Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
888/22.4T8PTG.E1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: NELSON BORGES CARNEIRO
Descritores: RECURSO DE APELAÇÃO
MEIOS DE PROVA
REJEIÇÃO
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO
TRÂNSITO EM JULGADO
CASO JULGADO
CASO JULGADO FORMAL
CASO JULGADO MATERIAL
EXCEÇÃO DE CASO JULGADO
AUTORIDADE DO CASO JULGADO
Data do Acordão: 02/06/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :

I – O recurso do despacho que rejeita algum meio de prova deve ser interposto no prazo de 15 dias, subindo em separado e, em regra, com efeito meramente devolutivo.

II – O trânsito em julgado é o momento temporal a partir da qual a decisão tem o valor de caso julgado formal, podendo ter ou não o valor de caso julgado material.

II – Na expressão caso julgado cabem, em rigor, a exceção de caso julgado e a autoridade de caso julgado, muitas vezes designadas, respetivamente, como a “vertente negativa” e a “vertente positiva” do caso julgado.

Decisão Texto Integral:
RECURSO DE REVISTA1,2,3,4,5888/22.4T8PTG.E1.S1


RECORRENTES6 AA

BB



RECORRIDA7CC


***


SUMÁRIO8,9


I – O recurso do despacho que rejeita algum meio de prova deve ser interposto no prazo de 15 dias, subindo em separado e, em regra, com efeito meramente devolutivo.

II – O trânsito em julgado é o momento temporal a partir da qual a decisão tem o valor de caso julgado formal, podendo ter ou não o valor de caso julgado material.

II – Na expressão caso julgado cabem, em rigor, a exceção de caso julgado e a autoridade de caso julgado, muitas vezes designadas, respetivamente, como a “vertente negativa” e a “vertente positiva” do caso julgado.



***

ACÓRDÃO10



Acordam os juízes da 1ª secção (cível) do Supremo Tribunal de Justiça:

1. RELATÓRIO

Foi instaurado autos de inventário, em 15-07-2022, por óbito de DD, falecida em ...-11-2020, e de EE, falecido em ...-03-2022, em que é requerente, CC, nomeada cabeça de casal, e requerido, AA.

Por despachos de 09-02-2023, foi ordenado o desentranhamento do articulado apresentado pelos interessados reclamantes em 20-01-2023 e, decidida a reclamação quanto à relação de bens.

Inconformados, os interessados reclamantes interpuseram recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de Évora proferido acórdão que negou provimento ao recurso e, em consequência, confirmou a decisão recorrida.

Inconformados, vieram os interessados/reclamantes interpor recurso de revista deste acórdão, tendo extraído das alegações11,12 que apresentaram as seguintes


CONCLUSÕES13:


a) Com o presente recurso, pretendem os interessados que o douto acórdão que julgou improcedente a apelação da sentença proferida em primeira instância, que indeferiu a reclamação e os meios de prova dos interessados à relação de bens apresentada pela cabeça de casal, na parte em os mesmos invocam a doação à cabeça de casal, feita pelos inventariados, no montante de 110.000,00€, seja revogado, substituindo-se por outro que os aceite.

b) No seu recurso os recorrentes apresentaram as seguintes conclusões:

a) Com o presente recurso, pretendem os interessados que seja admitida a reclamação apresentada, quanto à doação de 110,000,00€ feita à cabeça de casal pelos inventariados e por esta negada, sendo aceite os meios de prova indicados pelos interessados;

b) Quando os interessados, em 18/11/2022, apresentaram a reclamação à relação de bens, ainda não conheciam a reclamação apresentada pelo Novo Banco, que foi notificada ao seu mandatário em 18/12/2022, reclamação essa relativamente a dois mútuos com hipoteca, datados de 03/03/2006, um de 104.950,00€ e outro de 4.941,89€, tendo o Novo Banco juntado cópia das escrituras;

c) Só com a reclamação apresentada pelo Novo Banco é que os interessados tiveram conhecimento da data e da proveniência do dinheiro que foi doado à cabeça de casal;

d) Os interessados sabiam da doação por os inventariados terem falado da mesma ao interessado AA, filho dos mesmos, mas não tinham como a provar, por falta de documentação;

e) A cabeça de casal em 09/01/2023 negou a doação, que poderia ter aceitado, pelo que em 20/01/2023 os interessados alegaram e pediram:

i) A doação que foi feita à cabeça de casal e que por esta é negada, tem por base os empréstimos que foram concedidos pelo BES (ora Novo Banco) aos inventariados e cujas escrituras de empréstimo, datadas de 03/03/2006, foram as juntas pela Reclamante Novo Banco, SA;

iii) Assim, requer-se seja notificado o Novo Banco (ex BES) para apresentar extratos bancários de todo o ano de 2006, referente às contas bancárias tituladas por EE e DD, contribuintes nº ...87 e ...70, com os números ...18 e ...19, para se apurar o destino dado ao empréstimo concedido pelo BES aos inventariados.

