Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
118/2000.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: ÁLVARO RODRIGUES
Descritores: ABUSO DE DIREITO
FACULDADE JURÍDICA
MOTIVAÇÃO
OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 10/01/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
1-A personalidade colectiva, sendo uma realidade normativa, não tem a virtualidade de fazer tábua-rasa das realidades ontológicas que lhe subjazem, designadamente, de que a vontade da pessoa colectiva é formada e exprimida pelos seus órgãos e representantes, que são entes humanos (pessoas singulares), mas cuja actuação ilícita e culposa responsabiliza a pessoa colectiva, desde que emitida por quem na sociedade assuma posição de liderança (gerentes, administradores, directores, etc) legal ou estatutariamente competentes para a prática de actos vinculantes da sociedade e que os actos praticados o sejam em nome e no interesse do próprio ente colectivo, como ocorreu no caso vertente.
2-O comprador, tal como o vendedor, exercem direitos, o direito de comprar e vender (da emptio et venditio romana) e não uma mera faculdade de comprar.
3- A faculdade, cujo termo não tem sentido jurídico perfeitamente estabelecido, como ensinava Castro Mendes, usa-se sobretudo para designar possibilidades contidas num direito subjectivo, portanto algo que faz parte dos meios jurídicos, em que o direito se desdobra e que não tem existência autónoma.
Por sua vez, Carvalho Fernandes, considera as faculdades como meios jurídicos de agir postos na disponibilidade do sujeito de direito, em vista à realização do seu interesse.
Ora a nossa ordem jurídica, tal como a da maioria dos países, considera a compra e venda como um contrato, exigindo capacidade de gozo e de exercício dos contraentes ou seja a susceptibilidade de direitos e obrigações e a susceptibilidade de praticar pessoalmente actos jurídicos.
4-Não há que confundir a intenção com a motivação económica da venda, que segundo alega, terá sido a incapacidade financeira da 3ª Ré.
Os motivos são as determinantes endógenas do acto de vontade, o que poderia relevar é a consciência e vontade de realizar um acto ilícito, isto é, a consciência de que a compra iria prejudicar terceiros ( no caso, os promitentes compradores) e, mesmo assim, se decidir a fazer, como aconteceu!
5-Cabe aqui, por inteiramente ajustada à situação sub judicio, o ensinamento de Almeida Costa quando lapidarmente escreve que, relativamente àquelas situações que admitem o efeito externo das obrigações, além das legalmente previstas, « acrescentam-se as situações em que o terceiro que impediu o cumprimento da obrigação pode responder perante o credor, por ter agido com abuso de direito».
Este renomado civilista dá expressamente como exemplo de casos em que se pode ser chamado a responder directamente para com o credor por haver lesado o direito de crédito, o de alguém realizar com outro um contrato-promessa de venda de determinado prédio e o alienar depois a terceiro, impedindo o promitente comprador de o adquirir.
6-Como a obrigação solidária determina a correspondência a uma pluralidade de sujeitos de um cumprimento unitário da prestação, de forma a que, havendo vários sujeitos passivos, qualquer destes responde perante o credor comum pela prestação integral, cujo cumprimento a todos exonera, a doutrina civilista considera como uma das características das obrigações solidárias, a da identidade da prestação.
Certo que o nº 2 do artº 512º do C.Civil estatui no sentido de que a obrigação não deixa de ser solidária pelo facto de ... ser diferente o conteúdo das prestações de cada um dos devedores, mas, como ensinava o saudoso Prof. Antunes Varela, «só há verdadeira solidariedade em relação à parte comum da responsabilidade...só esta parte comum corresponde à prestação integral por que responde cada um dos devedores, nos termos do nº 1 do artº 512º»
Decisão Texto Integral:

Acordam no SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:




RELATÓRIO

Na presente acção ordinária que AA, BB, CC, DD e EE intentaram, na comarca da Vila Nova de Gaia, contra:

FF e mulher, GG, HH e mulher, II, «........ - SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LDA.» e a sociedade........ -SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LDA...............................
invocaram os AA. a celebração com a 3a R., de que eram sócios-gerentes os 1° e 2° RR. maridos, de contratos-promessa de compra e venda de lotes de terreno, integrados em prédio alegadamente pertencente à 3a R., mas que foi entretanto adquirido pela 4a R. (de que os 1ºs RR. são sócios-gerentes), e formulado pedido nos seguintes termos:

1°) que fosse lavrada sentença que produzisse os efeitos da declaração negocial dos RR., declarando-se transmitidos a favor de cada um dos AA., cada um dos lotes de terreno objecto das promessas;

2°) ou, subsidiariamente, a condenação dos RR. na restituição a cada um dos AA. das quantias por eles prestadas a título de sinal, em dobro, com juros desde a citação até integral pagamento;

3°) ou, subsidiariamente em relação ao anterior pedido, a condenação dos RR. na restituição a cada um dos AA. das quantias por eles prestadas a título de sinal, em singelo, com juros desde a data da celebração de cada um dos contratos promessa até integral pagamento;

4°) e, ainda, a condenação dos RR. no pagamento a cada um dos AA. da quantia de 1.000.000$00, a título de indemnização por danos morais, com juros desde a citação até integral pagamento.

Embora na petição inicial a ordem dos pedidos tenha sido diferente da ora indicada (o 3° pedido foi formulado antes do 2° pedido), era evidente, por razões de lógica jurídica, haver erro nessa ordem, do que se deu conta no despacho saneador (no penúltimo parágrafo do despacho de fls. 338-355), ordenando-se notificação dos AA. para procederem á rectificação, que teve lugar através do requerimento de fls. 384-385, devidamente notificado aos RR., (v. fls. 386-388).

Os 1os RR. e a 4a R., por um lado, e os 2os RR., por outro, apresentaram contestações autónomas, defendendo-se por excepção e por impugnação.

Estabelecidos os factos assentes e a base instrutória, foi realizado o julgamento, na sequência do qual foi lavrada sentença em que se julgou o seguinte:
– improcedente o pedido de prolação de sentença que produzisse os efeitos da declaração negocial dos RR.;
– improcedente o pedido de condenação dos RR. no pagamento a cada um dos AA. da quantia de 1.000.000$00, a título de indemnização por danos morais;
– improcedentes os demais pedidos quanto à 1a R. mulher e os 2ºs RR. e procedente o 2° pedido (o subsidiário de primeira linha) quanto aos 1° R. marido, 3a R. e 4a R., condenando-os solidariamente a pagar aos AA. quantias correspondentes à restituição em dobro dos sinais por cada um prestados (14.166,86 € ao 1° A.; 14.365,38 € ao 2° A,; 14.964.00 € ao 3° A.; 28.730,76 € ao 4° A.; e 25.937,49 € ao 5° A.), acrescidas de juros à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.
Inconformados, os Réus FF e a sociedade........ – SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LDA., interpuseram recurso de Apelação para o Tribunal da Relação do Porto que, todavia, julgou o mesmo improcedente, confirmando a sentença recorrida.
Novamente inconformados, os mesmos vieram interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal de Justiça, re........ndo as suas alegações, com as seguintes:

CONCLUSÕES

a) Introdução:

1a- O recurso é interposto do douto Acórdão proferido a fls.1154 e seguintes, nos termos do qual o distinto Tribunal "a quo" negou provimento à apelação dos recorrentes, e confirmou a sentença recorrida;
2a- O Venerando Supremo Tribunal de Justiça conhece unicamente de direito, pelo que, não se vislumbrando razão para impugnação da matéria de facto por recurso ao disposto no art. 722° do CPC, ou ainda para a sindicância dos poderes de alteração da matéria de facto pelo distinto tribunal recorrido, em virtude do não uso deles no caso em apreço, e apesar de inconformados com a matéria de facto fixada nas instâncias, os recorrentes reconhecem estar-lhes vedada a discussão dela;

b)Nulidade:

3a- A responsabilidade contratual e a responsabilidade extracontratual não podem ser invocadas simultaneamente, até porque são incompatíveis os regimes do ónus da prova da culpa do devedor, pelo que, quando o mesmo facto constituir, ao mesmo tempo, violação de um contrato e um acto ilícito extracontratual, a solução que se afigura preferível é a de que são aplicáveis as regras de ambas as responsabilidades, à escolha do lesado;

4a- Os AA, podendo ter fundado os respectivos pedidos de indemnização contra os RR tanto na responsabilidade contratual, como na responsabilidade extra-contratual, escolheram como causa de pedir da sua acção a responsabilidade contratual, a qual (causa de pedir) limita a acção do tribunal (na sua causa de julgar), como resulta do pedido subsidiário julgado procedente, pelo que a condenação dos aqui recorrentes feita na sentença de 1a instância e confirmada no douto aresto aqui impugnado com base nos pressupostos da responsabilidade extra-contratual constitui excesso de pronuncia, causal da nulidade apontada, provinda do disposto no art. 668° n° l al. d) do CPC;

c)Direito:

l. Do 1° Réu:

