Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
18595/12.4T2SNT-A.L1.S2
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
ADOPÇÃO
ADOÇÃO
INTERESSE SUPERIOR DA CRIANÇA
PROCESSO DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA
CRITÉRIOS DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 02/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA / RECURSOS – PROCESSOS ESPECIAIS / PROCESSOS DE JURISDIÇÃO VOLUNTÁRIA / DISPOSIÇÕES GERAIS / VALOR DAS RESOLUÇÕES.
DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS, DEVERES E GARANTIAS PESSOAIS / DIREITOS E DEVERES ECONÓMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS / DIREITOS E DEVERES SOCIAIS.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, p. 143.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 613.º, 635.º, N.º 4 E 988.º, N.º 2.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 36.º, N.º 7 E 69.º, N.ºS 1 E 2.
PORTARIA N.º 139/13, DE 02 DE ABRIL.
LEI DE PROTECÇÃO DAS CRIANÇAS E DOS JOVENS EM PERIGO: - ARTIGO 4.º, ALÍNEA A).
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DA CRIANÇA, DE 20 DE NOVEMBRO DE 1989: - ARTIGOS 3.º, N.º 1, 9.º, N.º 1 E 20.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 07-07-1994, IN BMJ N.° 439, P. 526;
- DE 22-06-1999, IN, CJSTJ II/1999, P. 161;
- DE 08-03-2001, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 21-12-2005, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 28-02-2008, PROCESSO N.º 07B4681;
- DE 20-01-2010, PROCESSO N.º 701/06.0TBETR.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 31-01-2019, PROCESSO N.º 3064/17.4T8CSC-A.L1.S1.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

- DE 10-02-2004, IN CJ, TOMO I/2004, P. 105.
Sumário :
I – Nos termos do disposto no nº 2 do artigo 988º do Código de Processo Civil, das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

II – Esta limitação não implica a total exclusão da intervenção do Supremo Tribunal de Justiça; é o que acontece, quer quanto à verificação dos pressupostos, processuais ou substantivos, do poder de escolher a medida a adoptar, quer quanto ao respeito do fim com que esse poder foi atribuído.

III - A Constituição da República Portuguesa protege a família natural, mas logo declara no seu artigo 69° que "as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições" (n° 1) e acrescenta que "o Estado assegura especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer, forma privadas de um ambiente familiar normal" (n° 2).

E no n° 7 do artigo 36°, a adopção merece consagração constitucional, enquanto fonte de laços familiares, estipulando-se aí que "a adopção é regulada e protegida nos termos da lei, a qual deve estabelecer formas céleres para a respectiva tramitação”.

IV – Face à extensa matéria de facto provada, considera-se improvável a aquisição pela progenitora das capacidades e condições que lhe permitam, de forma segura e adequada, assumir as suas responsabilidades parentais, sendo inconciliável com a tutela e prossecução do superior interesse dos menores a adopção de soluções experimentais, que se consideram de viabilidade e eficácia duvidosa e que a frustrarem-se, conduziriam seguramente a acrescidos danos para a segurança e estabilidade e projecto de vida dos menores.

V – Assim, é inviável o acolhimento dos menores junto da progenitora, assim como a intervenção do CAPAF nos termos da Portaria 139/13, de 02 de Abril.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I - RELATÓRIO


O Ministério Público instaurou em 09/07/2014 os presentes autos de promoção e protecção relativamente aos menores AA, nascida em 09 de Julho de 2003, e BB, nascido em 1 de Janeiro de 2007, filhos de CC e de DD, à data acolhidos no Centro de Acolhimento Temporário …, …, …, …, por deliberação da CPCJ de ….


Aberta a instrução, por decisão datada de 18/07/2014, foi aplicada às crianças a medida de acolhimento em instituição, a título provisório, pelo prazo de seis meses, posteriormente prorrogada por mais 6 meses, 3 meses, 6 meses e 6 meses, respectivamente (despachos de fls. 424, 490, 658 e738).


Foram juntos relatórios e informações elaborados pela Segurança Social-EMAT e pela instituição de acolhimento.


Posteriormente o MP requereu a substituição da medida de acolhimento pela medida de confiança a instituição com vista a futura adopção.


O processo prosseguiu com o cumprimento do disposto no art. 114º nº 2 da LPCJP, atenta a impossibilidade de obtenção de uma decisão negociada.


Os progenitores apresentaram alegações separadamente a fls. 788 a 793 (mãe) e a fls. 813 a 815 (pai) pugnando pela entrega dos menores aos seus cuidados, respectivamente.


O Ministério Público (fls 798 a 810) pugnou de novo pela aplicação da medida de confiança a instituição com vista a futura adopção.


Realizado o debate judicial com a intervenção de juízes sociais, pelo acórdão de 12.03.2018 (volume II fls. 858/897), foi aplicada às crianças a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção ou a família de acolhimento ou a pessoa seleccionada para a adopção, ao abrigo do disposto no artº 35° n° 1 alínea g) da LPCJP e, em decorrência do disposto no artº 1978°-A do C. Civil, os progenitores ficaram inibidos do poder paternal da criança, tendo ainda sido proibidas as visitas dos familiares.


A mãe das crianças interpôs recurso de apelação e a Relação, por acórdão de 18.09.2018 (fls 984 a 1002), decidiu nos seguintes termos:

1. Julgou a apelação parcialmente procedente, revogando o acórdão proferido em 1ª instância relativamente à jovem AA, aplicando a esta a medida de promoção e protecção de acolhimento residencial até à maioridade, nos termos dos arts 35° n° 1, f), da LPCJP, mantendo-se sob a guarda do Centro de Acolhimento Temporário …, sem prejuízo de uma futura revisão dessa medida.

2. Mais determinou a proibição das visitas dos progenitores e demais familiares à jovem AA, as quais apenas poderão ser reatadas nos termos sobreditos, caso a jovem manifeste expressamente perante os técnicos a vontade da ocorrência das visitas, em horário a determinar pela instituição de acolhimento.

3. No demais, confirmou o acórdão recorrido no que toca à criança BB.


A mãe dos menores CC interpôs recurso de revista excepcional, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:


1ª - Por acórdão datado de 12 de Março de 2018 proferido pelo Juízo de Família e Menores de …, Juiz 3, foi decidido aplicar no superior interesse dos menores AA e BB a medida de promoção e protecção de "confiança a instituição com vista a futura adopção ou a família de acolhimento ou a pessoa seleccionada para a adopção", nos termos dos artigos 3º, nºs 1 e 2, alíneas c) e f), 35º, nº 1, alínea g), 38º e 38-A, alíneas a) e b) da LPCIP - Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei nº 147/99, de 01/09) e artigo 1978º, nº 1, alíneas d) e e) do Código Civil.

