Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
819/11.7TBPRD.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: JOÃO TRINDADE
Descritores: PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODERES DO JUIZ
MATÉRIA DE DIREITO
MATÉRIA DE FACTO
TEMAS DA PROVA
BASE INSTRUTÓRIA
QUESITOS
RESPOSTA AOS QUESITOS
RESPOSTAS EXCESSIVAS
PRINCÍPIO INQUISITÓRIO
PRINCÍPIO DISPOSITIVO
FACTOS ESSENCIAIS
FACTOS CONCLUSIVOS
FACTOS INSTRUMENTAIS
Data do Acordão: 09/10/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA QUANTO À MATÉRIA DE FACTO. ORDENADA A REMESSA À FORMAÇÃO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS / PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO / RECURSO DE REVISTA / REVISTA EXCEPCIONAL ( REVISTA EXCECIONAL ).
Doutrina:
- Neves Ribeiro, “O recurso de revista, a reforma desejável”, in Reforma dos Recursos em Processo Civil, DGPJ, 2008, p. 73.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 246.º, N.º1, 514.º, 712.º, N.º6, 721.º, N,º1, 722.º, N.º2, 729.º, N.ºS 2 E 3, 730.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC) / 2013: - ARTIGOS 5.º, N.ºS 1 E 2, 412.º, 646.º, N.º4, 662.º, N.ºS 2 E 4, 671.º, N.º1, 672.°, N.° 1, AL. C) 674.º, N.ºS 2 E 3, 682.º, N.ºS 2 E 3, 683.º, N.º 1.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 210.º, N.º5.
LEI N.º 3/99, DE 13 DE JANEIRO: - ARTIGO 26.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 21.03.00, 28.03.00 E 28.11.00, TODOS DA 1ª SECÇÃO, PROFERIDOS NOS PROCESSOS N.ºS 65/00, 78/00 E 2667/00, IN SUMÁRIOS, ANO 2000, PP. 107, 111 E 332, RESPECTIVAMENTE.
Sumário :
I - O STJ, não sendo, por regra, um tribunal de instância, só conhece de matéria de direito, excepto nos casos previstos na lei.

II - O Supremo vem entendendo que constitui matéria de direito, situada dentro dos seus poderes, a questão do excesso ou exorbitância da resposta a um quesito.

III - Da mesma forma, não está vedado ao STJ apreciar se determinada asserção – tida como “facto provado” – consubstancia na realidade uma questão de direito ou um juízo de natureza conclusiva/valorativa, caso em que deverá ser julgada não escrita.

IV - Em face do NCPC (2013), haverá que considerar, de uma forma inovadora, que a abolição da base instrutória e a opção pela enunciação de temas de prova dá aos tribunais de instância maior liberdade na circunscrição da matéria de facto, já não valendo argumentos de pendor formalista.

V - É possível agora ao juiz optar por uma formulação mais genérica, desde que não seja pura matéria de direito em face do caso concreto, tal como existe uma maior liberdade na consideração de factos que não foram alegados mas que resultaram da discussão da causa, nos termos do art. 5.º, n.º 2, do NCPC.

VI - O modelo processual introduzido pela reforma é o da prevalência do fundo sobre a forma, de acordo com uma nova filosofia que vê no processo um instrumento, um meio de alcançar a justa composição do litígio, de chegar à verdade material pela aplicação do direito substantivo.

VII - Atribui-se ao juiz um poder mais interventor, sem que tal signifique, porém, o fim do princípio dispositivo e a sua substituição pelo princípio inquisitório, uma vez que continua a caber às partes a definição do objecto do litígio, através da dedução das suas pretensões e da alegação dos factos que integram a causa de pedir ou suportam a defesa.

VIII - Ao contrário do que sucede quanto aos factos essenciais – relativamente aos quais funciona o princípio da auto-responsabilidade das partes –, quanto aos factos instrumentais, o tribunal não está sujeito à alegação das partes, podendo oficiosamente carreá-los para o processo e sujeitá-los a prova.

Decisão Texto Integral:

1 - AA e BB intentaram, em 2011-03-03 contra

Município de ... e “CC - Cooperativa de Ensino Superior Politécnico e Universitário ,

acção de condenação, com processo ordinário, peticionando a condenação:

a) do 1º réu Município a ver declarada a resolução/nulidade do contrato de cedência a que alude na petição inicial;

b) do 1º e 2º réus a verem declarada nula e ineficaz relativamente aos autores a doação a que se alude em 9º desta PI da parcela de 3.152,00m2 efectuadas pela 1ª ré à 2ª ré quer em virtude da resolução/nulidade do negócio celebrado entre os autores e 1º réu Município quer em virtude da nulidade do próprio negócio;

c) do 1º e 2ª RR a restituírem livres de pessoas e coisas aos autores as parcelas de terreno por si ocupadas que inicialmente eram parte integrante do prédio descrito em 1º da PI;

d) dos 1º e 2ª RR a ver ordenado ao abrigo do art. 8°/l do Código do Registo Predial, o cancelamento de todos os registos relativos ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o n° 406/…- …, posteriores ao registo da sua aquisição/inscrição G1 a favor das AA. pela AP.13 de 1988/10/04, nomeadamente: - Da inscrição G-l, Ap. 11 de 2002/01/14 do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o n.° 1383/…, da freguesia de …, relativas à aquisição da parcela referida em 6 da P.I., cedida pelas AA. ao 1º R. Município de .... - Da inscrição G-l, Ap. 36 de 2003/07/18 do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o n.° 1442/…, da freguesia de …, relativas à aquisição da parcela referida em 9 desta P.I, cedida pelo 1º R. Município de ... à 2ª R. CC.

    


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2 - Para tanto e em síntese alegaram que eram proprietários na totalidade do prédio misto identificado no art. 2º da p.i. e com a intenção de edificar na totalidade ou em parte dele por si ou por interposta pessoa, edifício em propriedade horizontal e posteriormente vendendo com lucro as fracções, no dia 28 de Fevereiro de 2001, celebraram com o presidente da Câmara Municipal de Paredes, em representação, um acordo que denominaram “Protocolo de acordo”.

Posteriormente, no dia 3 de Dezembro de 2001, com o 1º Réu Município de ... outorgaram escritura de cedência de parte do referido prédio (parcela com a área de 23.211,10 m2) tendo este aceite a cedência referindo que os terrenos se destinam à ampliação do Parque da cidade, para implantação de um Pólo Universitário e de Feira de Paredes, comprometendo-se a Câmara a criar as infra-estruturas designadamente para que, num futuro próximo, os prédios sobrantes dos autores possam ser destinados à construção urbana.

Mais alegam que por escritura de doação nº 9/2003 exarada no dia 20 de Junho de 2003, o 1º Réu Município de ... efectuou à 2ª Ré CC doação de um terreno para instalação da Escola Superior de … do …, com cláusula de reversão da propriedade do objecto deste contrato a favor do Município de ... se a representada dos segundos outorgantes não afectar a parcela de terreno ao fim especifico para o qual foi doada ou deixar de exercer a actividade em causa neste concelho.

Do prédio urbano com a área de 23.211,10 m2 cedido pelos AA ao 1º R., este doou à 2ª R. uma parcela com a área de 3.152,00m2 para que fosse instalado um Estabelecimento do Ensino Superior e a Feira de Paredes o que atrairia ao local um elevado número de pessoas e capitais, permitindo uma rentável e fácil comercialização das fracções que os autores pretendiam construir por si ou interposta pessoa na parte sobrante do prédio. Referem ainda que só este facto levou a que os autores gratuitamente abrissem mão de tamanha quantidade de terreno - 23.211,10 m2 - pois na parte restante-5.487,90 m2 –poderia ser obtida grande rentabilidade económica.

O 1º R. apesar de se ter obrigado a criar as necessárias infra-estruturas e condições, para que num futuro próximo, os prédios sobrantes dos autores pudessem ser destinados à construção urbana, até hoje volvidos quase dez anos os terrenos cedidos pelos autores ao 1° Réu que nunca foram afectos quer pelo 1º quer pelo 2ºR à construção, instalação daqueles equipamentos públicos (Pólo Universitário e Feira de Paredes) e assim nunca foram utilizados para os fins de interesse público que determinaram a sua cedência gratuita pelos autores.

A 2ª R. CC nunca, até à presente data, deliberou, ou aprovou por decisão interna a construção ou instalação da Escola Superior de Saúde do … ou sequer submeteu projecto de licenciamento à Câmara de Paredes.

Assim, essa inércia dos 1º e 2ª réus impede os autores de concretizar o projecto imobiliário que tinham para a parcela restante do seu prédio, com os consequentes prejuízos daí decorrentes.

Deste modo, entende que existe um erro sobre os motivos que determinaram a sua vontade na cedência da parcela ao 1º réu sendo que a actuação do 1º réu de não fixação de qualquer prazo sempre configuraria abuso de direito, nos termos do art. 334º do C.Civil.


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3 - Devidamente citados para a causa, os Réus contestaram.  

O 1º réu referindo que não consta dos contratos, nomeadamente, qualquer obrigação de construir, implantar ou pôr em funcionamento um Pólo Universitário, a Feira de Paredes ou a ampliação do Parque da Cidade mas apenas que se compromete a destinar os terrenos em causa àqueles fins, não a construir.

Por outro lado, entendem que o Réu não só destinou como já implantou o Parque da Cidade, como ainda destinou o terreno cedido para a implantação de um pólo universitário e ainda para a implantação da Feira de Paredes. Além disso, por via do protocolo e contrato celebrados, ficaram os autores autorizados, mediante licenciamento a efectuar, a edificar as construções constantes da planta anexa àquele protocolo, o que implica que, desde então, estão criadas as condições para que os prédios dos autores possam ser destinados à construção urbana, procedendo-se à construção das infra-estruturas quando avançar a construção daquilo que os autores vierem a licenciar.

Mais referem que não existe qualquer obrigatoriedade de prazo por parte do aqui Réu para afectar os terrenos cedidos aos fins acordados nunca tendo sido o mesmo interpelado para cumprir com algum aspecto do protocolo que estivesse em falta. Entende igualmente não existir qualquer situação de abuso de direito estando, assim, em causa apenas eventuais expectativas dos autores. Não existiria do mesmo modo qualquer erro não aceitando o contestante a essencialidade do motivo indicada pelos autores.

Concluem, pedindo, que a acção seja julgada improcedente.

A ré “CC” impugna igualmente os factos alegados pelos autores e refere que já há muito tempo que iniciou as diligências para a instalação de um pólo universitário no terreno em causa, não existindo uma demora provocada pelos réus.

Houve réplica.


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4 - Elaborado despacho saneador, foi decidido julgar procedente a excepção de incompetência absoluta do tribunal em razão da matéria para conhecer do pedido formulado em b), parte final, ou seja, da requerida nulidade da doação a que se alude no artigo 9º da petição inicial em virtude da nulidade do próprio negócio e, em consequência, foram os réus absolvidos da instância quanto ao mesmo, decisão que foi confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto.


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5 - Na pendência do julgamento foi requerido pelos autores a ampliação do pedido nos seguintes termos: “Na impossibilidade dessa restituição por 1º réu ou 2º réu, condenados qualquer um deles a pagar aos autores o valor correspondente, a liquidar em execução de sentença”, tendo sido admitida tal ampliação.

Após realização da audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença em que se julgou a acção totalmente improcedente.

 


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6 - Inconformados, recorreram desta decisão os Autores .


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7 - A Relação julgou improcedente a apelação interposta .