5a- Para que o gerente de sociedade por quotas possa ser responsabilizado, directamente, perante os credores da sociedade, nos termos do art. 79° n° l do CSC, importa que se alegue e prove que (i) o facto praticado constitui inobservância de disposição legal ou contratual destinada a proteger os credores sociais, (ii) a actuação seja culposa e (iii) o património social se tenha tornado insuficiente para a satisfação dos créditos desses credores, o que os apelados não lograram provar;

6a-O art. 79° n° l do CSC impõe que do facto ilícito do gerente resulte um dano que, directa e imediatamente, afecte o crédito do credor, o que não vem provado;

- Os recorridos fundaram a pretensão deduzida a título principal (que definitivamente improcedeu), mas também aquela procedente, feita a título subsidiário de condenação dos RR na restituição das quantias entregues a título de sinais, em dobro, a qual pressupõe a resolução dos contratos promessa, e assim na responsabilidade contratual provinda de convénios celebrados unicamente com a 3a Ré, pelo que não delinearam esta sua causa de pedir como integradora na norma do art. 79° n° l do CSC; porém, ao integrar a factualidade provada na norma em questão e quanto à conduta do 1° Réu recorrente, a douta sentença de 1a instância, e o douto acórdão que a confirmou praticam um erro na determinação da norma aplicável;

8a- O incumprimento definitivo pela 3a Ré dos contratos promessa em crise provém do incumprimento por esta mesma Ré do dever acessório de obtenção do alvará de loteamento; porém, esta omissão não constitui em si facto ilícito, muito menos imputável ao 1° Réu recorrente, e não afecta directa e imediatamente o crédito dos lesados;

9a- O dano sofrido pelos recorridos, consubstanciado no seu crédito convencional é consequência directa e imediata do facto de a 3a Ré não ter cumprido a sua obrigação acessória de obter o alvará de loteamento, e não de facto ilícito do gerente 1° Réu consubstanciado no conhecimento à data da celebração do contrato com os recorridos de que a sociedade 3a Ré estava impossibilitada de cumprir a sua obrigação principal de contratar com o apelado (o que os recorridos não alegam, nem provam);

10a- A actuação dos gerentes da 3a Ré, consubstanciada na desistência da aquisição da "Quinta da ........" por impossibilidade de esta angariar meios financeiros necessários à referida aquisição, não afecta directamente os recorridos nos seus créditos para com a sociedade 3a Ré, pois que não atinge directamente esses créditos.

11a- A ilicitude, pressuposto inerente ao art. 483° do CC, aplicável face ao disposto no art. 79° n° l do CSC, não se mostra presente no caso vertente, pois que não vem alegado, e muito menos provado que o 1° Réu recorrente soubesse ou, no mínimo, pudesse antecipar, antes de celebrar os contratos em crise com os recorridos da definitiva ou mesmo da remota possibilidade de a 3a Ré não adquirir tal Quinta da ........, sendo certo que os factos ocorridos posteriormente subsumem-se aos riscos próprios dos negócios, que muitas das vezes se frustram contra a vontade dos intervenientes;

2.Da 4a Ré:

12a- O direito dos recorridos não é absoluto, mas meramente convencional, pelo que os efeitos da sua violação não se estendem a terceiros, como o é a 4a Ré, por força do principio da eficácia relativa consagrado no art. 406° n° 2 do CC, que restringe às partes os efeitos dos contratos, excepto, em relação a terceiros, por via de uma disposição da lei que atribua eficácia real erga omnes a qualquer contrato;

13a- Não estão verificados os pressupostos do instituto do abuso de direito (cf. art. 334° do CC) no que se refere à 4a Ré recorrente, pois que, com a compra, esta não exercitou um direito, outrossim a liberdade ou faculdade discricionária de contratar;

14a- Mas também não vem alegado e muito menos não vem provado (aliás, a prova factual é em sentido inverso, como se viu), que a 4a Ré tivesse a intenção de impedir o exercício pela 3a Ré do direito de adquirir a "Quinta da ........", pois que a não aquisição da "Quinta da ........" pela 3a Ré provém da incapacidade financeira desta, à qual a 4a Ré é alheia;

15a- Ademais, o preço da compra da "Quinta da ........" pela 4a Ré foi efectuado por 90.000.000$00, igual ao valor pelo qual a 3a Ré negociara, com os promitentes vendedores a aquisição dessa mesma Quinta;

3.De ambos os recorrentes:

16a- Para a hipótese de improcedência da nulidade da douta sentença e do douto acórdão impugnado que a confirmou a que aludem as conclusões 3a e 4a, tal como suscitada pelos recorrentes, importa conceder que, face ao exposto, a relação entre a fundamentação de facto e a fundamentação de direito, por um lado, e a decisão proferida no que concerne à procedência do pedido subsidiário relativamente aos aqui recorrentes, tal como configurado pelos recorridos, padece de inconcludência, o que caracteriza, no mínimo, uma questão de mérito - erro de julgamento - determinativa, por conseguinte, da improcedência da acção;

17a- A natureza delitual do que dispõe o art. 79° n° l do CSC, bem como a obrigação provinda do disposto no art. 334° do CC impõem unicamente o ressarcimento do dano consubstanciado no prejuízo in natura que o lesado sofreu nos interesses que o direito violado ou a norma infringida visam tutelar, ou seja no dano real;

18a-A quantia referente ao dobro do montante prestado a título de sinal por cada um dos recorridos, constitui o "quantum" indemnizatório convencional provindo de convenção que, dada a sua natureza pessoal, somente vincula os signatários desse contrato, ou seja, os recorridos e a 3a Ré, e nunca os demais RR e aqui recorrentes, os quais são completamente estranhos a essa convenção;

19a- Assim, é manifestamente inexplicável como se pode sancionar com a restituição das quantias prestadas a título de sinais, em dobro, a responsabilidade delitual imputada ao 1° Réu marido, e a responsabilidade civil imputada à 4a Ré, sabendo-se que a restituição em dobro constitui penalização exclusiva da responsabilidade contratual, cujo incumprimento, quer a sentença, quer o douto aresto confirmativo, imputaram em exclusivo à 3a Ré, que não aos l°R.marido e 4a Ré, e que na responsabilidade extra-contratual assacada aos recorrentes são unicamente indemnizáveis os danos efectivamente sofridos, os quais os recorridos deviam ter alegado, pois que constitutivos do seu direito, e não alegaram, nem provaram;

20a- Não se alcança o fundamento para a condenação solidária dos 1° R. marido e 4a Ré, com a 3a Ré, porquanto a solidariedade provinda da responsabilidade por facto ilícito não é aplicável aos casos de responsabilidade contratual, sendo ainda certo que não vem alegado/provado que o 1º Réu marido e a 4a Ré se tenham obrigado para com os recorridos nas consequências do incumprimento da 3a Ré;
Mostram-se, pois, violadas as citadas normas, no sentido exposto nestas alegações.

Não foram apresentadas contra-alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, pois nada obsta ao conhecimento do objecto do presente recurso, sendo que este é delimitado pelas conclusões da alegação do Recorrente, nos termos, essencialmente, do artº 684º, nº 3 do CPC, como, de resto, constitui doutrina e jurisprudência firme deste Tribunal.


FUNDAMENTOS

Das instâncias, vem dada, como provada, a seguinte factualidade:

1. Através de anúncios nos jornais, os autores tomaram conhecimento que havia para venda lotes no loteamento no Lugar da .... à Avenida.........., freguesia de Vilar de Andorinho, Vila Nova de Gaia (als. A) e AA) da MFA).

2. A venda de lotes mencionada em 1. também estava anunciada por placards no local desse loteamento (resposta ao quesito 1°).

3. Através dos números de telefone mencionados nos referidos anúncios publicitários, os 1°, 2°, 3° e 5° Autores foram atendidos pelos 1° Réu marido e o 4° Autor foi atendido pelo 2° Réu marido e ambos os referidos Réus se arrogaram a qualidade de sócios-gerentes da empresa "........ - Sociedade de Construções, Lda.", que tinha inicialmente a sua sede na Rua da ..........., Vila Nova de Gaia (resposta ao quesito 2º).

4. Em data acordada, os Autores deslocaram-se ao terreno, onde o 1° Réu exibiu aos 1°, 2", 3° e 5° Autores, e o 2° Réu exibiu ao 4° Autor, uma planta do loteamento (resposta ao quesito 3°).

5. Com base nessa planta, os autores escolheram os lotes que pretendiam comprar (resposta ao quesito 4°).

6. Os 1° e 2° Réus maridos explicaram, respectivamente, aos 1°, 2°, 3° e 5° Autores e ao 4° Autor que os lotes se destinavam a construção de moradias de 4 frentes (resposta ao quesito 5°).

7. Na altura o terreno apresentava-se como um prédio rústico de cultura a lavradio (resposta ao quesito 6°).

8. Os 1° e 2° Réus, na altura, garantiram, respectivamente, aos 1°, 2°, 3° e 5° Autores e ao 4° Autor que o respectivo processo de loteamento se encontrava pronto a ser aprovado pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia (resposta aos quesitos 7° e 10°).

