. 7179 sobre a medida de coacção e do despacho que, apesar da sua oposição, ordenou a inquirição de uma testemunha (fls. 5385) –, o Ministério Público e o Assistente.

Pelo acórdão de 25 de Fevereiro do corrente ano, fls. 7462 e segs. o Tribunal da Relação de Guimarães decidiu:
a) – julgar improcedentes os recursos do Ministério Público e do Assistente «incluindo, deste, o relativo ao pedido de condenação do arguido AA no pagamento de quaisquer quantias»;
b) – Quanto aos recursos do Arguido,
b1) – julgar improcedente o recurso intercalar sobre a qualidade da audição do interveniente R...F...;
b2) – julgar procedente o recurso do despacho de fls. 7179-7180, que indeferiu a pretensão de revogação da medida de coacção, declarando extinta esta medida de coacção, subsistindo apenas o TIR;
b3) – julgar procedente o recurso quanto aos crimes de peculato por que ia condenado, dos quais foi absolvido;
b4) – julgar parcialmente procedente o recurso quanto ao crime de falsificação, alterando a pena aplicada para pena de multa que fixou em 200 dias, à taxa diária de 20 (vinte) euros;
b5) – absolvê-lo do pedido cível em que ia condenado;
b6) – ordenar a entrega ao Arguido das quantias apreendidas (ponto 78 dos factos provados).

O Senhor Procurador-geral Adjunto do Tribunal a quo, recordando o regime de arguição das nulidades da sentença consagrado no nº 2 do artº 379º do CPP – arguição perante o tribunal superior ou perante o próprio tribunal que a proferiu, consoante seja ou não susceptível de recurso – arguiu, «por mera cautela», perante o Tribunal da Relação, fls. 7651, a nulidade daquele acórdão por omissão de pronúncia, por não ter apreciado expressamente a questão “da acta nº 24”, que oportunamente suscitara no seu parecer.
Pelo acórdão de 20 de Abril último, fls. 7708 e segs., o Tribunal da Relação indeferiu a arguição dessa nulidade.

Do acórdão principal interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça o Ministério Público e o Assistente.

O Senhor Procurador-geral Adjunto extraiu da respectiva motivação as seguintes conclusões (fls. 7663 e segs.):
«1
O arguido AA foi condenado (acórdão de 15/2/2008), pela prática “em autoria material e em concurso real, dos seguintes crimes nas seguintes penas:
- de um crime de peculato, previsto e punido pelo artigo 375.°, n.º 1 e 386.°, n.°1 alínea c), ambos do Código Penal, descrito em 6-) a 34-), na pena de 3 anos e 3 meses de prisão;
- de um crime de peculato, previsto e punido pelo artigo 375.°, n.° 1 e 386.°, n.°1 alínea c), ambos do Código Penal, descrito em 74-) a 76-) e 109-) a 111-), na pena de 2 anos e 3 meses de prisão;
- de um crime de falsificação, previsto e punido pelo artigo 256.°, n.°1 alínea c), do C. Penal, na pena de 6 meses de prisão;
- em cúmulo jurídico, ao abrigo do art.° 77.°, do C. Penal, na pena única de 4 anos e 3 meses de prisão, a qual se suspende por idêntico período, com a condição do arguido pagar ao assistente Vitória Sport Clube, no prazo de 1 ano, a quantia de 38.946,22€, acrescida de juros legais vencidos e vincendos, desde 21/03/2001, até à data do pagamento, e a quantia de 34.347.909$00 (171.326,65€), acrescida de juros legais vencidos e vincendos, desde 4 de Abril de 1997, até à data do integral pagamento; (...).”
2
Não se conformando, interpuseram recurso o MP, o assistente e o arguido para o Tribunal da Relação, tendo este Tribunal, por acórdão de 25/2/2009, ora recorrido, decidido:
“Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedentes os recursos do Ministério Público e do assistente, incluindo, deste, o relativo ao pedido de condenação do arguido A no pagamento de quaisquer quantias;
Quanto aos recursos do arguido:
- Julga-se improcedente o recurso intercalar sobre a qualidade da audição do interveniente R...F...;
- Julga-se procedente o recurso do arguido quanto aos imputados crimes de peculato, dos quais vai ele absolvido;
- Julga-se parcialmente procedente o recurso quanto ao crime de falsificação, alterando-se a pena para pena de multa, condenando-se o arguido em 200 (duzentos dias), à taxa diária de 20 (vinte) euros;
- Julga-se procedente o recurso do despacho de fls. 7179-7180, que indeferiu a pretensão de revogação da medida de coacção, e declara-se extinta a medida de coacção aplicada ao arguido A, subsistindo apenas o TIR;
- Absolve-se o arguido A do pedido cível em que foi condenado;”
3
O presente recurso é admissível, pelo menos, da parte não confirmativa do acórdão (arts. 400.°, n.° 1, alínea d), a contrario e alínea b) do n.°1, do art. 432.°, ambos do CPP).
4
Quer quanto aos factos integrantes de peculato relativo ao denominado negócio dos P... (P... B... e P... M...), quer quanto aos factos integrantes de peculato relativo ao negócio dos jogadores R..., E... e P... afigura-se-nos que foram incorrectamente exercidos os poderes da Relação.
5
A versão, acolhida pela decisão da Vara Mista, só poderia ser invalidada se violasse princípios, regras de prova ou fosse contra a experiência comum ou se fosse manifesto ou evidente que as provas que serviram para a fundamentar não conduziam a tal decisão. O que não acontece no presente caso.
6
O STJ tem autoridade para sindicar os poderes da Relação que lhe são conferidos em sede de recurso da decisão sobre a matéria de facto.
7
Deve manter-se a decisão do tribunal de 1.ª instância (inclusive quanto ao crime de falsificação cuja pena a Relação baixou, de prisão para multa, no pressuposto de tal crime se mostrar desligado dos demais factos – v. fls. 179 do aresto recorrido)».