f) O tribunal a quo permitiu que a cabeça de casal negasse a doação, doação que os interessados apenas findo o prazo de reclamação podem tentar provar e por força da reclamação apresentada pelo Novo Banco, criando uma situação desigualdade entre as partes, pois a cabeça de casal pôde negar a doação e aos interessados não lhes foi permitido tentar provar o contrário;

g) O art. 1105º, nº 2 do CPC, refere que as provas são indicadas com os requerimentos ou respostas, mas o nº 3 diz que a questão é decidida depois de efetuadas as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas, pelo juiz;

h) Nada impedia o tribunal, face à negação da doação pela cabeça de casal, aceitar as provas requeridas pelos interessados ou que as determinasse, apurando, assim, a verdade dos factos, ou seja, a existência, ou não, da doação;

i) Ao recusar a reclamação e os meios de prova requeridos, a tribunal a quo violou o disposto nº 1 do art. 3º, o artº 4º e o nº 1 do art. 6º, todos do CPC;

j) Face ao exposto, deve o Tribunal Superior revogar a sentença na parte em que julgou improcedente a reclamação quanto à doação, sendo a mesma aceite, bem como as provas requeridas para prova da mesma.

c) Em primeira instância e por sentença datada de 09/02/2023, notificada e classificada como tal pelo tribunal, mas que o douto acórdão classifica como despacho, decidiu-se o seguinte:

“I – FALTA DE RELACIONAÇÃO DE VERBAS DO ACTIVO

Os interessados reclamantes não juntaram qualquer meio de prova da falta de relacionação das verbas do activo que identificam, pelo que apenas podem ser aditados os bens cuja falta de relacionação é acusada pelo cabeça de casal, como seja a existência da doação de 40.000,00€ efectuada ao interessado reclamante AA, os bens móveis que foram aditados pela cabeça de casal na sua resposta de 9/01/2023, e o valor de 360€ decorrente da venda de 4 ovelhas. Quanto à doação em dinheiro feita pelos inventariados à cabeça de casal, e as restantes 8 ovelhas, improcede a reclamação por falta de prova, pois que o respetivo ónus pertence aos interessados reclamantes, como autores do incidente, e não à cabeça de casal (cfr. artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil e artigos 293.º, n.º 1 e 1105.º, n.º 2, ambos do NCPC)”.

d) A sentença, ou despacho, de 09/02/2023 indeferiu as reclamações apresentadas pelos recorrentes, quanto à relação de bens e aos meios de prova indicados, datadas de 20/01/2023 e 03/02/2023, por entender que no regime de inventário não existe direito ao contraditório.

e) O douto acórdão entendeu que os recorrentes deveriam ter recorrido do despacho de 09/02/2022 e que não o tendo feito o mesmo produz efeito de caso julgado.

f) Em 27/02/2023, os recorrentes apresentaram recurso, recurso esse que apenas poderia ser relativamente ao despacho/sentença de 09/02/2023 e não outro, pois até então não tinha existido qualquer decisão do tribunal de primeira instância, pelo que o despacho de 09/02/2023 não transitou em julgado, nem produz efeito de caso julgado formal, pois do mesmo foi interposto recurso em 27/2/2023, que foi admitido e apreciado.

g) Salvo melhor entendimento em contrário, recorrendo-se da decisão constante do despacho, que o Tribunal da Relação identificou perfeitamente, desnecessário será dizer-se que se recorre do despacho datado de 09/02/2023, tando mais que não existe mais nenhum despacho nos autos que tenha decidido qualquer questão.

h) Entendem os recorrentes que a oposição, impugnação ou reclamação prevista no nº 1 do art. 1105º do CPC é um incidente e como tal decidido por sentença, mas mesmo que se entenda que é decidido por despacho, o mesmo é passível de recurso, o que os recorrentes fizeram em 27/02/2023.

