Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
460/14.2TTVCT.G1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO LEONES DANTAS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
ACIDENTE IN ITINERE
Data do Acordão: 12/05/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / INTERPOSIÇÃO E EXPEDIÇÃO DO RECURSO / REVISTA EXCEPCIONAL.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 672.º, N.º 3.
REGULAMENTA O REGIME DE REPARAÇÃO DE ACIDENTES DE TRABALHO E DE DOENÇAS PROFISSIONAIS, APROVADO PELA LEI N.º 98/2009, DE 04-09: - ARTIGOS 8.º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEAS A) E B) E 9.º, N.º 1, ALÍNEA A) E 2, ALÍNEAS B) E E).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 30-03-2011, PROCESSO N.º 4581/07.TTLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 18-02-2016, PROCESSO N.º 375/12.9T1LRA.C1.S1;
- DE 13-07-2017, N.º 175/14.1TUBRG.G1.S1.

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

- DE 07-10-2015, PROCESSO 408/13.1TBVPV;
- DE 11-10-2017, PROCESSO N.º 13157/14.4T2SNT.L1-4;
- DE 25-10-2017, PROCESSO N.º 1870/15.3T8BRR.L1-A.

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

- DE 22-04-2013, PROCESSO N.º 253/11.0TTVNG.P1;
- DE 19-10-2015, PROCESSO N.º 643/13.2T4AVR.P1.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

- DE 12-04-2018, PROCESSO N.º 135/16.8T9GRD.C1.

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

- DE 24-05-2011, PROCESSO N.º 35/09.8TTSTB.E1;
- DE 02-05-2013, PROCESSO N.º 590/08.0TTSTR.E1.

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:

- DE 26-02-2015, PROCESSO N.º 437/11.0TUGMR.P1.G1;
- DE 30-11-2016, PROCESSO N.º 41/14.0Y3BRG.G1;
- DE 14-06-2017, PROCESSO N.º 797/15.3Y2GMR.G1.
Sumário :

I – O disposto nos artigos 8º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), e 9ª, n.ºs 1, alínea a) e 2, alíneas b) e e), da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, deve ser interpretado como integrando no seu âmbito de aplicação o acidente ocorrido nos espaços exteriores à habitação do sinistrado, ainda antes de se entrar na via pública, independentemente de se tratar de espaço próprio deste ou de espaço comum a outros condóminos ou comproprietários, bastando que para tal já tenha sido transposta a porta de saída da residência, desde que a vítima se desloque para o local de trabalho, segundo o trajeto normalmente utilizado e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador.

II - Deve ser qualificado como acidente de trabalho, nos termos referidos no número anterior, o sinistro sofrido pela autora quando, depois de ter terminado o almoço, caminhava no logradouro da residência da mãe, aonde se deslocava habitualmente para tomar aquela refeição, em direção à sua viatura, que se encontrava estacionada na via pública, para se dirigir ao local de trabalho. 

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


I

AA intentou ação especial emergente de acidente de trabalho contra BB, S.A., pedindo que se declare o acidente dos autos como de trabalho e, consequentemente, que a Ré seja condenada a pagar-lhe:

a) A pensão anual e vitalícia que resultar da IPP que lhe vier a ser fixada em junta médica;

b) A indemnização pelos períodos de incapacidade temporária no montante de € 2.371,66;

c) As despesas com deslocações no valor de € 450,00;

d) Os juros de mora à taxa legal vencidos e vincendos.

Alegou, em síntese, como fundamento da sua pretensão que no dia 27/03/2014, pelas 13:15 horas, quando se deslocava da residência de sua mãe, onde normalmente almoça, para o trabalho, sofreu um acidente, tendo o mesmo ocorrido no logradouro da referida habitação. Em resultado do acidente sofreu lesões que lhe determinaram um período de incapacidade temporária e uma IPP.

A Ré contestou a ação reconhecendo a existência do contrato de seguro e não aceitando a caracterização do acidente como de trabalho, alegando que o mesmo ocorreu quando a autora estava a apanhar “espinhas de peixe” que estariam caídas no solo, ou seja, antes de iniciar o trajeto para o trabalho. Mais defende que em face do facto do acidente ter ocorrido no logradouro da habitação pertencente exclusivamente ao proprietário e sendo de utilização e acesso privados, não integra a extensão a que alude o artigo 9.º da LAT e concluiu pela improcedência total da ação.

A ação instaurada prosseguiu seus termos e veio a ser decidida por sentença de 8 de março de 2017, que integrou o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto, o Tribunal julga parcialmente procedente a presente ação e, e em consequência decide:

- condenar a ré seguradora, “CC, SA”, a pagar à autora AA o capital de remição calculado com base na pensão anual e vitalícia de dois mil e duzentos e dezoito euros e trinta e seis cêntimos (2 218,36), com início em 27 de março de 2015;

- condenar a ré seguradora, “CC, SA”, a pagar à autora AA, a título de indemnização pelos período de incapacidades temporárias, o valor de dois mil e oitocentos e um euros e noventa e três cêntimos (2 801,93);

- condenar a ré seguradora, “CC, SA”, a pagar à autora AA, a título de despesas com deslocações a tratamentos médicos e fisiátricos, ao GML e ao tribunal, o valor de duzentos e setenta euros (270,00);

- condenar a ré seguradora, “CC, SA”, a pagar à autora AA os juros de mora contados à taxa civil legal em vigor sobre: o capital de remição desde a data da alta até à entrega efetiva deste; a indemnização das ITs desde a data do vencimento da obrigação do seu pagamento; o montante das despesas reclamadas desde o dia subsequente à sua reclamação no processo (despesas de transporte e despesas médicas e medicamentosas), conforme artigos 126º, n.º 1 e 2, do RRATDP e 805º, n.º 2, alínea a) e 559º, n.º 2, do Código Civil, e até integral pagamento;

- condenar a ré seguradora, “CC, SA”, a pagar ao Centro Distrital de Segurança Social de ... a quantia de Euros 4 254,84 (quatro mil e duzentos e cinquenta e quatro euros e oitenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal;

- condenar autora e ré seguradora, na proporção do decaimento, nas custas do processo;

- fixar o valor da causa: quarenta e um mil e setenta euros e vinte e quatro cêntimos (41 070,24);

- determinar que se proceda ao cálculo.