Por sua vez, o assistente Vitória Sport Clube conclui do seguinte modo a motivação do seu recurso (fls. 7726 e segs.):
« Mal andou o Tribunal recorrido ao absolver o arguido da prática de um crime de peculato, fundado na apropriação ilegítima de 34.347.909$00 correspondentes a 171.326,65€ provenientes da venda dos direitos do jogador P... B... e P... M... ao Sporting Clube de Portugal.
Para tanto, o acórdão recorrido alterou a factualidade assente em primeira instância, alterando para facto provado "que o montante descrito em 33, que o arguido AA se apropriou, constituísse o pagamento, por parte do Vitória, de empréstimo de igual valor que o arguido lhe houvera concedido. "
Na alteração da matéria de facto exposta na conclusão supra, o acórdão recorrido incorreu nos vícios do n.° 2, alíneas a), b) e c) do artigo 410° do Código de Processo Penal, pelo que a alteração da matéria de facto é sindicável por este Tribunal nos termos do artigo 434° do mesmo Código;
O acórdão recorrido incorreu em erro notório na apreciação da prova, porquanto deu como provado que o arguido fez um empréstimo ao assistente, apesar de:
1) inexistir qualquer rasto desse mesmo empréstimo na contabilidade do assistente ou a saída desse montante das contas do arguido;
2) o arguido não ter lançado esse empréstimo na conta corrente que mantinha com o assistente, ao invés do anteriormente sucedido e do que sempre fora prática.
3) o arguido não ter apresentado qualquer documento bancário de transferência ou depósito dessa quantia em nome do assistente;
4) não se constatar que seria facilmente detectado que o arguido se apropriou da quantia de 34.347.909$00 através do método que usou.
Por outro lado, o acórdão recorrido partiu de um pressuposto errado ao dizer que era um facto verdadeiro que o Clube não conseguia proceder ao desconto de letras, por falta de crédito na banca, e que por isso essas letras foram descontadas na conta da esposa do arguido, com perfeito conhecimento e total controlo por parte do Clube, quando tal facto não foi dado como assente, o que constitui, do mesmo passo, erro notório na apreciação da prova.
O acórdão recorrido incorreu no vicio de insuficiência para a decisão da matéria de facto ao dar como provado que "o montante descrito em 33, que o arguido AA se apropriou, constituísse o pagamento, por parte do Vitória, de empréstimo de igual valor que o arguido lhe houvera concedido ", fazendo uso do principio "in dúbio pro reo";
Com efeito, este principio pode levar a que determinado facto seja dado como não provado, mas não a que um facto seja dado como provado, ou seja, surgindo um "non liquet" na prova de um facto desfavorável ao arguido, esse "non liquet" deve levar a que esse facto seja dado como não provado;
Inversamente, surgindo a dúvida sobre um facto que é favorável ao arguido, o "non liquet" na prova desse facto não leva necessariamente a que este seja dado como provado, porquanto a presunção de inocência do arguido não equivale ao princípio de se ter como verdadeiro o que este alega, sendo que o uso que o Tribunal da Relação fez do principio "in dúbio pro reo" não escapa à sindicância do Supremo Tribunal de Justiça, porquanto a "A apreciação pelo Supremo da eventual violação do princípio in dúbio pro reo encontra-se dependente de critério idêntico ao que se aplica ao conhecimento dos vícios da matéria de facto: há-de ser pela mera análise da decisão que se deve concluir pela violação deste princípio. - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5/02/2009, relatado por Arménio Sottomayor, disponível em www.dgsi.pt.
O acórdão recorrido incorreu no vício de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, porquanto, apesar de se ter dado como provado que o montante descrito no facto n.° 33 que o arguido AA se apropriou, constituísse o pagamento, por parte do Vitória, de empréstimo de igual valor que o arguido lhe houvera concedido, manteve como assente a matéria dos n.° 103 e 104, ou seja, que o arguido AA agiu livre, voluntária e conscientemente, sendo sua intenção apropriar-se do montante descrito em 33, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia e que, com a conduta supra descrita em 5-) a 35-), o arguido AA lesou financeiramente os interesses do VSC, causando-lhe um prejuízo de 34.347.909$00, quantia que integrou no seu património, estando bem ciente que tal não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do seu proprietário, factos esses que são contraditórios entre si, não sendo sequer minimamente conciliáveis.
10ª Errou também o Tribunal recorrido ao absolver o arguido da prática de um crime de peculato, fundado na apropriação ilegítima de 38.946,22€ provenientes da venda dos direitos do jogador F...M... ao Sport Lisboa e Benfica e do empréstimo dos direitos do jogador "P..." ao Sport Clube Bahia.
11ª O aresto em crise é, nesta parte, nulo por falta de fundamentação, na medida em que, por simples remissão, se socorreu da fundamentação dada para a improcedência do recurso do assistente, utilizando a seguinte expressão: "todas as razoes expostas valem, por maioria de razão, para o imputado excesso" – cfr. fls. 178 do acórdão recorrido.
12ª É que, o aresto em crise não conseguiu dissociar que eram diferentes as condutas em causa quando apreciou o recurso do assistente em contraponto com o recurso do arguido:
a) O assistente pretendia a condenação do arguido num crime de peculato fundado na apropriação de 90.000.000$00 [e não 90.000,00$, como vem escrito] provenientes da venda do Jogador F...M..., crime esse do qual o arguido foi absolvido em primeira instância, o que o aresto em crise manteve e fundamentou.
b) Por sua vez, o recurso do arguido pretendia obter a absolvição pelo crime de peculato, fundado na apropriação de 38.946,22€, em que foi condenado em primeira instância na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, recurso esse que foi julgado totalmente procedente, sendo fundamentado por simples remissão, para as razões que conduziram à improcedência do recurso do assistente.
13ª O acórdão recorrido, ao não fundamentar a sua decisão, somente o tendo feito por simples remissão, incorreu em nulidade processual nos termos do disposto no artigo 374° n.° 2 e 379° n.° 1 alínea a) ex vi do artigo 425° n.° 4, todos do Código de Processo Penal, devendo, em consequência, ser declarada a nulidade do acórdão recorrido nesta parte.
14ª Sem prescindir do alegado, o aresto recorrido incorreu em erro na aplicação da matéria de direito a qual se pretende ver reexaminada.
15ª De facto, entendeu o aresto em crise que o critério de conversão cambial das diferentes divisas – euros/dólares/escudos – é simples matéria de pedido civil, o que, decididamente não é, porquanto se resultar um excesso de locupletamento por parte do arguido ao efectuar a conversão, estar-se-á perante um crime de peculato, como bem entendeu a primeira instância;
16ª Não pode o Tribunal recorrido dar como assente, como fez, que "tendo o arguido, em acto de gestão do clube – a compra de jogadores – ajustado com o clube brasileiro o pagamento em dólares americanos, estava, automaticamente, a estipular recebimento em igual moeda ao abrigo do disposto no artigo 558° n.°1 do Código Civil,
17ª Nos autos não se encontra qualquer vestígio de que tivesse havido estipulação contratual entre o arguido e o Vitória Sport Clube no sentido de que o Vitória Sport Clube pagaria ao arguido o empréstimo que este lhe concedera em dólares americanos, sendo que, a obrigação de pagamento nessa divisa teria que obrigatoriamente ser estipulada entre as partes nos termos do artigo 558° do Código Civil.
18ª Ao dar como assente que o arguido estava automaticamente a estipular recebimento em igual moeda, o acórdão recorrido somente pôde valorar as declarações do arguido nesse sentido, que, neste caso, assumiu a posição de mutuante e de mutuário, escondeu a existência desse empréstimo até ao seu primeiro interrogatório judicial e, quando lhe conveio, alegou, apenas perante o Tribunal da Relação, que se tratava de uma obrigação de natureza valutária.
19ª O princípio "in dúbio pro reo", não permite presumir a realização de estipulações contratuais bilaterais, neste caso no domínio de obrigações valutárias.
20ª Não tendo a questão da natureza valutária da obrigação sido discutida em primeira instância, a mesma estava excluída dos poderes de cognição da Relação, conforme já decidiu este Tribunal por acórdão datado de 24 de Outubro de 1994, Relatado por Miranda Gusmão, disponível em www.dgsi.pt
21ª Encontram-se nos autos vários documentos (docs. de fls. 177, 178, 198 e 199 do apenso XLIII) que comprovam que o arguido, em anteriores empréstimos ao Clube para compra de jogadores em divisa estrangeira, os lançava na conta corrente que tinha com o clube pelo valor da divisa em circulação em Portugal (escudos) e por esse mesmo valor em escudos se ressarcia.
22ª Para suportar a compra do jogador Paulo César, o qual foi pago ao clube cedente em Dólares Americanos, o arguido pediu um empréstimo de 50 mil dólares americanos ao Chase Manhattan Bank, os quais foram lançados na conta corrente do arguido com o assistente pelo correspondente a 23.852.707$00 [e não 23.852.707,00$ escudos portugueses, como vem escrito] sendo que, posteriormente, o arguido se ressarciu por esse mesmo valor de 23.852.707$00 [e não 23.852.707,00$ escudos portugueses, como vem escrito] – Cfr. fls 198 e 199 do apenso XLIII.
23ª Ao considerar-se que o arguido realizou um empréstimo ao assistente no valor de 514.659,52€, ou o equivalente 505.652,98 Dólares Americanos, então esse empréstimo é regulado pelo regime do mútuo, conforme os artigos 1142° e sgs. e do Código Civil, e portanto, nulo por falta de forma nos termos do artigo 1143° do mesmo código.
24ª Decorrente da nulidade do contrato, não é devido o pagamento de juros, por força do artigo 289° do Código Civil, pelo que, mal andou o Tribunal recorrido em considerar o valor de juros pagos pelo arguido no cálculo do excesso da quantia que o arguido se locupletou.
25ª Ainda que se argumentasse que o mútuo se presume oneroso, a única testemunha que se pronunciou quanto à gratuitidade ou onerosidade dos empréstimos que o arguido concedia ao assistente é peremptória ao afirmar que " (...) o arguido, muitas vezes, punha dinheiro no clube para solucionar problemas, sendo que o Vitória apenas lhe pagava quando tivesse dinheiro e sem juros. - Cfr. declarações de Pedro Xavier Ac. Primeira instância, pag . 62.
26ª Aliás, quando noutra sede o Tribunal recorrido analisou os empréstimos do arguido ao assistente, a sua fundamentação abordou a gratuitidade ou onerosidade dos mesmos, assim dizendo "Com este meio, o arguido fazia entradas de dinheiro ou pagamentos e recebia em iguais moedas, chegando a ter um crédito de 50.000.000$00 sobre o clube e os documentos encontrados (melhor dito, os que vieram aos autos) apenas reflectem pontuais débitos dele que recebia sempre as quantias que lhe eram devidas e sem juros" – Cfr. Acórdão recorrido, pag 164 – pelo que, mal andou o Tribunal recorrido em considerar o valor de juros pagos pelo arguido no cálculo do excesso da quantia que este se locupletou.
27ª Incorre o aresto recorrido em erro na aplicação do direito quando afirma que existindo simples diferença de critério de cálculo no câmbio das divisas em causa, tal nunca poderá consubstanciar o elemento subjectivo de dolo na apropriação.
28ª De facto, o que se constata de todos os elementos documentais dos autos e da matéria dada como provada é que todo o procedimento adoptado pelo arguido para esse ressarcimento demonstra vontade em ocultar os movimentos bancários e contabilísticos, que lhe permitiram apropriar-se de tal quantia.
29ª Não escapa ao observador dotado de uma preparação e experiência judiciária conveniente, no sentido de se encontrar preenchido o elemento subjectivo de dolo na apropriação, que o arguido para se "ressarcir" não necessitaria de proceder:
• A ocultação dos originais dos contratos de compra do passe dos jogadores P..., Evando e Ruben, não os tendo registado e arquivados no Clube – cfr., ponto 73 dos factos provados e relatório e contas do recorrente relativo ao exercício em causa (apenso V), apenas dando conhecimento da existência desses mesmos contratos com o seu primeiro interrogatório judicial como arguido detido - cfr. fls. 852 a 870 do III volume;
• O facto de todos os contratos conexos com o passe dos jogadores R..., P... e E..., só estarem assinados pelo arguido quando estes originavam contra partidas financeiras – cfr. supra pag.39 a 40 e docs. de fls 66 a 68, 178, 179, 199 e 344, todos do apenso XXXI;
• A não contabilização dos passes dos 3 jogadores – P..., E... e R... na contabilidade do Vitória apesar de a contabilização dos passes de jogadores ser já à data política contabilística do clube – cfr., fls. 7, 29 e 167 apenso V
• Ao não lançamento do empréstimo que contraíra para adquirir esses jogadores em conta-corrente, – cfr. fls 173 e sgs. e 183 e sgs. do apenso XLII – apesar de o arguido ter uma conta corrente com o assistente que espelhava todos os empréstimos realizados por este, inclusivamente, empréstimos para compra ou empréstimo gratuito/oneroso de passes de jogadores, - cfr. fls 198 do apenso XLIII –
• À utilização de uma empresa off-shore – S... G.C.LTA – para se ressarcir desse montante, fabricando documentos falsos em que constava a intermediação de tal empresa na venda do jogador F...M..., o que nunca aconteceu, tendo, para o efeito, falsificado dez facturas, uma declaração de Marcelo Santos e emitido uma declaração falsa do Clube – cfr. ponto 54 dos factos provados.
• Negar durante mais de dois anos a titularidade da "off-shore" S... G.C.LTA", chegando ao cúmulo de anunciar processos crime por difamação contra quem proferisse o contrário (cfr. apenso I, fls. 15, 16 e 17), tendo apenas confessado ser o titular desta "off-shore" no primeiro interrogatório judicial como arguido detido – cfr. 2º vol. fls.882°, acórdão Primeira instância fls. 35 e facto provado n.° 60.
• O facto de, no swift bancário de pagamento dos passes dos três jogadores nada denunciar a existência de um empréstimo — cfr. supra pag 74 e fls. 94 e 95 do Apenso 33;
• Por último, o não menos concludente facto de a off-shore não ter sido utilizada na compra do passe dos jogadores, apenas o tendo sido no alegado ressarcimento.
30ª Não pode também deixar de ser valorado que, toda a conduta do arguido quanto ao suposto ressarcimento desta quantia que emprestou ao assistente, ser completamente diversa das formas anteriormente encontradas pelo arguido, que simplesmente passavam pelo lançamento em conta corrente, e posterior ressarcimento pelo assistente
31ª O acórdão recorrido, ao analisar a factualidade decorrente da venda dos passes dos jogadores P... M... e P... B... concluiu pela inexistência de intuito apropriativo do arguido devido à suposta (mas indemonstrada, dizemos nós) transparência com que este, sem interposta pessoa, transferiu ou depositou as quantias pecuniárias na conta bancária da sua esposa, deixando pistas ao alcance de qualquer amanuense ou detective amador.
32ª Assim, teria o acórdão recorrido que tirar conclusão oposta, no sentido do intuito apropriativo do arguido, quando este, neste caso "F...M...", se socorreu de uma "off- shore", dez documentos falsificados e duas declarações do clube para, também e na sua tese, se ressarcir de um empréstimo que havia concedido.
33ª Ao não o ter feito, o acórdão recorrido incorreu novamente no vicio de contradição insanável da fundamentação, conforme o disposto no artigo 410° n.° 2 b) do Código de Processo Penal, ex vi, do disposto no artigo 434° do código vindo de citar.
34ª Errou também o tribunal recorrido ao absolver o arguido quanto ao pagamento de € 67.337,71, que, conforme consta no ponto 59 dos factos provados, o Vitória Sport Clube pagou a título de imposto por serviços que nunca lhe foram prestados, valor esse que foi peticionado no pedido de indemnização civil – cfr. arts. 175° a 196° de tal requerimento;
35ª A obrigação de pagamento de € 67.337,71 efectuado pelo Vitória Sport Clube a título de retenção de imposto por serviços que nunca lhe foram prestados, apenas surgiu na esfera jurídica do recorrente com a falsificação pelo arguido de dez facturas e duas declarações, sendo que o arguido foi condenado por este crime de falsificação.
36ª Em prol da absolvição do arguido diz-se que: "Por outras palavras, em termos criminais, o arguido iludiu o clube quanto ao motivo para ser pago daquilo que lhe era devido, mas não o iludiu sobre a não retenção do imposto; em termos civis, o arguido recebeu aquilo a que tinha direito e, não determinando o clube à não cobrança, não lhe é imputável qualquer prejuízo decorrente da falsificação – Cfr. acórdão recorrido, fls.139, 2º parágrafo.
37ª No entanto, ao invés do afirmado pelo acórdão recorrido, o arguido confessou que, "Quanto a esse pagamento, afirmou desconhecer que o mesmo acarretava obrigações fiscais (...), tendo dado instruções à contabilidade do Vitória para não pagar. Cfr. Declarações do arguido, Ac. primeira instância, pag 34.
38ª Ficou também provado que o arguido tinha um controlo total do clube e que os seus funcionários cumpriam as suas ordens, e nesse sentido, atente-se também nas declarações da Paulo Antero, contabilista do assistente, quando afirma que "Quanto ao processo fiscal decorrente do pagamento da comissão à S..., esta testemunha declarou que foi alertando o arguido AA para o pagamento do imposto correspondente a 15% do valor da comissão (pagamento a uma offshore deveria ter havido uma retenção na fonte de 15%) ao que aquele lhe dizia para não se preocupar." Cfr. - Declarações da testemunha Paulo Antero Ac. primeira instância, pag 49.
39ª Ademais, quando o acórdão recorrido analisou a factualidade decorrente da venda do passe dos jogadores P... B... e P... M..., este afirmou que "os demais directores e empregados do Vitória Sport Clube funcionavam como meros executores materiais de ordens e instruções do arguido" – cfr. acórdão recorrido, fls. 164.
40ª Pelo exposto, mal andou o Tribunal recorrido ao não condenar o arguido no pagamento de € 67.337,71 acrescido de juros à taxa legal.
41ª O acórdão recorrido violou ou fez errada aplicação do disposto nos art° 375° n.° 1e 386° n.° 1 alínea c) do Código Penal, 483° n°1, 558°, 1142°,1143° e 289° do Código Civil, e os arts. 71° e sgs, 169°, 374°, 377°, 379° n.° 1 alínea a), 410° n° 2 al. a) b) e c), 430° e 431° do Código de Processo Penal, não podendo, pois, manter-se.
Termos em que deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência, deve ser o arguido/demandado:
a) condenado pelo crime de peculato toldado na apropriação ilícita de 171.326,65€ provenientes da venda dos direitos dos jogadores P... B... e P... M... ao Sporting Clube de Portugal pelo qual foi condenado em primeira instância, mais sendo condenado no pagamento ao assistente de 171.326,65€ relativos ao valor de que o arguido ilegitimamente se apropriou, acrescidos de juros de mora, vencidos e vincendos, contados à taxa legal;
b) condenado pelo crime de peculato fundado na apropriação ilícita de 38.946,22€, provenientes da venda dos direitos do jogador F...M... ao Sport Lisboa e Benfica e do empréstimo do Jogador P... ao Sport Clube Bahia pelo qual foi condenado em primeira instância, mais sendo condenado no pagamento ao assistente de 38.946,22€, relativos ao valor que o arguido ilegitimamente se apropriou, acrescidos de juros de mora, vencidos e vincendos, contados à taxa legal;
E,
c) condenado no pagamento ao assistente da quantia de € 67.337,71, que o mesmo pagou a título de imposto por serviços que nunca lhe foram prestados, acrescidos de juros de mora, vencidos e vincendos, contados à taxa legal; só assim se fazendo, JUSTIÇA!».

Requereu fosse realizada audiência (fls. 7726vº).

O Arguido respondeu e concluiu pela rejeição dos recursos, por serem inadmissíveis, nos termos dos arts. 432º, alínea b) e 400º, nº 1, alínea e), do CPP, na versão introduzida pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto, o regime legal vigente «no momento em que ficaram definidas as condições e os pressupostos processuais do próprio direito ao recurso – no momento em que foi proferida decisão sobre a matéria da causa, o acórdão da 1ª instância». Mas se assim não se entender, prossegue, ambos devem ser julgados improcedentes (fls. 7788 e segs.).

No Supremo Tribunal de Justiça, a Senhora Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer em que começou por ponderar a irrecorribilidade do acórdão impugnado, porquanto «segundo [lhe] parece, encontra-se abrangido pelo disposto no nº 1, al. c) do art. 432º do CPP ou se se considerar que o inquérito/processo é de 2001 será irrecorrível nos termos da alínea e) do nº 1 do artº 400º do CPP, por ter sido aplicada uma pena inferior a 5 anos (jurisprudência do S.T.J.)».
Se, porém, os recursos deverem ser admitidos, devem ser rejeitados.
Nota, no entanto, que o acórdão recorrido «será nulo segundo o disposto nos arts. 425º, nº 1 e 4, 379º, nº 1 a) e c) e 374º, nº 2 do CPP porque não só não enumerou expressamente os factos provados e não provados que resultaram da apreciação/decisão do recurso do arguido, apesar da exposição dos motivos de facto e de direito como também será omisso quanto a uma questão relativa às indemnizações ao Assistente».

Cumprido o disposto no nº 2 do artº 417º do CPP, o Arguido reiterou a tese da rejeição dos recursos e refutou a alegada nulidade do acórdão.
O Assistente, por seu lado, não acompanhou o parecer relativamente à inadmissibilidade dos recursos que, de qualquer modo, sublinhou, apenas se reporta à questão penal.

No exame preliminar, a apreciação da questão prévia suscitada pelo Arguido e secundada pela Senhora Procuradora-geral Adjunta relativa à irrecorribilidade da decisão sobre a matéria penal foi relegada para a decisão final.

Colhidos os vistos legais, foi designada data para a audiência que se realizou com respeito pelas pertinentes normas processuais.

