Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03B2796
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: QUIRINO SOARES
Descritores: DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
Nº do Documento: SJ200310160027967
Data do Acordão: 10/16/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL GUIMARÃES
Processo no Tribunal Recurso: 1704/02
Data: 02/12/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Sumário : O julgamento de deserção da instância (previsto no nº. 4, do artº. 291º, CPC) é de natureza meramente declarativa.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. No processo executivo que a "A" movera a B e outros, foi declarada extinta a instância por efeito de deserção, mas a Relação de Guimarães revogou a decisão, tendo ordenado o prosseguimento dos autos.
O mencionado executado agrava, agora, para este Supremo Tribunal, e, rebatendo os fundamentos desfavoráveis do acórdão da Relação, diz:
- tendo decorrido o prazo da deserção, operou-se automaticamente, ope legis, o respectivo efeito, que é a extinção da instância, sendo irrelevante a movimentação que a exequente lhe tentou introduzir depois do final daquele prazo;
- o acórdão recorrido, além de ter cometido o atrás aludido erro de direito, é nulo, nos termos do artº. 668º, 1, d), CPC (1), pois conheceu de questão que lhe não fora posta, qual seja a de que só a sentença de extinção da instância, por efeito de deserção, e não, simplesmente, esta (deserção), tem o efeito de impedir as partes de movimentar mais o processo.
A recorrida não alegou.

2. São as seguintes as ocorrências processuais com interesse:
. a presente execução foi instaurada em 7/4/1994 - cfr. fls. 2;
. por despacho judicial de 14/11/1996, foi ordenado o cumprimento do disposto no artº. 864º, CPC - cfr. fls. 104;
. notificada para proceder à publicação de anúncios, a exequente não o fez, pelo que, em 7/3/1997, foram os autos à conta nos termos do disposto no artº. 51º, 2, b) do C. C. Judiciais - cfr. fls. 104 a 106;
. por despacho judicial, proferido em 10/4/1997, foi ordenado que os autos aguardassem o decurso do prazo de interrupção da instância (artº. 285º do C. P. Civil) - cfr. fls. 123;
. por despacho judicial proferido em 4/5/1998, foi declarada interrompida a instância e ordenado que os autos aguardassem o decurso do prazo estabelecido no artº. 291º do C. P. Civil - cfr. fls. 125;
. em 23-9-98, foi aposto "visto em correição" e remetido o processo ao arquivo - cfr. fls. 127v.;
. em 30-9-98, veio a exequente solicitar a concessão de um prazo de 60 dias para juntar os anúncios, afirmando estar em negociações com os executados - cfr. fls. 128 vº);
. por despacho judicial, proferido em 7/10/1998, foi concedido o prazo requerido e declarada cessada a interrupção da instância - cfr. fls. 129;
. por despacho judicial proferido em 17/12/1998, foi ordenada a notificação da exequente para, em dez dias, proceder à junção dos anúncios em falta - cfr. fls. 129;
. veio a exequente requerer, de novo, a concessão de prazo de 30 dias, afirmando que as negociações continuavam - cfr. fls. 130 v;
. por despacho judicial, proferido em 12/1/1999, foi concedido o prazo requerido - cfr. fls. 131;
. por despacho judicial proferido em 1/3/1999, foi concedido á exequente novo prazo de 10 dias para proceder à junção dos anúncios em falta - cfr. fls. 129;
. por despacho proferido em 7/4/1999, foi ordenado que os autos aguardassem a junção dos anúncios em falta, sem prejuízo do disposto no artº. 285º do C. P. Civil - cfr. fls.131 vº;.
. face à inércia da exequente, em 29/10/1999 foi proferido despacho que, considerando que o prazo de deserção da instância começou a contar desde 4/5/1998, determinou que os autos aguardassem pelo decurso do prazo de 2 anos estabelecido no artº. 291º do C. P. Civil, a fim de a execução vir a ser declarada extinta nos termos do artº. 287º, al. c) do C. P. Civil - cfr. fls. 132 e v.;
. deste despacho foram as partes notificadas por cartas expedidas em 2/11/1999 - cfr. cota de fls. 133;
. remetidos os autos á conta, em 20/12/1999, foi aposto visto em correição em 28/2/2000 - cfr. fls. 133 a 139;
. em 17/9/2000, deu entrada requerimento do executado, B, a solicitar fosse ordenada a definitiva suspensão da execução com o levantamento das penhoras realizadas e cancelamento dos respectivos registos - cfr. fls. 140;
. notificada, a exequente sustentou o indeferimento do requerido - cfr. fls. 143;
. por despacho judicial proferido em 31/10/2001, foi ordenada a notificação do executado B para, em 10 dias, esclarecer a que prazo de suspensão se refere e indicar os termos do acordo celebrado com a exequente, sendo que o mesmo nada veio dizer - cfr. fls. 143 e 144;
. em 21/02/2001, deu entrada requerimento da exequente a solicitar a entrega de anúncios para citação dos credores desconhecidos, nos termos do artº. 864º, CPC, pois que, segundo afirmava, os executados não cumpriram o acordo com vista ao pagamento da quantia exequenda - cfr. fls. 146;
. por despacho judicial, proferido em 21/2/2002, foi ordenada a notificação dos executados para se pronunciarem sobre tal requerimento - cfr. fls. 147;
. face ao silêncio dos executados, foi então proferido o despacho do seguinte teor:
"Compulsados os autos verifica-se que, por despacho de folhas 132 vº, que transitou em julgado, foi entendido que o prazo deserção da instância (dois anos) começou a contar em 4-5-98.
Ora, decorrido tal prazo, verifica-se que o presente processo não conheceu qualquer actividade processual do exequente no sentido de promover os termos desta execução, de modo que, julgo deserta a instância nos termos do artº. 291º do C. P. Civil em referência a 4-5-2000.
Notifique, ficando prejudicado o conhecimento do exposto a fls. 142."