9. Confiados nesta garantia, os autores decidiram-se pela compra dos lotes de terreno, cuja compra acordaram (resposta aos quesitos 8º e 11 °).

10. Em 04/11/1988, foi unicamente assinado por FF, por parte da "........", um documento intitulado de "recibo de sinal e promessa de compra e venda", no qual a 3a Ré "........ -Sociedade de Construções, Lda." declarava prometer vender a AA, que declarava prometer comprar, o lote n° .., do loteamento da ........, pelo preço de 3.550.000$00 (três milhões e quinhentos e cinquenta mil escudos), tendo este último entregue 1.420.000$00 a título de sinal e princípio de pagamento (cfr. doc. n° 1 junto com o procedimento cautelar de arresto, cujo teor se dá por integralmente reproduzido) - (al. B) da MFA e resposta ao quesito 46°).

11.Em 13/01/89, foi unicamente assinado por FF, por parte da "........", um documento intitulado de "recibo de sinal e promessa de compra e venda", no qual a 3a Ré "........ -Sociedade de Construções, Lda." declarava prometer vender a BB, que declarava prometer comprar, o lote n° ..., do loteamento da ........, pelo preço de 3.600.000$00 (três milhões e seiscentos mil escudos), tendo este último entregue 1.440.000$00 a titulo de sinal e princípio de pagamento (cfr. doc. n° 2 junto com o procedimento cautelar de arresto, cujo teor se dá por integralmente reproduzido) - (ai. C) da MFA e resposta ao quesito 46°).

12. Em 05/02/88, foi unicamente assinado por FF, por parte da "........", um documento intitulado de "recibo de sinal e promessa de compra e venda", no qual a 3a Ré "........ -Sociedade de Construções, Lda." declarava prometer vender a CC, que declarava prometer comprar, o lote n° 57, do loteamento da ........, pelo preço de 3.000.000$00 (três milhões de escudos), tendo este último entregue 1.500.000$00 a título de sinal e princípio de pagamento (cfr. doc. n° 3 junto com o procedimento cautelar de arresto, cujo teor se dá por integralmente reproduzido) — {al. D) da MFA e resposta ao quesito 46°).

13- Em 27/08/88, foi assinado por FF e HH, por parte da "........", um documento que intitularam de "recibo de sinal e promessa de compra e venda", constando junto às suas assinaturas a inscrição "........", no qual a 3a Ré "........ - Sociedade de Construções, Lda." declarava prometer vender a DD, que declarava prometer comprar, os lotes n°s 26 e 27, do loteamento da ........, pelo preço de 7.200.000$00 (sete milhões e duzentos mil escudos), tendo este último entregue a quantia de 2.880.000$00 a título de sinal e princípio de pagamento (cfr. doc. n" 4 junto com o procedimento cautelar de arresto, cujo teor se dá por integralmente reproduzido) — (al. E) da MFA).

14. Em 29/01/88, foi assinado por FF e HH, por parte da "........", um documento intitulado de "recibo de sinal e promessa de compra e venda", no qual a 3a Ré "........ - Sociedade de Construções, Lda." declarava prometer vender a EE, que declarava prometeu comprar, o lote n°.. do loteamento da ........, pelo preço de 4-350.000$00 (quatro milhões e trezentos e cinquenta mi! escudos), tendo este último entregue a quantia de 2.600.000$00 a título de sinal e princípio de pagamento (cfr. doc. n° 5 junto com o procedimento cautelar de arresto, cujo teor se dá por integralmente reproduzido) - (al. F) da MFA).

15. Os documentos referidos em 10., 11, 12., 13. e 14. foram concebidos e preparados pelo 1 ° Réu e apresentados já prontos a assinar aos Autores (resposta ao quesito 9°).

16.Todos os lotes mencionados em 10., 11., 12., 13. e 14. estão integrados num terreno, sito na Avenida .............. (E.N. 222), freguesia de Vilar de Andorinho, designado pelo loteamento da ........ (al. G) da MFA).

17. Nos contratos mencionados em 10., 11, 12., 13. e 14. foi declarado que a "........ - Sociedade de Construções, Lda." é dona e única possuidora do aludido terreno, situado na Av....................., na freguesia de Vilar de Andorinho, concelho de Vila Nova de Gaia, "terreno este devidamente loteado e que se designa por loteamento da ........ (als. H) e K) da MFA).

18. À data da assinatura dos contratos mencionados em 10., 11., 12., 13. e 14 os 1° e 2° Réus maridos eram os únicos sócios gerentes da 3a Ré, exigindo-se como forma de obrigar a sociedade a assinatura conjunta dos dois (cfr. fls. 87 e ss.) - (al. V) da MFA).

19. Os 1° e 2° Réus maridos convenceram os autores a efectuarem um sinal de montante elevado, alegando que necessitavam de dinheiro para as infra-estruturas necessárias ao loteamento (resposta ao quesito 12°).

20- Como sinal e princípio de pagamento, os 1°, 2°, 3° e 5° Autor entregaram ao 1° Réu as quantias, respectivamente, de 1.420.000$00 em 5.11.1988, 1.440.000$00 em 14.01.89, 1.500.000$00 em 8.02.88 e 2.600.000$00 em 2.02.88 e o 4° Réu entregou ao 2° Réu, também como sinal e princípio de pagamento, a quantia de 2.880.000$00 em 30.08.88, com o esclarecimento que esta última entrega foi feita através de cheque que o 2° Réu, por sua vez, entregou ao 1° Réu (resposta ao quesito 13°).

21. A parte restante do preço estipulado em 10., 11, 12., 13. e 14. seria entregue no acto da escritura, tendo-se os respectivos promitentes-compradores obrigado a celebrar o contrato definitivo logo que fosse concedido o alvará de loteamento e dentro do prazo de 30 dias a contar da data da sua concessão (al.. I) da MFA).

22. No contrato mencionado em 13., após as assinaturas aí mencionadas, FF, enquanto sócio gerente da "........", declarou que a escritura referente ao mesmo seria feita no prazo de 18 meses a contar da data do contrato, encontrando-se tal declaração por si assinada (ai. J) da MFA).

23. O tempo foi decorrendo e nunca mais os 1° e 2.° Réus maridos marcaram as respectivas escrituras de compra e venda, sendo que não foi emitido até ao presente o respectivo alvará de loteamento (resposta ao quesito 14°).

24.Os Autores solicitaram aos Réus, por inúmeras vezes, a celebração das respectivas escrituras de compra e venda, dispondo-se sempre os autores a outorgá-la e a pagarem o preço restante dos lotes (resposta ao quesito 15°).

25. Porém, sempre que os Autores os interpelavam para tal acto, contactando-os quer pessoal, quer telefonicamente, os Réus alegavam que o processo se encontrava "emperrado" na Câmara Municipal, mas que estivessem descansados que estava para breve a emissão do alvará de loteamento e a outorga da escritura, sendo que os contactos foram estabelecidos pelos 1°, 2°, 3° e 5° Autores apenas com o 1° Réu e o 4° Autor contactou ambos os Réus para esse efeito, particularmente numa fase posterior o 1° Réu (resposta ao quesito 16°).

26. Por notificação judicial avulsa, de 26.11.98, os AA. fizeram notificar o 1° Réu marido e a 3a Ré para até ao dia 14.12.1998 entregarem no 1° Cartório Notaria! de Vila Nova de Gaia os documentos necessários à escritura de compra e venda dos lotes de terreno, bem como para comparecerem no dia 21.12.98, às 15 horas, no mesmo local, a fim de celebrarem com os Autores a escritura de compra e venda dos mesmos (cfr. docs. nos6e7, de fls. 18 a 29) —(al. L) da MFA).

27. Os Réus mencionados em 26. não entregaram no cartório notarial os documentos para a escritura, nem compareceram à mesma, não tendo apresentado qualquer justificação para a sua recusa (ai. M) da MFA).

28. Em 08/10/87, o 1° Réu marido prometeu comprar a JJ e mulher, KK, os terrenos sitos no Lugar da ........, Vilar de Andorinho, de que faziam parte os lotes de terreno prometidos vender aos AA., pelo preço de 90.000.000$00, tendo o mesmo declarado in fine fazê-lo em nome da 3a Ré, nos termos constantes do doc. de fls. 30, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (ai. N) da MFA).

29. Atento a celebração do contrato referido em 28., a 3a Ré passou a usufruir da Quinta da ........ (resposta ao quesito 40°).

30. A sociedade "........" tencionava iniciar de imediato a venda de 82 lotes da Quinta da ........ (resposta ao quesito 42°).

31.O 1° e 2° Réus constituíram a sociedade 3ª Ré em 15.04.87 e o contrato-promessa referido em 28 data de 8.10.87, sendo que as negociações relativas a tal contrato foram iniciadas pelo 1° Réu marido (resposta ao quesito 71°).

32. A entrada inicial relativa ao contrato promessa referido em 28. ascendeu ao montante de 3000 contos (resposta ao quesito 72°).