2. Tudo visto, cumpre decidir.
2.1. Os Factos

2.1.1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos, tal como foram transpostos para o acórdão agora em recurso:
«1 - O Vitória Sport Clube, doravante designado por VSC, é, desde 06 de Julho de 1981, uma Instituição de Utilidade Pública, conforme publicação no Diário da República, II série, nº 163, de 18 de Julho de 1981.
2 - O arguido AA foi Presidente da Direcção do VSC de 1980 a 07 de Junho de 2004 e, no exercício dessas funções, concentrou sempre em si todas as decisões referentes às contratações, aquisições, vendas, empréstimos e transferências dos jogadores de futebol do VSC, entre outras, assumindo-se, nomeadamente, como Director Financeiro e do Futebol do VSC, ciente de que as tinha de exercer sem qualquer tipo de remuneração, directa ou indirecta, nem retirar para si ou terceira pessoa qualquer proveito na gestão do património do VSC, incluindo com a aquisição, empréstimo, venda, cedência, a qualquer título, dos jogadores pertencentes ao VSC.
3 - No exercício das suas funções, o arguido AA limitava-se, a maior parte das vezes, a comunicar aos restantes membros das sucessivas Direcções com que trabalhou e aos Serviços de Contabilidade e de Tesouraria do VSC, doravante designados apenas por Serviços, os procedimentos por si adoptados, ocultando, muitas vezes, a ambos (Direcções e Serviços), as condições em que se processavam as contratações, aquisições, vendas, empréstimos e transferências dos jogadores de futebol do VSC.
4 - Por outro lado, impossibilitando qualquer tipo de controlo, os Serviços do VSC viram desaparecer as actas das reuniões de Direcção posteriores a 1995, documentos de suporte relacionados com lançamentos contabilísticos respeitantes a transferências de jogadores do VSC durante os anos de 1995 a 1996 e eliminação de ficheiros informáticos da base de dados.
5 - O arguido AA tinha um absoluto controlo interno no VSC, apresentando-se como detentor de capacidade económica susceptível não só de afastar qualquer juízo de suspeita acerca de um eventual aproveitamento de fundos do VSC em seu proveito e dos seus familiares mais próximos, mas ainda o de que, sem essa sua capacidade o VSC não teria viabilidade.
6 - Em 17 de Maio de 1995, o VSC, exclusivamente representado pelo arguido AA vendeu ao Sporting Clube de Portugal, doravante designado por SCP, representado exclusivamente por Pedro Santana Lopes, os direitos desportivos dos jogadores Pedro Alexandre dos Santos Barbosa e Pedro Rui Mota Vieira Martins, tendo sido reduzido a escrito o respectivo “Acordo de Transferência”, mediante o qual o SCP comprometeu-se:
· pagar ao VSC a quantia de PTE 400.000.000$00;
· entregar ao VSC a receita de dois jogos a realizar entre os dois Clubes, sendo garantida, à partida, a receita de PTE 50.000.000$00, por cada jogo;
· cedência dos direitos desportivos dos jogadores Pedrosa, Capucho e Ramirez e
· viabilização da transferência dos jogadores Edinho e Filgueira, jogadores do Grupo Desportivo de Chaves, para o VSC, sem encargos para este último.
7 - As negociações supra foram efectuadas entre os dois Clubes, SCP e VSC, sem a intervenção de qualquer empresário ou intermediário, não tendo sido celebrado qualquer outro acordo que não o referido no artigo anterior.
8 - Uma vez que, os dois jogos previstos no referido Acordo de Transferência não se realizaram, bem como não se concretizou a transferência dos jogadores Pedrosa e Filgueira, o SCP pagou, em razão do Acordo de Transferência, a quantia de PTE 661.089.868$60 ao VSC.
9 - O SCP em pagamento do montante supra indicado a 8-) emitiu, nomeadamente, os seguintes cheques à ordem do VSC:
- em 11/08/1995, o cheque nº 2688972398 da CGD, no valor de PTE 15.000.000$00;
- em 11/10/95, o cheque nº 72014433 do BTA, no valor de PTE 20.000.000$00, e
- cheque nº 202579.66, da conta nº 004653/002/71, do BIC, no valor de PTE 18.000.000$00, bem como aceitou uma letra no valor de PTE 50.000.000$00 a favor do VSC, Letra nº 29, emitida em 31 de Janeiro de 1996.
10 - Os cheques nºs 2688972398 da CGD, no valor de PTE 15.000.000$00 e 72014433 do BTA, no valor de PTE 20.000.000$00 foram entregues, pelos Serviços do SCP, pessoalmente ao arguido AA por solicitação expressa deste.
11- Na posse do cheque nº 2688972398 da CGD, no valor de PTE 15.000.000$00, o arguido AA, depois de providenciar pela aposição do carimbo do Vitória Sport Clube, endossou-o à sua mulher, de nome Rosa Maria Choon Wen Chai AA, entregando-lho, a qual, por sua vez, assinou-o no verso, depositando-o, de seguida, na conta nº 512/091139249 do BPA, titulada por si e por sua mãe, Angelina Lit Chai, no dia 11 de Agosto de 1995.
12 - Na posse do cheque nº 72014433 do BTA, no valor de PTE 20.000.000$00, o arguido AA, depois de providenciar pela aposição do carimbo do Vitória Sport Clube, endossou-o à sua mulher, a já citada Rosa Maria Choon Wen Chai AA, entregando-lho, a qual, por sua vez, o depositou na conta nº 512/091139249 do BPA, titulada por si e por sua mãe, Angelina Lit Chai, no dia 11 de Outubro de 1995.
13 - Na posse da Letra nº 29, no valor de PTE 50.000.000$00, aceite pelo Sporting Clube de Portugal, o arguido AA fê-la creditar, em 11 de Março de 1996, na conta nº 604/42063/008 do BES, titulada por Rosa Maria Choon Wen Chai AA e filha, Maria Teresa Chai AA, operação bancária que teve o custo de PTE 1.045,778,10 que lhe foram, por isso, debitados.
13 [nº repetido no texto das duas decisões] - Resultando, deste modo, um crédito de PTE 48.954.221$90 (= 50.000.000$00 – 1.045,778$10).
14 - Para compensação dos encargos financeiros, Rosa Maria Choon Wen Chai AA, seguindo as instruções do arguido AA, fez transferir, em 18 de Abril de 1996, da conta n.º 604/41823/000.6, do BES para a conta 604/42063/008, do mesmo Banco, a quantia de PTE 1.045.778$10, ficando, desta forma, esta conta provisionada em PTE 50.000.000$00 (= 48.954.221$90 + 1.045.778$10).
15 - Por ordem de Rosa Maria Choon Wen Chai Pimenta Machado, seguindo as instruções do seu marido, o arguido AA, a quantia de PTE 50.000.000$00 foi transferida, em 18 de Abril de 1996, da conta nº 604/42063/008 para a conta nº 604/41823/000.6, também do BES, igualmente titulada por Rosa Maria Choon Wen Chai Pimenta Machado, e pelas filhas Maria Eugénia Wen Chai Pimenta Machado e Maria Teresa Pimenta Machado.
16 - Em 24 de Abril de 1996, foi transferida, por ordem de Rosa Maria Choon Wen Chai Pimenta Machado, seguindo as instruções do seu marido, o arguido AA, a quantia de PTE 48.954.221$90 desta conta nº 604/41823/000.6 para a conta nº 0015337-001-75 pertencente ao VSC.
17 - Em 24 de Maio de 1996, o SCP transferiu para a conta n.º 0013/0/15361.3, do VSC, a quantia de PTE 1.941.795$00, correspondente a um conjunto de encargos bancários, entre eles os relativos ao desconto da Letra 29, resultantes de desconto de letras efectuadas, pelo VSC, na sua conta n.º 0015337-001-75, BIC, pelo que o VSC recebeu os PTE 50.000.000$00 correspondentes ao valor nominal da Letra nº 29.
18 - Não obstante este pagamento ao VSC, a Letra 29 não foi paga, na data de vencimento, mas parcialmente amortizada no valor de PTE 5.000.000$00, através do cheque nº 445536, sacado sob a conta nº 36855790/001, do BTA, titulada pelo SCP.
19 - A qual foi reformada, dando origem à Letra nº 157, no valor de PTE 45.000.000$00, datada de 09 de Maio de 1996, que igualmente não foi paga na data de vencimento, mas parcialmente amortizada no valor de PTE 5.000.000$00, através do cheque nº 972501, sacado sob a conta nº 0809002061930, da CGD, titulada pelo SCP.
20 - Sendo a letra n.º 157 reformada, dando origem à Letra nº 188, no valor de PTE 40.000.000$00, datada de 21 de Junho de 1996, a qual igualmente não foi paga, na data de vencimento, mas parcialmente amortizada no valor de PTE 5.000.000$00, através do cheque nº 416372, sacado sob a conta nº 0013/08/15361.3, do BPSM, titulada pelo SCP.
21 - A qual (letra n.º 188) foi reformada, dando origem à Letra nº 224, no valor de PTE 35.000.000$00, datada de 16 de Julho de 1996, que igualmente não foi paga, na data de vencimento, mas parcialmente amortizada no valor de PTE 5.000.000$00, através do cheque nº 6092668, sacado sob a conta nº 275/118046770, do BCP, titulada pelo SCP.
22 - Sendo aquela letra (n.º 224) reformada, dando origem à Letra nº 255, no valor de PTE 30.000.000$00, datada de 27 de Agosto de 1996, que igualmente não foi paga, na data de vencimento, mas parcialmente amortizada no valor de PTE 5.000.000$00, através do cheque nº 416824, sacado sob a conta nº 0013/08/15361.3, do BPSM, titulada pelo SCP.
23 - Tal letra (n.º 255) foi reformada, dando origem à Letra nº 281, no valor de PTE 25.000.000$00, datada de 23 de Setembro de 1996, que igualmente não foi paga, na data de vencimento, mas parcialmente amortizada no valor de PTE 5.000.000$00, através do cheque nº 479174, sacado sob a conta nº 0013/08/15361.3, do BPSM, titulada pelo SCP.
24 - A qual (letra nº 281) também foi reformada, dando origem à Letra nº 308, no valor de PTE 20.000.000$00, datada de 17 de Outubro de 1996, que igualmente não foi paga, na data de vencimento, mas parcialmente amortizada no valor de PTE 5.000.000$00, através do cheque nº 479102, sacado sob a conta nº 0013/08/15361.3, do BPSM, titulada pelo SCP
25 - Sendo, tal letra (n.º 308), reformada, dando origem à Letra nº 322, no valor de PTE 15.000.000$00, datada de 07 de Novembro de 1996, que também não foi paga, na data de vencimento, mas parcialmente amortizada no valor de PTE 5.000.000$00, através do cheque nº 478744, sacado sob a conta nº 0013/08/15361.3, do BPSM, titulada pelo SCP.
25 [nº repetido no texto das duas decisões] - Que, igualmente, foi reformada (letra n.º 322), dando origem à Letra nº 344, no valor de PTE 10.000.000$00, datada de 03 de Dezembro de 1996 e que igualmente não foi paga, na data de vencimento, mas parcialmente amortizada no valor de PTE 5.000.000$00, através do cheque nº 786901.
26 - A nova letra (n.º 344) foi também reformada, dando origem à Letra nº 371, no valor de PTE 5.000.000$00, datada de 07 de Janeiro de 1997, a qual foi paga através do cheque nº 519683, sacado sob a conta nº 507/03033244, do BPA, titulada pelo SCP.
27 - Os encargos bancários resultantes do desconto das letras supra referidas efectuados pelo VSC, enquanto sacador, importaram em PTE 5.232.564$00, valor esse que, posteriormente, o SCP pagou ao VSC, como sacador, mas debitado nas contas nºs 604/41823/000.6 e 604/00418230618.29, do BES, ambas tituladas pela esposa do arguido Rosa Maria Choon Wen Chai Pimenta Machado.
28 - Uma vez que todas as letras aceites pelo SCP foram descontadas naquelas duas contas bancárias, em 03 de Dezembro de 1996, o VSC transferiu, seguindo as instruções do arguido AA, da sua conta 15337-001-75 no BIC, para a conta n.º 604/41823/061.8, BES, titulada por Rosa Maria Choon Wen Chai Pimenta Machado, o valor de PTE 7.000.000,00, transferência contabilizada, em 30 de Dezembro de 1996, no VSC, na conta “1210 – BIC”, por contrapartida da conta “268251 – Devolução de Contratos – SCP”.
29 - Em 06 de Janeiro de 1997, o VSC transferiu, seguindo as instruções do arguido AA, da sua conta n.º 15337-001-75 no BIC, para a conta n.º 604/41823/061.8, BES, titulada por Rosa Maria Choon Wen Chai Pimenta Machado, o valor de PTE 5.300.000,00, transferência contabilizada na conta “1210 – BIC ” e a sua entrada, na conta denominada “125 – BES 2”, conta que traduzia as operações subsequentes à Letra 29.
30 - Em 04 de Abril de 1997, o VSC transferiu, seguindo as instruções do arguido AA, da sua conta n.º 15337-001-75, no BIC, para a conta n.º 604/41823/061.8, titulada por Rosa Maria Choon Wen Chai Pimenta Machado, os seguintes valores:
· PTE 160.000$00, a título de transferência de regularização e
· PTE 520$00
31- Seguindo as instruções do arguido AA, foram transferidos para a conta bancária com o nº 00700041823006, do BES, titulada pela sua esposa, a já identificada Rosa Maria Choon Wen Chai Pimenta Machado, os seguintes valores:
· PTE 5.829.319$10, em 14 de Junho de 1996;
· PTE 6.290.635$20, em 21 de Agosto de 1996;
· PTE 5.000.000$00, em 04 de Setembro de 1996,
· PTE 5.000.000$00, em 06 de Novembro de 1996 e ...
32 - E para a conta bancária 007000418230618, do BES, igualmente titulada por Rosa Maria Choon Wen Chai Pimenta Machado, o valor de PTE 5.000.000$00, num total de PTE 27.119.954$30.
33 - Assim e fruto destas operações, o arguido AA logrou fazer seu o montante de PTE 34.347.909$00 (171.326,65€) [vd., infra, 2.1.2.1.].
34 - Estes valores apesar de constarem dos extractos bancários correspondentes à conta nº 15337-001-75, do BIC, pertencente ao VSC, não foram, por instruções do arguido AA, contabilizados na “Conta 1210 - Banco Internacional de Crédito”, pelo que a contabilidade não espelhava tais movimentos, procedendo-se, posteriormente, à regularização desta diferença, através da inscrição em outras rubricas, nomeadamente na de “prejuízos acumulados”, de verbas efectivamente não gastas, mas que através delas se conseguia valores iguais entre a contabilidade e os respectivos extractos bancários.
(…) [os factos dos nºs 35 a 42 referem-se ao co-arguido Vale e Azevedo, absolvido dos crime por que ia pronunciado]
43 - O jogador de futebol F...M..., no final da época desportiva 1999/2000, com vista à rescisão do contrato laboral que havia celebrado com o VSC, iniciou contactos unilaterais com a Sport Lisboa e Benfica - SAD, doravante designado por SLB, através de um seu amigo, Paulo Leote e Brito, o qual, anuindo ao seu pedido, contactou, em Lisboa, em data não precisa, mas em Junho de 2000, o Dr. Cândido Gouveia, à data, Presidente do Conselho Fiscal do SLB que, por sua vez, transmitiu o assunto ao arguido João António Araújo Vale e Azevedo que concordou em estabelecer negociações com vista à celebração do respectivo contrato laboral com o jogador F...M..., os quais foram realizadas entre o SLB e Paulo Leote e Brito, este último em representação do jogador F...M..., seguindo as suas instruções.
44 - Em Junho de 2000 e devido exclusivamente a estas negociações, SLB e o jogador F...M... assinaram um contrato laboral, sendo que, em virtude do trabalho desempenhado, o jogador F...M... compensou o seu representante, Paulo Leote e Brito, com uma quantia de 9.000.000$00.
45 - Obtido e celebrado o contrato laboral entre o SLB e o jogador F...M..., incumbia ao SLB regularizar, junto do VSC, a aquisição dos direitos desportivos do jogador, uma vez que, tendo F...M... estado ao serviço do VSC, desde os escalões de formação do clube até ao plantel principal, havia que compensar o VSC pelos investimentos feitos nessa formação.
46 - Para o efeito, em data não apurada, mas entre Junho e Julho de 2000, os arguidos AA e João António Araújo Vale e Azevedo encontraram-se em Lisboa, por diversas vezes, tendo ambos acordado no pagamento pelo SLB ao VFC da quantia de PTE 800.000.000$00, sem IVA, ou seja, € 3.990.383,17.
47 – Importando assegurar o pagamento dessa verba por parte do SLB, o arguido João António Araújo Vale e Azevedo, enviou ao arguido AA, em 21 de Junho de 2000, via fax e do seu escritório “Vale e Azevedo & Associados”, uma minuta de um contrato de transferência do jogador F...M..., constante de fls. 1270 a 1272, aqui dado por reproduzido e três letras bancárias, preenchidas e assinadas, do Banco Comercial Português, constantes de fls. 1273 a 1275, aqui dadas por reproduzidas, acompanhadas de uma declaração que o arguido João António Araújo Vale e Azevedo assinou, dela fazendo constar, nomeadamente que “Na sequência da n/ conferência telefónica desta manhã, junto envio o contrato referente ao F...M..., bem como os documentos bancários referentes aos pagamentos acordados (cujos originais já estão na minha posse)”, bem como de uma outra declaração, que também assinou, dela fazendo constar, nomeadamente, que “junto envio a cópia da escritura de aumento de capital da HST,SGPS, SA. Esta sociedade, que tem de capital social 40 milhões de Euros (um pouco mais de oito milhões de contos) e inclui entre os seus accionistas um grupo americano (Marden Enterprises Corporation) e uma importante e multinacional sociedade financeira (Apax Partners & Co Capital, Limited), dispõe-se a avalizar as letras aceites pela Sport Lisboa e Benfica SAD, nos seguintes montantes e datas de vencimento:
· Esc. 800.000.000$00 – 4 de Agosto de 2000
· Esc. 136.000.000$00 – 4 de Setembro de 2000 “.
48 – Tais letras não foram aceites pelo arguido Pimenta Machado, pelo que não chegaram a entrar no tráfico jurídico, tendo sido devolvidas ao BCP, embora rasgadas na parte em que constavam as assinaturas do arguido Vale e Azevedo e de José Capristano.
49 - Além disso, não continham a designação “bill of charge”, pelo que não eram negociáveis em Portugal.
50 - Por causa do referido em 48 e de outros motivos não apurados, as negociações para a venda do passe do jogador F...M... foram unilateralmente rompidas pelo arguido Pimenta Machado.
51 - Posteriormente, em Agosto de 2000, as negociações foram reatadas, sendo o VSC representado, exclusivamente, pelo arguido AA e o SLB, exclusivamente, pelos seus dirigentes Dr. Cândido Gouveia e José Capristano, tendo sido concluídas algum tempo depois, após o aval pessoal dos dirigentes do SLB, Dr. Cândido Gouveia e José Capristano.
52 - Em 14 de Agosto de 2000, por um lado, os arguidos AA, em nome do VSC, e João António Araújo Vale e Azevedo, em nome do SLB, e por outro lado, os jogadores F...M... e Hugo Cunha assinaram o “Contrato de Cessão dos Direitos Desportivos”, constante de fls. 50 e seguintes do Apenso V e que aqui se dá por reproduzido.
53 - Para além dos intervenientes supra referidos, ninguém mais, fosse a que título fosse, interveio quer nos contactos e/ou contratos, bem como nas negociações, desde os primeiros contactos até à celebração do contrato referido nos pontos anteriores.
54 - Embora ciente de todas as circunstâncias que rodearam a negociação, porque único representante do VSC e, por outro lado, sempre acompanhou todas as diligências, o arguido AA apresentou à Contabilidade do VSC, os documentos de fls. 871 e 872, que se dão por integralmente por reproduzidos, e um título de uma cobrança de uma comissão de PTE 90.000.000$00 (448.918,1€) para pagamento à off–shore “S... G. C. LTA”, pela intervenção desta na transferência do jogador F...M..., acompanhada pelos documentos de fls. 81, 83, 85, 87, 89, 91, 93, 95, 97 e 99, do apenso V, cujo teor não correspondia à verdade, o que o arguido Pimenta Machado bem sabia, nomeadamente dez facturas, com os seguintes números:
· 124/D.B., datada de 20/08/2000, no valor de PTE 9.000.000$00;
· 125/D.B, datada de 30/08/2000, no valor de PTE 9.000.000$00;
· 126/D.B, datada de 10/09/2000, no valor de PTE 9.000.000$00;
· 131/D.B, datada de 30/09/2000, no valor de PTE 9.000.000$00;
· 143/D.B, datada de 30/10/2000, no valor de PTE 9.000.000$00;
· 149/D.B, datada de 15/11/2000, no valor de PTE 9.000.000$00;
· 152/D.B, datada de 25/11/2000, no valor de PTE 9.000.000$00;
· 153/D.B, datada de 05/12/2000, no valor de PTE 9.000.000$00;
· 156/D.B, datada de 20/12/2000, no valor de PTE 9.000.000$00