2ª - Não se conformando, a progenitora recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 18 de Setembro de 2018, julgou a apelação parcialmente procedente, revogando o acórdão proferido em 1ª instância relativamente à menor AA e confirmou o acórdão de 1ª instância quanto ao menor BB.

3ª - A decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa é ilegal e de manifesta injustiça, ao aplicar a favor dos menores medidas de promoção e protecção diferentes, promove a separação dos irmãos, uma vez que ao menor BB foi aplicada a medida de promoção de confiança à instituição com vista à sua futura adopção, enquanto a sua irmã se manterá na instituição até à sua maioridade, podendo esta, caso assim manifeste expressamente, receber visitas dos progenitores, o que já não será permitido ao seu irmão, tal como não respeitou os princípios aplicáveis de proporcionalidade e necessidade e ainda de actualidade e da adequação, nem tampouco respeitou, como devia, os interesses dos menores.

4ª - A recorrente discorda assim, do decidido, no exclusivo interesse dos menores, por se entender que as medidas em causa afiguram-se contrárias, não acautelam, nem seguem os seus superiores interesses, infligindo nos menores profunda dor e sofrimento.

5ª - O processo de promoção e protecção visa a protecção e a manutenção da família biológica, no seguimento das prioridades estabelecidas pela Convenção Europeia dos Direitos e Liberdades Fundamentais, devendo a intervenção ser orientada de modo a que os pais assumam os seus deveres para com a criança devendo-se sempre e em primeira linha dar prevalência à família biológica através de medidas que integrem as crianças ou jovens na sua família biológica.

6ª - Não obstante o previsto no artigo 988°, n° 2 do Código de Processo Civil, in casu é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, porquanto o presente recurso debruçar-se-á na aplicação da lei estrita, uma vez que entende a recorrente que a decisão que ora se recorre violou critérios de legalidade.

7ª - Tratando-se de pressupostos legais imperativamente fixados para que o juiz possa ponderar da conveniência e da oportunidade de decretar a medida que lhe foi requerida, cabe no âmbito dos poderes do Supremo Tribunal de Justiça e, portanto, deste recurso, a apreciação da respectiva verificação, razão pela qual e admissível o presente recurso, o qual é excepcional, encontrando acolhimento na alínea a) e b) do n.9 1, do artigo 672° do Código de Processo Civil, conforme de seguida se fundamenta.

8ª - Face a dupla conformidade de decisões, o recurso fica, em regra, vedado, salvo se o requerente da impugnação demonstrar, com êxito, concorrer alguma das três excepções ou pressupostos acolhidos pelas alíneas a), b) e c) do n° 1 do artº 672°, in casu a progenitora recorre nos termos do disposto das alíneas a) e b) - relevância jurídica e social, respectivamente.

9ª - A medida de confiança a instituição com vista a futura adopção é sem sombra de dúvida uma questão que muito tem movimentado a doutrina e jurisprudência, e consequentemente tem gerado divergência de posições.

10ª - Trata-se de uma questão com contornos polémicos, difíceis e susceptíveis de interpretações tão divergentes que permitem considerá-la tão relevante que torna necessária uma intervenção deste Supremo Tribunal, para uma melhor aplicação do direito.

11ª - No que concerne à determinação dos interesses de particular relevância social, alínea b) vem sendo jurisprudência da mesma formação, preencher-se o requisito quando a questão suscitada tenha repercussão fora dos limites da causa por estar "relacionada com valores sócio-económicos importantes e exista o risco, por isso, de fazer perigar a eficácia do direito ou de se duvidar da capacidade das instâncias jurisdicionais para garantir a sua afirmação", em suma, quando estejam em causa interesses que assumam importância na estrutura e relacionamento social, podendo interferir, designadamente, com a tranquilidade e segurança relacionadas com o crédito das instituições e a aplicação do direito, ou ainda quando se trate de questão susceptível de afectar um número de pessoas, quanto à segurança jurídica do seu relacionamento com as instituições, havendo um interesse que ultrapasse significativamente os limites do caso concreto (Acs. de 02/9/2014, Procºs nºs 39:L/08.5TBVPA.P1.S1; 10731/10.1TBVNG.P2.S1).

12ª - A medida de confiança a instituição com vista a futura adopção, além de se considerar uma temática bastante discutida na doutrina e na jurisprudência e com posições antagónicas, trata-se, igualmente, de uma questão que poderá interferir com a tranquilidade, a segurança ou a paz social, em termos de haver a possibilidade de descredibilizar as instituições ou o direito.

13ª - Tratam-se de situações em que, nomeadamente, fique posta em causa a eficácia do direito e a sua credibilidade por se tratar de casos em que há um invulgar impacto na situação da vida que a norma ou normas jurídicas em apreço visem regular, ou em que exista um interesse comunitário que, pela sua particular importância, pudesse levar, por si só, à admissão da revista por os interesses em jogo ultrapassarem significativamente os limites do caso concreto.

14ª- Não obstante o Tribunal da Relação haver confirmado a decisão da 1ª Instância sem voto de vencido, quanto ao menor BB, a questão equacionada nestes autos possui enorme relevância jurídica, que justifica, face à ausência de jurisprudência inequívoca sobre a matéria, e para uma melhor aplicação do direito, a necessidade da sua apreciação em sede de revista excepcional, nos termos da alínea a) do n° 2 do artigo 672° do Código de Processo Civil.

15ª - Estão também manifestamente em causa interesses de particular relevância social, que igualmente exigem definição através de pronúncia desse Colendo Tribunal, nos termos da alínea b) daquela disposição legal.

I6ª - Ora, não tendo o Tribunal da Relação pronunciado, como devia sobre uma questão levantada na respectiva alegação de recurso (a de que durante 4 anos e meio os serviços sociais pouco ou nada fizeram para dotar a mãe de competências parentais para receber os seus filhos de volta, através de programa próprio para este tipo de situação - CAFAP) e, aliás, expressamente referida nas conclusões que balizavam o objecto da apelação, assim cometendo a nulidade prevista na alínea d) do n° 1 do artigo 615° do CPC.

17ª - A questão essencial suscitada pela recorrente prende-se com o facto de considerar que desde a institucionalização em 2013, os serviços do Estado pouco ou nada fizeram para preparar a progenitora para "receber os filhos", pois a mesma teve apenas 2 a 3 visitas por parte da Segurança Social, durante 4 anos e meio, as quais foram manifestamente insuficientes.