33. Os 1° e 2" Réus acordaram que no contrato promessa com vista à aquisição da Quinta da ........ figurasse como promitente compradora a "........" (resposta ao quesito 73°).

34. Após prévio acordo dado pelos proprietários da Quinta da ........, a 3a Ré assumiu a posição de promitente compradora nos termos mencionados em 28. (resposta ao quesito 76°).

35. O 2° Réu directamente entrou com a quantia de 1 .500 contos destinada à sinalização da promessa de compra e venda da Quinta da ........, não tendo entregue pessoalmente qualquer outra quantia para este efeito (resposta ao quesito 78°).

36. Foi efectuado um primeiro reforço do sinal com 12 mil contos e um segundo reforço do sinal com 15 mil contos (respostas aos quesitos 79° e80°)

37. Foi a terceira Ré quem requereu na Câmara Municipal de Vila Nova de Gala o loteamento do terreno em questão, e quem, até 15 de Setembro de 1994, se apresentou perante a mesma como proprietária, apresentando em seu nome os documentos e elementos para o loteamento (al. O) da MFA).
38. Os Réus fizeram crer aos Autores que a 3a Ré era proprietária do terreno onde se integravam os lotes prometidos vender, sendo que nenhuns dos Réus jamais foi dono do dito terreno (resposta ao quesito 19°).

39. A 3a Ré sempre se intitulou proprietária do terreno a lotear {resposta ao quesito 20°).

40. Em 02/08/1990, os terrenos mencionados foram vendidos à 4a Ré, de que os primeiros réus são únicos gerentes (cfr. fls. 54 e 61), tendo posteriormente alterado a titularidade do processo de loteamento administrativo da 3a Ré para si (al. P) da MFA).

41. Em 22/10/1990, FF e HH assinaram uma declaração segundo a qual, na qualidade de sócios gerentes da 3a Ré, abdicavam da compra do terreno na "Avenida ............, sito em Vilar de Andorinho e conhecido por Quinta da ........, terreno esse que foi comprado pelo Ex.mo Senhor FF" (cfr. doe. de fls. 54) - (al. Q) da MFA).

42. Mais declararam na referida declaração que "por esse motivo a firma '........ - Sociedade de Construções, Lda.' exige ao legítimo proprietário do citado terreno, que averbe em seu nome os contratos de compra e venda que eram da responsabilidade daquela firma que, entretanto, declina" (al. R) da MFA).

43. Em data indeterminada do ano de 1990, o 1° Réu marido comunicou ao 2° Réu marido que, a menos que entrasse com quantia em dinheiro não apurada, para financiar a aquisição da Quinta da ........, a única solução era a desistência do negócio porque não havia dinheiro para a prestação a efectuar no acto da escritura (resposta ao quesito 51°).

44. O 2° Réu respondeu não ter a quantia a que alude no quesito 51" (resposta ao quesito 82°).

45. Os 1° e 2° Réus maridos acordaram em que a posição dos promitentes compradores deveria ficar salvaguardada, obrigando-se quem substituísse a "........" como comprador a cumprir as promessas de venda de lotes de terreno que tinham sido feitas pela "........", tendo sido nestas circunstâncias que assinaram a declaração mencionada em .... e .... (respostas aos quesitos 54° e 55°).

46. Na data constante da declaração referida em .... e ...., já a 4a Ré, sem o conhecimento do 2° Réu, havia adquirido a Quinta da ........ (resposta ao quesito 56°).

47. O 1° Réu marido propôs aos promitentes vendedores a aquisição da Quinta da ........ pela 4a Ré, o que os promitentes vendedores aceitaram (respostas aos quesitos 83°, 84° e 85°).

48. Por despacho exarado em 10/11/93 foi aprovada a operação de loteamento mencionada pela Câmara Municipal de Gaia (al. S) da MFA).

49. Por despacho de 10.03.1998 da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, foi indeferido o requerimento da 4a Ré onde solicitava o deferimento tácito e foi declarada a caducidade da deliberação dessa Câmara que havia aprovado a operação de loteamento, peias razões expostas a fls. 41 e ss. e 235 e ss. dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (al. T) da MFA).

50. O terreno em causa à data da apresentação da p. i. não estava loteado nem tinha alvará de loteamento (al. U) da MFA).

51. Inexiste até ao momento o alvará de loteamento necessário à realização da escritura dos lotes prometidos vender (resposta ao quesito 17°).

52. O réu FF é casado em regime de bens de comunhão geral com GG (cfr. assento de fls. 321)-(al. X) da MFA).

53. O réu HH casou em 06/02/71, sem convenção antenupcial, com II do (cfr assento de fls. 324) - (al. Z) da MFA).

54. Aquando da celebração dos contratos promessa referidos em 10., 11., 12., 13. e 14. os 1° e 2° Réus já eram casados com as 1a e 2a Rés mulheres, respectivamente, e os rendimentos da actividade que desenvolviam revertiam em benefício comum dos respectivos casais (resposta ao quesito 30°).

55. Para além do referido em 18. supra, o 1° Réu marido desenvolvia paralelamente actividade pessoal de compra e venda de terrenos para construção com fins lucrativos (resposta ao quesito 31°).

56. Dado o tempo entretanto decorrido, os autores perderam o interesse na aquisição dos lotes em causa (resposta ao quesito 33°).

57. Os 1° e 2° Réus, agindo na qualidade de legais representantes da 3a Ré, prometeram vender aos Autores lotes de terreno de uma propriedade que lhes não pertencia e que passou a pertencer à 4a Ré, ficando os Autores desembolsados do montante do sinal que
entregaram por virtude de tais contratos promessa (resposta ao quesito 34º).

58. Em virtude da actuação dos réus os autores viram todo o seu equilíbrio pessoal e económico abalado, tendo com muito sacrifício amealhado o dinheiro necessário à compra dos lotes (resposta ao quesito 35º).

59. Tendo-lhes causado canseiras, desgostos e frustração de expectativas (resposta ao quesito 36°).

60. Os autores pretendiam erigir nos lotes em causa casas para eles e respectiva família (resposta ao quesito 37°).

61. Na prática, desde a fundação da "........", sempre os seus gerentes estabeleceram uma divisão de tarefas {resposta ao quesito 38°).

62. Segundo a qual o 2° Réu marido, único gerente com conhecimentos e experiência nas artes de construção civil, assumiu a direcção dos domínios técnico e produtivo da sociedade e o 1° Réu marido, único dos gerentes com conhecimentos e experiência em negócios mobiliários, designadamente operações de loteamento e licenças de construção, assumiu a direcção da parte comercial, administrativa e financeira da actividade, negociando com vendedores, compradores de banca, cobrando receitas e organizando a escrita da sociedade (resposta ao quesito 39°).

63. Os dinheiros dos sinais pagos pelos promitentes compradores nas promessas de venda de lotes da Quinta da ........ foram depositados em três contas de depósitos à ordem de que o 1° Réu é titular ou que são por ele controladas, e nas quais os valores dos cheques foram creditados: Crédito Predial Português, n° 000000000; Banco Português do Atlântico, n°000000000; Crédito Predial Português, n" 000000000 (de que é titular a sociedade "............ - Sociedade de Construções, Lda."), tendo sido numa dessas duas primeiras contas que foram depositadas as quantias entregues pelos AA. a título de sinal (respostas aos quesitos 28° e 48°).

64. O 2° Réu marido apenas contactou com o autor DD, estando a par das negociações com este e tendo concluído com ele o respectivo contrato-promessa (resposta ao quesito 60°).

65. O 1° Réu marido é que tratava do loteamento (resposta ao quesito 61°).

66. O 2° Réu marido acreditava que o projecto de loteamento estava pronto a ser aprovado pela Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia (resposta ao quesito 62°).

67. Relativamente aos restantes autores, o 2° Réu marido não atendeu qualquer deles, não falou com eles como gerente da 3a Ré, não se deslocou com eles ao terreno, não manteve com eles quaisquer negociações, nem sequer os conheceu antes de 1993 (resposta ao quesito 63°).

68. O 2° Réu marido não concebeu, preparou, dactilografou ou apresentou já prontos a assinar aos autores os referidos contratos, mas sim o 1° réu marido (resposta ao quesito 64°).

69. O 2° Réu não negociou com os 1°, 2°, 3° e 5° Autores e nunca afirmou, prometeu ou exigiu dos mesmos o que quer que seja (resposta ao quesito 66°).

70. Todos os autores concluíram os respectivos contratos promessa com conhecimento de que não havia alvará de loteamento (resposta ao quesito 67°).

71. Não houve qualquer intenção fraudulenta por parte do 2° Réu marido de lesar o 4° Autor, pois acreditava que o 1° Réu marido estava seriamente a tratar da compra definitiva desse terreno e da obtenção do alvará de loteamento (resposta ao quesito 68°).