· 182/D.B, datada de 30/12/2000, no valor de PTE 9.000.000$00.
55 - Tal comissão foi liquidada pelo VSC através dos seguintes cheques:
· 3305909172, datado de 20/08/2000, no valor de PTE 9.000.000$00;
· 2405909173, datado de 30/08/2000, no valor de PTE 9.000.000$00;
· 1505909174, datado de 10/09/2000, no valor de PTE 9.000.000$00;
· 0605909175, datado de 30/09/2000, no valor de PTE 9.000.000$00;
· 9405909176, datado de 30/10/2000, no valor de PTE 9.000.000$00;
· 8505909177, datado de 15/11/2000, no valor de PTE 9.000.000$00;
· 7605909178, datado de 25/11/2000, no valor de PTE 9.000.000$00;
· 6705909179, datado de 05/12/2000, no valor de PTE 9.000.000$00;
· 5805909180, datado de 20/12/2000, no valor de PTE 9.000.000$00 e
· 905909181, datado de 31/12/2000, no valor de PTE 9.000.000$00, todos sacados da sua conta 18149877.10.001 do FINIBANCO...
56 - Todos estes cheques foram emitidos e entregues ao arguido AA na mesma ocasião, em todos constando, entre outras, a assinatura do arguido AA.
57 - Os cheques supra referidos foram integralmente preenchidos pelo Chefe de Contabilidade, a testemunha Paulo Antero, de acordo com as instruções expressas do arguido AA, que igualmente os assinou, recebendo-os, de imediato, e pessoalmente, das mãos do Chefe de Contabilidade, Paulo Antero, ficando a operação inscrita na Contabilidade do VSC, na conta nº 6564-Despesas com Prospecção de Jogadores.
58 - Na posse dos cheques, o arguido AA depositou-os no Banco “Compagnie Bancaire Espírito Santo SA, em Lausanne, Suiça, na conta nº 103690, titulada pela S... G.C. LTA e, depois, este Banco, seguindo as instruções do arguido AA, para a conta nº 223460, “PAZMENTE”, da CBES-Suiça, titulada por si e por Rosa Maria Choon Wen Chai Pimenta Machado, sua mulher, depois de terem sido apresentados à Câmara de Compensação do Banco de Portugal, através do BPI.
59 - Por causa deste pagamento do VSC à ”S... G.C.LTA”, o VSC teve de pagar, na Direcção de Finanças de Braga, a importância de € 67.337,71.
60 - A off–shore ”S... G.C.LTA” está registada, com o nº 1602, na Ilha de Niue, Pacífico Sul, tendo tido, anteriormente, a designação de VICTORY MANAGEMENT LTD, titulada pelo arguido AA.
61 - Em 25 de Janeiro de 2000, o arguido AA efectuou um pedido de crédito à CBES, através da sua conta nº 223460, PAZMENTE, no valor de 900.000 (novecentos mil) reais, cuja proposta de crédito foi formalizada dois dias depois, tendo, então, o CBES aceitado conceder o empréstimo pretendido, no montante de USD 510.000,00 (quinhentos e dez mil), um pouco mais de 900.000 reais, reembolsável até 31 de Julho de 2000.
62 - Em 28 de Janeiro de 2000, foi emitida, seguindo as instruções dadas pelo arguido AA, uma “ordem de transferência” da conta nº 223460, PAZMENTE, para a conta nº 001.104663.5 do Banco Bilbao Vizcaya, Brasil, titulada por Esporte Clube de Vitória, para pagamento dos direitos desportivos dos jogadores brasileiros Carlos Eduardo Casagrande, conhecido por “P...”, Evando Spinasse Camillato e Ruben Rocha Silva Junior.
63 - Os Certificados de Transferência Internacional foram emitidos e enviados pela Confederação Brasileira de Futebol, CBF, à Federação Portuguesa de Futebol, FPF, em 03 de Fevereiro, quanto aos jogadores Carlos Eduardo Casagrande, conhecido por “P...”, Evando Spinasse Camillato, e em 25 de Fevereiro, todos de 2000, quanto ao jogador Ruben Rocha Silva Júnior.
64 - Carlos Eduardo Casagrande assinou dois contratos de trabalho com o VSC, o primeiro válido, de 24 de Janeiro a 31 de Julho de 2000 e o segundo de 01 de Agosto de 2000 a 31 de Julho de 2004.
65 - Em 24 de Janeiro de 2000, Evando Spinasse Camillato assinou um contrato de trabalho com o VSC até 31 de Julho de 2004.
66 - Em 24 de Janeiro de 2000, Ruben Rocha Silva Júnior assinou um contrato de trabalho com o VSC, permanecendo ao seu serviço até 16 de Janeiro de 2001, data em que o rescindiu unilateralmente.
67 - Em 12 de Setembro de 2000, e depois de prorrogado o prazo para a amortização do empréstimo descrito em 61-) e 62-), foi renovado o crédito a descoberto até ao montante de 400.000,00 € (quatrocentos mil), reembolsável a 31 de Dezembro de 2000, através do encaixe de dez cheques de 45.000,00€, cada.
68 - Conforme atrás descrito, os dez cheques emitidos pelo VSC à S... foram depositados na conta nº 103690, titulada pela S..., entre 21 de Setembro de 2000 e 21 de Fevereiro de 2001 e desta conta para a conta nº 223460 do CBES, titulada pelo arguido e segundo instruções do arguido AA:
· em 27 de Novembro de 2000, € 265.000,00 e
· em 29 de Dezembro de 2000, € 135.000,00.
69 - Os cheques supra referidos destinaram-se ao pagamento do empréstimo identificado em 61 e 62, o que aconteceu em Dezembro de 2000.
70 - Por contrato celebrado em 18 de Janeiro de 2000, o Esporte Clube de Vitória cedeu ao Vitoria Sport Clube, os direitos desportivos do jogador Carlos Eduardo Casagrande, conhecido por “P...”, nomeadamente 50% do seu passe, pela quantia de R$500.000 (quinhentos mil reais), conforme documento de fls. 854 e 855, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
71 - Por contrato celebrado em 18 de Janeiro de 2000, o Esporte Clube de Vitória cedeu ao Vitoria Sport Clube, os direitos desportivos do jogador Evando Spinasse Camillato, pela quantia de R$300.000 (trezentos mil reais), conforme documento de fls. 865 e 866, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
72 - Por contrato celebrado em 18 de Janeiro de 2000, o Esporte Clube de Vitória cedeu ao Vitoria Sport Clube, os direitos desportivos do jogador Ruben Rocha Silva Júnior, pela quantia de R$100.000 (cem mil reais), conforme documento de fls. 863 e 864, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
73 - As aquisições desses jogadores não foram objecto de qualquer tipo de contabilização no clube, nem depositados os respectivos contratos nos seus serviços, sendo que também os pagamentos dos passes dos jogadores não foram contabilizados na contabilidade do VSC.
74 - A compra destes jogadores acarretou um custo de 514.659,52€, tendo ainda o arguido suportado os juros decorrentes do empréstimo que contraíra, no valor de total de 26.096,28€, pelo que com a aquisição dos 3 jogadores o arguido despendeu a quantia de 540.755,8€, tendo recebido os montantes descritos em 55-), 58-) e 76-, no valor total de 579.702,02€ [vd., infra, 2.1.2.2].
75 - Em 19 de Janeiro de 2001, o VSC, representado exclusivamente pelo arguido AA, celebrou um contrato com o Esporte Clube Vitória, até 30 de Junho de 2002, pelo qual cedeu a este Clube o jogador Carlos Eduardo Casagrande, mediante o pagamento da quantia de 120.000,00 (cento e vinte mil) USD, a ser paga em três prestações de 40 mil (quarenta mil) USD cada, a depositar na conta bancária do BCP, titulada pelo VSC, a que corresponde o NIB 003300000000198442705, de acordo com a cláusula 3º do contrato [vd., infra, 2.1.2.2.].
76 - Posteriormente, o arguido AA deu instruções, que foram seguidas, tendo sido de os 120.000,00 (cento e vinte mil) USD, a que correspondiam, à data do depósito 130.783,92€, na conta nº 223460 da CBES-Suiça, em três prestações, de 40.000,00 (quarenta mil) USD pagas em 22 de Janeiro, 01 de Março e 21 de Março, de 2001 [vd., infra, 2.1.2.2)].
77 - O VSC não obteve qualquer benefício financeiro com a saída de qualquer um dos três jogadores, Carlos Eduardo Casagrande, Evando Spinasse Camillato e Ruben Rocha Silva Júnior.
78 - Foi apreendido o saldo das contas nºs 223460, PAZMENTE, com o saldo de PTE 113.742.601$00 e 103690, S..., com o saldo de 45.465,00€.
79 - Em data não apurada de 1996, o VSC comprou os direitos desportivos dos jogadores Alexandre Pereira de Souza e Riveilson Evangelista Silva, ambos de nacionalidade brasileira, ao clube “VALERIODOCE ESPORTE CLUBE” de Minas-Brasil.
80 - Os contratos respectivos foram realizados exclusivamente pelo arguido AA, não havendo qualquer cópia dos mesmos nas instalações do clube, aquando das buscas efectuadas nos presentes autos.
81 - Seguindo instruções do arguido AA, a Secção de Contabilidade do VSC registou como custos, o valor de PTE 73.293.050$00, quanto ao jogador Alexandre Pereira de Souza e PTE 29.000.000$00 quanto a Riveilson Evangelista Silva, num total de PTE 102.293.050$00.
82 - O empresário dos jogadores, Adelson Duarte Monte Alto, recebeu, como comissão por ambos, a quantia de PTE 2.340.000$00 (= PTE 2.000.000$00 + 340.000$00, de IVA) por cada um, ou seja, PTE 4.680.000$00.
83 - Para pagamento da transferência do jogador Alexandre, a Secção de Contabilidade do VSC emitiu os seguintes cinco cheques, todos ao portador, seguindo indicações expressas do arguido AA, a quem foram entregues pessoalmente, e sacados da conta nº 1533700175, titulada pelo arguido AA:
· 2245414625, datado de 96/08/12, no valor de PTE 10.172.500$00;
· 2237588180, datado de 97/01/16, no valor de PTE 10.000.000$00;
· 2237588083, datado de 97/01/15, no valor de PTE 10.000.000$00;
· 2237588277, datado de 97/01/17, no valor de PTE 10.000.000$00 e
· 2237588374, datado de 97/01/20, no valor de PTE 10.250.000$00, num total de PTE 50.422.500$00.
84 - Estes cinco cheques foram, de seguida, levantados, em numerário, pelo arguido AA, respectivamente em 12/08/96, 29/10/96 e 30/01/97 os três últimos.
85 - Para além destes cheques, o VSC emitiu ainda os seguintes cheques, sacados da conta nº 01533700175, titulada pelo arguido AA:
· 7523966, datado de 96/01/30, no valor de PTE 2.000.000$00;
· 5410648, datado de 96/12/30, no valor de PTE 1.500.000$00;
· 5414043, datado de 96/12/30, no valor de PTE 6.000.000$00;
· 5410551, datado de 96/12/30, no valor de PTE 5.700.000$00 e
· PTE 15.670.550$00.
86 - O jogador Alexandre recebeu, como comissão, a quantia de PTE 6.000.000$00.
87 - Para pagamento da transferência do jogador Riva, a Secção de Contabilidade do VSC emitiu os seguintes cheques, sacados da conta nº 15337-001-75, do BIC:
· 7523966, datado de 96/01/31, no valor de PTE 2.000.000$00;
· 5412685, datado de 96/12/30, no valor de PTE 3.000.000$00;
· 5388726, datado de 96/12/30, no valor de PTE 7.500.000$00 e
· 7534636, datado de 96/12/30, no valor de PTE 6.300.000$00...
...bem como pagou a quantia de PTE 15.200.000$00, num total de PTE 34.000.000$00.
88 - Os destinatários daqueles montantes foram: - Adelson Duarte Monte Alto, PTE 9.500.000$00 (= 2.000.000$ + 7.500.000$);
- Riva, PTE 3.000.000$00;
- Saída da “119 – Trf Caixa”, PTE 15.200.000$00 e
- Manuel Oliveira Vale, funcionário do VSC, PTE 6.300.000$00.
89 - Por conta dessas transferências e em representação do clube Valério Doce, o empresário Adelson Duarte recebeu, para além dos montantes referidos em 82 e 88, quantias não concretamente apuradas em numerário.
90 - O jogador Riva recebeu 3.000.000$00 de comissão.
91 - No dia 17 de Maio de 1996, realizou-se uma Assembleia Geral Extraordinária, nas instalações do Vitória Sport Club, tendo sido lavrada a respectiva Acta, a que coube o número vinte e quatro, nela se narrando que: “Depois de comunicar à Assembleia Geral o ponto de trabalhos, o sr. Presidente da Assembleia, deu a palavra ao Exmo. Presidente da Direcção que por sua vez fez um esclarecimento total das pretensões da Câmara Municipal de Guimarães, na aquisição de franjas de terreno pertença do Vitória S. C., e em contrapartida a Câmara prontificava-se a fazer um Campo relvado, um Campo pelado e a vedação de todo o terreno do Complexo Desportivo do Vitória Sport Clube. O sr. Presidente da Direcção, por intermédio de um quadro gigante e da planta do Complexo, mostrou aos associados quais as franjas de terreno que poderiam ser cedidas, tendo em atenção sempre os interesses, e os benefícios para o Vitória S.C.. Feitas todas as explicações e dado todos os esclarecimentos, o sr. Presidente da Assembleia Geral pediu aos sócios que se quisessem inscrever para usarem da palavra sobre o assunto, o fizessem.”
92 - De forma e em data não apuradas, pessoa não identificada, deixou cair, sobre a Acta número vinte e um do Livro de Assembleias Gerais, vários pingos de tinta permanente, logo fechando o respectivo livro, logrando espalhar a tinta de modo a abranger o conteúdo da acta em questão.
93 - Inutilizada a Acta, em vez de se proceder à sua rectificação em folha disponível no respectivo Livro, que havia, elaborou-se um novo Livro de Actas nele se redigindo todas as Actas constantes do Livro original.
94 - Para esse efeito, Maria Fernanda Oliveira, solicitou a Custódio Garcia, elemento da Mesa que manuscreveu a anterior Acta número vinte e quatro, para transcrever todas as actas de um Livro para o outro, com excepção da Acta número vinte e um, a qual, por se encontrar ilegível, seria refeita por ela, Maria Fernanda Oliveira, com a ajuda da gravação áudio respectiva.
95 - Cumprindo as instruções, Custódio Garcia procedeu à transcrição das Actas até à número vinte, inclusive, entregando o Livro a Maria Fernanda Oliveira, a qual, por sua vez, depois de transcrever não só a acta número vinte e um, conforme combinado, mas também as actas vinte e dois a vinte e quatro, inclusive, devolveu-lhe o Livro para que continuasse a transcrição das restantes, a partir do número vinte e cinco, o que fez.
96 - Maria Fernanda Oliveira ao transcrever a Acta número vinte e quatro para o novo Livro fê-lo sem respeitar o conteúdo da Acta original, apesar de legível e intacta, ficando a constar com a seguinte nova redacção: “Depois de comunicar à Assembleia Geral o ponto da Ordem de Trabalhos, o Senhor Presidente da Assembleia Geral, deu a palavra ao Exmo. Senhor Presidente da Direcção, que de imediato prestou todos os esclarecimentos necessários sobre o conteúdo da proposta. Após a devida explanação passou a ler a respectiva proposta, a qual, no entretanto tinha sido distribuída pelos sócios presentes. Assim, reza o texto da proposta: Proposta – A Direcção do Vitória Sport Clube, como sempre foi sua orientação está empenhada em levar a efeito a conclusão do Complexo Desportivo do clube de forma a fazê-lo dotar com quatro campos relvados, um campo pelado, uma área verde para cargas intensivas, um pavilhão, uma piscina, um centro de estágio e uma sede social. Felizmente, aliás como é público e notório, o principal já está feito. Assim, a Direcção do Vitória Sport Clube vem junto dos associados, ao abrigo do artº 108, alínea e) dos estatutos do nosso clube pedir autorização para lhe ser permitido negociar franjas do património do clube, de forma a ser possível com maior celeridade a sua rentabilização com vista à concretização do projecto definitivo. – Após a sua leitura e dadas todas as explicações, o sr. Presidente da Assembleia-Geral pediu aos sócios que se quisessem inscrever para usarem da palavra sobre o assunto, o fizessem.”
97 - Nesta nova acta, já não ficou a constar que as franjas dos terrenos se destinavam a ser negociadas com a Câmara Municipal de Guimarães.
98 - A nova redacção da acta n.º 24 foi assinada conscientemente pelo Presidente da Assembleia-Geral, que entendeu que aquela versão era a que efectivamente mais se coadunava com o que efectivamente se passou na Assembleia-Geral em questão.
99 - Com a nova redacção da acta n.º 24, a direcção do Vitória ficou habilitada a negociar com qualquer entidade, pública ou privada, nomeadamente permitindo ao arguido AA a exibição da indispensável acta para a celebração de qualquer escritura pública que envolvesse os terrenos em questão.
100 - Em 30 de Abril de 2001, no Cartório Notarial de Fafe, perante a notária, Dra. Maria Cristina Azevedo Pinho Sousa, foi celebrada a escritura pública de venda de terreno do Vitória Sport Clube à empresa AGR- Investimentos e Construção, SA, pelo preço de PTE 120.000.000$00, outorgada, entre outros, pelo arguido AA .
101 - Para a celebração desta escritura, foram previamente extraídas Públicas Formas de vários documentos, entre eles a Acta nº 24 da Assembleia Geral Extraordinária do VSC, com a redacção introduzida por Maria Fernanda Oliveira, pela qual a notária conferiu a legitimidade da Direcção do VSC para proceder ao acto sujeito a escritura pública.
102 - Acta essa indispensável para a celebração da escritura.
103 - O arguido AA agiu livre, voluntária e conscientemente, sendo sua intenção apropriar-se do montante descrito em 33, bem sabendo que o mesmo não lhe pertencia [vd., infra, 2.1.2.1].
104 - Com a conduta supra descrita em 5-) a 35-), o arguido AA lesou financeiramente os interesses do VSC, causando-lhe um prejuízo de 34.347.909$00, quantia que integrou no seu património, estando bem ciente que tal não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do seu proprietário [vd., infra, 2.1.2.1.].
105 - O arguido AA sabia que lesava o interesse da instituição Vitória Sport Clube que lhe incumbia proteger enquanto Presidente da Direcção dessa instituição [vd., infra, 2.1.2.1.]
106 - Ao agir da forma descrita em 54, o arguido actuou livre voluntária e conscientemente, bem sabendo que documentos em causa não eram verdadeiros, sendo sua intenção, conseguida, a emissão de cheques por parte do VSC que, depois, recebeu e deu-lhes o destino que entendeu.
107 - Ao actuar da forma supra descrita, o arguido Pimenta Machado estava ciente que, atentava contra a segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório que a exibição que um documento traduz.
108 - Ao actuar da forma descrita em 55-) e 58-), o arguido visou ressarcir-se de um empréstimo/adiantamento que fizera ao Vitória Sport Clube.
109 – Ao actuar da forma descrita em 74-) a 76-) e tendo em conta o dinheiro que já havia recebido em 55-) a 58-), o arguido Pimenta Machado agiu livre, voluntária e conscientemente, sendo sua intenção, para além do ressarcimento referido em 108-) apropriar-se do montante de 38.946,22€, a que corresponde à diferença entre aquilo que pagara pelo passe dos jogadores Evando, Ruben e P... e aquilo que recebeu do Vitória para ressarcimento de tal despesa [vd., infra, 2.1.2.2.].
110 - Com a conduta supra descrita, o arguido AA lesou financeiramente os interesses do VSC, causando-lhe um prejuízo de 38.946,22€, quantia que integrou no seu património, estando bem ciente que tal não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do seu legitimo proprietário, nomeadamente o assistente Vitória Sport Clube [vd., infra, 2.1.2.2.].
111 - O arguido AA sabia que lesava o interesse da instituição Vitória Sport Clube que lhe incumbia proteger enquanto Presidente da Direcção dessa instituição [vd., infra, 2.1.2.2.].
112 - O arguido António Pimenta Machado é casado, tendo 2 filhas.
113 - É oriundo de uma família bastante conhecida na cidade de Guimarães, sendo reputada como possuindo uma grande capacidade económica.
114 - A sua esposa é proprietária de uma farmácia, enquanto que o arguido se dedica aos negócios no mercado financeiro e imobiliário.
115 - Além disso, no período compreendido entre 1984 e 1990, explorou os bingos do Belenenses e do Estrela da Amadora.
116 - É reputado por parte dos associados do Vitória, como tendo sido um grande presidente e o grande obreiro do clube, sendo que é também convicção dessa parte dos associados do clube, que o arguido ajudava financeiramente o Vitória».