18ª - Considera-se que devia ter sido a mãe, ora recorrente, durante o período de institucionalização, acompanhada com vista a ser dotada das tão proclamadas técnicas, estratégias e competências relativas à parentalidade, como sendo através de programas próprios para as famílias - CAFAP - Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental, programa este que consiste num serviço de apoio especializado às famílias com crianças e jovens, vocacionado para a prevenção e reparação de situações de risco psicossocial mediante o desenvolvimento de competências parentais, pessoais e sociais das famílias - (Portaria n.° 139/2013, de 02 de Abril}.

19ª - Salvo o devido respeito, nenhuma das entidades responsáveis procedeu com a devida diligência, actuando de forma superficial, desconsiderando o principal objectivo que seria dotar a mãe de competências parentais com vista a receber as crianças após a institucionalização, prestando-lhe os devidos cuidados, estabilidade e segurança, constituindo violação de direitos sociais protegidos constitucionalmente (artigo 67° da Constituição da República Portuguesa - CRP).

20ª - Estabelece o artigo 69° da CRP que as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão, devendo o Estado assegurar especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal.

21ª - Mas que protecção garante o Estado ao retirar as crianças aos pais e colocá-las numa instituição sem que, durante o tempo de "separação" nada ou muito pouco se promova junto da família!

22ª - Questiona a recorrente: se o Estado defende que as crianças devem, em princípio estar junto dos pais, e em casos de perigo pode o mesmo Estado afastá-los, não deverá o Estado durante este período de separação preparar a uma mãe para receber os filhos? Ou simplesmente esquece-se porque o objectivo sempre foi a adopção? Aqui falhou, claramente o Estado!

23ª - Como tal, a questão de confiança de menor a instituição com vista à adopção é pois uma questão que merece tutela adequada e digna de apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça, pois estão em causa interesses de particular relevância social que justificam a revista excepcional.

24ª - Acresce que, o Tribunal da Relação não se pronunciou como devia sobre uma questão levantada na respectiva alegação de recurso {a de que durante 4 anos e meio os serviços sociais pouco ou nada fizeram para dotar a mãe de competências parentais para receber os seus filhos de volta, através de programa próprio para este tipo de situação CAFAP) e, aliás, expressamente referida nas conclusões que balizavam o objecto da apelação, assim cometendo a nulidade prevista na alínea d) do n° 1 do artigo 615° do CPC.

25ª - É ponto assente que a aplicação da medida de confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção, prevista no artigo 35º, n° I, alínea g) da LPCJP, para além da verificação dos pressupostos contidos no artigo 1978° do Código Civil, impõe que à progenitora dos menores sejam dadas todas as garantias e direitos de que dispõem.

26ª - Tais garantias e direitos traduzem-se num acompanhamento junto dos progenitores aquando do processo de "separação", e quando as citadas garantias e direitos são feridos, a decisão que aplica a medida de protecção de confiança a pessoa seleccionada para adopção ou a instituição com vista a futura adopção é nula, nos termos do artigo 195°, n° 1, do CPC.

27ª - Tal nulidade justifica-se pela violação de garantia e direitos por parte da recorrente influírem no exame e decisão das causas, já que estes não tiveram oportunidade de se restruturar, tendo um acompanhamento digno por parte dos serviços sociais, os quais, mais uma vez apenas fizeram 2 a 3 visitas à progenitora durante 4 anos e meio.

28ª - Não se coloca em questão a existência e eventual necessidade da instauração de um processo de promoção e protecção no caso em apreço, discute-se e discorda-se, isso sim, da legitimidade e legalidade da medida adoptada ao menor BB.

29ª - Acresce que, a situação de risco dos menores não é actual ou efectiva ou, ainda que o fosse - o que apenas se concebe por mero dever de raciocínio - é hoje diversa da que ditou a instauração do processo de promoção e protecção, pois todo o acórdão recorrido olvida esta realidade, centrando-se a decisão no reporte a factos e situações ocorridas há mais de 4 anos; não se relevam nem as diferentes necessidades inerentes ao natural crescimento dos menores, nem a evolução das competências parentais relativamente a tais diferenças.

30ª - Considerar que as necessidades actuais dos menores e as competências parentais da progenitora são as mesmas que ditaram a instauração do processo, constitui um manifesto erro de avaliação da situação de facto.

31ª - O acórdão recorrido encerra violação de lei, encontrando-se ferido de ilegalidade já que dele não resulta provado que, actualmente, o menor se encontre numa situação de risco, tal qual ela é definida nos termos da Lei n° 147/99, de 01 de Setembro, nomeadamente no artigo 3º.

32ª - A ausência de fundamentação e omissão de determinação da situação de risco, identificando, em concreto, o circunstancialismo em que tal situação se traduz hoje, não legitimam, justificam ou validam a existência de um processo de promoção e protecção, nem a decisão judicial que dai resulte, com efeito, a situação de perigo tem que ser actual ou iminente (artigo 5º alínea c) do referido diploma), sendo que as medidas se destinam a

a) Afastar o perigo em que estes se encontram; b) Proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral; c} Garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso (artigo 34°, LPCJP).

33º - Ao decidir como decidiu, é patente, manifesta e inaceitável contradição e oposição com os elementos probatórios constantes dos autos, relevando factualidade truncada, não fundamentada, conclusiva e até falseada nos seus pressupostos, bem como ao omitir e desconsiderar factualidade relevante, o tribunal a quo incorreu em violação de lei, de forma grave e séria, nomeadamente no dever de imparcialidade, dos princípios orientadores do instituto de promoção e protecção e da própria constituição;

34º - A decisão é ainda violadora de lei, porquanto não é actual no que se refere à aferição das capacidades e competências da progenitora, impunha-se uma avaliação desta em data próxima da decisão, já que as que constam do processo, em manifesto desfavor do sentimento de segurança e de bem estar material e moral que deve ser proporcionado aos menores, são têmporas desactualizadas, datando de há mais de três anos.

35º - Face aos elementos constantes dos autos, não assiste ao tribunal a quo matéria para que possa aferir se o défice parental se mantém ou se foi, de todo, dirimido e ao decidir como decidiu, sem curar de aferir as competências actuais da progenitora, e ainda de dotá-la de algumas que considerasse faltar, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 4º, alínea e), LPCJP.

36º - Viola ainda o mesmo artigo e alínea, no que respeita à proporcionalidade da medida, já que, face aos elementos colhidos nos autos, esta é excessiva, desadequada e desproporcional.