72. Não houve qualquer intenção fraudulenta por parte do 2° Réu marido de lesar o 5° Autor (resposta ao quesito 69°).

73. Os 1°, 2°, 3° e 5° Autores nunca interpelaram o 2° Réu a solicitar a realização das respectivas escrituras e o 4" Autor interpelou para esse efeito o 2° Réu e também o 1" Réu, ambos na qualidade de representante da "........" (resposta ao quesito 70°).

74. Quer a comercialização dos lotes de terreno, quer o pedido de apreciação e aprovação camarárias do loteamento foram efectuadas por ambos os 1° e 2° Réus maridos, na qualidade e em representação da aqui 3a Ré (resposta ao quesito 77°).
75. Alguns dos Autores chegaram a deslocar-se à Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia (resposta ao quesito 88°).

76. Todos os Autores sabiam que os 1° e 2° RR. maridos actuavam na qualidade de gerentes e representantes da Ré, na celebração dos contratos em questão (resposta ao quesito 90°).

77. Nenhum dos Réus procedeu à restituição aos Autores do sinal entregue (resposta aos quesito 94°).

78. Nada foi convencionado entre os Autores e a 4a Ré quanto à transferência ou cedência da posição contratual da "........" a favor da 4a Ré (resposta ao quesito 96°).

79. Os cheques recebidos pela 3a Ré, provenientes de receitas obtidas na comercialização dos lotes da Quinta da ........ e de outras receitas obtidas pela sociedade noutros empreendimentos, eram usualmente depositados nas contas bancárias do 1° Réu marido referidas em 28. e 48., onde eram movimentadas a crédito e a débito parte dos proventos e parte das despesas da 3a Ré (resposta ao quesito 99°).

80. Os contratos promessa referidos em 10., 11., 12., 13. e 14. foram também assinados, na qualidade de promitentes compradores, respectivamente, por AA, BB, CC, DD e EE.

81. O contrato de sociedade da 4a Ré foi inscrito no registo em 27.03.90, obrigando-se a sociedade pela assinatura de qualquer um dos seus sócios e gerentes, os 1OS Réus.

82.Foi o 1° Réu marido que unicamente representou a 4a Ré na escritura pública de aquisição da Quinta da ........, datada de 2.08.90, referida em 40. supra.

Isto dito, passemos à análise e decisão das questões suscitadas no presente recurso, tendo em atenção que os recorrentes, uma vez mais neste recurso, levantam a questão, já levantada e decidida na Apelação, de uma alegada nulidade da decisão, por excesso de pronúncia, estribados no argumento de que a responsabilidade contratual e a responsabilidade extracontratual não podem ser invocadas simultaneamente e que, podendo os Autores/Recorridos ter fundado os respectivos pedidos de indemnização contra os RR, em qualquer das duas formas de responsabilidade citadas, «escolheram como causa de pedir da sua acção a responsabilidade contratual a qual (causa de pedir) limita a acção do Tribunal ( na sua causa de julgar), como resulta do pedido subsidiário julgado procedente, pelo que a condenação dos recorrentes feita na sentença da 1ª Instância e confirmada no douto aresto aqui impugnado com base nos pressupostos de responsabilidade extracontratual constitui excesso de pronúncia, causal da nulidade apontada, provinda do disposto no artº 668º nº 1. al. d) do CPC».
É patente que, salvo o devido respeito, labora-se em erro ao supor que a causa de pedir da presente acção é a responsabilidade contratual.
Como muito bem decidiu a Relação no acórdão ora sob recurso, «as causas de pedir são factos e não juízos jurídicos, pelo que relevante é a circunstância de serem alegados factos integradores de responsabilidade extra-contratual, independentemente da invocação do respectivo instituto jurídico».
Na verdade, não há que confundir as formas de responsabilidade (contratual e extracontratual), que são regimes normativos aplicáveis às situações de facto atinentes, com a causa de pedir que, na definição de A.Varela é « o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido» (Manual de Processo Civil, 2ª edição, pg. 245).
Por outras palavras, a causa de pedir é um (ou mais) facto (s) simples ou complexo do qual emerge o direito que o Autor se propõe fazer valer em juízo, enquanto o regime de responsabilidade civil é um regime jurídico obrigacional emergente de um facto ilícito voluntário, culposo e danoso ( responsabilidade subjectiva), de um facto lícito danoso ou ainda do risco (responsabilidade objectiva) e que constitui a responsabilidade civil extracontratual ou ainda emergente da violação culposa de obrigação contratual (responsabilidade contratual ou negocial), tendo cada um desses regimes as suas especificidades próprias gizadas na lei.
Desta forma, enquanto a alegação da causa de pedir constitui sempre matéria de facto, sendo que, numa acção condenatória emergente de responsabilidade civil como a presente, será o facto fundamentador do invocado direito à indemnização, a questão da determinação de qual o regime jurídico da responsabilidade civil aplicável é matéria de direito, o que tem enorme relevância, já que o Tribunal está, em princípio, vinculado à matéria de facto alegada pelas partes, mas já não assim relativamente à matéria de direito, como linearmente decorre do disposto no artº 664º do CPC.
Por isso, ponderadamente reflectiu a Relação no acórdão recorrido que «Os AA. não deixaram de enunciar factos ilícitos imputáveis aos RR., enquanto alegaram terem os RR. actuado no sentido de não cumprirem as obrigações emergentes da celebração de contratos promessa com os AA. com a intencionalidade de prejudicar estes. E ficaram suficientemente explicitadas na decisão recorrida as razões do tribunal a quo, por referência à factualidade provada, para sustentar a responsabilidade extra-contratual dos 1° e 4a RR.. Aliás, diga-se ainda que, a partir dessa factualidade, nada obstaria a que o tribunal fizesse aplicação do quadro legal da responsabilidade extra-contratual, mesmo que não tivesse sido invocado pelos AA, o tribunal recorrido não estava impedido de dar aos factos provados o enquadramento jurídico-normativo que considerasse correcto, ainda que divergente do sustentado pelas partes, o que corresponde ã simples aplicação do princípio ius novit curia, acolhido no art° 664° do CPC («O juiz não está sujeito às / alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de / direito».
Tal posição da Relação não merece qualquer censura, ao invés do que pretendem os Recorrentes, visto que se mostra inteiramente ajustada aos parâmetros adequados para o enquadramento legal exigido pela factualidade provada.
Na verdade, não estando o Tribunal vinculado, em matéria de direito, ao alegado pelas partes e, designadamente, ao invocado regime de responsabilidade civil, como dispõe o artº 664º do CPC, é inequívoco que compete ao Tribunal aplicar as regras de direito que tiver por adequadas para a decisão do pleito, como o fizeram as Instâncias.
No caso vertente, não existe um concurso de responsabilidades nem houve invocação simultânea das duas espécies de responsabilidade, como parece ser a suposição dos Recorrentes, pelo quanto vem afirmado na conclusão 3ª das suas alegações de recurso.
Com efeito, a questão da admissibilidade do concurso de ambas as formas de responsabilidade civil é muito debatida há longo tempo e em vários quadrantes civilistas nacionais e estrangeiros.
Jaime de Gouveia referia já nos anos 30, que a tese da incompatibilidade era defendida por Demogue, Josserand, Saleilles, Mazeaud, Chironi, etc, enquanto a tese do cúmulo teria em Planiol, Ripert, Bartini e Thaller os seus coriféus. (1)
É que, como sublinhava Vaz Serra, « não pode negar-se que o mesmo facto pode, ao mesmo tempo, representar uma violação de um contrato e um facto ilícito extracontratual» (2).
No mesmo sentido, pronunciou-se Rui de Alarcão ao afirmar que «o mesmo facto humano pode provocar um dano simultaneamente contratual e extracontratual» (3).
O ilustre Mestre de Coimbra acrescenta que a questão está em saber se se deve aceitar a solução de cúmulo de responsabilidades quando se estiver perante uma hipótese de facto em abstracto qualificável como geradora das duas formas de responsabilidade, defendendo que a solução que se deve ter por consagrada é a da admissibilidade do cúmulo «por ser esta, a do concurso de normas, a solução natural, que como tal se deve aceitar na falta de disposição legal em contrário, desde que, no caso concreto, não conduza a soluções materialmente injustas» (4)
Basta, por exemplo, a ofensa de um direito absoluto, como são os direitos de personalidade, para que a lesão verificada esteja contemplada quer pelas regras próprias da responsabilidade por actos ilícitos ( no caso português, o art.º 483º, nº 1 CC), quer pelas regras da responsabilidade contratual, se tal lesão ocorrer no âmbito de uma relação contratual existente entre lesado e lesante.
Como refere a doutrina alemã, não se trata de várias pretensões concorrentes (Anspruchkonkurrenz) mas de um concurso de normas que fundamentam a mesma pretensão (Anspruchnormenkonkurrenz).
Para Almeida Costa, o concurso das responsabilidades, contratual e extracontratual, reconduz-se à figura do concurso aparente, legal ou de normas.
Este ilustre catedrático defende que o regime de responsabilidade contratual «consome» o da extracontratual, sempre que «perante uma situação concreta, sejam aplicáveis paralelamente as duas espécies de responsabilidade civil». (5).
Note-se, porém, que esta dualidade de regimes legais ou normativos em nada afecta a identidade dos sujeitos e do facto lesivo ou, por outras palavras, entre os mesmos sujeitos da relação contratual preexistente, verifica-se uma única conduta ilícita e o mesmo dano, qualquer que seja o ângulo em que se coloca, da responsabilidade contratual ou da responsabilidade aquiliana.
Não há dois danos distintos nem há duas condutas diferentes, nem do ponto de vista naturalístico, nem no plano jurídico.
O que há, no caso de concurso de responsabilidades, são dois regimes legais de protecção do lesado que prevêem tal conduta e visam reparar tal dano, mas cada regime com a sua teleologia própria, pelo que à unidade de conduta e de dano, corresponderá, necessariamente, a unidade do pedido indemnizatório e da indemnização.
No caso sub judicio, como dissemos, não ocorre qualquer concurso de responsabilidades.
O que acontece é que ao sujeito das relações contratuais estabelecidas com os Autores, os contratos-promessa de compra e venda, não cumpridos e que constituem objecto da presente acção, foi aplicado pelo Tribunal o regime de responsabilidade contratual, como se impunha, e aos outros Réus condenados, o regime da responsabilidade aquiliana.
Sendo assim, a responsabilidade da 3ª Ré, ........ – Sociedade de Construções, Lda, de que era sócio-gerente o 1º Réu, FF, por isso que foi esta sociedade que outorgou, como promitente vendedora, nos contratos-promessa celebrados e incumpridos, é de natureza contratual, posto que decorrente de violação contratual, como bem vem decidido pelas Instâncias.
Já a responsabilidade dos ora Recorrentes, 1º Réu, FF e da 4ª Ré, a sociedade........ – Sociedade de Construções, Lda, igualmente causadora de danos aos Autores, é de natureza extra-contratual ou delitual, a do primeiro com fundamento no disposto no artº 79º do CSC e da segunda com base no abuso de direito, artº 334º do C.Civil, já que os mesmos não foram sujeitos de qualquer relação contratual com os Autores, ora Recorridos.
Tal enquadramento legal não se mostra inquinado de qualquer vício e antes em plena consonância com os dispositivos normativos que regulam a responsabilidade contratual e a responsabilidade extra-contratual, no Código Civil e no Código das Sociedades Comerciais, como adiante se verá com maior detalhe.
Assim sendo, improcedem completamente as conclusões 3ª e 4ª da alegação dos Recorrentes, visto inexistir qualquer excesso de pronúncia na decisão recorrida que confirmou integralmente a decisão da º Instância e, por via disso, improceder fatalmente a arguição da nulidade decorrente do artº 668º nº 1 al. d) do CPC.