E, como factos não provados os seguintes:
«Não ficou provado que:
- o montante descrito em 33, que o arguido Pimenta Machado se apropriou, constituísse o pagamento, por parte do Vitória, de empréstimo de igual valor que o arguido lhe houvera concedido [vd., infra, 2.1.2.1.];
- que os direitos desportivos dos jogadores Evando, Ruben e P... pertencessem ao arguido Pimenta Machado;
- que o banco Suíço que emprestou 510.000 USD ao arguido Pimenta Machado lhe tivesse pedido total confidencialidade e que a conduta posterior do arguido, nomeadamente a não comunicação do teor dos contratos ao Vitória e o recurso à S... para o ressarcimento tivesse sido adoptada em virtude de tal solicitação;
- que o montante do empréstimo identificado em 62, tivesse sido pago em Dezembro de 2002;
- que o arguido João Vale e Azevedo tivesse fabricado ou apresentado os documentos a que se referem os pontos 119, 126 e 160 da acusação, para a qual a pronúncia remete, bem como que o mesmo conhecesse da sua falsidade;
- que os passes dos jogadores Riva e Alexandre tivessem custado ao Vitória 150.000USD e 400.000 USD, respectivamente.
- que o arguido se tivesse apropriado de 10.605.050$00, aquando da aquisição do passe do jogador Alexandre, e da quantia de 5.810.000$00, a propósito da transferência do jogador Riva;
- que a conduta do arguido Pimenta Machado tivesse provocado danos na imagem do assistente Vitória Sport Clube;
- que o arguido Pimenta Machado soubesse que a acta n.º 24 tinha uma nova versão, diferente da original e que tal versão não traduzia a vontade de quem representava (sócios do Vitória, através de decisão tomada em A.G.), sendo que sem essa acta, nunca conseguiria ter celebrado a EP de compra e venda com a empresa AGR;
- não resultaram também provados outros factos alegados na acusação (para a qual remete a pronúncia), pedido de indemnização civil e contestações ou alegadas durante a discussão da causa e que se mostrem em contradição com os factos dados como provados ou por eles prejudicados».

2.1.2. Na procedência do recurso interposto do acórdão final pelo Arguido, o Tribunal da Relação,
2.1.2.1. apreciando a impugnação dos factos provados descritos nos nºs 33, 103,104 e 105,
2.1.2.1.1. julgou não provada «a ilegitimidade da descrita apropriação» e
2.1.2.1.2. que «deve dar-se como provado o citado facto não provado, ou seja que o montante descrito em 33 constituiu o pagamento, por parte do Vitória, de empréstimo de igual valor que o arguido lhe houvera concedido»;

2.1.2.2. apreciando a impugnação dos factos provados descritos nos nºs 74 a 76, 109, 110 e 111, julgou «como não provados os factos dos pontos 109, 110 e 111, na parte em que definiam a sua intenção, para além do ressarcimento referido em 108-) apropriar-se do montante de 38.946,22€ e de que estava bem ciente que tal não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do seu legítimo proprietário, nomeadamente o assistente Vitória Sport Clube que lhe incumbia proteger enquanto Presidente da Direcção dessa instituição» (ficando apenas para decidir, em termos de pedido civil, se com a conduta supra descrita, o arguido lesou financeiramente os interesses do VSC, causando-lhe um prejuízo de 38.946,22€).