3. Primeiro que tudo a arguida nulidade.
Não há nulidade nenhuma.
O que, no fundo, está em causa é saber se o julgamento da deserção tem natureza meramente declarativa, ou, pelo contrário, constitutiva.
A isso se reconduz, com efeito, a discussão sobre se, após o decurso do prazo da deserção, fica vedado ao autor ou exequente promover o andamento do processo, ou se tal proibição só opera após aquele julgamento.
Vistas as coisas assim, como o recorrente, sem grande esforço, deveria ter visto, é óbvio que o acórdão não padece do motivo de nulidade apontada.

4. Agora, o alegado erro de direito.
Aqui, também não tem razão o recorrente.
Não pelo que afirma o acórdão recorrido, onde, contra o que meridianamente resulta do teor do nº. 1, do artº. 291º, CPC (na parte em que se prescreve que a instância se considera deserta, "independentemente de qualquer decisão judicial"), se atribui natureza constitutiva, em vez de meramente declarativa, ao julgamento de deserção da instância (previsto no nº. 4, do artº. 291º, CPC).
Aparentemente, o acórdão fala de julgamento de extinção da instância como realidade distinta do julgamento da deserção, o que, a ser assim, constitui mais um erro, visto que o julgamento é um só, o da deserção, a que a lei processual atribui o efeito de extinção da instância, tal como a atribui, p. ex., ao julgamento (cfr. artº. 287º, CPC).
A obrigatoriedade de despacho a declarar a deserção e consequente extinção da instância não pretende significar que só a partir dele se produzem os efeitos da deserção; tal obrigatoriedade é, antes, o resultado da necessidade do controlo judicial de um fenómeno capital da vida (morte) do processo.
Porque não tem razão, então, o recorrente?
Apenas porque o despacho de 29.10.99 (fls. 132 vº), em que se declarou que o prazo da deserção começou a correr desde 4.5.98, colide com um anterior, de 7.10.98 fls. 129, também transitado em julgado, em que foi declarada cessada a interrupção da instância.
E colide porque afirmar e declarar que o prazo de deserção se iniciou em 4.5.98 equivale a dizer que não houve, afinal, cessação da interrupção da instância, como foi declarado pelo despacho de 7.10.98.
Ora, sobre julgados contraditórios acerca da mesma questão concreta da relação processual, manda o artº. 675º, 2, CPC, que se cumpra o que primeiro passou em julgado.
No caso, o despacho prevalente será, pois, o de 7.10.98, que declarou a cessação da interrupção da instância.
A partir daí, começou a correr novo prazo de interrupção, que só se completaria, nos termos do artº. 285º, CPC, em 7.10.99, data sobre a qual haveriam de decorrer, em seguida, dois anos até se completar o prazo da deserção (artº. 291º, 1, CPC), em 7.10.01.
Sendo assim, quando, em 21.02.01, a exequente requereu a entrega de anúncios para citação dos credores desconhecidos, a instância mantinha-se viva o bastante para acolher o requerimento e lhe dar o seguimento devido.
Nunca para lhe fechar as portas, fingindo-se morta.

5. Uma observação final, para prevenir escusadas perplexidades.
A diferente fundamentação com que, aqui, se reafirma o decidido no acórdão sob recurso, é isso mesmo, uma diferente maneira de tratar a mesma questão, que é, como se disse, a de saber se ocorreu, ou não, a deserção da instância, e, com ela, a impossibilidade de o exequente promover o andamento do processo.

6. Por todo o exposto, negam provimento ao agravo.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 16 de Outubro de 2003
Quirino Soares
Neves Ribeiro
Araújo Barros
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(1) Código de Processo Civil.