37º - O processo de Promoção e Protecção deve nortear-se primordialmente pela defesa do "Interesse superior da criança e jovem", obedecendo, entre outros, aos princípios da "Proporcionalidade e actualidade" e da "Prevalência da família".

38º - Princípios tais contidos no já referido artigo 4º, LPCJP, que não foram observados!

39º - Com efeito, a decisão de institucionalização com vista à adopção, tem que surgir como recurso único e último, depois de esgotadas todas as hipóteses previstas no artigo 35º, do mesmo diploma.

40º - A medida de confiança a instituição com vista a futura adopção ou a família de acolhimento ou a pessoa seleccionada para a adopção deverá ser sempre o último recurso privilegiando a família biológica e apenas deverá ser aplicada após esgotadas todas as possibilidades dos menores serem inseridos no seio da sua família biológica.

41º - A decisão recorrida não demonstra que tenham sido promovida medidas adequadas à integração dos menores no seio da sua família, - bem pelo contrário! Atalhou-se caminho, atropelaram-se factos e, sobretudo, obviaram-se alternativas válidas e eficazes, ao decidir-se pela institucionalização do menor com vista à adopção; a decisão prolatada não é proporcional ao risco (tanto mais que o mesmo não se encontra efectivado), nem se encontra demonstrado ser último e único recurso.

42º - Não pode o tribunal, com base em considerações vãs e obsoletas, não sustentadas factual ou documentalmente e que mais não representam do que juízos de prognose falseados na sua génese e motivação, concluir, sem mais, pela ineptidão da progenitora para acolher os menores.

43º - Tal asserção careceria de fundamentação muito mais densa e de prova irrefutável – o que não se verificou, pois mesmo que se tenha considerado que não se tenha estabelecido um vínculo minimamente seguro e estável, carece de todo e qualquer sentido, já que, seguindo-se este caminho, a criança BB virá a ser adoptada por quem não terá com ela qualquer vínculo.

44º - Entende-se que nos presentes autos não foram seguidos os princípios orientadores da intervenção para a promoção dos direitos e protecção das crianças e jovens em perigo, designadamente o do superior interesse das crianças, segundo o artigo 3º, n° 1 da Convenção sobre os Direitos da Criança assim como se entende que é do interesse destes jovens que a sociedade use de todos os meios ao seu alcance na recuperação desta família, cujas falhas não são inultrapassáveis se houver coerência nos métodos de ajuda.

45º - Dúvidas não restam que não foram esgotadas todos os recursos que o Estado prevê, designadamente o programa CAFAP, indicado para situações como a presente.

46º - Nunca a recorrente, recebeu apoio para desenvolver as suas competências parentais, assim como não foi desenvolvido qualquer projecto ou apoio para tal!

47º - Não há uma única medida de formação efectuada com a mãe, aqui recorrente, desde o início da intervenção efectuada.

48º - Quando a família sofre disfuncionalidades susceptíveis de criar perigos para os menores, há que aplicar mecanismos de correcção, primeiro procurando resolver tais disfuncionalidades sem a retirada da criança ou jovem desse mesmo meio, como acontece com a medida de apoio junto dos pais, ou em situações mais graves através da retirada das crianças ou jovens do seio da sua família, como sucede com as medidas de apoio junto de outro familiar ou a confiança a pessoa idónea, a família ou a instituição. Tais medidas são estruturalmente provisórias uma vez que se visa sempre alcançar um estado de desnecessidade de intervenção, de cura das disfuncionalidades familiares.

49º - Deste modo, não estão, de todo, reunidas as condições para a criança BB poder ser confiada com vista à adopção, uma vez que não estão verificadas as condições previstas no artigo 1978° n° 1 alíneas d) e e) do Código Civil.

50º - A aplicação de tal medida provoca o afastamento do menor BB da sua família, inclusive, da sua irmã AA, e é o último recurso, apenas possível se outra medida susceptível de ser aplicada não for viável.

51º - A decisão proferida nos autos não respeita o superior interesse da criança, que a deixa entregue a uma instituição para posterior ou eventual entrega a pessoa/pessoas que ainda não foram determinadas concretamente e com quem o BB não mantém nenhuma relação afectiva, quando tem a mãe que deseja ficar com ele e com quem mantém vínculos afectivos próprios da filiação e está na disposição de receber qualquer e todo o apoio por parte do Estado, com o qual conta para melhorar o seu comportamento e condição de mãe, com mais e melhores competências parentais.

52º - Acresce que a relação mantida entre os irmãos BB, AA e EE é de grande afecto e proximidade e que o afastamento irá provocar enorme prejuízo emocional a todos os menores, pelo que deveria o tribunal ter considerado a mera hipótese da continuação de contactos entre os irmãos, nos termos dos artigos 124°, nº 2 e 62°-A, nº 7 da LPCJP.

53º - A lei protege a família, nomeadamente a família natural. O artigo 67º nº 1 da Constituição da República Portuguesa declara que "a família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros."

54º - A adopção para crianças com a idade como a do BB (quase 12 anos) poderá vir a ser um processo que se arraste por longos anos criando nos menores um sofrimento enorme. Ainda, para mais quando sabem que tem uma mãe que os ama e que sempre evidenciou enormes esforços para a sua reintegração no seu agregado familiar.

55º - Além do mais, se a criança se encontra numa situação estável na instituição, não há motivos para promoção de outra medida senão a de melhorar a sua condição presente e potencial e mais concretamente trabalhar com a progenitora com vista a receber a criança desta feita com competências parentais reforçadas.

56º - A criança mantendo-se institucionalizada, vê minimizado, senão mesmo afastado, qualquer perigo grave para a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento.

57º - O menor sente-se bem na instituição sendo que a mudança para uma casa distinta, por via da adopção acarreta mais riscos que garantias de salvaguarda dos seus interesses.

58º - A institucionalização de crianças tem sido alvo de um novo olhar, no sentido de proporcionar às crianças acolhidas um local de vida mais individualizado, afectivo e estimulante, o que passa pela diminuição do número de crianças internadas por unidade de acolhimento, por maior estabilidade e preparação do pessoal interveniente, pela abertura ao contacto com a família ou outras pessoas ligadas à criança e à boa inserção na comunidade, assim transmitem os artigos 53º e 58º da LPCJP.

59º - O BB está bem integrado no Centro de Acolhimento Temporário …, sito na …, está em idade escolar e integrado em escola pública nesse concelho, sendo pois aconselhável que por ora a criança se mantenha na aludida instituição por determinado prazo, sem prejuízo da revisão semestral imposta pelo artigo 62º nº 1 da LPCJP, ou de revisão anterior fundada em factos supervenientes que a justifiquem, nos termos previstos no nº 2 do artigo 62º da LPCJP, e nesse período seja a mãe referenciada para o Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental.