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8. É desta decisão que em 2015-01-16 foi interposta revista pelos AA. , que encerram as alegações com as seguintes conclusões:

1ª QUESTÃO - (IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO)

1. Constitui matéria de direito, situada dentro dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, a questão do excesso ou exorbitância da resposta a um quesito, no julgamento da matéria de facto" (Ac. STJ ,Proc. 03B1987 de 23-09-2003 in www.dgsi)

2./Embora esteja vedado ao Supremo Tribunal de Justiça avaliar a bondade da decisão de facto propriamente dita, não lhe está vedado, todavia, por tal constituir matéria jurídica, apreciar se determinada asserção - tida como "facto" provado - consubstancia na realidade uma questão de direito ou um juízo de natureza conclusiva/valorativa, caso em que, sendo objeto de disputa das partes, deverá ser julgada não escrita."(A.c. STJ,Proc. 590/12.5TTLRA.C1.S1 de 12-03-2014 in www.dgsi)

3./Sobre esta 1ª questão (Impugnação da matéria de facto),este recurso de revista excepcional terá por base os seguintes Acórdãos fundamento: Ac. Tribunal da Relação do Porto de 29-05-2014 Proc.nº 388436/10.0YIPRT.P1; Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 17-02-2009 Proc. n° 2917/07.2TBAVR.Cl;Ac. Tribunal da Relação do Porto de 7-10-2013 Proc.nº 488/08.1TBVPA.Pl;Ac. Tribunal da Relação do Porto de 15-09-2014 Proc.nº 3596/12.0TJVNF.P1.

4./Quer os Acórdãos fundamento quer o Acórdão de que se recorre, pronunciam-se sobre "Decisão da matéria de facto" "Factos essenciais" "Factos instrumentais e respectiva sujeição ao contraditório" "Juízos conclusivos" e "Questões de direito". Existe contradição porque os mesmos preceitos - art. 5 n°s 1 e 2 a) e b) ; art.552 n° 1 d) ; art. 615 n°l d); art. 3 n° 3 ;e art. 607 todos do NCPC- são interpretados e aplicados diversamente a factos idênticos.

5./Assiste razão aos Acórdãos fundamento.

6./ O Juiz não pode substituir-se às partes na introdução na causa de novos factos essenciais que, completando ou concretizando os alegados nos articulados, eventualmente se tornem patentes na instrução e discussão. É manifesto que o Tribunal recorrido não podia fazer uso dos factos que acresceu neste segmento da resposta ao quesito 2º (Ponto 10 da motivação de facto) "juntamente com o referido no ponto 11", desde logo porque sendo um facto essencial não foi alegado. O Tribunal recorrido, ao conhecer de factos que não podia conhecer, servindo-se dos mesmos para julgar a acção, violou o disposto nos art. 552 n°l d) e 5 n° l e 2do CPC, produzindo a nulidade da sentença nos termos do art° 615 n° 1 d) do CPC). A sanção correspondente à violação do comando daquele preceito, quando decorrente de decisão de matéria de facto incluída em questionário, é a de se considerarem não escritas as resposta que exceda o âmbito da questão de facto a que o quesito se reporta. Assim por violação do disposto nos art.s 552 n°l d) e 5 n° l e 2 e 615 n° 1 d) do CPC deve o segmento da resposta ao quesito 2°(Ponto 10 da motivação de facto) "juntamente com o referido no ponto 11" ser alterada para "não provado" e considerado não escrito na referida resposta.

7./Porém não só por esta razão, isto é, independentemente de se tratarem os factos acrescentados neste segmento da resposta ao quesito 2º (Ponto 10 da motivação de facto), de factos essenciais, factos instrumentais que resultem da instrução da causa ou os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, por outra razão, sempre a sua inclusão no elenco dos "provados" seria ilícita.

8./E que tribunal recorrido ao incluir na resposta ao quesito 2º (Ponto 10 da motivação de facto) o segmento "juntamente com o referido no ponto 11", matéria não quesitada nem alegada pelas partes, sem conhecimento prévio dos AA/Recorrentes, proferiu uma decisão surpresa com violação do princípio do contraditório, ( artigo 3.°, n.° 3 do Código Processo Civil) por isso nula, que deve determinar que este segmento do quesito deve ser julgado "Não provado" e excluído da redacção da resposta.

9./Pelas mesmas razões que ficaram expostas nestas alegações de recurso que aqui se dão por integralmente reproduzidas e que consubstanciam a violação do disposto nos art.s 552 n° l d) e 5 n° l e 2 e 615 n° 1 d) do CPC deve o segmento da resposta aos quesitos 3º e 28° (Ponto 11 da motivação de facto) " parte dos terrenos cedidos pelos autores se encontrarem em zona de equipamento público, do aludido Município se ter comprometido no protocolo a que se alude no ponto 3 a, mediante licenciamento, autorizar a edificação das construções, nos termos aí referidos, cujas manchas de implantação se encontram pintadas a castanho da planta junta a fls. 596, a criar as necessárias infra-estruturas para que num futuro próximo, os prédios sobrantes dos autores, constituídos por dois terrenos rústicos possam ser destinados à construção urbana" ser alterada para "Não provado" e considerado não escrito na referida resposta.

10./ E mesmo que assim não se entendesse, o tribunal recorrido ao incluir na resposta aos quesitos 3º e 28° (Ponto 11 da motivação de facto) o segmento " parte dos terrenos cedidos pelos autores se encontrarem em zona de equipamento público, do aludido Município se ter comprometido no protocolo a que se alude no ponto 3 a, mediante licenciamento, autorizar a edificação das construções, nos termos aí referidos, cujas manchas de implantação se encontram pintadas a castanho da planta junta a fls. 596, a criar as necessárias infra-estruturas para que num futuro próximo, os prédios sobrantes dos autores, constituídos por dois terrenos rústicos possam ser destinados à construção urbana", matéria não quesitada nem alegada pelas partes, sem conhecimento prévio dos AA/Recorrentes, proferiu uma decisão surpresa com violação do princípio do contraditório, ( artigo 3.°, n.° 3 do Código Processo Civil) por isso nula, que deve determinar que este segmento do quesito deve ser julgado "Não provado" e excluído da redacção da resposta.

11./ O Tribunal passou do "Só este facto"( no singular), que consta da redacção do quesito 4º para o "Só esses factos" (no plural ), da resposta constante do Ponto 12 da motivação de facto. Ora, é por demais evidente que a resposta constante do Ponto 12 da motivação de facto quando refere "Só esses factos" remete para os factos dados por provados no Ponto 11 da Motivação de facto"

12./Só que como já se viu a propósito das respostas aos quesitos 2º e 3º (Pontos 10 e 11 da Motivação de facto) artigos, o Tribunal recorrido ao "acrescentar" esses outros factos violou o disposto nos art.s 552 n° l d) e 5 n° l e 2 e 615 n° 1 d) do CPC e o princípio do contraditório, (artigo 3.°, n.° 3 do Código Processo Civil).

13./Pelo que como consequência de serem considerados não provados os segmentos dos Pontos 10 e 11 da motivação de facto, deve alterar-se a resposta ao Ponto 12 da motivação de facto dando-se por provado o segmento do quesito 4 "Só este facto", e "não provado" o segmento "Só esses factos" do Ponto 12 da motivação de facto.

14./ O Tribunal recorrido ao dar por provado no Ponto 19 da motivação de facto" com o esclarecimento que a construção dessas infra-estruturas depende da apresentação e aprovação do pedido de urbanização ou de licenciamento nos terrenos sobrantes identificados no ponto 5, o que até à presente data não foi efectuado" violou o disposto no art.264 n° 3 do antigo CPC, que no caso era aplicável, uma vez que o 1°R.Recorrido Município, parte interessada em que estes factos fossem considerados pelo Tribunal, não manifestou a vontade de deles se aproveitar e aos AA/Recorrentes não foi facultado o exercício do contraditório.

15./No caso devia o Tribunal lançar mão dos princípios gerais do processo civil, em especial do contraditório e da adequação formal (arts. 3.° e 547.° do CPC), para assegurar que a validade dos actos praticados no domínio da lei antiga e para que esta não seja posta em causa.

16./ A aplicabilidade imediata do novo CPC afectou garantias, direitos e interesses legítimos dos AA/Recorrentes anteriormente constituídos e por isso foi violado do princípio da protecção da confiança ínsito no princípio do Estado de direito - art. 2.° da Constituição da República Portuguesa.

17./Pelo que deve o segmento da resposta do Ponto 19 da motivação de facto" com o esclarecimento que a construção dessas infra-estruturas depende da apresentação e aprovação do pedido de urbanização ou de licenciamento nos terrenos sobrantes identificados no ponto 5, o que até à presente data não foi efectuado" ser alterada para " Não Provado" e dada por não escrita

18./ O quesito 15 e a respectiva resposta (Ponto 28 da motivação de facto) contêm matéria conclusiva vaga e genérica, (violam os artigos 5.°, 607.° CPC e art. 342.° do CC), assim deve a resposta ao Ponto 28 da motivação de facto ser alterada para "Não provado" e dada por não escrita

19./ O quesito 16° constante da base instrutória bem como a resposta que sobre ele recaiu, Ponto 23 da motivação de facto, são conclusivos e, por essa razão, sobre ele não deveria o Tribunal " a quo" ter proferido qualquer resposta, nos termos do 607 n°s 3 e 4 do Código de Processo Civil.

20./O Tribunal "a quo" ao ter relevado a resposta dada ao quesito 16°,Ponto 23 da motivação de facto, para a decisão do mérito da causa, violou o disposto no artigo 607° e 5º, ambos do Código de Processo Civil.

21./É que nos termos do Artigo 5.° do CPC o Juiz pode considerar factos sejam eles essenciais, instrumentais, que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, os notórios e finalmente aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções. Porém sempre e só factos, nunca conclusões ou juízos de que qualquer outra ordem. /Matéria conclusiva, por exclusão de partes, será a que tem a ver com «ilações, juízos e conclusões» a extrair de factos concretos.

22./Do que fica referido, resulta claramente poder concluir-se que a matéria vertida, no quesito 16° e respectiva resposta, Ponto 23 da motivação de facto, são conclusivas. Na verdade a expressão "iniciou as diligências para a instalação" é conclusiva que só se poderá extrair de factos concretos, que nos autos não estão provados ou demonstrados. Sem que os AA/Recorrentes saibam quais as concretas diligencias que o 2o R/Recorrido iniciou, nem sequer relativamente e tal matéria pode exercer o seu contraditório

23./Ora estando-se perante matéria conclusiva, a consequência será a de se considerar «não escrita» a resposta ao quesito 16° (Ponto 23 da motivação de facto).

24./O quesito 17° constante da base instrutória bem como a resposta que sobre ele recaiu, Ponto 24 da Motivação de facto, são conclusivos, no sentido de que encerram em si juízos de adjectivação e, por essa razão, sobre ele não deveria o Tribunal " a quo" ter proferido qualquer resposta, nos termos do 607 n°s 3 e 4do Código de Processo Civil.

25./A expressão "tarefa complexa e burocrática" é conclusiva encerrando em si um juízo de adjectivação. Ora estando-se perante matéria conclusiva, a consequência será a de se considerar «não escrita» a resposta ao quesito 17° (Ponto 24 da motivação de facto).

26./O Ponto 25 da motivação de facto, está formulado em termos vagos e imprecisos, com recurso a conceitos indeterminados, sem qualquer concretização e determinação, logo a resposta do Ponto 25 da Motivação de facto deve ser alterada para "Não provado" e dada por não escrita.

27./ Pelas mesmas razões que ficaram referidas entendem os AA/Recorrentes que a resposta ao Ponto 28 da Motivação de facto deverá ser "não provado" .

28./A fundamentação de facto na sentença tem de ser concreta e esclarecedora da motivação dos factos, não bastando a referência a conceitos vagos e genéricos. Da resposta, Ponto 28 da motivação de facto, não se percebe qual a " luta" ou quais os " projectos, estudos, pareceres elaborados"

29./Assim, porque o Ponto 28 da motivação de facto, está formulado em termos vagos e imprecisos, com recurso a conceitos indeterminados, sem qualquer concretização e determinação a resposta do Ponto 28 da motivação de facto deve ser alterada para "Não provado" e dada por não escrita.

30./O Ponto 29 da motivação de facto, está formulado em termos vagos e imprecisos, com recurso a conceitos indeterminados, sem qualquer concretização e determinação; a resposta do Ponto 29 da motivação de facto deve ser alterada para "Não provado" e dada como não escrita.