Dito isto, passemos à apreciação das demais conclusões e da pertinente matéria alegada.
Nas conclusões 5ª a 11ª o recorrente FF põe em causa a sua responsabilidade, onde pontifica a conclusão 11ª atrás transcrita e que, por isso, aqui damos por reproduzida.
Procura sustentar que a ilicitude, que é pressuposta no artº 483º do CCivil, aplicável nos temos do artº 79º, nº 1 do CSC, não se mostra presente no caso vertente, uma vez que não foi provado, segundo alega, «que o 1º Réu recorrente soubesse ou, no mínimo, pudesse antecipar, antes de celebrar os contratos em crise com os recorridos, da definitiva ou mesmo remota possibilidade de a 3ª Ré não adquirir tal Quinta da ........, sendo certo que os factos ocorridos posteriormente subsumem-se aos riscos próprios do negócios que muitas vezes se frustram contra a vontade dos recorrentes».

Falece-lhe razão, como se passa a demonstrar!
Para uma imediata evidência dessa falta de razão do Recorrente, comecemos por transcrever um excerto da sentença condenatória, que foi integralmente confirmada pela 2ª Instância, no acórdão ora em recurso, na parte que respeita à responsabilidade deste Réu, ora Recorrente:

«O 1° Réu, depois de ter exigido ao seu sócio uma determinada quantia em dinheiro para que a 3a Ré adquirisse a Quinta da ........, quantia que aquele respondeu não ter disponível, e depois de ter acordado com o 2° R. que a posição dos promitentes compradores da Quinta da ........ deveria ficar salvaguardada, obrigando-se quem substituísse a 3a Ré como comprador da Quinta da ........, a cumprir as promessas dos lotes prometidos vender, assinou, juntamente com o 2° R., a declaração referida em ... e ... da factualidade provada.
Nessa declaração, os 1° e 2° RR, sócios-gerentes da 3a Ré declaram que:
«abdicam da compra do terreno na Avenida ........... sito em Vilar de Andorinho e conhecido por Quinta da ........, terreno esse que foi comprado pelo Exmº Senhor FF.
Por esse motivo a firma ........ - Sociedade de Construções, Lda" exige ao legitimo proprietário do citado terreno, que averbe em seu nome os contratos de compra e venda que eram da responsabilidade daquela firma que, entretanto, declina».
Esta declaração incorpora, assim, uma manifestação de vontade da 3a Ré, aí representada pelos 1° e 2° RR maridos, no sentido de o proprietário da Quinta da ........, "averbar em seu nome" os contrato promessa de compra e venda que eram da responsabilidade da 3a Ré.
No parágrafo anterior do mesmo escrito ficou a constar que esse terreno tinha sido comprado pelo Sr. FF (o 1° Réu).
Mas na altura da subscrição de tal declaração, já a dita Quinta da ........, sem o conhecimento do 2° Réu, havia sido, no seguimento de proposta efectuada pelo 1° R. aos
respectivos proprietários da Quinta da ........ e por estes aceite, adquirida pela 4ª Ré – sociedade constituída pelo 1° Réu e sua mulher, através de escritura em que unicamente o 1° Ré outorgou em representação da 4a Ré.

Com este seu comportamento o 1° R. levou a que a 3a Ré abdicasse da compra da Quinta da ........, obtendo para tanto a anuência do 2° R, e logrou adquirir esta para uma sociedade formada por si e por sua mulher, à revelia dos Autores e do 2° Réu, com a consequente impossibilidade prática de a 3a Ré realizar os contratos prometidos com os Autores e demais promitentes compradores com quem havia sido celebrados contratos, por já não ser a proprietária da Quinta da ........ e por já não estar na sua disponibilidade a obtenção do loteamento, desta forma provocando aos Autores os danos decorrentes desse incumprimento.
Acresce que o 1° Réu declarou no mesmo escrito que o terreno havia sido comprado por ele próprio {Sr. FF}, quando bem sabia que a proprietária era nessa altura já a Ré, posto que foi ele próprio que exclusivamente a representou na respectiva escritura de aquisição.
Ao omitir aquela realidade, esvaziou de sentido a exigência que, como sócio da 3a Ré, a ele próprio dirigiu no sentido de "averbar em seu nome dos contrato promessa".
Assinale-se que não ficou provado o que a este respeito invocaram os 1°s Réus. no sentido de, após a desistência da 3a Ré e a celebração do contrato com a 4a Ré, ter ficado acordado que a 3a Ré, ou os seus sócios, restituiram os sinais recebidos e com essa restituição a proprietária da Quinta da ........ assumiria a posição de promitente vendedora nos contratos promessa celebrados com os AA, o que constituía condição essencial para tal assumpção e que nunca veio a ter lugar -cfr. resposta negativa aos quesitos 91°, 92°, 93.

Deste modo, o 1" R. em virtude da sua actuação ilícita e culposa acima descrita, nos termos do disposto no art° 79° do CSC e 483° do CC, é também responsável pelo ressarcimento dos danos causados aos AA com o incumprimento dos contratos promessa, ressarcimento que, no caso, se consubstancia na restituição em dobro dos sinais prestados, conforme acima se referiu.».

Desde logo, resultou provado que o ora Recorrente e o seu sócio «agindo na qualidade de legais representantes da 3ª Ré prometeram vender aos Autores lotes de terreno de uma propriedade que lhes não pertencia e que passou a pertencer à 4ª Ré, ficando os autores desembolsados dos montantes do sinal que entregaram por virtude de tais contratos-promessa» – facto nº 57º
Também que «em virtude da actuação dos Réus, os Autores viram todo o seu equilíbrio pessoal e económico abalado, tendo com muito sacrifício amealhado o dinheiro necessário à compra dos lotes» – facto nº 58º
Igualmente que tal conduta causou aos Autores «canseiras, desgostos e frustração de expectativas» – facto nº 59º
Outrossim, consta do facto definitivamente fixado sob o nº 38º, o ora FF e o seu sócio «fizeram crer aos autores que a 3ª Ré (........, Lda) era proprietária do terreno onde se integravam os lotes prometidos vender, sendo que nenhum dos Réus jamais foi dono do terreno».
Tal factualidade definitivamente fixada, aliada ao quanto se acha descrito no excerto acima transcrito, dissipará, de pronto, qualquer dívida que pudesse haver sobre a ilicitude e culpa da conduta deste Réu, ora Recorrente!