60º - Centro este que permitirá à progenitora adquirir e fortalecer competências parentais nas diversas dimensões da vida familiar e compreenderá níveis diferenciados de intervenção de cariz pedagógico e psicossocial que, de acordo com as características das famílias, integram as modalidades de preservação familiar e reunificação familiar, que visam o regresso da criança ou do jovem ao seu meio familiar, designadamente nos casos de acolhimento em instituição ou em família de acolhimento, através de uma intervenção focalizada e intensiva que pode decorrer em espaço domiciliário e ou comunitário, (Portaria nº 139/2013, de 2 de Abril - artigo 8º), permitindo o regresso do BB e da AA, a qual também se encontra institucionalizada na ….


Termina, pedindo que “julgando, o presente recurso provado e procedente e, consequentemente, ordenando a revogação do acórdão recorrido, aplicando ao menor BB, assim como à jovem AA, medida que melhor salvaguarda o seu superior interesse, seja a integração e acolhimento junto da sua família natural, seja o acolhimento e apoio junto da progenitora, ou caso, assim não se entenda, substituir-se a medida adoptada de confiança a instituição com vista a futura adopção prevista no artigo 35° alínea g) da LPCJP, aplicada ao BB pela medida anteriormente aplicada nestes autos de acolhimento institucional, sujeita a revisão nos termos legais, subordinada à progenitora frequentar durante esse período, Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental - criado pela Portaria nº 139/2013, de 2 de Abril, que se aplica no caso em apreço.


O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela confirmação do acórdão recorrido.


A Formação, por acórdão de 24.01.2019, decidiu que:


(…) Por acórdão de fls. 858/897, foi aplicada às duas crianças a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção ou a família de acolhimento ou a pessoa seleccionada para a adopção, ao abrigo do disposto no artº 35° n° 1 alínea g) da LPCJP e, em decorrência do disposto no artº 1978°-A do CC, os progenitores ficaram inibidos do poder paternal da criança, tendo ainda sido proibidas as visitas dos familiares.

Não se conformando com essa decisão, a progenitora da criança interpôs recurso de apelação.

A Relação julgou a apelação parcialmente procedente, revogando-se o acórdão proferido em 1ª instância relativamente à jovem AA, a que aplicou a medida de promoção e protecção de acolhimento residencial até à maioridade, nos termos dos arts 35° n° 1, f), da LPCJP, com proibição das visitas dos progenitores e demais familiares, as quais apenas poderão ser reatadas caso a jovem manifeste expressamente perante os técnicos a vontade da ocorrência das visitas, em horário a determinar pelo instituto de acolhimento.

Quanto ao menor BB foi confirmado o acórdão.

Foi interposto recurso de revista excepcional pela progenitora.

Ainda que nas alegações de revista aluda à violação de critérios de legalidade e não apenas de critérios de conveniência e oportunidade, o certo é que a admissibilidade da revista excepcional, na parte em que o acórdão da Relação confirmou o acórdão da 1ª instância relativamente ao menor BB, está, em primeira linha, dependente da afirmação da admissibilidade nos termos gerais, tendo em conta o disposto no artigo 988º nº 2 do CPC.

Assim, para este efeito, proceda-se à distribuição geral, sem embargo de oportuna remessa a esta Formação para os estritos efeitos do artº 672º do CPC".


Colhidos os vistos, cumpre decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO


A) Fundamentação de facto


As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1° - Os menores AA nascida a 9 de Julho de 2003 e BB nascido a 1 de Janeiro de 2007, são ambos filhos de CC e de DD.

2° - Antes de serem acolhidas em instituição, as crianças residiam com a mãe num anexo degradado no exterior e no interior, na Rua da…, anexo …, 2635-503 …, composto por dois quartos, uma sala, uma cozinha e uma casa de banho.

3° - O progenitor reside actualmente na Rua …., n.° 34, R/C Bairro de …, … - Rio de Mouro e, a progenitora na Rua …, n. 2 2 …, Borba.

4° - A situação da menor ... foi inicialmente comunicada à CPCJ de …, em

13 de Maio de 2013, pela Escola Básica …, dando conhecimentos dos seguintes factos, entre outros:

- a AA é uma criança imatura com grandes dificuldades de comunicação oral, bem como

em se exprimir por iniciativa própria;

- é uma criança imatura, com dificuldade em compreender o que lhe é solicitado, necessitando

de muito tempo e de orientação de um adulto para realização de qualquer tarefa;

- o agregado familiar é composto pela menor, progenitora e pelo irmão BB;

- a progenitora apresenta graves dificuldades de compreensão dos recados transmitidos pela

escola;

- o progenitor não faz parte do agregado, visita os filhos, tem um passado ligado ao consumo

de estupefacientes, sobrevive com o dinheiro que realiza na venda de sucata;

- a vida da progenitora tem-se caracterizado por vários relacionamentos amorosos instáveis e

que normalmente terminam com agressões verbais e físicas;

- ao longo do ano lectivo a AA vinha apresentando falta de cuidados de higiene, exalando

com frequência um cheiro desagradável e intenso;

- apesar de lhe ter sido oferecida roupa, comparecia na escola, sempre com a mesma;

- a casa onde residiam não tinha água em virtude de ter sido cortado fornecimento por falta de

pagamento;

- a progenitora revelava graves dificuldades em dar resposta aos cuidados de primeira necessidade, designadamente, higiene, saúde e alimentação da menor;

- não obstante o apoio de instituições de solidariedade, faltavam com frequência alimentos em casa;

- apesar de alertada pela comunidade escolar, a progenitora não conseguiu inverter a situação.

5º - Na mesma data e, em relatório enviado pela escola relativamente ao BB, para além dos factos comuns, era ainda dado conhecimento:

- o menor é portador de trissomia 8, beneficiando de educação especial:

- o BB apresenta graves dificuldades ao nível da expressão oral;

- tal como a irmã, ao longo do ano, o BB apresentou falta de cuidados de higiene;

- não efectuava troca de roupa interior, mesmo quando muito suja;

- o menor apresentou-se na escola com borbulhas, coçava-se até fazer feridas;

- depois de alertada a progenitora e levado o menor ao hospital foi-lhe diagnosticada sarna.

6º - Em visita domiciliária efectuada a 9 de Julho de 2013, foi possível verificar que a habitação não dispunha das condições minimamente adequadas a uma criança com problemas de saúde do BB.

7º - A casa apresentava humidade nas paredes, tectos e chão e os sanitários tinham sujidade de longa duração.