3. Da questão prévia.

3.1. Como referimos no relato inicial, o Arguido, na resposta às motivações dos recursos interpostos pelo Ministério Público e pelo Assistente, bem como a Senhora Procuradora-Geral Adjunta, no seu parecer, suscitaram a questão da (ir)recorribilidade do acórdão da Relação.
O primeiro, considerando que a lei reguladora do recurso é a vigente «no momento em que ficaram definidas as condições e os pressupostos processuais do próprio direito ao recurso – no momento em que foi proferida decisão sobre a matéria da causa, o acórdão da 1ª instância», concluiu, pela inadmissibilidade dos recursos, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 432º, alínea b) e 400º, nº1, alínea e), ambos do CPP, na versão resultante da Lei 48/07, de 29 de Agosto, porquanto o Acórdão da Relação absolveu o Arguido de dois dos crimes por que ia condenado (crimes de peculato) e, embora tenha mantido a sua condenação pelo terceiro (crime de falsificação), alterou a pena aplicada, de prisão, para pena de multa.
A Senhora Procuradora-geral Adjunta entende que o acórdão recorrido «encontra-se abrangido pelo disposto no nº 1, al. c) do art. 432º do CPP ou se se considerar que o inquérito/processo é de 2001 será irrecorrível nos termos da al. e) do nº 1 do art. 400º do CPP, por ter sido aplicada uma pena inferior a 5 anos».
Curiosamente, já o seu Excelentíssimo Colega do Tribunal recorrido, depois de, «por mera cautela», ter arguido, perante a Relação, a nulidade do acórdão – afinal como se ele não fosse susceptível de recurso ordinário, atento o regime do nº 2 do artº 379º do CPP (cfr. fls. 7651) – sentiu necessidade de, na motivação que apresentou, justificar a sua admissibilidade, «pelo menos, da parte não confirmativa» (cfr. fls. 7665).
O Assistente também não apresenta um discurso linear sobre a questão. Por um lado, na motivação, depois de afirmar que através do recurso «pretende manifestar a mais profunda indignação perante o acórdão recorrido que absolveu o arguido … dos dois crimes de peculato…», remata esta sua introdução dizendo que «não sendo a matéria criminal levada ao conhecimento da Relação pelo assistente passível de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça…» (fls. 7727vº), para depois, na explanação subsequente e nas conclusões finais, contestar a decisão penal. E, na resposta permitida pelo nº 2 do artº 417º do CPP, depois de afirmar que os recursos interpostos «sempre seriam admissíveis», nos termos da alínea b) do nº 1 do artº 432º, não deixou de sublinhar, como acima já referimos, que «a linha de argumentação expendida no parecer … se aplica exclusivamente ao recurso interposto sobre a parte penal, já que, no que concerne à parte do acórdão sobre a indemnização civil se aplica a regra da sucumbência definida no nº 2 do artº 400º do Código de Processo Penal».

3.2. Decidindo:
O presente processo teve o seu início em 2001;
A decisão da 2ª Vara Mista de Guimarães foi proferida em 15 de Fevereiro de 2008.
Entre o início do processo e a prolação desta decisão, o Código de Processo Penal foi alterado, designadamente em matéria de recursos, pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto, que entrou em vigor, nos termos do seu artº 7º, em 15 de Setembro seguinte.
Está assim colocado um problema de aplicação da lei processual penal no tempo a exigir que se defina, desde já, qual das leis sucessivas é a aplicável ao caso sub judice, visto que a lei nova modificou substancialmente os pressupostos e as condições dos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça, tanto os de segundo grau, em matéria penal, como os relativos ao pedido civil: se, quanto à decisão da questão penal, houve o propósito de restringir aqueles recursos, já quanto à parte da decisão do pedido civil, a intenção foi a de alargar as possibilidades de recurso. É o que muito claramente se afirma na Proposta de Lei que está na origem daquele diploma: «Para restringir o recurso de segundo grau perante o Supremo Tribunal de Justiça aos casos de maior merecimento penal, substitui-se, no artº 400º, a previsão de limites máximos superiores a cinco e oito anos de prisão por uma referência a penas concretas com essas medidas… Para garantir o respeito pela igualdade, admite-se a interposição de recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil, mesmo nas situações em que não caiba recurso da matéria penal».
Estão aqui em causa os recursos interpostos pelo Ministério Público e pelo Assistente: o daquele, circunscrito à questão penal; o deste, abrangendo a parte penal e a da indemnização civil.
A Lei 48/07 não contém nenhuma norma de direito transitório especial.
Por isso que, para resolver a questão prévia suscitada, se deva atender à norma de direito transitório geral do artº 5º do CPP, em cujo nº 1 se prescreve, como princípio geral em matéria de aplicação da lei processual penal no tempo, que esta é de aplicação imediata, sem prejuízo da validade dos actos realizados na vigência da lei anterior – a regra do tempus regit actus que constitui, afinal, a reafirmação da doutrina consagrada no artº 12º do CCivil, de que a lei, qualquer lei, só dispõe para o futuro.
O nº 2 do referido artº 5º estabelece, é verdade, duas excepções àquele princípio, no sentido da ultraactividade da lei revogada – a lei processual penal (a lei nova, está claro) não se aplica aos processos iniciados anteriormente à sua vigência quando da sua aplicabilidade imediata possa resultar: a) agravamento sensível e ainda evitável da situação processual do arguido, nomeadamente uma limitação do seu direito de defesa, ou b) quebra de harmonia dos vários actos do processo.
Todavia, não há que considerar aqui essas duas excepções.
Por um lado, porque não está em causa a «situação processual» do Arguido, definida pelo conjunto de direitos e deveres inerentes ao respectivo estatuto, decorrente dos arts. 60º e 61º do CPP e, antes disso, como normas conformadoras desse estatuto, pelos direitos, liberdades e garantias que constitucionalmente lhe são conferidos, designadamente pelos arts. 27º, 28º e 32º da Lei Fundamental. E, concretamente sobre o direito ao recurso, integrante do seu direito de defesa (cfr. nº 1 daquele artº 32º), já o Arguido o exerceu como inteira liberdade e como entendeu.
Acresce que o alargamento das possibilidades de recurso eventualmente conferidas pela lei nova ao Ministério Público, ao assistente ou a demandante civil não contende com a «situação processual» do arguido (se, é evidente, lhe for concedido, como não pode deixar de ser, o direito de responder), por ser estranho ao seu estatuto, mesmo quando, por via de um recurso até então não permitido, a pena ou o montante da indemnização possam sair agravadas – matéria estas do âmbito do direito material que, é esse o pressuposto da proposição, se manteve inalterado.
Por outro lado, tendo embora a Lei 48/07, como dissemos, alterado os pressupostos e condições do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, de modo algum rompeu com o paradigma anterior e menos ainda com o modelo de processo. Por isso que tendo a fase do recurso «autonomia relativa, mas processualmente relevante, na estrutura e na dinâmica do processo (Ac. STJ, nº 4/2009, de 18 de Fevereiro de 2009, publicado no DR, 1ª Série, de 19 de Março seguinte), a aplicação da lei nova a esta fase de processo iniciado na vigência da lei antiga não é susceptível de criar inconciliabilidade com as fases anteriores e desarticulação entre os vários actos do processo.

A lei nova é, pois, a aqui aplicável.
Aliás, à mesma conclusão se chegará se partirmos da fundamentação do citado Acórdão 4/09 destinado a fixar jurisprudência numa situação não coincidente com a que está aqui em discussão (estava então em jogo era o direito do arguido ao recurso), onde se considerou que «o momento em que é proferida a decisão será “aquele em que se configura o exercício do direito de dela recorrer, no pressuposto de que só depois de conhecida a decisão final surge na esfera jurídica dos sujeitos processuais por ela afectados, na decorrência de um abstracto direito constitucional ao recurso, o concreto ‘direito material’ em determinado prazo, deste ou daquele recurso ordinário ou extraordinário” (cf., v. g., José António Barreiros, Sistema e Estrutura do Processo Penal Português, I, p. 189)». E, como no início se referiu, a decisão da 1ª instância foi proferida em pleno domínio da lei nova.

Definido como regime legal aplicável o decorrente das alterações introduzidas no CPP pela Lei 48/07, de 28 de Agosto, importa esclarecer o sistema dos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça por ele desenhado, no que seguiremos a linha interpretativa perfilhada nos Acórdãos deste Tribunal, de 18.02.09, Pº nº 102/09-3ª e de 29-04-09, Pº 329/05.1PTLRs.S1 – 3ª.
É o artº 432º do CPP que define a recorribilidade das decisões penais para o Supremo Tribunal de Justiça. De forma directa, nas alíneas a), c) e d), do seu nº 1; de modo indirecto, na alínea b) do mesmo número, através da não recorribilidade das decisões proferidas, em recurso, pelos tribunais da relação, tal como estabelecidas nas diversas alíneas do nº 1 do artº 400º.
E, como se diz no citado Acórdão de 18.02.09,
«A referência essencial para a leitura integrada do regime – porque constitui a norma que define directamente as condições de admissibilidade do recurso para o STJ – não pode deixar de ser a alínea c) do nº 1 do artigo 432º do CPP, que fixa, em termos materiais, uma condição e um limiar material mínimo de recorribilidade – acórdãos finais, proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo, que apliquem pena de prisão superior a cinco anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito.
Não sendo interposto de decisão do tribunal colectivo, ou sendo recurso de decisão do tribunal colectivo ou do tribunal do júri que não aplique pena de prisão superior a cinco anos, o recurso, mesmo visando exclusivamente o reexame da matéria de direito, segue a regra geral do artº 427º do CPP e deve ser obrigatoriamente dirigido ao tribunal da relação.
A repartição de competências em razão da hierarquia pelas instâncias de recurso está, assim, delimitada por uma regra-base que parte da confluência de uma dupla de pressupostos – a natureza e a categoria do tribunal a quo e a gravidade da pena efectivamente aplicada.
A coerência interna do regime de recursos para o STJ em matéria penal supõe, deste modo, que uma decisão em que se não verifique a referida dupla de pressupostos não deva (não possa) ser recorrível para o STJ. Com efeito, se não é admissível recurso directo de decisão proferida por tribunal singular, ou que aplique pena de prisão não superior a cinco anos, também por integridade da coerência que deriva do princípio da paridade ou até da maioria de razão, não poderá ser admissível recurso de segundo grau de decisão da relação que conheça de recurso interposto nos casos de decisão do tribunal singular ou do tribunal colectivo ou do júri que aplique pena de prisão não superior a cinco anos».
Neste sentido, como também aí se invoca, o Acórdão de 25-06-08, Pº 1879/08: «desde que não haja condenação em pena não superior a cinco anos de prisão, não incumbe ao STJ, por não se circunscrever no âmbito dos seus poderes de cognição, apreciar e julgar recurso interposto de decisão final do tribunal colectivo ou do júri que condene em pena não superior a cinco anos de prisão».

Posto isto, e porque estamos perante um acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido em recurso interposto de um acórdão da 2ª Vara Mista de Guimarães que aplicou penas parcelares e pena conjunta não superiores a 5 anos, o recursos em segundo grau para o Supremo Tribunal de Justiça, tanto o do Ministério Público como o do Assistente não são admissíveis.
Como com oportunidade salientou a Senhora Procuradora-geral Adjunta, seria no mínimo estranho que uma decisão daquela Vara que aplicasse uma pena de prisão superior a 5 anos, estando em causa apenas matéria de direito, só fosse susceptível de um grau de recurso, a interpor directamente para o Supremo Tribunal de Justiça, por força do disposto no nº 2 do citado artº 432º, mas que já fossem eventualmente admissíveis dois graus de recurso (primeiro para a relação; daí para o Supremo), se a pena aplicada não fosse superior a esse limite.
De qualquer modo, se pudesse julgar-se improcedente a argumentação até aqui perfilhada, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães aqui em causa sempre seria irrecorrível por força da alínea e) do artº 400º, por ter aplicado pena de multa.

Obtemperará o Assistente, porventura, que aplicando-se a nova lei ao caso concreto, fica a perder o recurso em segundo grau, admissível, ao menos na parte em que o Tribunal da Relação não confirmou o Acórdão da 1ª instância (mais concretamente, quanto aos crimes de peculato relacionados com a transferência dos jogadores Pedro Barbosa e Pedro Martins, por um lado, e F...M..., por outro), por força da anterior redacção do artº 400º, nº 1-f), a contrario. Mas não teria razão. Como no início se viu, a alteração das possibilidades de recurso por parte do assistente não constitui excepção ao princípio geral da aplicação imediata da lei nova, salvo é claro – o que não está aqui em causa – se a nova viesse pura e simplesmente eliminar o segundo grau de jurisdição relativamente a decisões que lhe fossem desfavoráveis.
A Constituição, no seu artº 32º, nº 7, confere o direito de o ofendido intervir no processo, nos termos da Lei. Como notam Vital Moreira e Gomes Canotilho na sua “CRP Constituição da República Portuguesa”, Anotada, pág. 523, diferentemente do que acontece em relação ao arguido, a lei constitucional não especifica as dimensões fundamentais do direito do ofendido intervir no processo, remetendo para a lei ordinária essa tarefa. De qualquer modo, o legislador ordinário não pode deixar de consagrar, entre outros que não interessam ao caso concreto, o de poder recorrer da sentença absolutória. E esse núcleo essencial de poderes processuais ficou garantido com o direito, aliás exercido, de recorrer para o Tribunal da Relação. E, nem mesmo o arguido goza da garantia de um duplo grau de recurso, como sistematicamente vem decidindo o Tribunal Constitucional.
De resto, como se pode ver da própria motivação do recurso, o Assistente ao requerer, por exemplo a realização da audiência oral, moveu-se decididamente no âmbito da lei nova.

Decisão: Em conformidade com o exposto, rejeitam-se os recursos interpostos pelo Ministério Público e pelo Assistente da parte do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães relativa à questão penal, por não serem admissíveis nos termos do artº 432º, alíneas c) e b), esta com referência ao artº 400º, nº 1, alínea e), ambos do CPP, na sua versão actual.