Tudo ponderado, cremos serem despiciendas mais palavras, para se aquilatar do bem fundado das decisões das Instâncias sobre a conduta do Réu FF, devidamente escalpelizada e descrita na douta sentença da 1ª Instância, cujo excerto se acaba de transcrever, apoiada exclusivamente na factualidade provada e que, por via da confirmação da mesma em sede do recurso de Apelação, se considera definitivamente fixada, o que não deixará dúvidas sobre a falta de fundamento do Recorrente ao recusar a sua responsabilidade, alegando a inexistência do pressuposto da ilicitude exigido pelo artº 483º do Código Civil.
Nos termos do nº 1 do artº 79º do Código das Sociedades Comerciais, os gerentes respondem também, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros pelos danos que ilicitamente lhes causarem no exercício das sua funções.
Nesta fattispecie normativa inscreve-se directamente a conduta descrita e provada do Réu J.M Fernandes, como bem decidiram as Instâncias, pelo que o mesmo é também civilmente responsável perante os Autores, como se mostra decidido.
Como tem entendido a doutrina e jurisprudência, a responsabilidade dos gerentes e administradores para com terceiros é uma responsabilidade delitual (in hoc sensu, Pedro Caetano Nunes, Responsabilidade Civil dos Administradores perante os Accionistas, 2001 e Acórdão deste Supremo Tribunal de 25.11.97 in Col. Jur/STJ, 1997, 3º, 140) e tal responsabilidade é solidária com a da sociedade, em virtude do disposto no nº 2 do artº 79º do CSC, que manda que seja aplicável aos direitos de indemnização previstos no referido preceito legal, o disposto no artº 73º do mesmo Código, disposição legal essa que estatui no seu nº 1 que a responsabilidade dos fundadores, gerentes, administradores ou directores é solidária.
Claudicam assim as conclusões 5ª a 11ª da referida alegação!

Alegam os Recorrentes que a quantia referente ao dobro do montante prestado, a título de sinal, por cada um dos Recorridos, constitui o « quantum» indemnizatório convencional provindo do acordo contratual (convenção) que, dada a sua natureza pessoal somente vincula os signatários desse contrato, ou seja os Recorridos e a 3ª Ré e nunca os demais RR e aqui Recorrentes, que são estranhos a essa convenção ( cfr. também conclusão 18ª).
Que pensar desta questão, em face da argumentação deduzida?
Que, na verdade, assim seria, se não estivessem em causa violações de contratos-promessa, contratos a que a lei concede uma protecção especial, fixando um regime indemnizatório próprio em caso de existência de sinal.
Sendo indiscutível que os ora Recorrentes não outorgaram nos referidos contratos promessa, embora tendo o FF intervindo, mas em nome da sua empresa, a sociedade ........, Lda, sendo esta a promitente vendedora, a verdade é que, como sublinha o conceituado autor Pedro Caetano Nunes na obra acima citada, «na responsabilidade delitual, a ilicitude decorre da violação de direitos absolutos, da violação de normas de protecção e, residualmente, do abuso de direito» ( negrito nosso).
Ora indiscutível é também que o referido Recorrente .........e sua outra empresa, a sociedade........ – Sociedade de Construções, Lda, com as suas condutas amplamente provadas e descritas, embora não tenham sido sujeitos contratuais, causaram inequivocamente o incumprimento contratual da ........, Lda, sendo o ora Réu ..........., nas palavras da sentença da 1ª Instância confirmada pela Relação e que subscrevemos inteiramente, «em virtude da sua actuação ilícita e culposa acima descrita, nos termos do disposto no art° 79° do CSC e 483° do CC, também responsável pelo ressarcimento dos danos causados aos AA com o incumprimento dos contratos promessa, ressarcimento que, no caso, se consubstancia na restituição em dobro dos sinais prestados, conforme acima se referiu», tratando-se aqui, portanto, de prejuízos que não são resultantes de má gestão do património societário, mas de danos directamente causados pelo referido sócio-gerente a cada um dos Autores/Recorridos, por força da violação das normas de protecção que subjazem aos artºs 441º e 442º, nºs 2 e 4 do Código Civil, sancionada com a restituição em dobro do sinal prestado.
Em suma, ainda que não tenha sido parte na relação contratual estabelecida com os Autores (terceiros prejudicados), a sua conduta, como se constata pela factualidade definitivamente fixada, foi directamente causadora de danos àqueles, por ter sido, como se repete, determinante para o incumprimento da sociedade promitente.
Voltaremos, uma vez mais, a esta questão!

Por sua vez, a sociedade........ – Sociedade de Construções, Lda, constituída pelo dito Recorrente FF e Mulher, foi condenada, por abuso de direito, na medida em que, como reza a sentença que foi confirmada pela Relação, a 4ª Ré concorreu de forma decisiva para o incumprimento da sociedade ........, Lda assim expondo a posição perfilhada:
«A questão que se coloca é a de saber se a 4a Ré, ao proceder à aquisição da Quinta da ........ e posterior averbamento do processo de loteamento para o seu nome, não actuou com abuso do direito, i e., a exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé e pelos bons costumes. E, salvo melhor opinião, a resposta não pode deixar de ser afirmativa, no circunstancialismo concreto do caso em análise.
Com efeito, a 4a Ré adquiriu a Quinta da ........, conhecendo os contratos- promessa celebrados pela 3a Ré com os Autores e outros, e a posição de promitente compradora da 3a Ré no contrato promessa celebrado com os proprietários da Quinta da ........, bem sabendo que, com a transferência da Quinta da ........ para a sua titularidade, ficava a 3a Ré impossibilitada de cumprir os contratos celebrados com os Autores. E tal conhecimento decorre manifestamente da circunstância de que quem a representa, e representou exclusivamente no acto de aquisição, é precisamente o 1° Réu, simultaneamente sócio-gerente da 3a Ré.
Acresce que tal aquisição, que não foi revelada ao 2° R, o outro sócio da 3a Ré, ocorre em data anterior à desistência da Quinta da ........ por parte da 3a Ré e à declaração subscrita pelos 1° e 2° RR, enquanto seus sócios-gerentes, declarando abdicar da compra.
Ao assim proceder, a 4° Ré concorreu de forma decisiva e consciente para o incumprimento contratual da 3a Ré, tendo excedido manifestamente os limites impostos pela boa fé e os bons costumes e, por conseguinte, actuando, ao adquirir a Quinta da ........, com abuso do direito, nos termos do disposto no artº 334° do CC».