8º - Durante a visita foi ainda perceptível a falta de envolvimento emocional e afectivo da progenitora com os filhos.

9º - Pela família é reconhecida a incapacidade da progenitora para permitir aos filhos condições de vida minimamente condigna, mas não se disponibilizam como alternativa.

10º - A progenitora não fazia comparecer o BB nas consultas agendadas, apesar da sua delicada situação de saúde.

11º - Por deliberação de 11 de Julho de 2013, a CPCJ aplicou em benefício dos menores ... e ... a medida de promoção e protecção de acolhimento em instituição.

12º - Em execução da referida deliberação, os menores vieram a ser acolhidos em 29 de Julho de 2013, no Centro de Acolhimento Temporário, ….

13º - Em data próxima do acolhimento dos menores, a progenitora foi residir com um novo namorado para a Rua …, n° 2, …, B….

14º - Durante dez (10) meses de acolhimento a progenitora visitou os menores dez (10) vezes.

15º - Durante as visitas revelou apatia, não solicitou informações sobre os filhos, nomeadamente sobre o seu bem-estar, desenvolvimento, comportamento, etc.

16º - O progenitor visitou os filhos de forma irregular, não manifestou qualquer interesse sobre a situação dos mesmos, não procurando inteirar-se das suas vivências diárias.

17º - Nenhum elemento da família alargada manifestou vontade ou disponibilidade de ter os menores à sua guarda e cuidados, garantindo a satisfação das suas necessidades plenas de desenvolvimento físico, psíquico e emocional.

18º - A AA e o BB estiveram sujeitos a situações adversas, com implicações graves no desenvolvimento de ambos.

19º - Assim, por deliberação de 19 de Junho de 2014, a CPCJ determinou a remessa dos processos dos menores aos Serviços do Ministério Público, que, em consequência, intentou acção de promoção e protecção, requerendo fosse aplicada provisoriamente a medida de promoção e protecção de acolhimento em instituição.

20º - Nessa sequência, em 18 de Julho de 2014 o Tribunal aplicou a título provisório e pelo prazo de seis (6) meses, a medida de promoção e protecção de acolhimento institucional, no caso, no CAT ….

21º - A ECJ de …, bem como A Equipa Local de Intervenção Precoce de V… e B… e a EMAT de … fizeram em conjunto o acompanhamento de execução da medida, tendo no entretanto nascido o menor EE Pisco a 01 de Dezembro de 2014, fruto da relação actual da progenitora com o seu actual companheiro, FF.

22º - Em 26 de Março de 2015 foi elaborado relatório pela EMAT de …, dando conhecimento dos seguintes factos, entre outros:

- A progenitora dos menores após o acolhimento dos filhos no Centro de Acolhimento - …, em …, ter-se-á deslocado a … acompanhada de uma amiga, para ali passarem férias, tendo nesse período de tempo conhecido o FF, com o qual iniciou um relacionamento amoroso, passando a residir com o mesmo desde Agosto de 2013, em …, B…, na casa dos pais do companheiro.

- a progenitora não trabalha, é uma desempregada de longa data, assim como o seu o companheiro, o qual tem a seu cargo os pais idosos, a quem presta cuidados, gerindo as pensões dos pais, quer para as despesas daqueles quer para as suas próprias despesas.

- o casal tem um bebé com três meses, que se encontra a ser acompanhado pela Equipa de Intervenção Precoce de V… e B…, por considerar-se existir risco social;

- a progenitora revela grandes dificuldades na assunção das suas competências parentais, dorme muito e passa muito tempo no café deixando o bebé aos cuidados do companheiro e dos sogros, estes últimos, idosos e dependentes;

- o bebé deverá ser sinalizado à CPCJ local, para acompanhamento e aplicação de medida de promoção e protecção;

- quem toma a iniciativa de assegurar os cuidados primários à criança é o progenitor FF;

- a progenitora subsiste do apoio do companheiro e do subsídio de maternidade;

- a casa onde o casal reside é propriedade dos pais do FF e apresenta as condições mínimas de habitabilidade, tendo sido objecto de algumas melhorias;

- a progenitora informou que pretendia que o BB e a AA fossem residir consigo, no entanto, quando confrontada com todos os comprometimentos que a situação dos menores exige, a mesma não sobe responder como se deve organizar para que todos os apoios que as crianças necessitam possam ser assegurados, sem prejuízo de comprometer o seu desenvolvimento;

- a progenitora não revela capacidade de insight para avaliar a real situação dos filhos;

- o companheiro da mãe tem apoiado a mãe a assegurar todas as necessidades do seu filho, mas não revelou vontade expressa em assumir a responsabilidade de apoiar a progenitora para cuidar dos filhos desta, BB e AA;

23º - Na altura a EMAT considerou que a situação do agregado da progenitora não se revelava favorável para o retorno das crianças.

24º - A progenitora após o acolhimento dos filhos não procurou organizar-se de forma coesa e estruturada para que os filhos pudessem regressar ao seu agregado, ao invés disso procurou outro relacionamento, padrão que manifesta reiteradamente.

25º - Ainda quando tinha os menores aos seus cuidados a progenitora batia na AA quando a menor se recusava a fazer tarefas domésticas.

26º - A progenitora não assegurou as visitas quinzenais aos filhos, não acompanhou os menores às consultas e não diligenciou para estar presente nas reuniões escolares.

27º - A progenitora tem ainda uma outra filha que se encontra aos cuidados da avó materna.

28º - O menor EE já é alvo de acompanhamento por parte dos serviços que de acordo com a informação prestada pela equipa, tem sido direccionado para o progenitor por se verificar dificuldades na progenitora para assumir as suas competências.

29º - A EMAT de … deu conta que a progenitora não reúne condições para suprir as necessidades dos filhos, nem proporcionar-lhes um ambiente securizante, com a agravante de a mesma não ter capacidade para reconhecer as suas dificuldades, nem estar motivada para alterar o seu modus vivendis.