Registe e notifique.»

Inconformada com esta sentença, dela recorreu a Ré para o Tribunal da Relação de Guimarães, que conheceu do recurso por acórdão de 21 de setembro de 2017 e que integrou o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, e ao abrigo do disposto nos artigos 87º do C.P.T. e 663º do C.P.C., acorda-se, neste Tribunal da Relação de Guimarães em negar provimento ao recurso de apelação interposto por BB S.A., confirmando-se na íntegra a decisão recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.»

Irresignada com este acórdão, veio a Ré recorrer de revista para este Supremo Tribunal, requerendo a admissão do recurso pela via da revista excecional.

Por acórdão da formação a que se refere o n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, foi decidido admitir o recurso de revista com fundamento na alínea c) do n.º 1 do referido artigo.

A recorrente integrou nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:

«A - Da Admissibilidade da Revista Excecional

I. a  VIII. (…)

B - Da Fundamentação do Recurso propriamente dita

IX. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão proferido em segunda instância nos presentes autos e é o mesmo apresentado na firme convicção de que a matéria de Direito sujeita à sua apreciação merecia outra decisão, pelo que a presente revista (excecional) tem por fundamento a violação de lei substantiva por parte do Tribunal a quo, por erro de interpretação/aplicação das normas aplicáveis [artigo 674.°, n.° 1 do CPC, al. a) do CPC].

X. A discordância da Recorrente versa sobre dois pontos distintos da decisão, sendo o segundo subsidiário:

- em primeiro lugar, o entendimento segundo o qual o sinistro que foi julgado provado consubstancia um acidente de trabalho, mais concretamente um acidente in itinere e a consequente condenação da Recorrente a reparar o referido acidente;

- sem prescindir, na hipótese, que apenas se equaciona por hipótese de raciocínio, de assim não se entender, a condenação no pagamento de juros de mora sobre o capital de remição desde a data da alta até à entrega do mesmo.

 a) O sinistro dos autos como acidente in itinere

 II. É o risco empresarial ou de autoridade decorrente do facto de o empregador possuir um conjunto de trabalhadores ao seu serviço que justifica a consagração de uma responsabilidade objetiva daquele, da qual decorre a obrigação de reparação dos acidentes que vitimem tais trabalhadores.

III. Para além da definição de acidente de trabalho dada no artigo 8.° da LAT, a Lei consagra um conjunto de extensões ao conceito, para abranger situações em que, não obstante o evento infortunístico não ocorrer no tempo ou local de trabalho, se verifica ainda a autoridade do empregador.

IV. A decisão do Tribunal a quo, que perfilha entendimento idêntico à sentença proferida em primeira instância, na esteira do acórdão do STJ de 18.02.2016 (proc. 375/12.9TTLRA.C1.S1), segundo a qual o acidente ocorrido no logradouro da habitação deve ser considerado um acidente de trajeto, resulta exclusivamente de uma determinada interpretação do sentido a atribuir à eliminação do segmento "desde a porta de acesso para as áreas comuns do edifício ou para a via pública" antes previsto no artigo 6.°, n.° 2 do Regulamento da LAT, que não atende devidamente aos interesses jurídicos que a lei visa tutelar.

V. Não se verifica uma diferenciação substantiva entre o interior do edifício e o logradouro ao ponto de se poder considerar que um local é a habitação em sentido estrito e o outro não, pois que no logradouro é também uma parte integrante desse local onde o trabalhador tem centrada a sua vida, tratando-se de um espaço utilizado também para a tomada e confeção de refeições, para momentos de lazer, para convívios familiares, para cultivo de plantas ou alimentos, entre outras atividades que são do foro exclusivamente privado da vida do trabalhador e da sua família, precisamente na mesma medida das que realiza no interior do edifício.

VI. O tratamento diferenciado entre os acidentes ocorridos nas partes comuns e os acidentes ocorridos nos logradouros não é discriminatório, dado que nos segundos é o proprietário/possuidor e os seus familiares quem determina como o referido espaço está organizado e tem pleno controlo e domínio sobre o mesmo e nas primeiras é inequívoco que nenhum dos condóminos/ocupantes da fração detém, a título individual, tal controlo.

VII. Consequentemente, não há razões para concluir que na mente do legislador da nova norma relativa à extensão do conceito acidente de trabalho esteve a intenção de passar a incluir tanto as partes comuns como os logradouros.

VIII. Como decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa no seu acórdão-fundamento (acórdão de 07.10.2015; proc. 408/13.1TBVPV; relator José Eduardo Sapateiro), "a tónica delimitadora do que é acidente in itinere ou não passa necessariamente pela perda de controlo, ainda que meramente parcial, das condições e circunstâncias que afetam o espaço onde o trabalhador circula, quando se desloca de casa para o trabalho ou vice-versa, sujeitando-se assim aos perigos a que os locais públicos ou explorados pelo empregador ou clientes deste último estão expostos e que escapam, no todo ou em parte, ao seu domínio, vigilância e capacidade de modificação e reação. II - Nessa medida, não é acidente de trajeto aquele evento que se traduz na queda do trabalhador no logradouro privado da sua habitação, quando ai se deslocava, provindo do seu locai de trabalho, com vista a tomar a refeição do almoço".