31./ A resposta do Tribunal recorrido ao quesito 27° deveria ter sido "Não se responde por ser conclusivo" Na verdade a expressão "em poucos anos" é conclusiva e não concretiza qualquer facto

32./Acresce que , na resposta ao quesito (Ponto 30 da motivação de facto) o Tribunal recorrido "acrescentou" a expressão" no espaço de dois ou três anos", expressão esta não alegada pela 2a R./Recorrida CC conforme se alcança do artigo 52 da sua Contestação. Ora

33./ O Juiz não pode substituir-se às partes na introdução na causa de novos factos essenciais que, completando ou concretizando os alegados nos articulados, eventualmente se tornem patentes na instrução e discussão.

34./Assim é manifesto que o Tribunal recorrido não podia fazer uso dos factos que acresceu a este segmento da resposta ao quesito "no espaço de dois ou três anos" , desde logo porque sendo um facto essencial não foi alegado

35./Resulta assim que o Tribunal recorrido, ao conhecer de factos que não podia conhecer, servindo-se dos mesmos para julgar a acção, violou o disposto nos art. 552 n° l d) e 5 n° l e 2 do CPC, produzindo a nulidade da sentença nos termos do art° 615 n° 1 d) do CPC). A sanção correspondente à violação do comando daquele preceito, quando decorrente de decisão de matéria de facto incluída em questionário, é a de se considerarem não escritas as resposta que exceda o âmbito da questão de facto a que o quesito se reporta. Assim por violação do disposto nos art.s 552 n° l d) e 5 n° l e 2 e 615 n° 1 d) do CPC deve a resposta ao quesito 27° (Ponto 30 da motivação de facto) ser alterada para "Não provado" e dada como não escrita.

36./Assim porque o quesito 27 é conclusivo e porque o Tribunal, ao conhecer de factos que não podia conhecer, servindo-se dos mesmos para julgar a acção, violou o disposto nos art. 552 n° l d) e 5 n° l e 2do CPC; deve o Ponto 30 da Motivação de facto ser alterado para "Não provado" e dado como não escrito.

37./Mesmo que este Venerando Tribunal não venha a considerar não escritas as respostas supra, nem assim a acção deverá deixar de proceder, pelas seguintes razões de direito.

2a QUESTÃO (DO ERRO SOBRE A BASES NEGOCIAL / DA ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS)

38./Sobre esta 2a questão (do erro sobre a bases negocial / da alteração anormal das circunstâncias) , este recurso de revista excepcional tem por base o seguinte Acórdão fundamento: Ac. STJ Proc.nº 197/06.6TCFUN.S1 de 28-05-2009

39./Quer o Acórdão fundamento quer o Acórdão de que se recorre, pronunciam-se sobre a temática do erro sobre o objecto negocial e a alteração anormal das circunstâncias. Existe contradição porque os mesmos preceitos - art. 252 n°2 e 437 n° 1 ambos do CC-são interpretados e aplicados diversamente a factos idênticos

40./Assiste razão ao Acórdão fundamento.

41./Comprovam os factos que os AA/Recorrentes, em 2001, celebraram com o l°R/Recorrido Município um contrato de cedência de terrenos de mais de 2 hectares de terreno que teve por objectivo valorizar a parte sobrante dos prédios cedidos ao l°R/Recorrido Município, aumentando e obtendo grande rentabilidade económica desses terrenos designadamente facilitando a comercialização das fracções nele a construir, bem sabendo o 1º R/Recorrido Município desta motivação.

42./Numa altura, na cidade de Paredes não existia excesso de oferta de imóveis para habitação e comércio, o mercado imobiliário estava em forte expansão e a Banca concedia crédito praticamente sem restrições

43,/Assim o projecto dos AA/Recorrente para a rentabilização dos seus terrenos sobrantes passava por aproveitar uma oportunidade, cuja concretização dependia da conjugação simultânea dos seguintes parâmetros: carência de imóveis para habitação e comércio em Paredes, forte expansão do mercado imobiliário, crédito bancário sem restrições e a instalação do Polo Universitário e Feira no local.

44./Se nos primeiros anos da primeira década deste século o mercado imobiliário era um bom investimento, agora já não é.

45./Assim à semelhança do panorama nacional, o excesso de oferta de imóveis em Paredes, a forte recessão do mercado imobiliário, as fortes restrições ao crédito bancário e a não construção ao fim de quase 13 anos (não se sabendo se alguma vez será construído) do Polo Universitário e da Feira de Paredes, fizeram com que os proveitos para os AA/Recorrentes da cedência do terrenos - valorizar a parte sobrante dos prédios cedidos ao 1°R., e assim aumentando e obtendo grande rentabilidade económica e facilitando a comercialização das fracções- deixassem de se verificar

46./0 excesso de oferta de imóveis em Paredes, a forte recessão do mercado imobiliário, as fortes restrições ao crédito bancário e a não construção ao fim de 13 anos (não se sabendo se alguma vez será construído) do Polo universitário e da Feira de Paredes não eram, obviamente, antecipáveis; tanto que não o foram pela generalidade do sector imobiliário, pelos economistas e pelo sistema financeiro em geral.

47./Trata-se, pois, de uma alteração à base negocial, que afecta gravemente os AA/Recorrentes.

48./E tais alterações não são o previsível desenvolvimento da situação conhecida à data do contrato". E não o são porque nada têm a ver com a gestão dos AA/Recorrentes (com a sua maior ou menor prudência, bom senso, dinamismo e diligência), com as condições naturais da exploração, com a álea própria do negocio imobiliário, tratando-se antes de variáveis externas, incontornáveis e imprevisíveis, que se abatem inapelavelmente, no caso, sobre os AA/Recorrentes.

49./Sem margem de dúvida que existe uma alteração anormal das circunstâncias, e que se impõem cedências aos princípios da estabilidade das obrigações e da segurança dos convénios de modo a preservar a boa fé e o principio da justiça material, já que as partes não negociaram ponderando o cenário macro-económico entretanto ocorrido, e particularmente os AA/ Recorrentes jamais lhes "passou pela cabeça" que decorridos 13 anos o Polo Universitário e a Feira de Paredes não tivessem avançado. E não o ponderaram porque não podiam e não por displicência ou imprudência. Representaram um determinado cenário razoavelmente expectável, essencial para negociarem, o qual afinal se gorou.

50./Ou seja, é seguro que a manutenção do conteúdo contratual afecta gravemente os princípios da boa fé, não estando abrangida pela álea própria do contrato e que o cumprimento das obrigações impostas aos AA/Recorrentes não está coberta pelos riscos próprios do contrato

51./A combinação da não construção do Polo Universitário e da Feira de Paredes com o excesso de oferta para venda de imóveis para a habitação e comércio, com a imposição por parte da banca de fortes restrições à concessão de crédito bancário e ainda a evolução do mercado imobiliário de uma forte expansão para uma situação de recessão e retracção foi a "tempestade perfeita" no contrato celebrado por AA/Recorrentes e 1º R/Recorrido Município.

52./Ora, atendendo a que o 1°R./Recorrido Município não suportou qualquer risco no negócio não é tolerável que sejam os AA/Recorrentes obrigados a suportar todos os riscos deste negócio, mormente riscos estritamente dependentes da conduta do l°R/Recorrido Município (construir ou não construir o Polo universitário e a Feira de Paredes), para além dos outros como seja a forte recessão e excesso de oferta no mercado imobiliária e as restrições ao crédito bancário.

53./ Na verdade neste negócio para o 1º R./Recorrido Município foram só vantagens, pois para atingir os mesmos objectivos que atingiu com a cedência dos terrenos, não fora esta ter ocorrido sem uma contrapartida monetária, teria de expropriar 23.211,10 m2 de terreno (mais de 2 hectares) de terreno no centro da cidade de Paredes pelos quais certamente teria de pagar muitos milhares de euros que de resto os seus próprios serviços camarários avaliaram em um milhão, setecentos e trinta e seis mil setecentos e catorze Euros e cinquenta e dois cêntimos "(Ponto 5 da motivação de facto)

54./No apontado contexto, o 1º R./Recorrido Município, ao celebrar tal contrato, não representou certamente a possibilidade de beneficiar de forma tão desproporcionada (ficou sem qualquer dispêndio com 23.211,10 m2 de terreno) quando em comparação com as vantagens que poderiam advir para os AA/Recorrentes, em resultado de um Polo Universitário e da Feira de Paredes que não se construíram, de um excesso de oferta para venda de imóveis e da recessão no mercado imobiliário ou das fortes restrições ao crédito bancário que também certamente não estavam nas suas previsões.

55./Deste modo, atendendo à boa - fé que terá norteado o 1º R./Recorrido Município no contrato, não será razoável, perante as actuais circunstâncias, que se queira aproveitar de cláusulas que não ficaram escritas (como é o caso do prazo para construção da Universidade e da Feira) num quadro de crise do imobiliário como o actual, em que as consequências do cumprimento do contrato, no que aos AA/Recorrentes respeita, ultrapassam o grau de risco nele previsto e com que as partes poderiam razoavelmente contar.

56./Nas circunstâncias actuais, a exigência das obrigações que do contrato decorrem para os AA/Recorrentes não estão cobertas pelo risco próprio do contrato. Estamos perante uma alteração anormal, inesperada das circunstâncias que determinaram a cedência dos terrenos em causa , sendo que a manutenção do contrato afecta gravemente os princípios da boa fé contratual e não está coberta pelos riscos do negócio.

57./0 erro sobre a base do negócio consiste na representação de uma das partes, conhecida da outra e relativa a certa circunstância basilar respeitante ao próprio contrato, e que foi essencial para a decisão de contratar, sendo constituída pelas circunstâncias determinantes da decisão do declarante que, pela sua importância, justificam, segundo os princípios da boa fé, a invalidade do negócio, em caso de erro daquele, independentemente de o declaratário conhecer ou dever conhecer a essencialidade, para o declarante, dessas circunstâncias e, por maioria de razão, sem necessidade de os dois se mostrarem de acordo sobre a existência daquela essencialidade.

58./Tendo os AA/Recorrentes celebrado o contrato de cedência de terrenos ao l°R/Recorrido Município, por estarem convencidos que este a breve prazo os iria destinar a instalação de um Polo Universitário e da Feira de Paredes facto que muito valorizaria os seus terrenos sobrantes, nomeadamente atraindo ao local um elevado número de pessoas e capitais, as quais necessitando de se instalarem e de instalarem os seus estabelecimentos, permitiria uma rentável e fácil comercialização das fracções que os AA/Recorrentes pretendiam construir por si ou interposta pessoa na parte sobrante do seu prédio, essencialidade esta que o l°R/Recorrido Município não desconhecia, incorreram em erro que assumiu um papel determinante na decisão de contratar.

59./ Assiste assim aos AA/Recorrentes o direito (artigos 252 n° 2 e 437 n° 1 do CC), ver declarada a resolução/nulidade do contrato de cedência, de verem declarada nula e ineficaz relativamente a si a doação à 2a R/Recorrida, de lhes serem restituídas livres de pessoas e coisas as parcelas de terreno por si cedidas ou caso não seja possível a restituição dos terrenos cedidos serem condenados qualquer um dos Recorridos a pagar aos AA/Recorrentes o valor correspondente, a liquidar em execução de sentença.

60./ Sem prescindir e para o caso de assim não se entender,

3a QUESTÃO (DA "TEMPORARIEDADE" DOS NEGÓCIOS OBRIGACIONAIS)

61./Sobre esta 3a questão (temporariedade" dos negócios obrigacionais), este recurso de revista excepcional tem por base os seguinte Acórdão fundamento: Acórdão Supremo Tribunal de Justiça Proc. n° 079531 de 22-11-1990.

62./Quer os Acórdãos fundamento quer o Acórdão de que se recorre, pronunciam-se sobre as obrigações sem prazo de cumprimento e a sua conexão com o princípio da boa-fé. Existe contradição porque os mesmos preceitos - art. 227 n° l ;art 762n° 2; e art. 777 todos do CC-são interpretados e aplicados diversamente a factos idênticos.

63./Assiste razão ao Acórdão fundamento.