30º - Em 29 de Junho de 2015 foi remetido relatório pela Instituição onde os menores se encontram acolhidos dando conhecimentos dos seguintes factos, entre outros:

- os menores AA e BB estão acolhidos há 1 ano e 11 meses;

- As características individuais dos pais, a sua história de vida, a situação de vida actual e a ausência de alteração de comportamentos, nomeadamente o reconhecimento da necessidade dos mesmos, permite aferir que ambos não apresentam um potencial de mudança;

- as fragilidades a nível de organização do espaço habitacional, a ausência de hábitos de trabalho, o exercício da função materna no que diz respeito à prestação de cuidados, à empatia com o sofrimento dos filhos, a identificação e resposta às necessidades específicas e fragilidade do afecto, têm sido permanentes e por isso sugerem não ser passíveis de mudança;

- o companheiro da mãe diz pretender receber a AA e o BB, mas não está implicado em receber as crianças, limitando-se a acolhê-los de forma a responder a um desejo da progenitora;

- além do mais, a integração de mais duas crianças no agregado iria desequilibrar o funcionamento do mesmo, com consequências a nível da prestação de cuidados às crianças, inclusive a criança mais pequena;

- a AA reconhece que foi sujeita a maus-tratos infligidos pela mãe (agressões com a mão, com um tacho, com urna colher de pau, com um chinelo, a ausência de cuidados, as ausências de casa durante o período nocturno e a exposição da relação (no âmbito sexual e afectivo) com vários companheiros.

- Muitas vezes o BB durante a visita da mãe sai e isola-se e a AA refere tristeza por a visita não ir de encontro às suas expectativas, dizendo que não consegue aceitar o FF por estar a substituir o papel do seu pai.

- A AA sentiu tristeza e revolta por ver que a mãe não se organizou de forma a tê-los junto a si, facto que determinou que se mantivessem em instituição, antes optou por ter mais um filho, ao invés de a recuperar a si e ao irmão;

- o pai das crianças assume a sua incapacidade para cuidar dos mesmos e a mãe e o companheiro apresentam fragilidades que caso as crianças lhes fossem entregues, levam a considerar que voltem a ser sujeitos a uma situação de perigo para o seu desenvolvimento integral;

- nenhum elemento da família alargada se disponibilizou a realizar visitas regulares à AA e ao BB, bem como assegurar os seus cuidados de forma permanente;

- A equipa técnica da instituição em conjunto com a gestora do processo, consideram que a única medida que salvaguarda o bem-estar emocional e desenvolvimento integral das crianças, é a medida de confiança à instituição com vista a futura adopção.

31º - A medida aplicada aos menores AA e BB foi prorrogada em 06 de Julho de 2015.

32º - O progenitor das crianças não tem um trabalho com carácter regular, tendo o seu percurso pessoal sido marcado pela situação de toxicodependência, embora com períodos de abstinência. Vive com a sua mãe de oitenta e três anos, a qual tem a seu cargo uma filha e um filho adultos, mas dependentes, com problemas de saúde física e mental e sem actividade profissional, o pai da AA e o neto GG que lhe foi entregue pelos pais quando tinha oito (8) meses.

33º - O pai tem estado ausente da vida dos filhos sem contactos por um longo período de tempo e a avó materna durante dois anos de acolhimento não visitou os netos e os contactos telefónicos foram escassos, o que indicia significativos constrangimentos a nível afectivo.

34º - Foi efectuada perícia psicológica à progenitora, que conclui entre outros aspectos: - a progenitora revela um funcionamento intelectual de nível muito baixo e na zona fronteiriça com a debilidade mental;

- a progenitora apresenta traços e características de personalidade que condicionam em muito as suas capacidades para prestar cuidados de uma forma responsável e continuada;

- organização da personalidade pautada pela desorganização funcional, imaturidade, rigidez e pela presença de traços ansiosos e impulsivos, no âmbito de uma estrutura borderline (estado limite);

- A progenitora manifesta ainda uma baixa tolerância à frustração, revela dificuldades de planeamento social, pessoal e profissional, bem como muitas dificuldades para aprender e para evoluir com a sua própria experiência, não reconhecendo os problemas e como tal adoptando uma postura passiva e de desresponsabilização;

- a examinada demonstra possuir recursos internos muito limitados e competências parentais escassas para que consiga identificar e responder adequada e atempadamente tanto às necessidades físicas como às necessidades psicoactivas dos seus filhos.

- a progenitora não se consegue estabelecer como figura parental segura e estável, estabelecendo com os seus filhos um estilo de vinculação inseguro, sendo que este registo de funcionamento suscita um elevado grau de disfuncionalidade e perturbação no desenvolvimento psicológico das crianças;

- A progenitora manifesta muitas dificuldades ao nível da diferenciação de papéis entre mãe e filhos, tendendo a posicionar-se ao nível das crianças;

- A progenitora revela não dispor de conhecimentos adequados sobre os calendários normais de desenvolvimento das crianças e sobre as necessidades que as crianças vão tendo ao longo da sua vida, o que torna ainda mais difícil a satisfação das suas necessidades.

35º - A 13 de Novembro de 2015 a Instituição onde os menores AA e BB estão acolhidos enviou relatório, dando conhecimento dos seguintes factos:

- a progenitora realizou até àquela data desde o início do acolhimento um total de 23 visitas em dois anos e três meses de acolhimento:

2013 — 07.08.2013; 03.10.2013; 05.11.2013; 03.12.2013 e 23.12.2013;

2014 — 28.01.2014; 25.02.2014; 23.04.2014; 25.05.2014; 13.07.2014; 11.08.2014; 14.09.2014; 15.10.204; 02.11.2014; 23.12.2014;

2015 — 02.01.2015; 08.03.2015; 12.04.2015; 17.05.2015; 07.06.2015; 07.08.2015; 20.09.2015 e 25.10.2015.

36º - Actualmente, em cerca de 4 (quatro) anos de acolhimento, a progenitora visitou os menores durante 96 horas.

37º - A progenitora desde o início do acolhimento que se disponibilizou para efectuar apenas uma visita por mês aos filhos e não visitas quinzenais como lhe foi proposto, alegando dificuldades na gestão e organização económicas.

38º - O pai efectuou as seguintes visitas aos menores durante o tempo de institucionalização dos mesmos acima indicado, no total de 17:

2013     31.10.2013; 14.11.2013; 28.11.2013;

2014 — 13.02.2014; 10.03.2014; 24.04.2014; 26.06.2014; 09.07.2014; 31.07.2014; 04.09.2014; 10.10.2014 e 23.12.2014;

2015 - 13.08.2015; 17.09.2015; 01.10.2015 e 22.05.2015;

2016 - 16.05.2016;

39º - No dia 22.10.2015 o pai dos menores informou que ia viver para … a fim de trabalhar, não sabendo dizer qual o local e a empresa para onde irá trabalhar, tendo terminado a visita 20 minutos antes do seu fim. O progenitor esteve ausente das visitas durante quase oito meses.

40º - Nas visitas o pai promove o diálogo e centra a atenção em ambos os menores e estes demonstram contentamento, no entanto, não questiona a equipa do CAT sobre o dia-a-dia, situação escolar e de saúde da AA e do BB, não tendo ao longo de muito tempo participado no crescimento e desenvolvimento dos filhos.