IX. Este entendimento é o único compatível com as exigências de certeza e segurança jurídica pretendidas num domínio como o dos acidentes de trabalho e com a necessidade de se traçar um critério objetivo e perfeitamente apreensível.

X. O entendimento do Tribunal a quo não permite traçar a fronteira entre o acidente ocorrido na vida privada e o acidente de trabalho, levando-nos a entrar na habitação dos trabalhadores e "aí, desde que acordam e se levantam até alcançarem a via pública ou os espaços comuns, equacionar a possibilidade de um acidente de trajeto" (acórdão da Relação de Lisboa já citado).

XI. No caso concreto, o acidente ocorreu no logradouro da residência, local onde a Recorrida estava totalmente subtraída ao controlo da entidade empregadora e tinha domínio, vigilância e capacidade de modificação e reação sobre as condições e circunstâncias que afetavam o espaço onde circulava e onde não havia há qualquer intervenção nem influência do poder de autoridade da entidade empregadora.

XII. Não pode entender-se, à luz das normas já citadas, que o acidente sofrido pela Recorrida é um acidente de trajeto - acidente de trabalho, mas antes que constitui um mero acidente doméstico, relativo à vida pessoal da Recorrida.

XIII. Ao manter a caracterização de tal acidente como de trabalho, o Tribunal a quo violou as normas dos artigos 8.°, 9.°, n.° 1, alínea a) e n.° 2, alíneas b) e e) da Lei n.° 98/2008.

XIV. Inexistindo acidente de trabalho, nada há a reparar pela Recorrente, pelo que o acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que decida que a queda da Recorrida no logradouro da habitação não constitui um acidente de trabalho, decidindo-se em consequência pela total improcedência da ação, com a integral absolvição da Recorrente do pedido.

Sem prescindir,

Caso assim não se entenda, o que se equaciona por mera cautela:

b) Os juros de mora sobre o capital de remição

XV. Os juros de mora, no caso de condenação no capital da remição, devem incidir sobre os montantes (vencidos) da pensão a remir e não sobre o capital da remição.

XVI. O artigo 135.° do CPT determina que o juiz deve fixar os juros de mora pelas prestações em atraso e a LAT estabelece que as pensões por incapacidade permanente começam a vencer-se no dia seguinte ao da alta mas este último diploma não contém uma norma que indique o momento do vencimento do capital da remição.

XVII. Na sua tradução normativa, a lei faz corresponder a obrigação de pagamento de capital ao valor da remição da pensão anual e vitalícia, o que significa que na génese (evolutiva) do direito ao capital da remição está o direito a uma pensão anual e vitalícia.

 XVIII. Na realidade, o que interessa é a fixação definitiva do grau de desvalorização permanente sofrido pelo acidentado, fixação essa que naturalmente se tem que retroagirão dia imediato ao da alta, altura em que se vence a pensão devida.

 XIX. Assim, mesmo que a pensão seja remível, sempre se terão de fixar os juros de mora, não sobre o capital de remição (o que só em circunstâncias muito contadas pode suceder), mas sobre o valor da pensão anual.

XX. Não tem qualquer cabimento fixar juros sobre o capital de remição também porque tal fixação implica um tratamento desigual dos sinistrados, e, por isso inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.° da CRP, porquanto introduz uma inadmissível distinção entre sinistrados consoante a pensão anual e vitalícia concretamente atribuída seja ou não remível.

XXI. Existe nesta sede uma situação análoga à prevista no artigo 805.°, n.° 3, do Cód. Civil, segundo o qual, se o crédito for ilíquido (no caso o crédito do capital de remição), não há mora enquanto não se tornar líquido (no caso, apenas com o cálculo e designação de data de entrega, nos termos dos artigos 149.° e 150.° do Cód. Proc. Trabalho).

XXII. Neste sentido só haverá lugar a pagamento de juros de mora sobre o capital de remição se e na medida em que a entidade responsável não proceda ao seu pagamento depois de estar liquidado e designada a sua entrega nos termos legais.

XXIII. Este é o entendimento perfilhado, entre outros, nos seguintes acórdãos dos Tribunais superiores: da Relação de Coimbra de 02.05.2014 (Azevedo Mendes) e decisões aí citadas e, ainda, da Relação de Lisboa de 16.12.2009 (Natalino Bolas).

XXIV. Ao manter a condenação da Recorrente a pagar à Recorrida juros de mora calculados, desde a data da alta, sobre o capital de remição, o Tribunal a quo violou as normas dos artigos 47.°, n.° 1, al. c), 48.°, n.° 3, 50.°, n.° 2 e 75.° da LAT/2009, 135.°, 149.° e 150.° do CPT, 805.°, n.° 3 do Código Civil e 13.° da CRP.

XXV. Assim, em caso de improcedência do presente recurso na parte que importa a total absolvição da Recorrente - que apenas se equaciona por mera cautela de patrocínio -, o acórdão recorrido deve ser revogado e substituído por outro que condene a Recorrente no pagamento de juros de mora nos termos supra expostos.»

Termina referindo que «Deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, consequentemente, deve ser revogado o acórdão recorrido e substituído que julgue a ação improcedente quanto a Recorrente e a absolva integralmente do pedido; assim se fazendo verdadeira e sã JUSTIÇA!»

Embora a Autora tenha respondido ao recurso interposto pela Ré, as alegações apresentadas foram desentranhadas, por despacho do Exm.º Desembargador relator de 7 de dezembro de 2017.

Neste Tribunal, tendo sido presente o processo ao Exm.º Magistrado do Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo de Trabalho, foi proferido parecer no sentido da negação da revista.

Notificado este parecer às partes não motivou qualquer tomada de posição.

Sabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3, e 639.º do Código de Processo Civil, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa na presente revista saber se o acidente dos autos deve ser qualificado como acidente de trabalho “in itinere”, nos termos do art. 9.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, alíneas b) e e) da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro.