64,/Uma característica marcante da obrigação é sua temporariedade. O vínculo obrigacional é sempre temporário. Não há obrigação perpétua. Aliás, esta é uma das distinções mais importantes entre a obrigação e o direito real. O credor não pode ficar preso do devedor até o fim de seus dias.

65./Por outro lado, a moderna disciplina das obrigações - como, aliás, o direito em geral - encontra-se imbuída da ideia da boa fé. O ordenamento jurídico acolhe a boa fé sob diferentes ângulos e atribui-lhe efeitos diversos. Merecem destaque os seguintes: causa ou fonte de deveres especiais de conduta, exigíveis em cada caso, de acordo com a natureza da relação jurídica e com a finalidade visada pelas partes; causa de limitação do exercício de um direito subjectivo ou de qualquer outro poder jurídico - (cf. Prof. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10.a edição, pág. 118, onde cita L. Díez-Picazo, no prólogo da versão castelhana de F. Wieacker, El principio general de la buena fe).

66./Conforme se estabelece no artigo 227.°, n.° 1, do Código Civil, "quem negoceia com outrem para a conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte".

67./E este princípio não se explicita apenas no capítulo da formação dos contratos e dos negócios jurídicos em geral. O mesmo se consagra a respeito da integração destes, ao estabelecer-se que "na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser integrada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso, ou de acordo com os ditames da boa fé, quando outra seja a solução por eles imposta" (artigo 239.°). E determina o artigo 762.°, n.° 2, que "no cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé".

68./Estas três disposições normativas dirigem-se às fases vitais do negócio jurídico e da relação obrigacional - formação, integração e execução -onde se exterioriza a regra da boa fé.

69./Costuma distinguir-se a boa fé objectiva ou em sentido objectivo, quer dizer, como norma de conduta, e a boa fé subjectiva ou em sentido subjectivo, quer dizer, como consciência ou convicção justificada de se adoptar um comportamento conforme ao direito. Distingue-se, assim, o princípio da boa fé e o estado ou situação de boa fé.

70./Nesta linha de pensamento, avançamos a relevância do fim das obrigações. Muitas vezes o comportamento devido é ditado, apenas, pelo seu fim. Quando isso suceda, a boa fé exige que o sujeito obrigado assuma todas as posições necessárias para a correcta prossecução do fim preconizado.

71./Mas ainda que se trate de uma obrigação identificada não pelo seu fim, mas pelo próprio tipo de actividade que se espera do devedor, não deve esquecer-se que o seu fim último é sempre a efectiva satisfação do credor através de um fenómeno de colaboração intersubjectiva. Daí que a boa fé exija, do devedor, todos os comportamentos razoáveis para a efectiva satisfação do interesse do credor, não se contentando, simplesmente, com um cumprimento meramente formal

72./ Ora quando os AA/Recorrentes, em 2001, celebraram com o l°R/Recorrido Município um contrato de cedência de terrenos de mais de 2 hectares de terreno que tiveram por objectivo (a tal "relevância do fim das obrigações" que fala o Prof. Menezes Cordeiro) valorizar a parte sobrante dos prédios cedidos ao l°R/Recorrido Município, aumentando e obtendo grande rentabilidade económica desses terrenos designadamente facilitando a comercialização das fracções nele a construir, bem sabendo o 1º R/Recorrido Município desta motivação

73./Acontece que se é certo que, na escritura de cedência de terrenos não foi fixado qualquer prazo para a implantação do Polo Universitário e da Feira de … nos terrenos cedidos, não menos certo é que já decorreram quase treze anos, (à data da prolação da sentença recorrida), sem que fosse materializado qualquer acto para a implantação daqueles equipamentos.

74./De resto resultaram provados factos que demonstram um elevado grau de inércia e desinteresse por parte das RR/Recorridos quer na instalação do Polo Universitário quer na Feira de Paredes (ausência de tomada de decisão de construir, ausência de projecto, ausência de licenciamento camarário do projecto, não solicitação aos Ministérios da aprovação da instalação de uma escola de ensino superior, falta de autorização ou licenciamento por parte do Ministério da Educação para o funcionamento de um estabelecimento do ensino superior nos terrenos cedidos, isto relativamente ao Polo Universitário e obras de requalificação de valor avultado noutro local onde está a funcionar a Feira de Paredes e proibição do funcionamento da feira do gado nos terrenos cedidos, relativamente à Feira de Paredes)

75./Considerando o período de tempo já decorrido e o desinteresse manifestado pelo Recorridos na satisfação dos destinos contratualmente acordados a dar ao terreno cedido, parece justificado, em termos de razoabilidade, que se considere definitivamente não cumprida art. 801° do C.C, relativamente ao prazo a obrigação de implantar um Polo Universitário e a Feira de Paredes.

76./Tanto mais que, desde a celebração da escritura de cedência de terrenos os AA/Recorrentes se encontram desapropriados de património que os próprios serviços do 1º R/Recorrido Município avaliou em um milhão, setecentos e trinta e seis mil setecentos e catorze Euros e cinquenta e dois cêntimos .

93./Os AA/Recorrentes não podem ficar "ad aeternum" a aguardar que os Recorridos entendam oportuno implantar nos terrenos cedidos o Polo Universitário a Feira de Paredes.

94./Subsidiariamente sem prescindir,

4a QUESTÃO (DO DIREITO A UMA INDEMNIZAÇÃO A CONFERIR AOS AA/RECORRENTES)

95./Sobre esta 4a questão (Do direito a uma indemnização a conferir aos AA/Recorrentes),este recurso de revista excepcional tem por base o seguinte Acórdão fundamento: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça Proc. nº 5097/05.4TVLSB.L1.S1

96./Quer os Acórdão fundamento quer o Acórdão de que se recorre, pronunciam-se sob a violação de deveres laterais ou acessórios nos contratos a que correspondem as consequências do incumprimento contratual ,que no caso de não implicarem o direito à resolução geram uma obrigação de indemnização. Existe contradição porque os mesmos preceitos - art. 762 n°2 ;art 801 n° 2; e art 473 todos do CC-são interpretados e aplicados diversamente a factos idênticos.

97./Assiste razão ao Acórdão fundamento.

98./ Se por mera hipótese se vier a considerar não assistir aos AA/Recorrentes o direito de resolver o contrato de cedência de terrenos, sempre lhes assistirá o direito de serem indemnizados pelo incumprimento da obrigação de implantar nos terrenos cedidos o Polo Universitário e a Feira de Paredes.

99./Isto é , mesmo que não se admita a essencialidade deste motivo pelo qual os AA/Recorrentes cederam os terrenos, sempre estaremos perante a violação dos deveres laterais ou deveres acessórios de conduta que conferem aos AA/Recorrentes o direito a serem indemnizados pois o destino do imóvel cedido, porque acordado e declarado expressamente no documento formalizador do contrato, configura uma obrigação do l°R/Recorrido Município juridicamente vinculante.

100./ E, como se sabe, a violação dos deveres laterais ou deveres acessórios de conduta - integrantes da chamada relação obrigacional complexa ou relação contratual e essenciais ao correcto processamento da obrigação principal, atento o principio geral da boa fé estabelecido no artigo 762 do Código Civil - também acarreta, pela sua gravidade, as mesmas consequências que o incumprimento das obrigações principais.

101./Os contratos incluem deveres acessórios inerentes à prossecução do resultado por eles visado. Estes deveres resultantes acessoriamente do próprio contrato, em paralelo com a obrigação principal e destinados a assegurar a perfeita execução desta, a ponto de a sua violação poder gerar uma situação de incumprimento, implicam a adopção de procedimentos indispensáveis ao cumprimento exacto da prestação, com destaque para o dever de cooperação, sem o qual muitas vezes a utilidade final do contrato não é alcançada.

102./Tais deveres são indissociáveis da regra geral que impõe aos contraentes uma actuação de boa-fé - art. 762.°, n.° 2, do CC - entendido o conceito no sentido de que os sujeitos contratuais, no cumprimento da obrigação, assim como no exercício dos direitos correspondentes, devem agir com honestidade e consideração pelos interesses da outra parte -princípio da concretização.

103./Os Recorridos violaram o princípio da concretização, ao não realizarem "no terreno" os interesses que sabia serem os dos credores - os AA/Recorrentes -, e infringiram o dever de actuar de boa-fé, ao não acautelar a confiança que estes depositaram na sua prestação, violando deveres acessórios de conduta.

104./Estes deveres de diligência e cooperação, que acessoriamente derivavam para os Recorridos do contrato celebrado são um meio indispensável à prossecução do objectivo visado pela celebração do contrato, ou seja, o de os AA/Recorrentes rentabilizarem no mercado imobiliário as parcelas restantes dos seus prédios. A violação dos deveres de diligência e cooperação, e da consequente garantia de rentabilidade dos seus terrenos, deveres esses acessoriamente derivados do contrato celebrado, torna os Recorridos responsáveis pelos prejuízos sofridos, nos termos da responsabilidade contratual.

105./A consequência desse incumprimento só pode ser a do direito a uma indemnização a favor dos AA. cedentes / Recorrentes, nos termos do n°2 do artigo 801 do Código Civil.

106./Não havendo, assim, por hipótese lugar à resolução da cedência dos terrenos, esta mantém-se, pelo que não poderá o quantitativo indemnizatório ser inferior ao valor atribuído ao terreno cedido pelos serviços camarários do Io R/Recorrido Município à data da cedência. Nesta conformidade e lançando ainda mão das regras do enriquecimento sem causa (artigo 473 do Código Civil) entendemos que os Recorridos deverão ser condenados a restituir aos AA/Recorrentes aquilo com que injustamente se locupletaram, pelo que a indemnização, a liquidar em execução de sentença, deverá ser em quantitativo indemnizatório nunca inferior ao valor atribuído ao terreno cedido pelos serviços camarários do Io R/Recorrido Município à data da cedência, isto é, um milhão, setecentos e trinta e seis mil setecentos e catorze Euros e cinquenta e dois cêntimos.

107./Revogando-se o Acórdão recorrido e proferindo-se Acórdão de acolha as conclusões precedentes, condenando os Recorridos nos pedidos, se fará justiça.

Foram apresentadas contra-alegações com as seguintes conclusões:

1.  O recurso a que se referem as presentes contra-alegações do recorrido Município de ..., vem interposto, pelos autores, do douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto que julgou totalmente improcedente o recurso, mantendo integralmente a decisão recorrida.

2.  O recurso é de revista/ excepcional e funda-se no disposto no art. 672°, n.° 1, al. c) do CPC, uma vez que, alegam os Recorrentes, o douto Acórdão do qual recorrem está em contradição com outros Acórdãos já transitados em julgado, sobre as mesmas questões fundamentais de direito e não tendo sobre tais questões sido proferidos Acórdãos de uniformização de jurisprudência.

3.  Como adiante se irá evidenciar, o recurso interposto pelos Recorrentes é - com o devido respeito - absolutamente infundado e manifestamente improcedente.

4.  Impugnação da matéria de facto:

5.  Com vista a justificar o lançar mão a este excepcional recurso, os Recorrentes retiram do acórdão recorrido uma série de conclusões que, depois, comparam com uma série de acórdãos que juntam.

6.  Ora, não só as conclusões que retiram do douto Acórdão recorrido não são, com o devido respeito, as que enunciam, como os acórdãos fundamento não estão "no domínio da mesma legislação".

7.  Para fundamentar o seu recurso, alega o Recorrente que o douto Acórdão a quo conclui, diferentemente dos acórdão fundamento, que "... independentemente de as partes terem alegado factos essenciais ou não terem manifestado a vontade de se aproveitarem de factos complementares ou concretizadores não alegados o tribunal pode tomá-los em consideração desde que resultem de diligências probatórias".

8.  Em momento algum o douto Acórdão a quo faz uma tal afirmação ou diz algo que permita uma tal conclusão,

9.  Não se vislumbra qualquer contradição entre o Acórdão Recorrido e qualquer outro que os Recorrentes tenham invocado como fundamento.

10. Bastará perceber do resumo feito pelo Recorrente sobre o que concluem os Acórdãos fundamento que invoca para se perceber que, ou tais acórdãos não estão no âmbito da mesma legislação, ou as suas conclusões nada indicam sobre a qualificação como essencial ou instrumental de certa factualidade, que é aquilo que está aqui em causa.