A partir do exposto, concluiram as Instâncias que esta Ré agiu com abuso de direito, dado que não desconhecia que o terreno da Quinta da ........, de que eram promitentes compradores os Autores e promitente vendedora a ........, deveria ser vendido pelos donos não a ela, mas sim àquela sociedade para que, por sua vez, pudesse honrar os compromissos assumidos com os Autores.
É manifesto que bem andaram as Instâncias ao procederem a tal enquadramento jurídico.
Com efeito, tendo em comum a........ – Sociedade de Construções, Lda e a ........, Sociedade de Construções, Lda o mesmo sócio-gerente, FF, não podia aquela desconhecer não apenas a qualidade de promitente vendedora desta e, mais do que isso, de que ao adquirir para si a Quinta da ........, inviabilizava a venda prometida por parte da ........ aos promitentes compradores.
A personalidade colectiva, sendo uma realidade normativa, não tem a virtualidade de fazer tábua-rasa das realidades ontológicas que lhe subjazem, designadamente, de que a vontade da pessoa colectiva é formada e exprimida pelos seus órgãos e representantes, que são entes humanos (pessoas singulares), mas cuja actuação ilícita e culposa responsabiliza a pessoa colectiva, desde que emitida por quem na sociedade assuma posição de liderança (gerentes, administradores, directores, etc) legal ou estatutariamente competentes para a prática de actos vinculantes da sociedade e que os actos praticados o sejam em nome e no interesse do próprio ente colectivo, como ocorreu no caso vertente.
Pretende a Recorrente sociedade esgrimir o argumento de que ela «não exercitou um direito, outrossim a liberdade ou faculdade discricionária de contratar», para daí extrair a conclusão de que não se pode falar em abuso de direito, quando não foi exercido qualquer direito, como se colhe da conclusão 13ª da sua alegação.
De novo, falece-lhe razão!
O comprador, tal como o vendedor, exercem direitos, o direito de comprar e vender ( da emptio et venditio romana) e não uma mera faculdade de comprar.
Como se sabe, a faculdade, cujo termo não tem sentido jurídico perfeitamente estabelecido, como ensinava Castro Mendes, usa-se sobretudo para designar possibilidades contidas num direito subjectivo, portanto algo que faz parte dos meios jurídicos, em que o direito se desdobra e que não tem existência autónoma(6).
Por sua vez, Carvalho Fernandes, considera as faculdades como meios jurídicos de agir postos na disponibilidade do sujeito de direito, em vista à realização do seu interesse (7).
Ora a nossa ordem jurídica, tal como a da maioria dos países, considera a compra e venda como um contrato, exigindo capacidade de gozo e de exercício dos contraentes ou seja a susceptibilidade de direitos e obrigações e a susceptibilidade de praticar pessoalmente actos jurídicos.
Quem não tiver capacidade de gozo não pode validamente comprar e vender determinados bens e quem não tiver capacidade de exercício, está condicionado, na compra e venda de imóveis, à realização do acto pelos seus legais representantes, o que revela a natureza de verdadeiros direitos e não meras faculdades.
Improcede assim totalmente o argumento esgrimido, claudicando a conclusão 13ª.
Relativamente ao que consta da conclusão 14ª ( falta de intenção), tal não afasta o abuso de direito verificado pois nem sequer é exigida tal intenção pelo artº 334º do Código Civil que consagra a concepção objectiva do abuso do direito.
Para além do quanto foi exaustivamente dito, é patente a falta de razão da alegante, já que confunde a intenção com a motivação económica da venda, que segundo alega, terá sido a incapacidade financeira da 3ª Ré.
Os motivos são as determinantes endógenas do acto de vontade, o que poderia relevar é a consciência e vontade de realizar um acto ilícito, isto é, a consciência de que a compra iria prejudicar terceiros ( no caso, os promitentes compradores) e, mesmo assim, se decidir a fazer, como aconteceu!
Cabe aqui, por inteiramente ajustada à situação sub judicio, o ensinamento de Almeida Costa quando lapidarmente escreve que, relativamente àquelas situações que admitem o efeito externo das obrigações, além das legalmente previstas, « acrescentam-se as situações em que o terceiro que impediu o cumprimento da obrigação pode responder perante o credor, por ter agido com abuso de direito» (8)..
Este renomado civilista dá expressamente como exemplo de casos em que se pode ser chamado a responder directamente para com o credor por haver lesado o direito de crédito, o de alguém realizar com outro um contrato-promessa de venda de determinado prédio e o alienar depois a terceiro, impedindo o promitente comprador de o adquirir. (9).
Seriam ociosas mais palavras para se demonstrar a falta de fundamento de tal argumento.
Quanto às conclusões 12ª a 15ª, o essencial da argumentação da Recorrente, para além da afirmação de que não exerceu um direito, mas apenas a faculdade de comprar o que, já vimos, não procede, é a inexistência do efeito externo da obrigações, louvando-se no disposto no artº 406º, nº 2.
Sendo tal uma insofismável verdade, há no entanto que distinguir os efeitos directos emergentes do contrato e os efeitos reflexos entre os quais se contam os emergentes da violação contratual. Ora tais efeitos reflexos atingem terceiros ( A. Varela, Código Civil anotado, I, pg.373).
Foi o que aconteceu no caso-subjudice, em que a aquisição da Quinta da ........ pela 4ª Ré, consciente de frustrar a possibilidade de cumprimento dos contratos-promessa pela 3ª Ré, como amplamente se deixou demostrado, teve efeitos naqueles terceiros ( promitente compradores daquela porção de terra).
Improcedem, destarte, as referidas conclusões!

Relativamente ao quanto vem alegado na conclusões 16ª a 19ª, já se deixou acima afirmado que as normas de protecção violadas pelo Réu FF, como sócio-gerente da ........, Lda, e face ao disposto no artº 79º do CSC, foram as normas relativas ao sinal e à tutela dos intervenientes em contratos-promessa, normas de protecção essas que subjazem aos artºs 441º e 442º, nºs 2 e 4 do Código Civil.
Recordemo-nos que, como se colhe da sentença da 1ª Instância confirmada pela Relação, o Réu/Recorrente FF, com a sua conduta descrita no excerto supra transcrito daquela decisão, , contribuiu decisivamente para que se verificasse a impossibilidade de cumprimento dos contratos-promessa em pauta, pela 3ª Ré, contribuição essa que, de forma fundada e fundamentada, motivou a sua própria condenação nos termos do artº 79º, nº1 do Código das Sociedades Comerciais.
Assim sendo, não obstante a incumpridora contratual ser a sociedade ........, Lda, o sócio-gerente em causa responde solidariamente com esta, pelos danos directamente causados aos promitentes compradores, mas a única indemnização permitida que recai sobre o contraente inadimplente de um contrato-promessa que tiver passado o sinal é a que está estabelecida no nº 2 do artº 442º (restituição do sinal em dobro), como dispõe o nº 4 do sobredito inciso legal.
Como a obrigação solidária determina a correspondência a uma pluralidade de sujeitos de um cumprimento unitário da prestação (10) , de forma a que, havendo vários sujeitos passivos, qualquer destes responde perante o credor comum pela prestação integral, cujo cumprimento a todos exonera, a doutrina civilista considera como uma das características das obrigações solidárias, a da identidade da prestação.
Certo que o nº 2 do artº 512º do C.Civil estatui no sentido de que a obrigação não deixa de ser solidária pelo facto de ... ser diferente o conteúdo das prestações de cada um dos devedores, mas, como ensinava o saudoso Prof. Antunes Varela, «só há verdadeira solidariedade em relação à parte comum da responsabilidade...só esta parte comum corresponde à prestação integral por que responde cada um dos devedores, nos termos do nº 1 do artº 512º» (11)
Note-se que esta identidade não converte a responsabilidade do Réu FF e da Ré........ – Sociedade de Construções, Lda, em responsabilidade contratual como a da sociedade que incumpriu os contratos.
A identidade está apenas no montante da prestação debitória, como ressalta à evidência e, de resto, é ela que permite que se qualquer dos obrigados solver a dívida pagando a prestação debitória, exonera os demais perante os credores.
Improcedem desta sorte, as conclusões 16ª a 19ª da alegação dos recorrentes.
Finalmente importa decidir a última das questões levantadas nestas alegações, que é a do fundamento da condenação solidária dos 1º Réu e da 4ª Ré com a 3ª Ré.
Cremos ter respondido com o devido esclarecimento à questão da solidariedade da responsabilidade do 1º Réu, como gerente, com a 3ª Ré como sociedade incumpridora dos contratos.
Ela decorre do disposto nos artº 73º e 79º do Código das Sociedades Comerciais conjugados com os artº 483º, nº 1 do Código Civil, pelas razões já amplamente expostas.

Quanto ao carácter de solidariedade da responsabilidade extracontratual da 4ª Ré, cumpre dizer que ela decorre do disposto no artº 497º do C. Civil, dado que tendo contribuído para a produção dos mesmos danos, aos promitentes compradores, que o seu sócio-gerente FF, a sua responsabilidade é solidária com a do referido sócio-gerente, dada a dualidade de sujeitos na produção do mesmo dano nos termos descritos na sentença da 1ª Instância, cujo excerto atrás se transcreveu.
Deste modo, verificando-se a solidariedade da responsabilidade do 1º Réu com a 3ª Ré e da 4ª Ré com o 1º Réu, impõe-se o regime de solidariedade entre todos, uma vez que o prejuízo causado por todos eles consistiu na frustração da celebração dos contratos-promessa não obstante prestação de sinal, obrigação esta indemnizável, como já vimos, pela restituição do sinal em dobro.
De resto a solidariedade entre as obrigações das 3ª e 4ª Rés, como sociedades comerciais que são e, portanto, comerciantes (artº 13º, nº 2 do Código Comercial) e concernentes à violação dos contratos-promessa de compra e venda que a 3ª Ré deveria celebrar no exercício da sua actividade, comercial, seria imposta sempre por força do disposto no artº 100º do Código Comercial (princípio da solidariedade passiva nas obrigações comerciais), pois esta solidariedade é a regra de tais obrigações, ao invés do se passa com as obrigações civis contratuais em que a regra é a conjunção.
Decidida assim a totalidade das questões levantadas nas alegações do presente recurso, claudicam todas as conclusões a elas atinentes o que fatalmente conduz à improcedência do recurso interposto.

DECISÃO

Face a tudo quanto exposto fica, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em se negar a revista, confirmando-se integralmente a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.

Processado e revisto pelo Relator.

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 1 de Outubro de 2009

Álvaro Rodrigues (Relator)
Santos Bernardino
Bettencourt de Faria
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(1) - Jaime Gouveia, Da Responsabilidade Contratual, ed. do Autor, Lisboa, 1933, 227 e segs.
(2) Vaz Serra, «Responsabilidade Contratual e Responsabilidade Extracontratual», in BMJ, 85, 115-239.
(3) Rui de Alarcão, Direito das Obrigações ( lições policopiadas – 1983), pg. 210.
(4) Idem, pg. 211.
(5) Almeida Costa, Direito da Obrigações, 6ª ed. , pg 455- 461.
(6) Castro Mendes, Direito Civil, Teoria Geral, 1979, II-27
(7) Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, 1983, 2º, pg 29.
(8) Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9ª edição, pg. 83.
Na 3ª edição da obra citada, tal asserção consta a pg. 65.
(9) Idem, pg. 81.
(10) Almeida Costa, Direito das Obrigações, 9ª edição, 613.
(11) A. Varela, Das Obrigações em Geral. I, 10ª edição, pg.759.