II

As instâncias fixaram a seguinte matéria de facto:

«1. A Autora nasceu a … de … de 19….

2. A A., no dia … de Março de 20…, trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização de “DD, SA” mediante o salário anual de Euros 15.845,40.

3. A “DD, SA” havia celebrado com a Ré seguradora contrato de seguro do ramo de acidente de trabalho, com a apólice n.º ..., que abrangia a A., pela remuneração anual de Euros 15.845,40.

4. A A. recebeu do Centro Distrital de ..., Instituto de Segurança Social, IP, a título de subsídio de doença direta, pelo período de baixa médica de 27 de Março de 2014 a 21 de Março de 2015, Euros 4 254,84.

5. A A., no dia 27 de Março de 2014, foi almoçar à casa da mãe, sita na Rua ..., n.º …, …, ..., ... e …, …, como era habitual nas semanas em que trabalhava no turno da tarde, no horário compreendido entre as 14 horas e as 22 horas.

6. A A., cerca das 13.15 horas, após terminar o almoço, quando caminhava no logradouro da residência da mãe em direção à sua viatura, que se encontrava estacionada na via pública, a fim de se dirigir ao local de trabalho, sito na Zona …, Polo II, …, ..., onde iria pegar ao trabalho às 14 horas, após ter percorrido cerca de 3 metros e se encontrar a igual distância da mesma, sofreu uma queda.

7. A A., em resultado da queda referida em 6), sofreu as lesões descritas no relatório do gabinete médico-legal, que aqui se dá por reproduzido.

8. O trajeto referido em 6) importa cerca de 15 kms.

9. O trajeto referido em 6) importa cerca de 25 a 30 minutos.

10. A A. chega ao local de trabalho, como os restantes colegas, cerca de 15 minutos antes do início do trabalho a fim de “executar atos preparatórios ao exercício das suas funções” – vestir farda; calçar sapatos de segurança; proceder à troca de turno com a colega que trabalhou no turno anterior -.

11. A A., em resultado da queda referida em 6), teve de se deslocar seis vezes, em viatura própria, ao Hospital de ... a consultas de ortopedia, percorrendo em cada viagem 100 kms.

12. A A. teve ainda de se deslocar duas vezes da sua residência ao GML de VC.

13. E teve de se deslocar, no dia 1 de Junho de 2016, da sua residência ao tribunal de trabalho.»


III

1 – Nas conclusões XIV a XXV da revista interposta, vem a recorrente suscitar a questão do âmbito de incidência dos juros de mora sobre o capital de remissão.

A decisão recorrida considerou que «sendo a pensão obrigatoriamente remível, o vencimento do capital coincide com a data em que as prestações passariam a ser devidas: o dia seguinte ao da alta, o que significa que o beneficiário tem direito ao capital de remição da pensão desde o dia seguinte ao da alta, ainda que o seu cálculo tendo em vista a efetiva entrega só ocorra em momento posterior» e que «os juros de mora são devidos independentemente de mora do devedor ou da sua interpelação, pelo que sendo a pensão obrigatoriamente remível os juros de mora são devidos desde essa data em que a pensão é obrigatoriamente remível e sobre o capital de remição, o que coincide com a data em que as prestações por incapacidade passaram a ser devidas, até entrega daquele».

A questão suscitada não fazia parte do objeto do recurso de revista excecional, sendo a presente revista admitida apenas sobre a questão da qualificação ou não do acidente dos autos como um acidente de trabalho, in itinere, nos termos do do art. 9.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 alíneas b) e e) da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro.

Foi essa a questão sobre a qual o Tribunal entendeu que o recurso de revista devia ser admitido face ao fundamento de admissão invocado, pelo que o âmbito da presente revista ficou assim limitado a essa questão, não podendo este Tribunal tomar conhecimento da mesma.

2 - A decisão recorrida respondeu afirmativamente à questão suscitada nos presentes autos fundamentando-se, para além do mais, no seguinte:

«Em suma, em concordância e aderindo ao defendido quer no Acórdão do STJ de 18/02/2016, proferido no Proc. n.º 375/12.9T1LRA.C1.S1, no qual se sumariou o seguinte: “III - Atentas as referidas alterações deve interpretar-se os actuais normativos como integrando no seu âmbito de aplicação o acidente ocorrido nos espaços exteriores à habitação do sinistrado, ainda antes de se entrar na via pública, independentemente de se tratar de espaço próprio deste ou de espaço comum a outros condóminos ou comproprietários, bastando que para tal já tenha sido transposta a porta de saída da residência, desde que a vítima se desloque para o local de trabalho, segundo o trajecto normalmente utilizado e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador”. Bem como atendendo à jurisprudência que tem sido ultimamente seguida por este Tribunal, não podemos deixar de concluir que o critério que conduz à caracterização de um acidente como ocorrido in itinere, nos termos previstos nos arts. 8º e 9.º, n.sº 1, al. a) e 2, alíneas b) e e), da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, basta-se com a saída/transposição da porta da residência por parte do trabalhador/sinistrado, para um espaço exterior à sua habitação, quer esta se situe num edifício com espaços comuns a outros condóminos ou comproprietários, quer numa moradia unifamiliar, podendo o acidente in itinere ocorrer antes de se entrar na via pública, para se dirigir ao seu local de trabalho, através do respetivo trajeto que utiliza nessa ida.

Assim sendo, não podemos deixar de considerar que tal tem plena aplicação ao caso em apreço, já que de acordo com a factualidade assente, a trabalhadora/sinistrada, quando se dirigia para o seu local de trabalho, a fim iniciar laboração depois de ter almoçado em casa de sua mãe como habitualmente sucedida, sofreu uma queda no logradouro da casa de habitação da sua mãe, depois de transposta a porta para o exterior, mas antes de entrar na via pública.