11. Quesito 2º, 3° e 4ºº da Base Instrutória:

12. O Recorrente desenvolve uma extensa teoria sobre a parte excessiva da resposta dada a tais quesitos pela primeira instância e confirmada no douto Acórdão a quo esquecendo-se do óbvio: as questões a que o Tribunal respondia eram questões invocadas pelo ora Recorrente e que, a vingar a sua tese sobre os limites da resposta do Tribunal, então e face á prova produzida, o Tribunal teria de dar por não provados os quesitos.

13. Com efeito, a resposta dada pelo Tribunal a tais quesitos, os acrescentos/ especificações por si efectuados na resposta a tais quesitos, é que permitiram que a resposta aos mesmos não se circunscrevesse a um mero "não provado".

14. A menção no ponto 11 da motivação de facto à circunstância de parte dos terrenos cedidos se encontrarem em zona de equipamento público e o demais não constitui factualidade essencial, antes factos instrumentais que foram adquiridos no âmbito da instrução e que permitiram ao Tribunal responder, ainda assim, positivamente aos quesitos em causa e que só ao Recorrente interessavam.

15. Se no âmbito da prova relacionada com os quesitos indicados pelo ora Recorrente o Tribunal apura que as circunstâncias que envolveram o negócio não eram as indicadas pelo quesito, mas essas e outras, teremos que, não sendo possível acrescentar estas outras à resposta (tal como defende o Recorrente), o quesito terá de ser dado por não provado.

16. Mas mais, tal factualidade não está na base do fundamento invocado pelo Tribunal de 1a instância, nem pelo Acórdão a quo, para afastar a tese do erro sobre o objecto do negócio ou alteração anormal das circunstâncias: "...a realidade negocial não assentava na construção de facto do pólo universitário, da feira, do parque da cidade, num determinado período temporal, até porque a construção de um pólo universitário não dependia apenas da vontade do Município de ... e não se realizaria num espaço de dois ou três anos, sendo tal realidade do conhecimento de qualquer pessoa medianamente inteligente."

17. Quesito 12º da Base Instrutória (ponto 19 da motivação de facto).

18. Dá-se aqui por reproduzido o que, expressamente e sobre este ponto referiu o douto Acórdão a quo,

19. Aquilo que fez a sentença e que confirmou o douto Acórdão a quo foi dar como provado o quesito, mas prestando o esclarecimento que vinha indicado no art. 22º da contestação do R..

20. Em última análise e tendo o Tribunal ficado convencido que a criação das referidas infra-estruturas carecia de um pedido prévio de licenciamento por parte dos aqui Recorrentes, a não ser possível este esclarecimento a resposta ao quesito por parte do Tribunal teria de ser negativa.

21. De facto, o quesito não se limita a perguntar se o 1° R, criou as infra-estruturas referidas no protocolo. O quesito pergunta se co 1° R. criou as necessárias infra-estruturas para que a parte sobrante do prédio dos AA. pudesse ser destinado à construção urbana.

22.O Tribunal respondeu que o 1º Réu não criou as infra-estruturas, mas já não deu como provado que as mesmas eram necessárias para que a parte sobrante do prédio dos AA. pudesse ser destinado á construção urbana.

23. Sem prescindir, sempre teríamos, de qualquer forma, que o Tribunal considerou provado o facto instrumental de que os AA. não haviam requerido, até ao momento, o pedido de urbanização/ licenciamento nos terrenos sobrantes e que destes dependiam a construção das ditas infra-estruturas.

24. Ainda que, uma vez mais sem prescindir, se pudesse considerar como uma conclusão de direito tal afirmação de que a construção das ditas infra-estruturas dependia do pedido de urbanização/licenciamento nos terrenos sobrantes, sempre teríamos que, como se disse supra, que o Tribunal teria então de responder como se sugeriu supra, ou seja, dando como provado que o 1o Réu não criou as infra-estruturas, mas já não que as mesmas eram necessárias para que a parte sobrante do prédio dos AA. pudesse ser destinado á construção urbana.

25. Sobre a aplicabilidade ao caso do novo ou do antigo CPC, tal como alegado pelo Recorrente a este propósito, não se compreende o sentido.

26. Com efeito, a audiência de julgamento decorreu com a latitude do novo CPC, a sentença e o acórdão recorridos laboram com base no novo CPC, invocando as novas disposições; o Recorrente faz o mesmo na sua petição de recurso, o Recorrente não levantou nunca tal questão da não aplicabilidade ao caso do novo CPC, pelo que não se percebe esta tardia alegação.

27. Quesitos 15°, 16º, 17º, 19°, 25º, 26º e 27° da Base Instrutória (ponto 28, 23, 24, 25, 28, 29 e 30 da motivação de facto),

28. Resumidamente, entende o Recorrente quanto a resposta dada a estes quesitos que as mesmas são meramente conclusivas, de direito ou com recurso à utilização de expressões vagas e genéricas.

29. Não se entende a alegação, nem, sobretudo, qual a contradição entre os acórdãos fundamento invocados e o Acórdão a quo.

30. Os factos quesitados e as respostas aos mesmos são factos e não conclusões, tem suporte testemunhal e documental, não constituem matéria de direito, não são genéricas ou vagas as expressões que usa, pelo menos para os efeitos pretendidos pelo Recorrente.

31. Não existe fundamento para o presente recurso extraordinário, nem, independentemente disso, para a pretendida impugnação da matéria de facto dada como provada.

32. DO ERRO SOBRE A BASE NEGOCIAL/ DA ALTERAÇÃO ANORMAL DAS CIRCUNSTÂNCIAS:

33. Os Recorrentes com vista a justificarem este excepcional recurso, levantam esta questão fundamental de direito, alegando para o efeito uma contradição entre o Acórdão a quo e o acórdão que transcrevem: Ac. STJ, Proc. N.° 197/06.6TCFUN.S1, de 28/05/2009.

34. Nenhuma das conclusões que os Recorrentes retiram do Acórdão recorrido corresponde, com o devido respeito, às verdadeiras conclusões que sobre a matéria em causa o Acórdão retira.

35. Não há nada no Acórdão recorrido e na douta sentença a quo, para o qual o mesmo remete, qualquer conclusão sobre esta questão de direito que seja contraditória com as conclusões do Acórdão fundamento.

36. DA "TEMPORARIEDADE" DOS NEGÓCIOS OBRIGACIONAIS:

37. Os Recorrentes com vista a justificarem este excepcional recurso, levantam esta questão fundamental de direito, alegando para o efeito uma contradição entre o Acórdão a quo e o acórdão que transcrevem: Ac. STJ, Proc. n.° 079531 de 22/11/1990.

38. Ora, o Acórdão fundamento refere-se a doações com encargo, algo que nada tem que ver com a qualificação que foi dada ao contrato dos autos (contrato inominado) e, além disso, não se vislumbra qualquer contradição entre o que diz um Acórdão e outro.

39. Independentemente disso, são uma vez mais incorretas as conclusões que, sobre esta questão de direito, OS Recorrentes retiram do Acórdão recorrido.

40. DO DIREITO A UMA INDEMNIZAÇÃO A CONFERIR AOS AA/RECORRENTES:

41. Os Recorrentes com vista a justificarem este excepcional recurso, levantam esta questão fundamental de direito, alegando para o efeito uma contradição entre o Acórdão a quo e o acórdão que transcrevem: Ac. STJ, Proc. n.° 5097/05.4TVLSB.L1.S1.

42. Ora e uma vez mais, o Acórdão fundamento refere-se a um contrato de doação, algo que nada tem que ver com a qualificação que foi dada ao contrato dos autos (contrato inominado) e, além disso, não se vislumbra qualquer contradição entre o que diz tal Acórdão fundamento e o Acórdão recorrido.

43. A este propósito, refira-se que são uma vez mais incorretas as conclusões que sobre esta questão de direito os Recorrentes retiram do Acórdão recorrido, o que só se compreende como uma clara tentativa de justificar o "recurso" a este excepcional recurso.

44. Não há no Acórdão recorrido qualquer conclusão sobre esta questão de direito que seja contraditória com as conclusões do Acórdão fundamento.

45. Pelo que, à luz de tudo o que precede e do mais que doutamente será suprido, deverá, pois, com o devido respeito, ser negado provimento ao recurso interposto pelos autores/recorrentes, com todas as demais consequências legais e com o que se fará inteira Justiça.


A Formação determinou a remessa dos autos à distribuição nos seguintes termos:

O art. 671°-3 CPC impede o recurso de revista do acórdão da Relação que confirme, por unanimidade e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida pela 1ª instância, sendo que, quando tal suceda, e não seja caso de ser sempre admissível recurso, só é admissível recurso de revista excepcional, desde que verificado algum dos requisitos exigidos pelo art. 672°-1.

O recurso de revista nos termos gerais só está vedado, portanto, quando ocorra uma sucessiva apreciação, pelas Instâncias, uma e outra incidindo sobre a mesma questão, sendo a segunda confirmatória da primeira, mediante enquadramento jurídico semelhante e por aplicação de um quadro normativo idêntico ou não substancialmente divergente, em termos determinantes para a respectiva solução/decisão.

Mais concretamente, requisito negativo geral do recurso de revista excepcional é, sempre, ter ficado vedado o recurso de revista nos termos gerais por via da dupla conformidade das decisões das instâncias.

Assim, quando a limitação do direito ao recurso não assente na dupla conforme, não se coloca o problema da eventual admissibilidade da revista excepcional, a aferir pelo concurso dos requisitos previstos nas alíneas do dito art. 672°-1.

Como todos estarão de acordo, a dupla conformidade, como requisito negativo geral da revista excepcional, supõe duas apreciações sucessivas da mesma questão de direito, ambas determinantes para a decisão, sendo a segunda confirmatória da primeira.

2. 3. - No caso, o que se constata é que, como nele se pode ver, o acórdão manteve a decisão da 1ª instância quanto à decisão sobre a matéria de facto, desatendendo os vícios de violação do direito processual que, no recurso de apelação, lhe imputaram os Recorrentes.

Embora haja uma decisão sobre a matéria de facto e outra que reaprecia a conformidade de tal decisão com as normas e princípios processuais que regem o âmbito e conteúdo dessa decisão, não poderá afirmar-se que, quando se questione o respeito pela legalidade processual, imputando vícios à decisão de facto, se esteja perante uma questão comum, ou seja, perante a mesma questão em ambas as instâncias, sobre a qual tenham sido proferidas duas decisões sobreponíveis ou conformes.

Com efeito, a decisão proferida na 1ª instância, seleccionando e valorando os factos, não foi, nem prevê a lei que o seja (art. 607° CPC), objecto de reclamação, como sucedia no direito anterior (art. 653°), por forma a poder provocar-se uma decisão com fundamentação das respostas, sob o aspecto da sua legalidade, fundamentação com a qual, em recurso de apelação que a impugnasse, o tribunal da Relação pudesse conformar-se, em termos de se poder dizer que a fundamentação nas sucessivas decisões não era essencialmente diferente, como se exige para a dupla conformidade de decisões.

Diferentemente, perante impugnação da matéria de facto, fundada em violação da lei do processo, a Relação aprecia questão que, com o mesmo objecto, ao menos explicitamente, não foi objecto de apreciação e decisão na 1ª instância, pois que, não sendo, como dito, caso de prévia reclamação não terá sido objecto de uma decisão - que a lei também não prevê - sobre a qual tivesse recaído decisão impugnada na apelação.

2. 4. - Uma vez que, como já adiantado, a sorte do recurso de revista quando à matéria de facto é susceptível de condicionar a apreciação e decisão das questões de direito, entende-se não haver agora lugar à apreciação do concurso do pressuposto da revista excepcional invocado quanto às que, nessa sede, foram seleccionadas pelos Recorrentes.