i) Assim e apesar de no recurso não se referir expressamente que se recorria do despacho/sentença datado de 09/02/2023, facilmente se entenderia, pelo alcance das conclusões, que era do mesmo que se recorria, tendo o Tribunal da Relação entendido perfeitamente que era desse despacho que se recorria, quando refere:

“Inconformado, o requerido interpôs recurso desta decisão, limitado ao indeferimento da parte da reclamação relativa à invocada falta de relacionação de doação do montante de € 110 000 à cabeça de casal, pugnando pela revogação deste segmento decisório e formulando as seguintes conclusões:”

j) O art. 1105º, nº 2 do CPC, refere que as provas são indicadas com os requerimentos ou respostas, mas o nº 3 diz que a questão é decidida depois de efetuadas as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas pelo juiz, tendo-se em primeira instância esclarecido a razão dos meios de prova terem sido indicados em momento posterior, o que deveria ter sido aceite.

k) Ao serem recusados, em primeira instância, os meios de prova indicados, violou-se o artº 1105º, nº 2 do CPC, bem como disposto nº 1 do art. 3º, o artº 4º e o nº 1 do art. 6º, todos do CPC, violação essa que se manteve no douto acórdão de que se recorre.

l) O douto acórdão ao julgar improcedente o recurso, nega a justiça aos recorrentes.

A recorrida e o Ministério Público contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso de revista e a manutenção do acórdão recorrido.

Colhidos os vistos14, cumpre decidir.

OBJETO DO RECURSO15,16

Emerge das conclusões de recurso apresentadas por AA e BB, ora recorrentes, que o seu objeto está circunscrito à seguinte questão:

1.) Saber se transitou em julgado o despacho proferido em 09-02-2023, que ordenou o desentranhamento do articulado apresentado pelos interessados reclamantes em 20-01-2023 e, onde indicavam novos meios de prova.

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. FACTOS

1.) A cabeça de casal apresentou relação de bens.

2.) O requerido deduziu a 18-11-2022, reclamação quanto à relação de bens.

3.) Notificado da resposta apresentada pela cabeça de casal, o requerido apresentou articulado em 20-01-2023, no qual se pronunciou sobre a aludida resposta e requereu a produção de prova.

4.) Notificada, a cabeça de casal apresentou articulado em 01-02-2023, no qual se pronuncia sobre o articulado anterior.

5.) Notificado, o requerido apresentou articulado em 03-02-2023, no qual se pronuncia sobre o articulado anterior.

6.) Por despachos de 09-02-2023, foi ordenado: a) o desentranhamento do articulado apresentado pelo requerido em 20-01-202317; b) o desentranhamento do articulado apresentado pelo requerido em 03-02-202318; c) o desentranhamento do articulado apresentado pela cabeça de casal em 01-02-202319.

7.) Por despacho de 09-02-2023 foi ainda decidida a reclamação quanto à relação de bens20.

8.) O requerido interpôs recurso, em 27-02-2023, requerendo a revogação da sentença na parte em que julgou improcedente a reclamação quanto à doação, bem como as provas requeridas para prova da mesma21.

2.2. O DIREITO

Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso22 (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto).

1.) SABER SE TRANSITOU EM JULGADO O DESPACHO PROFERIDO EM 09-02-2023 QUE ORDENOU O DESENTRANHAMENTO DO ARTICULADO APRESENTADO PELOS INTERESSADOS RECLAMANTES EM 20-01-2023 E, ONDE INDICAVAM NOVOS MEIOS DE PROVA.

Os recorrentes alegaram que “recorrendo-se da decisão constante do despacho, que o Tribunal da Relação identificou perfeitamente, desnecessário será dizer-se que se recorre do despacho datado de 09/02/2023, tando mais que não existe mais nenhum despacho nos autos que tenha decidido qualquer questão”.

Assim, concluíram que “Entendem os recorrentes que a oposição, impugnação ou reclamação prevista no nº 1 do art. 1105º do CPC é um incidente e como tal decidido por sentença, mas mesmo que se entenda que é decidido por despacho, o mesmo é passível de recurso, o que os recorrentes fizeram em 27/02/2023”.

Vejamos a questão.

Cabe recurso de apelação do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova – art. 644º/2/d, do CPCivil.

Os recursos interpõem-se por meio de requerimento dirigido ao tribunal que proferiu a decisão recorrida, no qual se indica a espécie, o efeito e o modo de subida do recurso interposto – art. 637º/1, do CPCivil.

Transitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696.º a 702.ºart. 619º/1, do CPCivil.

A sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratiqueart. 621º, do CPCivil.

A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamaçãoart. 628º, do CPCivil.

Na previsão normativa do art. 644º/2/d, do CPCivil englobam-se, por exemplo, os casos em que o juiz admite ou rejeita um rol de testemunhas, em que admite ou rejeita o aditamento ou substituição desse rol, em que defere ou indefere a realização de perícia ou inspeção judicial, em que admite ou manda desentranhar determinados documentos ou em que defere ou indefere a requisição de documentos ou a obtenção de informações em poder da outra parte ou de terceiros23.

Os trâmites processuais ou diligências que tenham entretanto sido realizadas sujeitar-se-ão às vicissitudes do que vier a ser decidido: se for confirmada a decisão interlocutória de rejeição, serão integralmente respeitados; sendo a mesma revogada, proceder-se-á, conforme os casos, à invalidação e desconsideração do articulado admitido, ou dos atos de produção de prova indevidamente executados ou à ponderação do articulado, ou produção dos meios de prova que tenham sido rejeitados24.

Este recurso é interposto no prazo de 15 dias (art. 638º/1), subindo em separado e, em regra, com efeito meramente devolutivo (arts. 645º/2 e 647º/1)25.

As razões que justificam a admissibilidade de apelação autónoma e imediata das decisões sobre os meios de prova prendem-se com a conveniência de atenuar os riscos de uma futura inutilização do processado26.

Temos, pois, que pretendendo os recorrentes interpor recurso de apelação do despacho que não admitiu o articulado e rejeitou os meios de prova, deveriam tê-lo feito ao abrigo do estatuído no art. 644º/2/d, do CPCivil, isto é, do ”despacho que não admitiu ou rejeitou algum articulado ou meio de prova”, recurso autónomo, sujeito a um regime processual diferente do da decisão final27.

E, nem se poderá entender, como os recorrentes que “recorrendo-se da decisão constante do despacho, desnecessário será dizer-se que se recorre do despacho datado de 09/02/2023, tando mais que não existe mais nenhum despacho nos autos que tenha decidido qualquer questão”.

Isto porque, se os recorrentes pretendiam interpor recurso do despacho que não admitiu os meios de prova, deveriam no requerimento de interposição de recurso, indicar a espécie, o efeito e o seu modo de subida.

Ora, os recorrentes interpuseram recurso de “apelação, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo”, da “sentença que indeferiu a reclamação à relação de bens apresentada pela cabeça de casal”.

Assim, tendo interposto recurso da decisão que indeferiu a reclamação à relação de bens apresentada pela cabeça de casal, não interpuseram recurso do despacho que não admitiu o articulado nem os meios de prova indicados, pois se o pretendiam interpor, deveriam indicar no respetivo requerimento de interposição do recurso.

É que pese embora terem sido proferidas diversas decisões na mesma data, cada uma delas é autónoma, pelo que, sempre competiria aos recorrentes identificarem a(s) decisões de que pretendiam recorrer, nomeadamente, para o tribunal saber se seriam processualmente admissíveis, bem como para determinar o seu modo de subida.

Deste modo, como os recorrentes não interpuseram recurso do despacho que ordenou o desentranhamento do articulado apresentado em 20-01-2023, e onde requeriam a produção de novos meios de prova, o mesmo transitou em julgado.

O trânsito em julgado é o momento temporal a partir da qual a decisão tem o valor de caso julgado formal, podendo ter ou não o valor de caso julgado material28.

O caso julgado traduz-se, pois, na inadmissibilidade da modificação de uma decisão judicial por qualquer outro tribunal (mesmo por aquele que a proferiu) em consequência da impugnabilidade do seu conteúdo por via da reclamação ou recurso ordinário29,30.

Utiliza-se o conceito para significar as situações ou relações ou relações já definitivamente consolidadas por via de decisão judicial (despacho, sentença ou acórdão), que não por outros meios ou instrumentos jurídico-privados31.

O caso julgado tanto designa a qualidade de imutabilidade da decisão que transitou em julgado, como o conjunto dos efeitos jurídicos que têm o trânsito em julgado da decisão judicial por condição32.