Incumbe ainda salientar que não sendo desconhecida quer a doutrina, quer a jurisprudência, cuja resenha essencial se encontra plasmada nas alegações de recurso, que tem perfilhado entendimento diverso do por nós defendido, afigura-se-nos com o devido respeito por opinião em contrário que a posição por nós acolhida é a que melhor respeita quer a letra, quer o espirito da lei, designadamente o estabelecido nas disposições conjugadas dos artigos 8.º e 9.º n.ºs 1 al. a) e 2, als. b) e e) da NLAT.

Em face do exposto e dado que o acidente é de qualificar como de trabalho, improcede nesta parte o recurso de apelação interposto.»

Por sua vez, no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no processo 408/13.1TBVPV, datado de 7 de outubro de 2015, invocado como acórdão fundamento no recurso de revista excecional de que resultou a admissão da presente revista, respondeu-se a essa questão em sentido contrário.

Sobre esta oposição afirmou-se no citado acórdão da formação a que se refere o n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, o seguinte:

«Com efeito, enquanto na decisão recorrida se decidiu que: «A queda da sinistrada no logradouro de casa da sua progenitora quando se dirigia à sua viatura, que estava estacionada na via pública, a fim de se dirigir ao seu local de trabalho, constitui um acidente de trabalho «in itinere», no acórdão fundamento referiu-se que «A tónica delimitadora do que é acidente in itinere ou não passa necessariamente pela perda de controlo, ainda que meramente parcial, das condições e circunstâncias que afetam o espaço onde o trabalhador circula, quando se desloca de casa para o trabalho ou vice- versa, sujeitando-se assim aos perigos a que os locais públicos ou explorados pelo empregador ou clientes deste último estão expostos e que escapam, no todo ou em parte, ao seu domínio, vigilância e capacidade de modificação e reação» e «Nessa medida, não é acidente de trajeto aquele evento que se traduz na queda do trabalhador no logradouro privado da sua habitação, quando aí se deslocava, provindo do seu local de trabalho, com vista a tomar a refeição do almoço».

3 – A decisão recorrida, para além do acórdão proferido por esta Secção em 18 de fevereiro de 2016, no processo n.º 375/12.9TTLRA.C1.S1, invocou também na mesma linha de orientação da resposta adotada, os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 30/11/2016, proferido no Proc. nº 41/14.0Y3BRG.G1[1] e o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto de 22/4/2013, proferido no Proc.º nº 253/11.0TTVNG.P1.[2]

Na mesma linha de orientação se situam os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães, de 26/02/2015, proferido no processo n.º 437/11.0TUGMR.P1.G1[3] e de 14/06/2017, proferido no processo n.º 797/15.3Y2GMR.G1[4].

Ao nível da Jurisprudência do Tribunal da Relação do Porto, situam-se na linha do acórdão invocado como acórdão fundamento, o acórdão de 19 de outubro de 2015, proferido no processo n.º 643/13.2T4AVR.P1[5].

No Tribunal da Relação de Coimbra situam-se na linha da decisão recorrida o acórdão de 12/04/2018, proferido no processo n.º 135/16.8T9GRD.C1[6] e, embora não publicados, os acórdãos proferidos nos processos n.ºs 12/14.7TTFIG.C1, 375/12.9TTLRA.C1 e 257/13.7TUFIG.C1.

No Tribunal da Relação de Évora, por seu turno, a questão objeto do presente recurso tem obtido uma resposta negativa, conforme se alcança do acórdão de 02/05/2013, proferido no processo n.º 590/08.0TTSTR.E1[7] e no acórdão de 24/05/2011, proferido no processo n.º 35/09.8TTSTB.E1[8].

Ao nível do Tribunal da Relação de Lisboa, para além do acórdão invocado na revista excecional como acórdão fundamento, foram proferidos no sentido da decisão recorrida considerando os acidentes em causa como acidentes in itinere, o acórdão de 25 de outubro de 2017, proferido no processo n.º 1870/15.3T8BRR.L1-A[9] e o acórdão de 11 de outubro de 2017, proferido no processo n.º 13157/14.4T2SNT.L1-4[10].

 Esta Secção voltou a debruçar-se sobre a mencionada questão, no acórdão de 13 de julho de 2017, proferido no processo n.º 175/14.1TUBRG.G1.S1, mantendo-se na linha de orientação do já citado acórdão proferido no processo n.º 375/12.9TTLRA.C1.S1[11].

Neste acórdão, depois de uma exaustiva análise da evolução do sistema jurídico nesta área e da própria jurisprudência deste Tribunal, invocou-se como fundamento do decidido o seguinte:

«7. É certo que ao estabelecer este conceito de acidente de trabalho, no Regime Jurídico de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais (Lei nº 98/2009), o legislador acabou por eliminar a referência discriminatória que resultava da anterior redação do art. 6º, nº 2, alínea a), do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril. E que assentava no seguinte segmento: “desde a porta de acesso para as áreas comuns do edifício ou para a via pública, até às instalações do local de trabalho”.

Eliminação que ao ser materializada pelo legislador permite que se integre no conceito não apenas essas partes comuns, anteriormente já incluídas, mas outras que se situem, de acordo com os normativos em vigor, entre a residência habitual ou ocasional do trabalhador sinistrado e as instalações que constituem o seu local de trabalho, sejam partes comuns de prédios em condomínio, sejam logradouros de uma habitação/vivenda unifamiliar.

Defender o contrário seria enveredar por uma interpretação restritiva do conceito de acidente in itinere, com tendência para abarcar os acidentes ocorridos na via pública ou em áreas comuns e já não os que tivessem lugar em logradouro pertencente apenas ao trabalhador.

Ora, se fosse essa a intenção do legislador, por certo teria mantido a redação anterior.