2. 5. - Numa palavra, entende-se que, ao menos por ora, não se verifica o requisito geral negativo da existência de dupla conforme, pressuposto necessário e determinante da competência desta formação, ficando prejudicada a apreciação dos pressupostos específicos da revista excepcional invocados pela Requerente, devendo o processo ser remetido à distribuição normal, cabendo ao Exmo. Relator, no uso dos amplos poderes que esta formação não detém, apreciar os termos em que o recurso foi interposto e respectivos efeitos.

3. - Termos em que se acorda em determinar a remessa dos autos à distribuição.



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9 - Matéria de facto:

1 - Os autores eram proprietários na totalidade do prédio misto denominado Devesa da Cepeda, com árvores, oficinas de lavoura, campo do Olival ou vinha do olival, leira lavradia estreita, casa de rés-do-chão, com quintal, outra casa de Rés-do Chão, com quintal, Campo da Estrada, Horta do Reguengo, Campo do Reguengo ou Vessada e Campo do Olival Pequeno com roço de mato, sito no lugar da …, freguesia de Castelões de Cepeda, Município de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o n° 406/…-Castelões de Cepeda da referida freguesia e inscrito na matriz rústica sob o artigo 919 e na urbana sob os artigos 131 e 133 com a área coberta de 194 m2 e descoberta e 29250 m2, inscrito na Conservatória a seu favor pela inscrição G-1. ( A )

2 - No dia 28 de Fevereiro de 2001 os AA e o então Presidente da Câmara Municipal de Paredes em representação desta celebraram um acordo que denominaram “Protocolo de acordo” com o seguinte teor:

PROTOCOLO DE ACORDO

Entre a CÂMARA MUNICIPAL DE PAREDES, pessoa colectiva com o nº … na qualidade de primeiro outorgante, aqui representada pelo seu Presidente DD; EE, viúva, natural de …/Paredes residente na Avenida … nº …, 4560, Penafiel, com o Bilhete de Identidade nº …, datado de 31/07/80, emitido pelo Arquivo de Identificação de Lisboa, contribuinte com o nº …, na qualidade de segundo outorgante; e BB, casado, natural de …/Paredes, residente em Chãos Bitarães, com Bilhete de Identidade nº …, datado de 18/05/95, emitido pelo Arquivo de Identificação do Porto, contribuinte com o nº…, na qualidade de terceiro outorgante, é celebrado o presente protocolo de acordo o qual fica sujeito ao seguinte clausulado:

1) O segundo outorgante é legítimo proprietário do terreno delimitado a azul na planta anexa a qual é parte do plano de pormenor da cidade universitária e zona envolvente, planta esta que passará a integrar o presente protocolo;

2) O terceiro outorgante é legítimo proprietário do terreno delimitado a castanho na mesma planta referida na cláusula anterior;

3) Pelo presente acordo, comprometem-se os segundos e terceiro outorgantes a ceder ao primeiro outorgante a propriedade dos terrenos identificados, respectivamente na 1ª e 2ª cláusulas anteriores:

4) Como consequência de cedência que lhe é feita, por parte dos segundos e terceiro outorgantes, dos terrenos atrás referidos, o primeiro outorgante desde já se compromete a:

1- Relativamente ao segundo outorgante:

a) Mediante licenciamento, autorizar a edificação das construções cujas manchas de implantação se encontram pintadas a azul e referenciadas pelas designações C1, C2, C3 E C4, na planta integrante do presente protocolo de acordo, cumprindo-se as limitações de área de construção e cérceas nesta planta previstas especificamente quanto a cada uma daquelas construções;

b) Assumir a construção do arruamento entre construções com as designações C1 e C2 (junto à rotunda) e ainda abertura do arruamento frontal às construções com as designações C3 e C4, até à estrada existente que liga a S. José e ao Parque Urbano da Cidade;

c) Assumir todos os encargos relacionados com a resolução do contrato de Arrendamento Rural que este outorgante mantém com um arrendatário (caseiro) no terreno que aqui cede;

2 - Relativamente ao terceiro outorgante:

Mediante licenciamento, autorizar a edificação das construções cujas manchas de implantação se encontram pintadas a castanho e referenciadas pelas designações S1 e S2, na planta integrante do presente protocolo de acordo, cumprindo-se as limitações de área de construção e cérceas nesta planta previstas especificamente quando a cada uma daquelas construções.

3 - Relativamente a si próprio:

Para além da implantação das construções autorizadas edificar pelos segundo e terceiro outorgantes, nas condições definidas nas duas alíneas anteriores, destinar a restante área dos dois terrenos referidos na 1ª e 2ª cláusulas para a implantação de um pólo universitário, da “Feira de Paredes” e ampliação do “Parque da Cidade” para a margem norte da Ribeira de Sentiais.

5) Cumpre ainda aos segundos e terceiro outorgantes procederem à realização das obras referentes à construção dos passeios e arruamentos, devidamente infra-estruturados, especificados respectivamente a azul e castanho na já citada planta, fornecendo o primeiro outorgante o necessário apoio técnico (definição das linhas de referência para o local mediante disponibilização de desenho de pormenor) para a concernente implantação:

6) As três partes outorgantes declaram expressamente assumir os efeitos emergentes do presente protocolo, naqueles que são os seus direitos e deveres recíprocos.

Termos em que, conhecendo e aceitando, o conteúdo do presente documento, o vão assinar, produzindo efeitos imediatos. (B)

3 - No dia 5 de Março de 2001 o referido “Protocolo e Acordo” foi ratificado por unanimidade em reunião de Câmara nos seguintes termos:

PROTOCOLO DE ACORDO PARA A IMPLANTAÇÃO DE UM POLO UNIVERSITÁRIO, DA “FEIRA DE PAREDES” E AMPLIAÇÃO DO “PARQUE DA CIDADE PARA A MARGEM NORTE DA RIBEIRA DE SENTIAIS 2001/03/05 TIPO DE REUNIÃO ORDINÁRIA

ASSUNTO: Foi presente à reunião, um protocolo de acordo, assinado entre a Câmara Municipal de Paredes, D. EE e BB, em vinte e oito de Fevereiro do corrente ano, protocolo esse, destinado à implantação de um pólo universitário, da “Feira de Paredes” e ampliação do Parque da Cidade, para a margem norte da Ribeira de Sentiais. Pelo Sr. Presidente foi dito:

“Que, se não fosse o dia trágico que hoje se vive, em consequência do acidente ocorrido em Castelo de Paiva, hoje seria o dia mais feliz em termos de negociações, enquanto Presidente da Câmara Municipal de Paredes”. Dada a palavra aos Senhores Vereadores, a Srª Drª FF, propôs um voto de congratulação, pelo êxito alcançado pelo Sr. Presidente, nestas negociações. Disse pois a Srª Vereadora: “Devemos congratular-nos por mais este feito autárquico levado a cabo pelo Sr. Presidente, já que ele marca um grande momento histórico na vida autárquica do concelho, dados os investimentos que se pretendem realizar nos terrenos ora negociados. Na verdade, é notório que com mais aqueles equipamentos autárquicos, designadamente o Pólo Universitário, o concelho fica servido de importantes infra-estruturas, que em muito beneficiam todos os paredenses, que bem são motivo do nosso empenho e dedicação”. Este voto de congratulação mereceu o acolhimento unânime de todo o executivo. Após toda a apreciação envolvente, a Câmara deliberou por unanimidade, ratificar o protocolo. Esta deliberação foi aprovada em minuta”. ( C )

4 - Em 12/09/2001 em reunião da Câmara Municipal de Paredes foi deliberado aprovar a toponímia da área envolvente à cidade universitária nos seguintes termos:

TOPONÍMIA DA ÁREA ENVOLVENTE À CIDADE UNIVERSITÁRIA Data 2001/09/12 tipo de reunião ORDINÁRIA

Assunto Presente à reunião de Câmara, pelos serviços técnicos, um mapa toponímico, onde se encontram delimitados os arruamentos a construir em terreno a adquirir pela Câmara Municipal, destinados também à construção de equipamento social do domínio público municipal e ainda parcelas de terreno destinadas à construção. Discutido o assunto a Câmara Municipal deliberou, por unanimidade, aprovar a toponímia daquele espaço, conforme mapa, que se anexa, por fotocópia, a esta deliberação. Esta deliberação foi aprovada em minuta. ( D )

5 - No dia 3 de Dezembro de 2001 os AA e o 1º Réu Município de ... outorgaram escritura de cedência de parte do prédio identificado em A) objecto do “protocolo de Acordo” nos termos seguintes:

“Pelos segundos outorgantes (os AA) foi dito: Que, são legítimos proprietários de um prédio misto, sito no lugar de … freguesia de Castelões de Cepeda, deste Concelho de Paredes, que confronta a nascente e norte com estrada municipal e a poente e sul com herdeiro de GG, inscrito na matriz predial urbana de Castelões de Cepeda, sob os artigos cento e trinta e um (131) com a área coberta de noventa metros quadrados (90m2) e área descoberta de trezentos metros quadrados (300m2), com valor patrimonial de noventa e oito mil, oitocentos e quarenta e cinco, e artigo cento e trinta e três (133), com a área coberta de cento e quatro metros quadrados (104 m2) e área descoberta de cento e cinquenta metros quadrados (150 m2) com valor patrimonial de cento e vinte e dois mil cento e quarenta e oito escudos, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Castelões de Cepeda sob o artigo novecentos e dezanove (919), com a área de vinte e oito mil e oitocentos metros quadrados (28.800 m2), com valor patrimonial de trezentos e sessenta e seis mil quatrocentos e oitenta e oito escudos, descrito na Competente Conservatória do Registo Predial sob o número zero zero quatrocentos e seis barra zero quatro dez oitenta e oito (00406/041088) e aí inscrito a seu favor pela inscrição G-um. E cede, à Câmara Municipal de Paredes (o 1º R.), representada pelo terceiro outorgante, os artigos cento e trinta e um (131) e cento e trinta e três (133) e vinte e dois mil quinhentos e sessenta e sete, virgula um metros quadrados (22.567,1 m2) do artigo novecentos e dezanove (919), atrás descritos, e com avaliação dos serviços camarários de um milhão, setecentos e trinta e seis mil setecentos e catorze euros e cinquenta e dois cêntimos”; “Pelo terceiro outorgante (o 1º R.) foi dito que, nos termos das deliberações do Executivo de cinco de Março de dois mil e um, que ratificados protocolos de acordo, que fica a fazer parte integrante desta escritura e nela se dá por integralmente reproduzidos, e nos termos da deliberação de doze de Setembro de dois mil e um, que aprova a toponímia dos arruamentos já aprovados, aceita para o Município de ..., que representa esta cedência, nos termos exarados, e que os terrenos se destinam à ampliação do Parque da cidade para a margem norte da Ribeira de Sentiais, para implantação de um Pólo Universitário e de Feira de Paredes, e como compensação desta cedência …Em relação aos segundos outorgantes( os AA.), a Câmara compromete-se a criar as necessárias infra-estruturas, que implica que a parte sobrante do seu prédio, seja constituída por dois terrenos rústicos, um primeiro com a área de quatro mil e trinta e sete virgula sete metros quadrados (4.037,7m2) que confronta a nascente e norte com caminho publico e a sul e poente com terreno cedido à câmara Municipal e um segundo prédio rústico com a área de dois mil, cento e noventa e cinco vírgula dois metros quadrados (2.195,2m2), que confronta a nascente com caminho público e a poente norte e sul com terreno cedido á Câmara Municipal.” “Pelo terceiro outorgante (o 1º R.) foi ainda dito, que aceita as cedências referidas, tal como nesta escritura fica exarado, e de acordo com os referidos protocolos e com todas as condições neles contidas, obriga-se a criar as necessárias infra-estruturas e condições, para que num futuro próximo, os prédios sobrantes da primeira e segundos outorgantes (os AA) possam ser destinados à construção urbana. “Pelo terceiro outorgante (o 1º R.) foi ainda dito, que apenas ocupará o terreno dos segundos outorgantes (os AA), quando o mesmo for desocupado, em conformidade com o contrato de arrendamento que o mesmo tem com a HH - Obras e Construções SA, não devendo o contrato ora existente ser renovado”. ( E)