Assim, conforme entendimento do tribunal a quo, que subscrevemos, “O apelante põe em causa a rejeição de elementos probatórios que alega ter indicado para prova da reclamação deduzida, na parte relativa à invocada falta de relacionação de doação pelos inventariados à cabeça de casal, sustentando que deveria a 1.ª instância ter admitido o requerimento em causa e determinado a produção da prova indicada. No entanto, a questão suscitada encontra-se prejudicada pela circunstância de, por despacho de 09-02-2023, não impugnado pelo apelante, ter sido ordenado o desentranhamento do requerimento em causa, pelo mesmo apresentado em 20-01-2023. Não tendo sido interposto recurso deste despacho, o qual não foi impugnado através de apelação autónoma, conforme permite o artigo 644.º, n.º 2, al. d), do CPC, nem no âmbito do presente recurso, verifica-se que o mesmo transitou em julgado. Assim sendo, o aludido despacho produz efeito de caso julgado formal, tendo força obrigatória dentro do processo, conforme decorre do disposto no artigo 620.º, n.º 1, do CPC. O caso julgado formal que decorre deste despacho, vinculando no processo em que a decisão foi proferida, impede o Tribunal de proferir nova decisão destinada a reapreciar se deve ser admitido o articulado ou os meios de prova nele requeridos”.

Concluindo, não tendo os recorrentes interposto recurso do despacho que ordenou o desentranhamento do articulado e onde requeriam a produção de novos meios de prova, o mesmo transitou em julgado, impedindo deste modo, que se profira nova decisão destinada a reapreciar se deve ser admitido o articulado ou os meios de prova nele requeridos, sob pena, de o fazendo, se violar o caso julgado formal (a situação está definitivamente consolidada por via de decisão judicial).

Destarte, improcedendo as conclusões do recurso de revista, há que confirmar o acórdão recorrido.

3. DISPOSITIVO

3.1. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (1ª) do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente a revista e, consequentemente, em confirmar-se o acórdão recorrido.

3.2. REGIME DE CUSTAS

Custas pelos recorrentes (na vertente de custas de parte, por outras não haver33), porquanto a elas deram causa por terem ficado vencidos34.

Lisboa, 2024-02-0635,36

(Nelson Borges Carneiro) – Relator

(Pedro de Lima Gonçalves) – 1º adjunto

(Manuel Aguiar Pereira) – 2º adjunto

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1. As decisões judiciais podem ser impugnadas por meio de recursos – art. 627º/1, do CPCivil.↩︎

2. Recursos, «em sentido técnico-jurídico, são os meios específicos de impugnação das decisões judiciais, através dos quais se obtém o reexame da matéria apreciada pela decisão recorrida» – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 463.↩︎

3. No nosso sistema processual (no que à apelação e à revista) predomina o «esquema do recurso de reponderação»: o objeto do recurso é a decisão impugnada, encontrando-se à partida, vedada a produção defeitos jurídicos ex-novo. Através do recurso, o que se visa é a impugnação de uma decisão já ex-ante proferida que não o julgamento de uma qualquer questão nova. Uma relevante exceção ao modelo de reponderação é a que se traduz nas questões de conhecimento oficioso: o tribunal superior pode sempre apreciar qualquer dessas questões ainda que não suscitadas perante o tribunal a quo – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 468.↩︎

4. Os recursos são ordinários ou extraordinários, sendo ordinários os recursos de apelação e de revista e extraordinários o recurso para uniformização de jurisprudência e a revisão – art. 627º/2, do CPCivil.↩︎

5. A lei estabelece uma divisão entre recursos ordinários e recursos extraordinários a partir de um critério formal ligado ao trânsito em julgado da decisão. Enquanto os recursos ordinários pressupõem que ainda não ocorreu o trânsito em julgado, devolvendo-se ao tribunal de recurso a possibilidade de anular, revogar ou modificar a decisão, os recursos extraordinários são interpostos depois daquele trânsito – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 777.↩︎

6. Aquele que interpõe o recurso – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 477.↩︎

7. Aquele contra quem se interpõe o recurso – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 477.↩︎

8. O juiz que lavrar o acórdão deve sumariá-lo – art. 663º/7, do CPCivil.↩︎

9. O sumário não faz parte da decisão, consistindo tão só numa síntese daquilo que fundamentalmente foi apreciado com mero valor de divulgação jurisprudencial. Por tais motivos, o sumário deve ser destacado do próprio acórdão, sendo da exclusiva responsabilidade do relator – ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, p. 301.↩︎