E se a suprimiu, só pode ter sido com um duplo objetivo: o de, por um lado, pôr fim à referida distinção e, por outro, dar oportunidade à Jurisprudência de, em concreto, definir e delimitar a sua aplicação. 

Interpretação de outra natureza poderia atentar contra a própria filosofia que esteve subjacente à aprovação do regime atual dos acidentes de trabalho, sobre a qual se pronunciou o Acórdão desta Secção do STJ, datado de 30/3/2011, onde se fez a análise e a evolução histórica do conceito, podendo ler-se, a este propósito, que:

 “Daí adveio a necessidade da adaptação do seu regime à evolução da realidade sócio-laboral e ao desenvolvimento da legislação complementar no âmbito das relações de trabalho, da Jurisprudência e das Convenções Internacionais.

Por isso, a filosofia que esteve subjacente à nova lei, foi a da concretização duma melhoria do sistema de proteção dos trabalhadores e das prestações conferidas às vítimas de acidentes de trabalho e de doenças contraídas no trabalho e por causa dele.

Uma das melhorias trazidas pela nova lei foi em matéria de acidentes de trabalho “in itinere”, conforme iremos constatar através da análise da evolução histórica deste conceito”. [12]

Destarte, o critério que conduz à caracterização de um acidente como ocorrido in itinere, nos termos previstos nos arts. 8º e 9.º, n.º 2, alínea b), da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, deve bastar-se com a saída (“ultrapassagem”/transposição) da porta da residência por parte do trabalhador sinistrado, para um espaço exterior à sua habitação, quer esta se situe num edifício condominial, quer numa moradia unifamiliar, podendo o acidente in itinere ocorrer ainda antes de se entrar na via pública, para se dirigir ao seu local de trabalho, através do respetivo trajeto que utiliza nessa ida.»

Não temos qualquer razão válida para abandonar esta linha de orientação que reafirmámos.

No caso dos autos, conforme decorre da matéria de facto dada como provada, a sinistrada «como era habitual nas semanas em que trabalhava no turno da tarde, no horário compreendido entre as 14 horas e as 22 horas» e «cerca das 13.15 horas, após terminar o almoço, quando caminhava no logradouro da residência da mãe em direção à sua viatura, que se encontrava estacionada na via pública, a fim de se dirigir ao local de trabalho (…), onde iria pegar ao trabalho às 14 horas, após ter percorrido cerca de 3 metros e se encontrar a igual distância da mesma, sofreu uma queda» e em resultado desta, «sofreu as lesões descritas no relatório do gabinete médico-legal, que aqui se dá por reproduzido».

Deste modo o acidente que vitimou a autora ocorreu quando esta caminhava  no logradouro da residência da mãe» onde fora almoçar, em direção à sua viatura que estava estacionada na via pública, para regressar ao seu local de trabalho.

Tal como se considerou na decisão recorrida o «critério que conduz à caracterização de um acidente como ocorrido in itinere, nos termos previstos nos arts. 8º e 9.º, n.ºs 1, al. a) e 2, alíneas b) e e), da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, basta-se com a saída/transposição da porta da residência por parte do trabalhador/sinistrado, para um espaço exterior à sua habitação, quer esta se situe num edifício com espaços comuns a outros condóminos ou comproprietários, quer numa moradia unifamiliar, podendo o acidente in itinere ocorrer antes de se entrar na via pública, para se dirigir ao seu local de trabalho, através do respetivo trajeto que utiliza nessa ida».

O acidente sofrido pela sinistrada tem assim de se considerar como acidente de trabalho, uma vez que ocorreu no trajeto entre o local onde a trabalhadora tinha tomado a refeição, como acontecia habitualmente, e o seu local de trabalho, para onde se deslocava.


IV

Em face do exposto, acorda-se em negar a revista e em confirmar a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Junta-se sumário do acórdão.

Lisboa, 5 de dezembro de 2018

António Leones Dantas (Relator)

Júlio Gomes (Declaração de voto)

Voto a decisão, até porque no caso dos autos não está em causa o conceito de residência do trabalhador e o logradouro não é propriedade deste