6 - A aquisição pelo 1º Réu Município aos AA da parcela com a área de 23.211,10 m2 foi registada a seu favor na Conservatória do Registo Predial de Paredes, pela Ap…. /2002/01/14 dando origem naquela Conservatória do Registo Predial de Paredes ao prédio urbano descrito sob o n° 1383/…-Castelões de Cepeda. ( F )

7 - Por escritura de doação nº 9/2003 exarada no dia 20 de Junho de 2003, no Edifício dos Paços do Município de ..., pela Notária privativa do Município a fls 52 e ss. do livro 12-A, o 1º Réu Município de ... (como primeiro outorgante) efectuou à 2ª Ré CC - COOPERATIVA DE ENSINO SUPERIOR POLITÉCNICO UNIVERSITÁRIO C.R.L (como segundo outorgante) doação nos seguintes termos: “E pelo primeiro outorgante, na qualidade em que intervém, foi dito:

- Que, em conformidade com a deliberação tomada pela Câmara Municipal de Paredes em vinte e nove de Maio do ano dois mil e três, sancionada pela Assembleia Municipal em sessão ordinária de catorze de Junho do ano de dois mil e três, doa à CC - COOPERATIVA DE ENSINO SUPERIOR POLITECNICO UNIVERSITÁRIO C.R.L, representada pelos segundos outorgantes, o seguinte imóvel a) Um terreno com a área de vinte e seis mil metros quadrados (26.000 m2), sendo vinte e dois mil oitocentos e quarenta e oito metros quadrados (22848m2), a desanexar do prédio urbano com a área total de setenta e sete mil e oito metros quadrados e sessenta centímetros (77.008,60 m2), sito no lugar da Ponte da freguesia de Castelões de Cepeda, concelho de Paredes a confrontar de Nascente com II e JJ, de Poente com ribeiro e KK, de Norte com LL e estrada e de Sul com MM, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número mil trezentos e oitenta e dois barra catorze e oitenta e dois barra catorze zero um zero dois (01382/140102) – Castelões de Cepeda, com inscrição a favor do primeiro outorgante através da inscrição G-um, omisso na matriz mas cuja declaração modelo cento e vinte e nove para a sua inscrição foi apresentado na Repartição de Finanças de Paredes em doze de Dezembro de dois mil e um, tendo-lhe sido atribuído o valor de cinco milhões trezentos e sete mil setecentos e trinta euros e oitenta e sete cêntimos (5.307.730,87); e três mil cento e cinquenta e dois metros quadrados (3.152,00m2) a desanexar do prédio urbano com a área total de vinte e três mil duzentos e onze metros quadrados e dez centímetros (23.211,10m2), sito no lugar da … na freguesia de Castelões de Cepeda, Concelho de Paredes, a confrontar de Nascente e Norte com estrada municipal, de Poente e Sul com Herdeiros de GG, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº mil trezentos e oitenta e três barra catorze zero um zero dois (01383/140102)-Castelões de Cepeda, com inscrição a favor do primeiro outorgante através da inscrição G-um, omisso na matriz, mas cuja declaração modelo cento e vinte e nove para inscrição foi apresentado na Repartição de Finanças de Paredes em doze de Dezembro de dois mil e um, tendo-lhe sido atribuído o valor de um milhão setecentos e trinta e seis mil setecentos e catorze euros e cinquenta cêntimos(1.736.714,50). Que a referida parcela de terreno, com a área de vinte e seis mil metros quadrados (26.000m2) objecto desta escritura, depois de desanexada fica a confrontar: de norte, nascente, sul e poente com caminho público. Que a parcela de terreno foi avaliada em três milhões duzentos e cinquenta mil euros que se destina à instalação da Escola superior de Saúde do Vale do Sousa e dos respectivos equipamentos de apoio. Que a desanexação desta parcela resulta dos arruamentos criados no local de acordo com o mapa toponímico aprovado por deliberação da Câmara Municipal de doze de Setembro do ano dois mil e um e que consubstancia uma operação urbanística promovida pelo Município de ... que está isenta de licença ou autorização nos termos do artigo sétimo, número um, alínea a) do Decreto-Lei número quinhentos e cinquenta e cinco barra noventa e nove de dezasseis de Dezembro, alterada pelo Decreto -Lei cento e setenta e sete barra dois mil e um de quatro de Junho e que a execução desta operação não tem de ser precedida de qualquer outro procedimento administrativo prevista neste artigo uma vez que a parcela se insere em área abrangida pelo Plano Director Municipal e Plano De Urbanização, tudo conforme deliberação e certidão emitida pela Câmara Municipal de Paredes que Arquivo. Que haverá reversão da propriedade do objecto deste contrato a favor do Município de ... se a representada dos segundos outorgantes não afectar a parcela de terreno ao fim específico para o qual foi doada ou deixar de exercer a actividade em causa neste concelho.

Pelos segundos outorgantes foi dito que aceitam, para a CC Cooperativa de Ensino Superior Politécnico Universitário, C.R.L sua representada, a presente doação nos termos exarados. ( G )

8 - A aquisição pela 2ª ré desta parcela, com a área de 3.152,00m2, foi registada a seu favor pela inscrição G-1, Ap.36 /2003/07/18, dando origem por anexação, ao prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Paredes, sob nº 1442/…-Castelões de Cepêda. ( H )

9 - Os autores celebraram o protocolo referido em B) com a intenção de edificar na parte sobrante do prédio referido em A), identificada no ponto 5, por si ou por interposta pessoa, edifício em propriedade horizontal e posteriormente vender com lucro as fracções. ( 1º)

10 - O destino que a 1ª R. iria dar ao terreno cedido e o benefício e valorização que esse destino iria trazer para a parte sobrante dos prédios cedidos ao 1º R., motivou os autores, juntamente com o referido no ponto 11, a efectuarem a cedência dos terrenos ao 1º Réu Município. ( 2º )

11 - O que motivou a cedência/doação de parte do prédio referido em A) por parte dos AA ao 1º R. Município foi o facto de parte dos terrenos cedidos pelos autores se encontrarem em zona de equipamento público, do aludido Município se ter comprometido no protocolo a que se alude no ponto 3 a, mediante licenciamento, autorizar a edificação das construções, nos termos aí referidos, cujas manchas de implantação se encontram pintadas a castanho da planta junta a fls. 596, a criar as necessárias infra-estruturas para que num futuro próximo, os prédios sobrantes dos autores, constituídos por dois terrenos rústicos possam ser destinados à construção urbana, a destinar os terrenos cedidos/doados à implantação de um pólo universitário, da “Feira de Paredes” e ampliação do parque da Cidade para a margem norte da Ribeira de Sentiais, o que atrairia ao local um elevado número de pessoas e capitais, aumentando a rentabilidade e facilitando a comercialização das fracções. (3º e 28º)

12 - Só esses factos levaram a que os autores gratuitamente abrissem mão de 23.211,10 m2 de terreno, pois na parte restante - 5.487,90 m2 poderia ser obtida grande rentabilidade económica. (4º )

13 - A 1ª ré tinha conhecimento da motivação dos autores a que se alude no ponto 11. (5º )

14 - A 1ª e 2ª ré, até à presente data, não procederam à construção, instalação, respectivamente, da Feira de Paredes e do Pólo Universitário, nos terrenos cedidos pelos autores ao 1° réu. ( 7º )

15 - A Feira de Paredes está instalada e a funcionar no Largo da Feira, Castelões de Cepeda, Paredes, tendo o Município de ..., em 2009, efectuado obras naquele local para requalificação do mesmo, com o esclarecimento que a feira de gado decorreu no espaço cedido pelos autores para esse fim até ser proibida a realização dessa feira e que não foi dado qualquer outro destino ao espaço reservado para a instalação da feira. ( 8º )

16 - A 2ª R. CC nunca, até à presente data, deliberou, ou aprovou por decisão interna a construção ou instalação da Escola Superior de Saúde do Vale do Sousa na parcela cedida pelos AA, tão pouco, projectou ou sequer submeteu projecto de licenciamento à Câmara de Paredes. ( 9º )

17 - Jamais até esta data a 2ª R. CC solicitou a aprovação e instalação ao Ministério da Educação e demais Ministérios nos terrenos cedidos qualquer Escola do Ensino Superior. ( 10º )

18 - Jamais até esta data o Ministério da Educação ou outro autorizou ou licenciou a instalação e funcionamento de qualquer curso do ensino superior nos terrenos cedidos. ( 11º )

19 - O 1º Réu não construiu as infra-estruturas a que se alude no ponto 11 (arruamentos e saneamento), com o esclarecimento que a construção dessas infra-estruturas depende da apresentação e aprovação do pedido de urbanização ou de licenciamento nos terrenos sobrantes identificados no ponto 5, o que até à presente data não foi efectuado. ( 12º )

20 - Actualmente, na cidade de Paredes, existe excesso de oferta para venda de imóveis para habitação e comércio. ( 13º )

21 - Actualmente, a Banca impõe fortes restrições à concessão de crédito bancário. (14º)

22 - Desde 2006 que o mercado imobiliário evoluiu de uma forte expansão para uma situação de recessão e retracção. ( 14º A )

23 - A ré CC iniciou as diligências para a instalação de um pólo universitário no terreno em causa nestes autos. ( 16º )

24 - A criação de novas escolas universitárias privadas na área da saúde é, em Portugal, uma tarefa complexa e burocrática. ( 17º )

25 - A ré CC requereu pareceres junto das entidades públicas sobre a concessão da autorização para a nova escola e ainda não se conhecem os resultados. ( 19º e 23º )

26 - Já participou com a primeira ré em reuniões de trabalho sobre este projecto. ( 21º)

27 - Encomendou um estudo de mercado sobre a implantação de estruturas de ensino e serviços anexos, a uma empresa da especialidade, a NN. ( 22º )

28 - A ré CC luta há vários anos pela concessão de uma faculdade de Medicina e apesar dos projectos, estudos, pareceres elaborados, até agora ainda não conseguiu obter respostas favoráveis. ( 15º e 25º )

29 - Os autores, quando fizeram a cedência à primeira ré a que se alude nos pontos 2 e 5, sabiam que os projectos que esta tinha para os terrenos não eram de concretização imediata. ( 26º )

30 - E que não se licencia e constrói um pólo universitário na área do estudo da saúde no espaço de dois ou três anos. ( 27º )



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10 - O mérito da causa:

O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº3 e 690º do Código de Processo Civil.


As questões a resolver são as seguintes:

A. Matéria de facto- Possibilidade de apreciação pelo STJ ( Artº 682º NCPC- 729º, nº 2 do ACPC.

B. Dupla conforme.

C. Revista excepcional- Apreciação


A - Matéria de facto - Possibilidade de apreciação pelo STJ ( Artº 682º NCPC- 729º, nº 2 do ACPC

 Relativamente á impugnação da decisão de facto, justificando a sua pretensão, os Recorrentes alegam, em síntese, que:

- a resposta dada ao quesito 2° e mantida pela Relação é excessiva, por incluir matéria que, integrando factos essenciais, não alegada pelas partes, em violação do disposto no art. 5°-1 e 2 CPC, pelo que deve ser considerado não escrito e eliminado o segmento correspondente a esse excesso;

- pela mesma razão - inclusão de matéria essencial não alegada -, a resposta aos quesitos 3º e 28° é excessiva e deveria ter sido julgada não escrita;

- as respostas aos quesitos 15°, 16°,e 17° têm natureza conclusiva, devendo, por isso, ser eliminadas;

- as respostas aos quesitos 19°, 25° e 26°, têm conteúdo indeterminado, impreciso ou abstracto, devendo também ter-se considerado não escritas;

- a resposta ao quesito 27° inclui novos factos e é conclusiva.

Vejamos:

O recurso de revista circunscreve-se à apreciação dos erros de direito.

Com efeito, o seu objecto é o acórdão da Relação que decide do mérito da causa (art. 671º, 1 NCPC - 721º nº1 ACPC) com fundamento em violação da lei substantiva por erro de interpretação e/ou de aplicação ou de determinação da norma jurídica aplicável (art.674º,Nº 2 NCPC - 722º nº2 ACPC).