10. O acórdão principia pelo relatório, em que se enunciam sucintamente as questões a decidir no recurso, expõe de seguida os fundamentos e conclui pela decisão, observando-se, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º – art. 663º/2, do CPCivil.↩︎

11. Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º/1) – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503.↩︎

12. As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 639º/3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 795.↩︎

13. O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º/1/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.↩︎

14. Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º/2 ex vi do art. 679º, ambos do CPCivil.↩︎

15. Todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo de elas conhecer o tribunal de recurso.↩︎

16. Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.↩︎

17. “Requerimento de 20/01/2023: Vieram os interessados reclamantes responder à resposta apresentada pelo cabeça de casal, relativamente à reclamação por si deduzida, quanto à relação de bens junta aos autos, e juntar novos meios de prova. Sucede que na actual versão do regime de inventário, não existe o alegado direito do contraditório do reclamante, à resposta da cabeça de casal, acerca da reclamação por si apresentada, como se afere pelo disposto no artigo 1105.º, n.º 1 e 3 do NCPC. Por outro lado, os meios de prova devem ser apresentados com o requerimento inicial do incidente, atento o vertido nos artigos 293.º, n.º 1 e 1105.º, n.º 2, ambos do NCPC. Termos em que, e sem necessidade de maiores considerandos, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1 do NCPC, determino o desentranhamento do requerimento de 20/01/2023, e a sua devolução aos apresentantes. Custas do desentranhamento pelos apresentantes, cuja taxa de justiça se fixa em 1 (uma) UC, nos termos do artigo 527.º, n.º 1 do NCPC, e artigo 7.º, n.º 4 e Tabela II do Regulamento das Custas Processuais. Notifique”.↩︎

18. “Requerimento de 3/02/2023: Vieram os interessados reclamantes responder à resposta da resposta da resposta apresentada pela cabeça de casal, e requerer novos meios de prova. Ora, se na actual versão do regime de inventário não existe o direito do contraditório do reclamante, à resposta da cabeça de casal, muito menos existirá o direito de resposta à resposta da resposta da resposta (cfr. artigo 1105.º, n.º 1 e 3 do NCPC). Por outro lado, os meios de prova devem ser apresentados com o requerimento inicial do incidente, atento o vertido nos artigos 293.º, n.º 1 e 1105.º, n.º 2, ambos do NCPC. Termos em que, e sem necessidade de maiores considerandos, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1 do NCPC, determino o desentranhamento do requerimento de 3/02/2023, e a sua devolução aos apresentantes. Custas do desentranhamento pelos apresentantes, cuja taxa de justiça se fixa em 1 (uma) UC, nos termos do artigo 527.º, n.º 1 do NCPC, e artigo 7.º, n.º 4 e Tabela II do Regulamento das Custas Processuais. Notifique”.↩︎

19. “Requerimento de 1/02/2023: Veio a cabeça de casal responder à resposta da resposta apresentada pelos interessados reclamantes, e requerer novos meios de prova. Ora, se na actual versão do regime de inventário não existe o direito do contraditório do reclamante, à resposta da cabeça de casal, muito menos existirá o direito de resposta à resposta da resposta (cfr. artigo 1105.º, n.º 1 e 3 do NCPC). Por outro lado, os meios de prova devem ser apresentados com a resposta ao incidente, atento o vertido nos artigos 293.º, n.º 1 e 1105.º, n.º 2, ambos do NCPC. Termos em que, e sem necessidade de maiores considerandos, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 1 do NCPC, determino o desentranhamento do requerimento de 1/02/2023, e a sua devolução à apresentante. Custas do desentranhamento pela apresentante, cuja taxa de justiça se fixa em 1 (uma) UC, nos termos do artigo 527.º, n.º 1 do NCPC, e artigo 7.º, n.º 4 e Tabela II do Regulamento das Custas Processuais. Notifique”.↩︎

