Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
102/20.7JELSB.L1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: TERESA DE ALMEIDA
Descritores: ACORDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
EXTINÇÃO DO PODER JURISDICIONAL
NULIDADE DE ACÓRDÃO
IN DUBIO PRO REO
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 03/13/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: ACLARAÇÃO INDEFERIDA
Sumário :

I. No caso, as questões relativas à prova suscitadas pela recorrente não podem ser objeto de conhecimento por este Tribunal que conhece, apenas, de Direito (art. 434.º do CPP) e, oficiosamente, dos vícios da decisão previstos no n.º 2, do artigo 410.º, do CPP.

II. Não podendo conhecer sobre a concreta qualidade da prova, eventuais erros de julgamento, ou outros aspetos ou vícios que não resultem do texto da decisão, não existe, manifestamente, omissão de pronúncia.

Decisão Texto Integral:

Proc. nº 102/20.7JELSB.L1.S1

Acordam na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

1. AA, arguida nos autos à margem referenciados, tendo sido notificada do Acórdão, de 21.02.24, veio, nos termos do disposto nos artºs. 380.º n.º 1 e 379º n.º 1 al. c) e 425.º nº 4 do CPP, arguir a respetiva nulidade.

Alega: (transcrição)

“Constava da motivação do recurso e bem assim das conclusões, entre outras questões, as seguintes:

1.º Ora, analisando a decisão recorrida nas partes melhor discriminadas na motivação é para nós clarividente, que não foi dito porque razão, a arguida praticou o crime e que provas é que houve para condenar a arguida, quando na realidade conforme foi admitido não houve prova nenhuma, nem declarações do arguido e nem sequer as testemunhas os guardas prisionais apenas se limitam a informar o que viram do outro arguido.

2.º Ora segundo o preceituado no artº 355º do CPP, “ …não valem em julgamento, nomeadamente para efeitos de formação da convicção do Tribunal, as provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em julgamento ”.

3.º Acontece que, em julgamento as testemunhas não sabiam quem introduziu droga no estabelecimento prisional e a falta de provas, desvalorizando as declarações do arguido foi utilizada de forma abusiva a convicção do Tribunal segundo o artigo 127.º cpp, que viola o princípio constitucional do “ in dubio pro reo”, pelo que não havendo provas a arguida teria que ser absolvida e não pelo facto de o Tribunal “ a quo” não ter levantado a questão no acórdão no Supremo não podem conhecer tal situação, ora por lei devem conhecer e responder e fundamentar devidamente.

4.º Por último, a arguida não se recusou a comparecer em julgamento, estava de baixa médica e justificou atempadamente as faltas e o facto de ter antecedentes criminais não permite valorizar negativamente uma ausência de prova contra a arguida, violando o “ princípio in dubio pro reo”.

Em face do supra exposto, a recorrente ficou na dúvida se, este Venerando Tribunal, ponderou, ou não (como parece) tais argumentos. Motivos pelos quais, o recorrente ficou na dúvida, sobre se todos os argumentos aduzidos pelo mesmo, terão sido analisados na decisão recorrida e se encontram devidamente analisados e fundamentados.

TERMOS EM QUE, DEVE A PRESENTE ARGUIÇÃO DE NULIDADES SER CONSIDERADA

PROCEDENTE, POR PROVADA, COM AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS.”

Realizou-se a conferência a que alude o artigo 455.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

Cumpre decidir.

II. Fundamentação

1. Sobre a matéria objeto de reclamação, afirmou-se no acórdão cuja nulidade é arguida:

“Alega a recorrente que, perante a falta ou insuficiência de prova que diz existir, o tribunal devia ter respeitado o princípio in dubio pro reo.

Nos poderes de cognição deste Tribunal quanto à prova e ao respetivo exame crítico, cabe, tão só, a apreciação da verificação de algum dos vícios do n.º 2, do art. 410.º do CPP, que resulte do texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

c) Erro notório na apreciação da prova.

O vício de insuficiência da matéria de facto verifica-se quando os factos dados como provados se revelam insuficientes para justificar a decisão de direito, ou seja, para a subsunção na norma incriminadora. Ao invés do que parece ser pretendido pela arguida, o vício não compreende a insuficiência da prova para a decisão da matéria de facto1.

Ora, os factos dados como provados permitem a aplicação do direito penal aos factos, no que à responsabilidade da arguida respeita, ajustando-se à condenação pela prática de 1 crime de crime de tráfico de produtos estupefacientes agravado, previsto e punido pelo artigo 24.º, com referência ao n.º 1 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

É, apenas, dessa análise que se há-de concluir pela violação destes princípios relativos à prova, sem reapreciação da matéria de facto, mostrando-se vedado o conhecimento da pertinência da ausência de dúvida face à prova produzida (no caso do in dúbio pro reo) ou se a apreciação da prova, livre, mas necessariamente vinculada a critérios objetivos, se revela ancorada em razões subjetivas, emocionais e não motiváveis (quanto ao princípio da livre apreciação da prova)2.