Ribeiro Cardoso

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[1] Sumariado, nos seguintes termos: «I – Nos termos conjugados do artigo 6.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e do artigo 6.º, n.º 2, al. a), do DL n.º 143/99, de 30 de Abril, era considerado como acidente in itinere o ocorrido entre a residência habitual ou ocasional do sinistrado, desde a porta de acesso para as áreas comuns do edifício ou para a via pública até às instalações que constituem o seu local de trabalho.
II – No entanto, a Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, atualmente em vigor, veio alargar o conceito de acidente in itinere, ao estipular, nos termos dos arts. 8.º e 9.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. b), que se considera acidente de trabalho o ocorrido entre a residência habitual ou ocasional do sinistrado e as instalações que constituem o seu local de trabalho.
III – Atentas as referidas alterações, deve interpretar-se os atuais normativos como integrando no seu âmbito de aplicação o acidente ocorrido nos espaços exteriores à habitação do sinistrado, ainda antes de se entrar na via pública, independentemente de se tratar de espaço próprio ou de espaço comum a outros condóminos ou comproprietários, bastando para tal que já tenha sido transposta a porta de saída da residência, desde que a vítima se desloque para o local de trabalho, segundo o trajeto normalmente utilizado e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador.»
[2] Sumariado nos seguintes termos: «I - No domínio da Lei n.º 2127, de 1965-08-03 e seu regulamento [LAT/65], a caraterização de um acidente como acidente de trabalho in itinere exigia a verificação dos seguintes requisitos:
a) Ser fornecido pelo empregador o meio de transporte utilizado e b) Verificação de um risco específico ou genérico agravado, de percurso.
II – Com a Lei n.º 100/97, de 13 de setembro e seu regulamento [LAT/97], passou a ser considerado também como acidente in itinere o ocorrido nas partes comuns do edifício em cuja fração habite o sinistrado, para além do ocorrido nas deslocações motivadas pelo exercício de atividade sindical, de formação profissional e de procura de emprego.
III – Com a Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro [LAT/2009], o conceito de acidente de trabalho in itinere passou a incluir também o acidente de trajeto ocorrido no logradouro das habitações unifamiliares.
IV - Comparada a redação das disposições da LAT/97 e da LAT/2009, constatamos que atualmente o acidente, para ser qualificado como de trabalho in itinere, não tem de ocorrer na via pública, bastando que ocorra em qualquer ponto do trajeto que liga a habitação do sinistrado e as instalações do local de trabalho, seja a via pública, sejam as partes comuns do edifico se o sinistrado habitar numa das suas frações, seja no logradouro se a habitação for numa moradia, desde que se verifiquem os seguintes requisitos: ”trajetos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador”».
[3] De que foi extraído o seguinte sumário: A queda da sinistrada nas escadas que conduzem ao logradouro da moradia de 1.º andar, onde reside habitualmente, quando se dirigia para o local de trabalho, constitui um acidente de trabalho in itinere.
[4] De que foi extraído o seguinte sumário: «I - A consideração de um sinistro como acidente in itinere não tem a ver com a “subordinação” do trabalhador no momento em que ocorre o mesmo. Pretendeu o legislador tutelar a deslocação do trabalhador desde o seu domicílio até ao local de trabalho que for determinado pela empregadora, estabelecendo que o risco corre por conta desta, em obediência ao princípio do ubi commoda ibi incommoda.
II - Tal risco abarca qualquer ponto do trajeto coberto, desde a saída da habitação em sentido estrito. É o que resulta do texto da nova lei que deixou de referir a expressão; “desde a porta de acesso para as áreas comuns do edifício ou para a via pública”.
III - Constitui acidente in itinere o ocorrido nos espaços exteriores à habitação do sinistrado, ainda antes de entrar na via pública, independentemente de se tratar de espaço próprio ou de espaço comum a outros condóminos ou comproprietários, bastando para tal que já tenha sido transposta a porta de saída da residência, e desde que a vítima se desloque para o local de trabalho.»
[5] De que foi extraído o seguinte sumário: «I - Não se caracteriza como acidente de trabalho in itinere o acidente verificado quando a sinistrada regressava a casa vinda do seu local de trabalho e, após sair do veículo em que se fazia transportar, deu uma queda na rampa de acesso à sua moradia, já dentro da sua propriedade privada.
II - O espaço próprio do sinistrado, constituindo uma área sob o seu domínio e cujo risco o mesmo controla, deve considerar-se excluído do “trajeto protegido” pela lei reparadora dos acidentes de trabalho.
[6] De que foi extraído o seguinte sumário: «I – Do artº 135º do CPT – norma imperativa – resulta que na sentença, o juiz, além do mais, fixa também, se forem devidos, juros demora pelas prestações em atraso mesmo que não tenham sido pedidos.
II – O artº 135º CPT consagra um regime jurídico especial para a mora no domínio das pensões e indemnizações e que se sobrepõe ao regime da mora estipulado pelos artigos 804º e 805º do C. Civil.
III – Os juros de mora são devidos desde o dia seguinte ao da alta, sobre o valor do capital de remição e até à sua efetiva entrega, pois desde aquele o devedor incorreu em mora e este capital mais não é do que uma forma de pagamento unitário da pensão anual e vitalícia.
IV – A lei nº 98/2009, de 4/09, veio alargar o conceito de acidente de trabalho in itinere, ao estabelecer nos artºs 8º e 9º, nº 1, al. a) e nº 2, al. b), que se considera acidente de trabalho o ocorrido entre a residência habitual ou ocasional do trabalhador e as instalações que constituem o seu local de trabalho.
V – O artº 9º, nº 2, al. b) da LAT deve ser interpretado no sentido de abranger os acidentes ocorridos nas escadas do logradouro da moradia do trabalhador, antes de se entrar na via pública, logo que transposta a porta de saída daquela residência e desde que o sinistrado se desloque para o seu local de trabalho, no trajeto normalmente utilizado e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo mesmo.»
[7] De que foi extraído o seguinte sumário: «i) De acordo com o disposto no art. 6º da LAT aprovada pela Lei n.º 100/97 de 13-09, o legislador não se limitou a considerar como acidente de trabalho o que se verifique no local e no tempo de trabalho e que por nexo de causa e efeito produza lesão corporal, perturbação funcional ou doença redutora da capacidade de trabalho ou de ganho do trabalhador ou que determine a sua morte. Decorre do n.º 2 do mencionado preceito que o legislador também considera acidente de trabalho qualquer evento ou acontecimento não intencional de carácter súbito ou inesperado, gerador daquelas consequências danosas para o corpo ou para a sua saúde de um trabalhador e que ocorra em qualquer das situações previstas nas diversas alíneas desse n.º 2, mormente a que consta da sua al. a), ou seja, que se verifique no trajeto de ida e de regresso para e do local de trabalho, embora em termos a serem definidos em posterior regulamentação, a qual foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 143/99 de 30-04. São os chamados acidentes de trajeto, de percurso ou “in itinere”.