4. A parte do recurso relativa ao pedido civil, não tem, no caso, o mesmo desfecho.
Como já antes se disse, a Lei 48/07 alargou as possibilidades de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça quanto à questão do pedido civil.
Se antes, de acordo com a jurisprudência deste Tribunal, o recurso só era viável quando fosse admissível recurso da decisão sobre a questão penal, agora, por força da redacção dada aos nº 2 e 3 do artº 432º, a admissibilidade do recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil depende apenas do valor do pedido e da alçada do tribunal recorrido bem como da sucumbência, independentemente de ser ou não admissível recurso da parte penal.
No nosso caso, esses pressupostos estão manifestamente preenchidos: o valor do pedido é de €2.309.578,17 (cfr. fls. 4233); a alçada do tribunal da relação é de €30.000,00 – artº 31º da Lei 52/2008 (LOFTJ), de 28 de Agosto; a sucumbência foi total.
Também agora o Arguido não poderá dizer que o alargamento da possibilidade deste recurso agrava o seu estatuto processual. Mesmo que se aceite que aqui, no domínio da lei processual proprio sensu, não se impõe a regra da aplicação em bloco de um dos regimes sucessivos – e, numa análise muito superficial, parece que não repugnaria aceitar a possibilidade de aplicar a cada um dos segmentos da decisão (o que tratou da questão penal e o que incidiu sobre o pedido civil) diferente versão do CPP, dado tratar-se de questões que a própria lei autonomiza entre si, nos termos do artº 403º, nº 2, alíneas a) e b), do CPP –, a verdade é que não é a sua posição processual que é afectada, porque nenhum direito ou garantia de defesa lhe é tirado por essa via. O muito que poderá acontecer, como já antes notamos, é que, por via do segundo grau de recurso o Arguido veja afectado o seu património. Mas isso nada tem a ver, repete-se, com o seu estatuto processual, tanto mais que teve oportunidade de responder à motivação, como efectivamente respondeu.
O recurso foi, pois, bem recebido, quanto a esta matéria.

4.1. Do seu mérito.
Expurgando as conclusões da matéria atinente à decisão da questão penal, sobram as seguintes questões relativas ao pedido civil:
o Arguido deve ser condenado a pagar ao Assistente a quantia de €171.326,65 (equivalente a 34.347.909$00),acrescida dos juros legais, relacionada com a transferência dos jogadores Pedro Barbosa e Pedro Martins;
deve ainda ser condenado a pagar-lhe a quantia de €38.946,22 e juros legais, de que ilegitimamente se apropriou a propósito da transferência do jogador F...M...;
deve, finalmente ser condenado a pagar-lhe a quantia de €67.337,71, bem como os correspondentes juros, que teve de pagar a título de imposto por serviços que nunca lhe foram prestados.

4.1.1. Quanto à primeira questão
A condenação do Arguido na 1ª instância, a pagar ao Assistente a quantia de €171.326’65 (correspondente a 34.347.909$00) assentou nos factos então julgados provados, designadamente os descritos nos nºs 33, 103, 104 e 105, vindos da pronúncia, e no facto não provado indicado em primeiro lugar, ou seja, em resumo, na apropriação dolosa, em prejuízo do VSC, por banda do Arguido, daquela importância.
A verdade, como vimos, é que essa tese foi destruída pelo Tribunal da Relação que, alterando aquela factualidade, decidiu que, «além de não se poder dar como provada a ilegitimidade da descrita apropriação, deve dar-se como provado o citado facto não provado, ou seja, que o montante descrito em 33 constituiu o pagamento, por parte do Vitória, de empréstimo de igual valor que o arguido lhe havia concedido».
Estamos, pois, no domínio da matéria de facto directamente relacionada com a questão penal, concretamente, no domínio dos factos essenciais ao preenchimento de um dos crimes de peculato imputados ao Arguido – o relacionado com a transferência para o “Sporting” dos jogadores Pedro Barbosa e Pedro Martins – que o Tribunal da Relação deu como não provados.
Ora, os recursos da questão penal foram rejeitados por não serem admissíveis. Por isso, não sendo permitido recurso desse segmento do acórdão da Relação de Guimarães, não existe espaço processual para o Supremo Tribunal de Justiça poder exercer os poderes de cognição que lhe são conferidos como tribunal de recurso. A matéria de facto fixada pelo acórdão em análise, incidente sobre a questão penal, não pode ser sindicada e, muito menos, alterada. E o que nela se assegura é que o referido montante constituiu o pagamento por parte do VSC de um empréstimo de igual montante que o Arguido lhe havia concedido – o que afasta qualquer hipótese de prejuízo para o Demandante
Por outro lado, a causa de pedir assenta exclusivamente na alegada, mas improcedente, responsabilidade criminal.
Nesta conformidade e quanto a esta parte do pedido, que decididamente não tem outros factos em que se apoie, para além dos da pronúncia, o recurso é rejeitado por manifesta improcedência

4.1.2. Quanto ao pedido de €38.946,22 relacionado com a transferência do jogador F...M...;
A condenação do Arguido a pagar ao Assistente a quantia em epígrafe tem por fundamento os factos provados descritos sob os números 55 a 58 e 109 a 111, integradores de um segundo crime de peculato, concretizado na apropriação dolosa, em prejuízo do “Vitória”, da importância que ultrapassava o que ele havia pago pelo passe dos jogadores Casagrande, Ruben e Evando.
Também esta parcela da pronúncia foi julgada improcedente pelo Tribunal da Relação, depois de ter julgado não provados os factos dos nºs 109, 110 e 111, «na parte em que definiam a sua intenção, para além do ressarcimento referido em 108-) apropriar-se do montante de 38.946,22€ e de que estava bem ciente que tal não lhe pertencia e que actuava contra a vontade do seu legítimo proprietário, nomeadamente o assistente Vitória Sport Clube que lhe incumbia proteger enquanto Presidente da Direcção dessa instituição».
Pelos motivos referidos a propósito da 1ª questão, também aqui, a factualidade que a Relação fixou se impõe.
Porém, como o próprio Tribunal a quo ponderou, embora afastado o crime de peculato, havia que indagar, em termos de pedido civil se, de facto, o Arguido «com a conduta supra descrita, … lesou financeiramente os interesses do VSC, causando-lhe um prejuízo de 38.946,22€».

Sobre esta questão, o Arguido, na motivação do seu recurso, alegou, além do mais, que o valor pelo qual foi ressarcido pelo assistente é igual àquele pelo qual era credor deste, tendo sido ainda prejudicado pela operação, apresentando os seguintes cálculos com as notas que se seguem:

CHEQUE a fls. DATAMONTANTE EM ESCUDOSTAXA DE CÂMBIOMONTANTE EM DOLARESMONTANTE EM EUROS
124/DB20-08-009.000.000,000,9023$40.505,0044.883,81 €
125/DB30-08-009.000.000,000,8909$39.994,0044.883,81 €
126/DB10-09-009.000.000,000,8609$38.646,0044.883,81 €
131/DB30-09-009.000.000,000,8765$39.346,0044.883,81 €
143/DB30-10-009.000.000,000,8482$38.076,0044.883,81 €
149/DB15-11-009.000.000,000,8596$38.588,0044.883,81 €
152/DB25-11-009.000.000,000,8406$37.735,0044.883,81 €
153/DB05-12-009.000.000,000,881$39.548,0044.883,81 €
156/DB,20-12-009.000.000,000,9059$40.666,0044.883,81 €
182/DB30-12-009.000.000,000,9305$41.771,0044.883,81 €
TOTAIS$394.875,00448.883,10 €


Acrescendo a este valor o montante de 119.995,00 USD provenientes da transferência do jogador P... e o valor dos juros de 20.368 USD resulta:

VALORES EM DÓLARESVALORES ACÓRDÃO EM EUROS
Empréstimo USD505.652,98514.659,52
Transferência P...119.955,00130.783,92
10 cheques de 9.000 contos394.875,00448.918,10*
Juros20.368,0026.096,28
Empréstimo + juros526.020,98540.755,80
Reembolsos514.830,00579.702,02
Diferença entre valor do empréstimo e reembolsos-11.190,9838.946,22

* A conversão operada enferma de erro conforme se pode compulsar do extracto bancário constante do Apenso XXXIII, que se repercute no resultado apurado.
Atento o pagamento efectuado em dólares americanos a aferição dos valores dos reembolsos deverá ter por referência esta moeda sob pena de adulteração dos resultados pela (i)variação das taxas de câmbio entre moedas ao longo do tempo (ii) a variação das próprias taxas entre diferentes moedas moedas escudos/euros e dólares/euros»

E o Assistente respondeu do modo seguinte:
«Cumpre então recordar ao arguido que, tomando-se como boa a sua tese de que tinha procedido a um empréstimo ao Vitória Sport Clube, então, esse empréstimo ocorreu entre duas pessoas domiciliadas em Portugal, e portanto sujeitas à legislação portuguesa, designadamente, no que esta matéria interessa, na obrigação de pagamento em moeda que tenha curso legal em Portugal, pelo que bem andou o Tribunal recorrido em ter como referência a actual divisa com curso legal em Portugal, ou seja, o Euro, tanto mais que, no período temporal em referência, ou seja, 25 de Janeiro de 2000, data em que o arguido contraiu um empréstimo junto de um banco suíço, o escudo encontrava-se já com o seu valor fixado face ao Euro.
MAIS ACRESCE QUE,
As obrigações valutárias, ou seja, o pagamento de obrigações pecuniárias em moeda com curso legal no estrangeiro, dependem de estipulação nesse sentido entre credor e devedor, como preceitua o artigo 558º n.º 1 do Código Civil. Ou seja, se tivesse sido acordado entre o arguido e o Vitória Sport Clube que esse (alegado) empréstimo seria pago em dólares, então o pagamento do Vitória Sport Clube dessa obrigação em euros ou escudos, seria, nos termos do n.º 1 do artigo 558º do Código Civil, “(...) segundo o câmbio do dia do cumprimento e do lugar para este estabelecido(...)”.
Mas como não foi convencionado o pagamento do aludido empréstimo em divisa estrangeira, não surge então nenhuma obrigação para o Vitória Sport Clube de pagar essa quantia atendendo ao câmbio da divisa na data do cumprimento.
Deste passo, apesar de não se poder concordar com o facto de o Tribunal recorrido ter entendido que o arguido se visou ressarcir de um empréstimo que tinha concedido ao Vitória Sport Clube, bem andou o Tribunal recorrido em fazer a conversão de todos os valores em causa para euros».

O Tribunal recorrido decidiu do seguinte modo:
«Vejamos, …, se houve algum excesso.
Como se vê do Apenso XXXIII, Vol. I, fls. 28, e tal como o arguido invoca, o pagamento dos jogadores foi feito em dólares americanos.
Assim, é legítimo que, respeitando os câmbios das datas de ressarcimento, se façam as contas em dólares.
As taxas de câmbio do dólar, nas datas dos recebimentos, eram as indicadas pelo arguido (cf. histórico de câmbios em www.bportugal.pt).
Como já se disse, ele despendeu 526.020.98 USD (505.617,98 USD+20.368,00) e apenas recebeu 514.830,00 USD, pelo que ainda teria a receber mais 11.190,98 USD.
O Tribunal, como se viu, justifica a sua diferença com o benefício para o arguido das melhores taxas de câmbio na data – 27-06-01 – em que transferiu os 120 mil USD da conta 223460/00 que era em dólares, para a conta n.º 223460/35 que era em Euros, mas a verdade é que essa transferência nada tem a ver com o negócio em causa, tal como não poderia ter repercussões em prejuízo do clube se à data dessa mesma transferência as taxas de câmbio fosse mais desfavoráveis: o que contava, e conta, é a moeda em que o arguido pagou e os montantes que nessa moeda recebeu.
O contrário, como acentua o arguido, levava a adulteração dos resultados pela (i) variação das taxas de câmbios entre moedas ao longo do tempo (ii) a variação das próprias taxas entre diferentes moedas escudos/euros e dólares/Euros.
Quanto aos argumentos do clube, acima transcritos, tem que se dizer que, tendo o arguido, em acto de gestão do clube – a compra de jogadores –, ajustado com o clube brasileiro o pagamento em dólares americanos, estava, automaticamente, a estipular recebimento em igual moeda, ao abrigo do disposto no artigo 558º n.º 1 do Código Civil, sendo que, como já se disse, os câmbios dos sucessivos dias de cumprimento estão correctos».
E julgou improcedente o pedido civil baseado no pretendido excesso.

Agora, na motivação do recurso aqui em julgamento, o Assistente alega, no essencial, que:
- o Tribunal recorrido não pode dar como assente, como fez, que "tendo o arguido, em acto de gestão do clube – a compra de jogadores – ajustado com o clube brasileiro o pagamento em dólares americanos, estava, automaticamente, a estipular recebimento em igual moedas ao abrigo do disposto no artigo 558° n.°1 do Código Civil, porquanto não se encontra nos autos qualquer vestígio de que tivesse havido estipulação contratual nesse sentido, sendo que, a obrigação de pagamento nessa divisa teria que obrigatoriamente ser estipulada entre as partes nos termos do artigo 558° do Código Civil.
- Tendo-se considerado que o arguido realizou um empréstimo ao assistente no valor de 514.659,52€, ou o equivalente 505.652,98 Dólares Americanos, então esse empréstimo é regulado pelo regime do mútuo, conforme os artigos 1142° e sgs. do Código Civil, e portanto, nulo por falta de forma nos termos do artigo 1143° do mesmo código.
- Decorrente da nulidade do contrato, não é devido o pagamento de juros, por força do artigo 289° do Código Civil, pelo que, mal andou o Tribunal recorrido em considerar o valor de juros pagos pelo arguido no cálculo do excesso da quantia que o arguido se locupletou.
- mesmo que se argumentasse que o mútuo se presume oneroso, a única testemunha que se pronunciou quanto à gratuitidade ou onerosidade dos empréstimos que o arguido concedia ao assistente é peremptória ao afirmar que " (...) o arguido, muitas vezes, punha dinheiro no clube para solucionar problemas, sendo que o Vitória apenas lhe pagava quando tivesse dinheiro e sem juros. - Cfr. declarações de Pedro Xavier Ac. Primeira instância, pag . 62.
- Aliás, quando noutra sede o Tribunal recorrido analisou os empréstimos do arguido ao assistente, a sua fundamentação abordou a gratuitidade ou onerosidade dos mesmos, assim dizendo "Com este meio, o arguido fazia entradas de dinheiro ou pagamentos e recebia em iguais moedas, chegando a ter um crédito de 50.000.000$00 sobre o clube e os documentos encontrados (melhor dito, os que vieram aos autos) apenas reflectem pontuais débitos dele que recebia sempre as quantias que lhe eram devidas e sem juros" – Cfr. Acórdão recorrido, pag 164 – pelo que, mal andou o Tribunal recorrido em considerar o valor de juros pagos pelo arguido no cálculo do excesso da quantia que este se locupletou.