A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido. 3

“Na verdade, o princípio in dubio pro reo, não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos, mas é antes uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido em obediência a tal princípio.”

Daqui se retira que a sua preterição exige que o julgador tenha ficado na dúvida sobre factos relevantes e, na dúvida, tenha decidido desfavoravelmente ao arguido.

Podendo as instâncias tirar conclusões ou ilações da matéria de facto diretamente provada que constituem, em si mesmas, matéria de facto que escapa à censura deste tribunal, não é possível alcançar, face ao texto da decisão, qualquer estado de dúvida do julgador.

No que tange à violação do princípio da livre apreciação da prova, relembramos o ensinamento de Figueiredo Dias 4: “Em princípio não pode de modo algum querer apontar para essa apreciação imotivável e incontrolável - e portanto arbitrária - da prova produzida. Se a apreciação da prova é, na verdade, discricionária tem evidentemente esta discricionariedade os seus limites que não podem ser licitamente ultrapassados: a liberdade de apreciação da prova é, no fundo, uma verdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a chamada “verdade material” de tal sorte que a apreciação há de ser, em concreto, recondutível a critérios objetivos e portanto, em geral, susceptível de motivação e controlo (…)”.

Ora, como se alcança do Acórdão recorrido, a apreciação da prova não assenta em juízos subjetivos, mas na sua conjugação com as regras de experiência comum.

Procedeu-se ao exame das provas de modo transparente e objetivo, desvelando o próprio processo de decisão.

O recurso, nesta parte, visa uma verdadeira reapreciação da prova, por legítima, mas extemporânea divergência.

Em conclusão, do teor do Acórdão recorrido, por si só ou em conjugação com as regras da experiência, não resulta qualquer vício, ou inconstitucionalidade, cuja sanação ou declaração se revele necessária à boa aplicação do direito.

Razão pela qual deverá improceder, nesta parte, o recurso.”

2. Dispõe o art. 425º n.º 4 do CPP, além do mais, que aos acórdãos proferidos em recurso se aplica o regime das nulidades da sentença consagrado no art. 379.º do mesmo diploma legal.

O n.º 1 do artigo 379.º, do CPP enumera, de forma taxativa, os casos de nulidade de sentença, prevendo, na alínea c), a violação pelo tribunal dos seus poderes/deveres de cognição:

1 - É nula a sentença (…):

c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…).

Configura-se, assim a denominada omissão de pronuncia.

É jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que omissão de pronúncia - e, consequentemente a correspondente nulidade -, somente se verifica quando o tribunal deixa de pronunciar-se sobre questões de facto ou de direito que lhe foram submetidas pelos sujeitos processuais ou que deve conhecer oficiosamente, entendendo-se por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas, expendidos pela acusação e pela defesa ou, na fase seguinte, pelos recorrentes em amparo das teses em presença5.

Ora, no caso, as questões relativas à prova suscitadas pela recorrente não podem ser objeto de conhecimento por este Tribunal que conhece, apenas, de Direito (art. 434.º do CPP) e, oficiosamente, dos vícios da decisão previstos no n.º 2, do artigo 410.º, do CPP.

Não podendo conhecer sobre a concreta qualidade da prova, eventuais erros de julgamento, ou outros aspetos ou vícios que não resultem do texto da decisão, não existe, manifestamente, omissão de pronúncia.

A arguição que a requerente qualifica de nulidade, representa, tão só, a reafirmação da sua discordância com o decidido em julgamento, sendo destituída de qualquer previsão legal e, assim, manifestamente infundada.

Improcede, em consequência, por manifesta falta de fundamento, a deduzida nulidade imputada ao acórdão visado.

III. DECISÃO

Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça, decide indeferir, por manifesta falta de fundamento legal, a arguida nulidade.

Custas pela requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3UCs (art. 8.º, n.º 9, e da Tabela III do Regulamento das Custas Judiciais).

Lisboa, 13.03.2024

Teresa de Almeida (Relatora)

Maria do Carmo Siva Dias (1.ª Adjunta)

Teresa Féria (2.ª Adjunta)

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1. Cfr., entre outros, Acs. deste Tribunal de 12.09.2018, no Proc. n.º 28/16.9PTCTB.C1, de 07.04.2010, Proc. n.º 83/03.1TALLE.E1.S1, de 06.04.2000, in BMJ n.º 496, pág. 169 e de 13.01.1999, in BMJ n.º 483, pág. 49.

2. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 521/2018, de 17.10, Processo n.º 321/2018

3. Acórdão deste tribunal, de 5.7.2007, no proc. 07P2279.

4. Direito Processual Penal, I Volume, Coimbra Editora, 1974, pág. 203 e segs,

5. Por todos, acórdão deste Tribunal, 3.ª secção, de 06.05.21, no processo 64/19.3T9EVR.S1.E1.S1.