ii) Por força daquele normativo, quando conjugado com o art. 6º n.º 2 deste último diploma, a autoridade patronal corolário da relação de subordinação do trabalhador ao seu serviço, estende-se ao trajeto normalmente utilizado por este de ida e de regresso para e do seu local de trabalho, durante o período de tempo ininterrupto habitualmente gasto para o percorrer.
iii) No entanto, essa autoridade patronal cede a partir do momento em que o trabalhador disponha ou possa dispor livremente da sua autonomia e isso sucede quando, antes de se deslocar para o seu trabalho ou após o regresso deste, se encontra na sua residência ou em espaços de natureza privada a ela afetos e por ele controlados, circunstância em que deixa de existir o chamado “risco de autoridade” que subjaz em matéria de responsabilidade por acidentes de trabalho.
iv) O que está verdadeiramente em causa é saber se no momento do acidente, o trabalhador tem total domínio e controlo sobre o espaço em que se encontra e onde aquele ocorre. Se se verifica esse domínio e controlo, não se pode qualificar o acidente, em termos legais, como acidente de trabalho “in itinere”; se não tem esse controlo, como sucede quando o trabalhador no percurso de ida para o seu trabalho ou no regresso deste se encontra numa via pública ou aos espaços comuns de um edifício em regime de propriedade horizontal, espaços que, nessa medida, são de utilização comum e de acesso público, e sob o risco de autoridade da entidade empregadora, o acidente é de qualificar como acidente de trabalho “in itinere”.
v) Este entendimento não traduz qualquer violação ao princípio de não discriminação incito no art. 26º n.º 1 da CRP.
vi) Decorrendo dos factos provados que constam das alíneas a) a c) que o acidente dos autos ocorreu dentro de espaço afeto à residência da A. e por ela perfeitamente controlado – acesso à garagem da sua residência e sua propriedade – não se pode deixar de concluir que esse acidente se não pode qualificar como acidente de trabalho “in itinere”.
vii) Não merece censura a sentença recorrida ao não qualificar como acidente de trabalho “in itinere” o sofrido pela A. em 23 de Junho de 2008 e ao absolver a R. dos pedidos por esta deduzidos nos presentes autos.»
[8] De que foi extraído o seguinte sumário: «I – Não configura acidente in itinere o acidente ocorrido em propriedade privada do trabalhador, após este transpor o portão de acesso à via pública, quando se deslocava em direção à sua habitação;
II – Em tal situação, o acidente ocorre em espaço privado do trabalhador, e por ele controlado, em relação ao qual não se verifica o “risco de autoridade” do empregador, pelo que não pode qualificar-se como acidente in itinere.
III – A referida interpretação não viola o princípio fundamental da igualdade, no confronto com um trabalhador que reside em prédio em regime de propriedade horizontal e que sofra o acidente nas áreas comuns do edifício, pois em tal situação, ao contrário do que sucede com o acidente ocorrido por um trabalhador em espaços privados dele, aquele trabalhador sofre o acidente ainda em espaço público, no sentido de que não é por ele controlado e, assim, verifica-se ainda o “risco de autoridade” do empregador.»
[9] De que foi extraído o seguinte sumário: «“É de qualificar como acidente in itinere o que ocorreu na parte exterior da residência do trabalhador - varanda - quando este, após ter ido almoçar a casa, se dirigia para o veículo automóvel que se encontrava na via pública, a fim de se deslocar às instalações de um cliente onde, nesse dia, exercia as suas funções.”»
[10] Sumariado nos seguintes termos: «“ I – Em matéria de acidentes in itinere, o legislador vem entendendo por pertinente o aumento do alcance da tutela de proteção do trabalhador, ciente das múltiplas e complexas vicissitudes que pontuam o percurso entre a residência e o local de trabalho, e que podem envolver escadas, pátios, logradouros, passeios, sejam eles integrados na via pública, em espaços comuns ou próprios do trabalhador.
II – A atual norma que resulta do artigo 9º nº 2 b) da Lei 98/2009 de 4 de Setembro (LAT) deve ser interpretada no sentido de abranger os acidentes ocorridos entre a porta da residência do trabalhador, que dá para o pátio da mesma, e o portão de acesso à via pública, seja aquela residência um prédio ou uma moradia unifamiliar.”»
[11] Sumariado nos seguintes termos: «1 (…).
2. Deve interpretar-se o disposto nos artigos 8º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), e 9ª, n.ºs 1, alínea a) e 2, alíneas b) e e), da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, como integrando no seu âmbito de aplicação o acidente ocorrido nos espaços exteriores à habitação do sinistrado, ainda antes de se entrar na via pública, independentemente de se tratar de espaço próprio deste ou de espaço comum a outros condóminos ou comproprietários, bastando que para tal já tenha sido transposta a porta de saída da residência, desde que a vítima se desloque para o local de trabalho, segundo o trajeto normalmente utilizado e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador
3. Deve ser qualificado como acidente “in itinere”, também designado de percurso e de trajeto, o atropelamento da Autora, por um veículo conduzido pelo seu marido, no logradouro da residência dos seus pais, quando esta se encontrava a deslocar-se para a agência de seguros que explorava, após ali ter almoçado, como o fazia habitualmente nos dias úteis da semana, sendo que, não havendo acesso direto dessa habitação para a via pública, tinha que passar por uma rampa que a ligava a outro prédio urbano, também propriedade de seus pais, pois só através deste segundo prédio podia aceder à via pública.
4. O artigo 135.º do Código de Processo do Trabalho consagra um regime jurídico especial para a mora no domínio das pensões e indemnizações e que se sobrepõe ao regime geral estipulado nos artigos 804.º e 805.º do Código Civil.
5. Sendo a pensão devida emergente de incapacidade permanente parcial de 15%, a qual é obrigatoriamente remida, os juros de mora são devidos desde o dia seguinte ao da alta, sobre o valor do capital de remição e até à sua efetiva entrega, pois, a partir daquela, o devedor incorreu em mora e este capital mais não é do que uma forma de pagamento unitário da pensão anual e vitalícia.»
[12][6] Acórdão desta Secção, proferido no âmbito do processo nº 4581/07.TTLSB.L1.S1, Relatado por Gonçalves Rocha, e disponível em www.dgsi.pt, para cujo desenvolvimento, no âmbito da evolução histórica, se remete.