O STJ não é, por regra, um tribunal de instância, só funcionando como tal nos casos em que a lei o determinar (art. 210º nº5 da Constituição da República).

Só conhece, pois, matéria de direito, excepto nos caso previstos na lei (art. 26º da Lei nº 3/99 de 13 de Janeiro).

E só conhecer matéria de direito significa referenciar as condutas à verificação dos pressupostos de previsão e de estatuição da norma jurídica infringida, porque houve erro na sua interpretação, na sua aplicação ou na sua determinação (cfr. Neves Ribeiro, O recurso de revista, a reforma desejável, in Reforma dos Recursos em Processo Civil, DGPJ, 2008, p. 73).

Em consequência, decorre do nº 2 do artº 682º do NCPC (nº 2 do art. 729º ACPC) conjugado com o nº 2 do artº 674º do NCPC ( nº2 do art. 722º ACPC) que, em recurso de revista, a decisão proferida sobre a matéria de facto pelo tribunal recorrido não pode ser alterada; logo, o Supremo não pode apreciar eventuais erros, cometidos pela Relação, na apreciação das provas nem na fixação dos factos materiais da causa.

Com efeito, constitui regra básica no recurso de revista, por um lado que “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova” (nº 2 do artº 674º do NCPC -art. 722º nº 2 ACPC) e por outro que “quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito”, deve, depois de definir o direito aplicável para julgar novamente a causa, ordenar que o processo baixe ao tribunal recorrido para julgar de novo a causa (artº 682º,nº 3 e 683, nº 1 do NCPC - art. 729º nº3 e 730º nº1 ACPC).

Para além deste juízo sobre a suficiência e coerência lógica da matéria de facto – em que o Supremo se limita a constatar os vícios e a ordenar a baixa do processo para os colmatar – a regra é a da exclusão da sua competência dos eventuais erros cometidos pelas instâncias na apreciação das provas e na fixação dos factos da causa; logo, no recurso de revista não se discute a matéria de facto nem as provas em que ela assentou, com excepção dos que envolverem violação do direito probatório material, seja na perspectiva de violação de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova, seja na perspectiva de violação de disposição expressa da lei que fixe a força de determinado meio de prova podem ser sindicados em recurso de revista, o que, aliás, bem se compreende, pois, nestes casos, estamos perante verdadeiros erros de direito.

Só, portanto, nestes restritos casos de violação de normas legais que exijam certo meio de prova ou que fixem a força probatória de qualquer meio de prova é que o Supremo pode censurar a actuação da Relação na fixação dos factos materiais da causa e não também quando os meios de prova forem livremente apreciados pelo tribunal.

O princípio harmoniza-se assim com o disposto no nº 6 do artº 662 do NCPC  (nº 6 do art. 712º ACPC), segundo o qual dos acórdãos da Relação sobre questões de facto não há recurso para o STJ.

A determinação dos factos que, no âmbito de determinada causa, se consideram provados e não provados compete, portanto, às instâncias, maxime à Relação.

Os recorrentes impugnam no presente recurso de revista a actuação da Relação na apreciação das provas produzidas e na fixação dos factos, invocando

- violação do artº 5º,nº 2 uma vez que a resposta dada aos quesitos 2°, 3º e 28° e mantida pela Relação é excessiva, por incluir matéria que, integrando factos essenciais, não foi alegada pelas partes, pelo que deve ser considerado não escrito e eliminado o segmento correspondente a esse excesso.

- as respostas aos quesitos 15°, 16°,e 17° têm natureza conclusiva, devendo, por isso, ser eliminadas.

- as respostas aos quesitos 19°, 25° e 26°, têm conteúdo indeterminado, impreciso ou abstracto, devendo também ter-se considerado não escritas.

- a resposta ao quesito 27° inclui novos factos e é conclusiva.

Importa agora debruçarmo-nos sobre as concretas questões referidas começando por verificar se, face ao que descrevemos supra, pode este tribunal, como de revista, apreciá-las.

E pelo que já deixamos antever consideramos que os itens referidos (violação do artº 5º, nº 2 do NCPC, natureza conclusiva ou contradição das respostas) podem ser apreciados já que se integram no âmbito da violação das normas de direito probatório e como tal, a sindicância que se pretende é da competência do STJ.

As situações de excepção (arts. 722.º, n.º 2, e 729.º) ocorrem quando houver ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou fixe a força probatória de determinado meio de prova. Isto é, o sindicar do modo como a Relação fixou os factos materiais só pode ocorrer, no âmbito do recurso de revista, se aquele Tribunal deu por provado um facto sem produção do tipo de prova que a lei exige como não dispensável para demonstrar a sua existência ou tiver incumprido os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova. 

O Supremo vem entendendo que constitui matéria de direito, situada dentro dos seus poderes, a questão do excesso ou exorbitância da resposta a um quesito (cf. os acórdãos de 21.03.00, 28.03.00 e 28.11.00, todos da 1ª Secção, proferidos nos agravo 65/00, revista 78/00 e revista 2667/00, in Sumários, ano 2000, págs. 107, 111 e 332, respectivamente).

Da mesma forma não está vedado ao STJ avaliar a bondade da decisão de facto propriamente dita, por tal constituir matéria jurídica (cfr. arts. 662.º, n.º 4, 674.º, n.º 3, e 682.º, CPC), apreciar se determinada asserção – tida como “facto” provado - consubstancia na realidade uma questão de direito ou um juízo de natureza conclusiva/valorativa, caso em que, sendo objecto de disputa das partes, deverá ser julgada não escrita, nos termos sobreditos.



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B - Violação do direito probatório

Os argumentos dos recorrentes, no que concerne à decisão da matéria de facto proferida pela Relação não são de aceitar, havendo que considerar e considerar de uma forma inovadora em face do NCPC que a abolição da base instrutória e a opção pela enunciação de temas de prova dá aos tribunais de instância maior liberdade na circunscrição da matéria de facto. Para o efeito já não valem, como valiam em face do art. 646º, nº 4, do anterior CPC (que admitia que se considerassem não escritos certos segmentos e que já não figura no actual CPC), os argumentos de pendor formalista. Mais do que nunca, é possível agora o juiz optar por uma formulação mais genérica, desde que não seja pura matéria de direito em face do caso concreto, tal como existe uma maior liberdade na consideração de factos que não foram alegados mas que resultaram da discussão da causa, nos termos do art. 5º, nº 2.

O modelo processual introduzido pela reforma é o da prevalência do fundo sobre a forma, de acordo com uma nova filosofia que vê no processo um instrumento, um meio de alcançar a justa composição do litígio, de chegar à verdade material pela aplicação do direito substantivo.

Atribui-se ao juiz um poder mais interventor, sem que tal signifique, porém, o fim do princípio dispositivo e a sua substituição pelo princípio inquisitório. Na verdade, continua a caber às partes a definição do objecto do litígio, através da dedução das suas pretensões e da alegação dos factos que integram a causa de pedir ou suportam a defesa (art. 264º/1 do ACPC- 5º do NCPC).

Certo é, porém, que - para além da atendibilidade dos factos notórios e daqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções (art. 514º ACPC 412º NCPC), - o juiz tem agora a possibilidade de investigar, mesmo oficiosamente, e de considerar na decisão, os factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa.

Esta simples afirmação logo aponta para uma evidente conclusão: a de que, relativamente aos factos instrumentais - ao contrário do que sucede quanto aos factos essenciais (à procedência da pretensão do autor e à procedência da excepção ou da reconvenção deduzidas pelo réu), relativamente aos quais funciona o princípio da auto- responsabilidade das partes - o tribunal não está sujeito à alegação das partes, podendo oficiosamente carreá-los para o processo e sujeitá-los a prova.

Posto isto e no que respeita às respostas dadas ao quesito 2º, 3º, 4º, 28º e 30º consideramos que não se verificam as anomalias apontadas já que as respostas resultam da interligação dos factos alegados e de um simples raciocínio lógico-dedutivo de que sendo os recorrentes proprietários na totalidade do prédio a “doação” foi motivada pelo interesse lucrativo. Acresce que o julgador dentro do elenco dos factos essenciais pode e deve correlacioná-los fazer a interpretação factual que considerar mais adequada e concluir com as respostas que daí resultem.

Deste modo não podemos deixar de estar em sintonia com o tribunal recorrido quando afirma que a assunção desta situação traria uma grande rentabilidade económica para os autores; aliás, só assim se entende a cedência de mais de vinte mil metros dos terrenos de que eram proprietários como se indica no facto provado 12 bem como a consagração escrita da obrigação camarária de efectuar as dispendiosas acessibilidades (no valor de centenas de milhares de euros).   

E como bem notam os recorridos as questões a que o Tribunal respondeu eram questões invocadas pelos recorrentes sendo que os acrescentos/ especificações por si efectuados na resposta a tais quesitos, é que permitiram que a resposta aos mesmos não se circunscrevesse a um mero "não provado".

O ponto 19 dos factos provados (O 1º Réu não construiu as infra-estruturas a que se alude no ponto 11 (arruamentos e saneamento), com o esclarecimento que a construção dessas infra-estruturas depende da apresentação e aprovação do pedido de urbanização ou de licenciamento nos terrenos sobrantes identificados no ponto 5, o que até à presente data não foi efectuado) igualmente foi correctamente enunciado. Mais uma vez estamos em sintonia com a Relação quando defende que se é certo que o 1º réu não procedeu à construção dos arruamentos e saneamento, também será verdadeiro que tal construção, pelo menos na área dos terrenos sobrantes, apenas fará sentido uma vez pedida a urbanização dos mesmos; outramente, estar-se-ia a construir espaços públicos, com custos de execução e manutenção elevados, sem que os mesmos estivessem ao serviço da população por inexistência de núcleos habitacionais no local.

Quanto às restantes respostas que os recorrentes colocam em causa é certo que a selecção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos, que não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos. Caso contrário, as asserções que revistam tal natureza devem ser excluídas do acervo factual relevante.

Como deixamos referido supra a bondade dessa operação de expurgação, quando realizada pela Relação, é susceptível de apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça, por constituir matéria de direito.

Analisadas as respostas postas em causa não descortinamos que elas tenham conteúdo conclusivo.

Uma última palavra para afirmar que as decisões-surpresa, que os recorrentes dizem ter acontecido, são aquelas em que o Tribunal, de forma absolutamente inopinada e apartado de qualquer aportamento factual ou jurídico alegado pelas partes, envereda por uma solução que os sujeitos processuais não quiseram submeter ao seu juízo, como tal não se pode do confundir a suposição que as partes possam ter feito nem com a expectativa que elas possam ter acalentado quanto à decisão quer de facto quer de direito.



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C - Revista excepcional - Apreciação

Como consignamos supra o recurso é de revista/ excepcional e funda-se no disposto no art. 672°, n.° 1, al. c) do CPC, uma vez que, alegam os recorrentes, que o acórdão do qual recorrem está em contradição com outros acórdãos já transitados em julgado, sobre as mesmas questões fundamentais de direito e não tendo sobre tais questões sido proferidos acórdãos de uniformização de jurisprudência.

Considerando que a questão da impugnação da matéria de facto impedia que se verificasse o requisito geral negativo da existência de dupla conforme, pressuposto necessário e determinante da competência da formação, ficando prejudicada a apreciação dos pressupostos específicos da revista excepcional invocados pela Requerente, foi o processo remetido à distribuição normal.

Fixada que está definitivamente e sem alteração a matéria de facto, fica-nos vedada a apreciação de questões que, com os mesmos pressupostos factuais, se mostrem abrangidas pela dupla conformidade.

Deste modo e uma vez que se mantem latente a apreciação dos pressupostos da revista excepcional, cuja competência é da formação, para lá se remete o processo.


Caixa de texto: 11- DECISÃO:
Nesta conformidade, acorda-se em
- negar provimento à revista dos recorrentes no que respeita à alteração da matéria de facto
- remeter os autos à formação.
Custas pelos recorrentes.
Notifique.


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Lisboa, 2015-09-10


João Trindade (Relator)

Tavares de Paiva

Abrantes Geraldes