Apreciando:
A matéria de facto fixada, a este propósito, pelo Tribunal da Relação, diz-nos, em resumo, apenas, que:
- o Arguido contraiu um empréstimo, em USDólares, junto de um banco estrangeiro, para pagar a aquisição dos passes de 3 jogadores brasileiros para o Assistente (nºs 61 e 62 dos factos provados);
- pela concessão desse empréstimo, o Arguido suportou encargos, designadamente juros (nº 74 dos factos provados);
- para pagamento desse adiantamento, o VSC emitiu 10 cheques de 9 mil contos cada e transferiu para a conta do Arguido USD120.000,00 (nºs 55, 69, 76 e 109 dos factos provados, com as alterações introduzidas pelo Tribunal recorrido).

Sendo assim, afigura-se-nos que tanto o acórdão recorrido como a motivação do Assistente enfermam de imprecisão, quando não mesmo de erro de análise.
Com efeito, não nos parece que se possa dizer, por um lado, que tenha sido celebrado um qualquer contrato de mútuo entre o Arguido e o Assistente, no âmbito do qual tenham sido estipulados juros. Por outro lado, também não se compreende ou não se alcança o fundamento do acórdão recorrido de que o Arguido tem direito a ser ressarcido em USDólares.
O que vem provado é tão-somente que o Arguido contraiu um empréstimo em USDólares para acudir a uma despesa do Assistente e que este lhe pagou, parte nessa moeda e parte em Escudos – na época, ano de 2000, a moeda com curso legal no nosso país (cfr. DL 117/2001, de 17 de Abril).
Deste modo, se o Arguido, naquelas condições e com aquela finalidade, contraiu um empréstimo em USDólares, temos por irrecusável que tem direito a receber o valor do que empregou na compra dos jogadores, acrescido dos inerentes encargos – afinal, o quantitativo que o Assistente teria que suportar, se fosse ele o mutuário.
Por outro lado, se foi ressarcido pela transferência, a seu favor, de USD120.000,00 (nº 76 dos factos provados) e pela emissão de 10 cheques de 9.000.000$00, o que importa determinar, para apreciação desta parte do pedido civil, é se a soma dessas duas verbas excede ou não e, na afirmativa, em que medida, o valor do investimento acrescido dos mencionados encargos.
Pois bem.
Parte da dívida foi paga através da emissão de 10 cheques de 9 mil contos cada um que, embora com datas de emissão sucessivas – entre 20 de Agosto e 31 de Dezembro de 2000 –, foram entregues ao Arguido na mesma ocasião (nºs 55 e 56 dos factos provados). Esses cheques foram descontados, por depósito em conta, entre 21 de Setembro de 2000 e 21 de Fevereiro de 2001 (nº 68 dos factos provados), o que significa que, pelo menos na primeira destas datas, já o Arguido tinha na sua posse todos os cheques.
Como é sabido, o cheque é pagável à vista, nos termos do artº 28º da Lei Uniforme sobre Cheques e constitui um meio de pagamento que, depois de recebido o valor sacado, extingue a obrigação («datio pro solvendo») – artº 840º do CCivil.
A dação em função do cumprimento reconduz-se a um mandato conferido pelo devedor ao credor para liquidar a coisa ou direito dado “pro solvendo” (Mário Júlio de Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 5ª edição, 936)
No nosso caso, o pagamento por meio dos cheques não foi defraudado. (nº 69 dos factos provados).
Deste modo, estando o Arguido na posse de todos os cheques nunca depois do dia 21.09.2000 e podendo nessa data apresentá-los todos a pagamento, temos para nós que a equivalência dos 90.000.000$00 a dólares se há-de calcular pelo câmbio em vigor nessa data.
A taxa de câmbio euro/dólar naquele dia era de 0,8524, como consta em www.bportugal> câmbio> taxa de câmbio diária> informação histórica diária (ficheiro “Excel” 2000Kb). Por sua vez, o euro foi cotado (taxa de conversão irrevogável) em 200$482. Ora, aplicando estes factores ao caso sub judice, verificaremos que os 90 mil contos titulados pelos 10 cheques correspondiam a USD382657,80 <90.000.000$00x0,8524(cotação euro/dólar):200,482, valor do euro em escudos)], quantia esta que, acrescida à da transferência de USD120.000,00, fica aquém dos USD526.020,98 despendidos pelo Arguido (505.652,98 do custo dos jogadores, mais 20.368,00 de encargos). A idêntica conclusão se chegará se seguirmos a taxa de câmbio correspondente a cada uma das datas inscritas nos cheques como de emissão, como evidencia o quadro apresentado pelo Arguido, onde as taxas de câmbio indicadas estão correctas, como afirma o acórdão recorrido e pode ser confirmado no sítio do Banco de Portugal antes referido. Não tendo o Arguido recebido mais do que lhe era devido, o pedido, nesta parte, terá naturalmente de ser julgado improcedente. 4.1.3. Quanto à verba de €67.337,71 Trata-se da matéria levada às conclusões 34º e seguintes. Recordemos o pedido e os factos provados: O Assistente pediu a condenação do Arguido no pagamento da quantia em epígrafe, correspondente ao montante do imposto que deveria ter sido retido na fonte pelo pagamento de 90.000.000$00 a título da comissão cobrada pela “S...” pela pretensa intermediação na transferência do jogador F...M... e que acabou por ter de pagar ao Fisco. Proferido o acórdão da 1ª instância, o Assistente foi pedir a sua correcção nos termos referidos no relato inicial tendo o respectivo requerimento sido indeferido pelos motivos que também aí constam. No recurso para a Relação a questão foi de novo suscitada, mas julgada improcedente. Diz o acórdão recorrido: «Mais precisamente, e com interesse, o recorrente alega o seguinte, que pontualmente se analisa: …com a entrega pelo arguido na contabilidade do Vitória Sport Clube das dez facturas por si falsificadas, …desde logo, “nasceram” duas obrigações para o recorrente: A obrigação de pagar o valor constante nessas facturas; Subsequente e conexamente, a obrigação de liquidar o respectivo imposto. Ora, certo é que a liquidação do imposto sempre seria devida, porquanto assentava o seu fundamento no pagamento de serviços a uma entidade não residente (cfr. relatório de Inspecção Tributária de Braga a fls. 1851, 7º vol.). Como se vê, é o próprio recorrente a afirmar que a liquidação do imposto sempre seria devida! De facto, titulando, o arguido, a despesa como uma comissão de um intermediário não residente, nos termos explicados no relatório de fls. 1851, era devido um imposto de 15% sobre o montante respectivo. Mas, como o recorrente também reconhece, era sobre si que impendia a obrigação de reter aquele imposto, ou seja, mesmo com a falsa declaração do arguido, quem violou o dever fiscal foi o recorrente, sobretudo na pessoa do seu chefe da contabilidade. E não se diga que o arguido “enganou” o clube ao dizer que se tratava de uma comissão, pois o chefe da contabilidade, como o recorrente confessa, estava bem ciente de que, nesse caso, o imposto era devido. O arguido, como já está assente (falta apenas discutir o excesso imputado pelo Tribunal), não recebeu mais do que lhe era devido e, a considerar-se o valor do imposto, ainda lhe faltaria receber, do “empréstimo” que fez ao clube (pagando os passes dos jogadores) o valor equivalente a esse imposto. O próprio clube nota isto quando afirma que …desta forma, a S... (leia-se arguido Pimenta Machado) receberia menos, o que de forma alguma interessava àquele!!! Em suma: o facto que fez nascer o imposto foi a atribuição, pelo arguido, da qualificação de “comissão”; o dever de o reter cabia ao clube. Logo, a responsabilidade pela “existência” do imposto é do arguido, mas a falta da sua cobrança é imputável ao recorrente. Por outras palavras, em termos criminais, o arguido iludiu o clube quanto ao motivo para ser pago daquilo que lhe era devido, mas não o iludiu sobre a não retenção do imposto; em termos civis, o arguido recebeu apenas aquilo a que tinha direito e, não determinando o clube à não cobrança, não lhe é imputável qualquer prejuízo decorrente da falsificação. Diz o recorrente: Se o arguido se tivesse ressarcido da forma como anteriormente o tinha feito – lançamento do valor na sua conta corrente – não teria o Vitória Sport Clube de pagar €67.337,7. a título de imposto. É verdade: se o arguido tivesse apresentado ao clube uma qualquer nota de ter “adiantado” o valor correspondente ao pagamento dos passes dos jogadores, não nascia a obrigação de pagar imposto., nem consequentemente, o clube violava a obrigação fiscal. Não corresponde à verdade que: …o arguido tivesse dado instruções expressas aos serviços do Clube para que a quantia dos 90.000 contos lhe fosse entregue líquida de quaisquer impostos, (cfr. ponto 57 dos factos provados da matéria de facto (nada disto lá consta!) … Porém, mesmo que a via escolhida, a da ”comissão”, fosse a menos onerosa em termos de impostos – se, por exemplo, a despesa fosse justificada como um empréstimo confidencial do arguido ao clube (nada tem isto a ver com a confidencialidade do negócio do arguido com o banco suíço), a taxa seria de cerca de 50%, isto é, o imposto seria de cerca de 45.000 contos!!! –, quem acabou por violar a lei foi o clube: se o chefe da contabilidade cumprisse o seu dever de reter o imposto de cada uma das facturas, então se veria como é que o arguido reagia. Daqui a “necessidade” de o recorrente agora inventar, isto é, contra a verdade dos factos, que o arguido deu instruções expressas, mas esquecendo-se de que foi o mesmo chefe da contabilidade que entregou os cheques sem desconto de imposto e que inscreveu a despesa na conta nº 6564-Despesas com Prospecção de Jogadores. Assim, a culpa pela não cobrança, por retenção, do imposto determinado pela acção do arguido, foi do próprio recorrente, não devendo por isso ser ressarcido». O Recorrente insiste no pedido, porquanto, como alega na conclusão 35ª, «a obrigação de pagamento de € 67.337,71 efectuado pelo Vitória Sport Clube a título de retenção de imposto por serviços que nunca lhe foram prestados, apenas surgiu na esfera jurídica do recorrente com a falsificação pelo arguido de dez facturas e duas declarações, sendo que o arguido foi condenado por este crime de falsificação». Os factos provados com interesse para a decisão são os transcritos sob os nºs 54, 57 e 59. Quer dizer, o Arguido apresentou na contabilidade do Assistente documentos falsos que apresentavam a off-shore “S...” como credora de uma comissão de 90.000.000$00 por pretensa intermediação na transferência do jogador F...M.... O VSC pagou essa “comissão”, através dos 10 cheques de 9 mil contos tratados no número anterior. Apresentando-se o pagamento como feito a uma entidade sem qualquer ligação ao nosso país, o VSC, por força dos arts. 4º, nºs 2 e 3-alínea c)-6 e 7), 69º, nº 2-f), 75º, nºs 1-g), 3 e 5 e 106º, do CIRC (na versão anterior ao DL 198/2001; na versão deste DL, cfr. o citado artº 4º e ainda os arts. 80º, nº 2-e), 88º, nºs 1-g), 3-b),5 e 6 e 123º), estava obrigado a reter na fonte 15% daquela importância, isto é, 13.500.000$00 que, realmente, correspondem à quantia peticionada (<13.500.000$00:200,482=€67.337,72). Não o tendo feito, o Fisco veio cobrar-lhe essa dívida, por ser o Assistente o seu garante, nos termos daqueles arts. 106º e 123º. Mas o sujeito passivo da obrigação fiscal era o credor, ou seja, a “S...”. Era esta a devedora do IRC correspondente à comissão cobrada. Por isso, se o VSC tivesse cumprido aquela imposição, a “S... apenas teria direito a receber cheques no montante de 76.500.000$00 (<90.000.000$00, menos 13.500.000$00, do imposto que devia ter retido). Já sabemos que a intermediação da off-shore, aliás da titularidade do Arguido (nº 60 dos factos provados) nunca existiu e que o verdadeiro destinatário da comissão paga através dos cheques foi o Arguido. Mas foi ele, através da falsificação dessa intervenção, pela qual foi condenado, que deu motivo ao processamento do IRC nos termos referidos. Isto é, foi a falsificação por ele engendrada que determinou o nascimento da obrigação de pagar IRC e a consequente retenção na fonte por parte do VSC. Por isso que não se possa aceitar que, se o Assistente tivesse procedido à retenção na fonte o Arguido teria recebido menos do que lhe era devido. Tal como procedeu, só tinha direito a receber o valor da comissão, deduzido do imposto correspondente, no caso, o que devia ter sido retido. Aliás se não tivesse sido feita a falsificação e o Arguido se tivesse apresentado como intermediário e credor directo da comissão, sempre haveria de pagar o correspondente IRC. Estão, pois, preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar, tal como estabelecidos no artº 483º, nº 1, do CCivil: a) o facto voluntário, criminalmente ilícito e doloso praticado pelo Arguido – a falsificação dos documentos e a consequente apresentação da “S...” como credora da comissão de intermediação; b) o dano sofrido pelo Assistente; c) o irrecusável nexo de causalidade entre a conduta do Arguido e o dano sofrido pelo VSC. Como assim, esta parte do pedido de indemnização está fundada na prática de um crime, pelo qual, de resto, o Arguido foi condenado. É verdade que o pagamento dos 90 mil contos está relacionado com o «negócio da venda do jogador F...M...» e que o Arguido foi absolvido do crime de peculato que lhe estava associado. Mas só o pagamento, melhor, a entrega dos cheques. A relação jurídica subjacente à emissão desses cheques é a comissão exigida pela “S...”, nascida da falsificação praticada pelo Arguido. E foi a presença desta off-shore a causa da obrigação da retenção na fonte do IRC . Nesta parte, o recurso procede. 5. Em conformidade com o exposto, acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em: 5.1. Rejeitar os recursos interpostos pelo Ministério Público e pelo Assistente da decisão sobre a questão penal, por não serem admissíveis; 5.2. Quanto ao recurso da questão civil interposto pelo Assistente: 5.2.1. rejeitá-lo relativamente ao pedido relacionado com a transferência dos jogadores Pedro Barbosa e Pedro Martins (cfr. 4.1.1., supra), por manifesta improcedência; 5.2.2. julgá-lo improcedente quanto ao pedido relacionado com a transferência do jogador F...M... (cfr. 4.1. 2., supra); 5.2.3. julgá-lo procedente quanto ao pedido da verba que teve de pagar ao Fisco (cfr. 4.1.3., supra), revogando, na parte correspondente, o acórdão recorrido; 5.3. Confirmar no mais apreciado o acórdão recorrido O Ministério Público está isento de custas. O Assistente pagará as custas correspondentes ao recurso interposto da questão penal. Quanto ao recurso interposto da questão civil, as custas serão repartidas entre o Assistente e o Arguido na proporção do vencido. O Assistente pagará ainda a soma de 5 (cinco) UC´s, nos termos do nº 3 do artº 420º do CPP. Lisboa, 1 de Outubro de 2009 Processado e revisto pelo relator Sousa Fonte (relator) Santos Cabral