20. “Termos em que, nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se o seguinte: a) Julga-se parcialmente procedente a reclamação, determinando-se o aditamento à relação de bens das seguintes verbas: - Verba n.º 16 do ativo referente a crédito da herança sobre o interessado AA, no valor de 40.000,00€, relativa a doação efetuada em dinheiro pelos inventariados; - Verba n.º 17 do ativo referente ao produto de venda de 4 ovelhas, no valor de 360,00€; - Verbas n.º 18 a 22 referentes aos bens móveis que foram aditados pela cabeça de casal na sua resposta de 9/01/2023; - Consequentemente determina-se que as verbas do passivo descritas na relação de bens, com o aditamento da resposta de 9/01/2023, sejam renumeradas de 1 a 12, de modo a não existir confusão com as verbas do ativo; b) No que concerne ao passivo elencado, quer na relação de bens, quer na reclamação à relação de bens, relega-se a sua apreciação para a sede própria da conferência de interessados, nos termos do artigo 1111.º, n.º 3 do NCPC; c) Indefere-se, no mais, a reclamação apresentada, por não provada; d) Indefere-se, por ora, o pedido de avaliação pericial das verbas 2 a 8 do ativo por não ter sido dado cumprimento ao disposto no artigo 1114.º, n.º 1, in fine do NCPC. Custas do incidente por ambas as partes, na proporção de dois terços para os reclamantes, e um terço para a cabeça de casal, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC, ao abrigo do disposto nos artigos 527.º, n.º 1 do NCPC, 7.º, n.º 4 e Tabela II do Regulamento das Custas Processuais. Registe e notifique. Após trânsito proceda-se às alterações supra determinadas na relação de bens apresentada a 15/07/2022, elaborando-se um novo documento que deverá ser inserido nos autos pela Secção”.↩︎

21. “Com o presente recurso, pretendem os interessados que seja admitida a reclamação apresentada, quanto à doação de 110,000,00€ feita à cabeça de casal pelos inventariados e por esta negada, sendo aceite os meios de prova indicados pelos interessados. O art. 1105º, nº 2 do CPC, refere que as provas são indicadas com os requerimentos ou respostas, mas o nº 3 diz que a questão é decidida depois de efetuadas as diligência probatórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas, pelo juiz; Nada impedia o tribunal, face à negação da doação pela cabeça de casal, aceitar as provas requeridas pelos interessados ou que as determinasse, apurando, assim, a verdade dos factos, ou seja, a existência, ou não, da doação; Ao recusar a reclamação e os meios de prova requeridos, a tribunal a quo violou o disposto nº 1 do art. 3º, o artº 4º e o nº 1 do art. 6º, todos do CPC; Face ao exposto, deve o Tribunal Superior revogar a sentença na parte em que julgou improcedente a reclamação quanto à doação, sendo a mesma aceite, bem como as provas requeridas para prova da mesma”.↩︎

22. Relativamente a questões de conhecimento oficioso e que, por isso mesmo, não foram suscitadas anteriormente, deve ser assegurado o contraditório, nos termos do art. 3º/3, do CPCivil.↩︎

23. ABRANTES GERALDES, Recursos em Processo Civil, Novo Regime (DL nº 303/07, de 24 de agosto), p. 177.↩︎

24. ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 806.↩︎

25. ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 806.↩︎

26. ABRANTES GERALDES, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2ª edição, pp.161/62.↩︎

27. Assim, tal preceito não consente distinções entre meios de prova novos ou velhos, diferentes ou iguais aos apresentados pela parte contrária, já produzidos ou a produzir.↩︎

28. LEBRE DE FREITAS e ARMINDO RIBEIRO MENDES, Código de Processo Civil Anotado, volume 3º, tomo I, 2ª edição, p. 9.↩︎

29. FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 446.↩︎

30. O caso julgado material consiste “em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais (e até a quaisquer outras autoridades) – quando lhes seja submetida a mesma relação, quer a título principal (repetição da causa em que foi proferida a decisão), quer a título prejudicial (ação destinada a fazer valer outro efeito dessa relação). Todos têm que acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão – MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1976, p. 304.↩︎

31. FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, pp. 446/47.↩︎

32. RUI PINTO, Exceção e autoridade de caso julgado – algumas notas provisórias, Julgar Online, novembro de 2018, p. 2.↩︎

33. Como o conceito de custas stricto sensu é polissémico, porque é suscetível de envolver, nos termos do artigo 529º/1, além da taxa de justiça, que, em regra, não é objeto de condenação – os encargos e as custas de parte, importa que o juiz, ou o coletivo de juízes, nos segmentos condenatórios das partes no pagamento de custas, expressem as vertentes a que a condenação se reporta – SALVADOR DA COSTA, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7ª ed., p. 8.↩︎

34. A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito – art. 527º/1, do CPCivil.↩︎

35. A assinatura eletrónica substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais – art. 19º/2, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09.↩︎

36. Acórdão assinado digitalmente – certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.↩︎