41º - As visitas de ambos os progenitores não se revestem em bem estar para as crianças, por não serem em número suficiente, pois não permitem que dessa forma os pais acompanhem o crescimento e desenvolvimento dos menores e não contribuem para o estabelecimento de uma relação própria da filiação.

42º - Por outro lado também se verifica uma incapacidade por parte dos pais no exercício das suas funções parentais, associada às suas características individuais, à sua história de vida e à sua situação actual de vida.

43º - Além dos progenitores, a AA e o BB receberam no início do acolhimento uma visita dos tios paternos, sendo que a tia, além dessa visita realizou mais 2 visitas. O tio materno efectuou duas visitas, no dia 29.11.2013 e 17.01.2014.

44º - Os menores passaram as férias de Carnaval e Páscoa em 2016 com a progenitora e o companheiro desta, FF, tendo esse período decorrido com normalidade, sem qualquer ocorrência, com excepção da AA ter acedido através do telemóvel da progenitora a conteúdos de teor sexual que partilhou com o BB.

45º - Os menores voltaram ao agregado familiar da progenitora no período de férias de 10 de Julho de 2016 até ao início do ano lectivo. Nos contactos telefónicos estabelecidos pela equipa do CAT, a progenitora e o respectivo companheiro apresentaram queixas recorrentes no que respeita ao comportamento das crianças, nomeadamente referindo que " são mal educados", " comem muito", "não sabem estar", "mexem no que não lhes pertence", incidindo mais na AA, sugerindo que por o BB ter trissomia 8, os seus comportamentos são mais facilmente aceites.

46º - Perante as queixas apresentadas a equipa do CAT procurou apresentar soluções, mostrando-se a progenitora mais aceitante das limitações e reacções dos filhos do que o seu companheiro que manteve sempre uma postura rígida e inflexível, não aceitando os motivos para os comportamentos nem as estratégias para os alterar.

47º - O companheiro da mãe atribui a responsabilidade do comportamento das crianças ao pai da AA e do BB, dizendo que o mesmo os coloca contra si, não aceitando que os menores sejam fruto da vivência que tiveram com a mãe.

48º - O companheiro da progenitora apresentou também queixas relativamente às dificuldades económicas que diz sentir com o encargo de mais dois elementos no agregado, referindo que "comiam muito", "tinha custos com a medicação e com as deslocações a Lisboa, fosse à instituição ou a consultas médicas".

49º - No seguimento das dificuldades económicas apresentadas, o companheiro da mãe, referiu que não estaria disponível para assegurar a consulta médica de Estomatologia que a AA iria ter um mês após a sua ida para B…, por se tratar de mais uma despesa, acrescentando que a vinda a Lisboa para a consulta seria " uma forma das férias junto dele terminarem".

50º - Aquando da ida dos menores para férias, o CAT organizou a medicação para que fosse suficiente para o primeiro mês, no entanto, a mãe e o companheiro disseram ter ido ao Centro de Saúde na 2ª semana de férias solicitar prescrição da medicação, por o BB ter ficado sem medicamentos, alegando que o CAT não teria enviado a quantidade suficiente para o tempo que as crianças iriam ficar em casa.

51º - As equipas técnicas de intervenção fizeram uma avaliação negativa da dinâmica familiar e funcionamento da família da mãe e do seu companheiro, de forma a definir-se o projecto de vida mais adequado para estas crianças.

52º - A progenitora e o companheiro revelaram um comportamento impermeável à intervenção, designadamente, compreensão do comportamento das crianças, considerando a história de vida e institucionalização prolongada a que estão sujeitos.

53º - Mantiveram o padrão de queixas e não mostram empatia pelo sofrimento das crianças. A estrutura do pensamento do companheiro da mãe leva-o a percepcionar o comportamento das crianças como provocatória e resultado da falta de educação, dissociando-os da educação que lhes foi dada pela mãe, como se fossem os próprios os responsáveis pela sua história de vida e conduta.

54º - Não aceitam nem reconhecem as limitações cognitivas das crianças, atribuindo-lhes tarefas escolares desadequadas às suas capacidades e competências, humilhando-os e ameaçando-os.

55º - Mantêm o desinteresse em participar nas situações educativas (reuniões escolares e de acompanhamento dos apoios educativos e de saúde, designadamente consultas e exames, dos menores).

56º - Ao longo do acolhimento foi perceptível que o companheiro da mãe diferencia - na forma de se relacionar e de perspectivar o crescimento - o seu filho EE, AA e BB, o que pode constituir-se como factor de risco.

57º - Após terem entregue as crianças no CAT, a progenitora e o companheiro não voltaram a manifestar o desejo de ter as crianças consigo.

58º - A AA no dia 16.01.2017 em declarações, referiu que durante as férias do Verão as coisa correram mais ou menos mal, dizendo que o padrasto fica com uma cara aborrecida por eles estarem lá e que "berrou" várias vezes com ela e a mãe chamou-lhe nomes. Uma das vezes ouviu a mãe dizer ao BB para ele ir acordar a " puta " da irmã, num dos dias em que se levantou mais tarde e também lhe chamou " cabra".

59º - A AA referiu não querer voltar a passar férias ou fins de semana em casa da mãe, antes prefere ficar na instituição.

60º - Gostava de estar numa família melhor do que a que tem, que a tratassem bem e não lhe chamassem nomes, mas teria que ir também o irmão BB, no entanto, segundo as técnicas este desejo de adopção conjunta decorre essencialmente de um sentido de responsabilidade para com o irmão e não tanto de constrangimentos em desvincular-se afectivamente do mesmo.

61º - As últimas visitas que a mãe realizou à instituição foi no dia 09.07.2017 e o pai a 16.05.2016 e este último desde 08.02.2017, que não voltou a estabelecer qualquer contacto com os menores.

62º - A progenitora encontra-se actualmente a frequentar um curso profissional na CERCI, …, de Serviços Domésticos.


B) Fundamentação de direito


Tenhamos presente que, de acordo com o disposto no artigo 635º nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação dos recorrentes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.


O acórdão da Relação fez errónea interpretação e aplicação do direito, ao ter modificado a medida fixada à jovem AA e confirmado o acórdão da 1ª instância no que toca à criança BB?

O tribunal recorrido violou disposições legais, cometendo erro de direito?


O presente processo de promoção dos direitos e protecção das crianças e jovens em perigo é um processo de jurisdição voluntária, como decorre do artº 100º da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei 147/99, de 01 de Setembro).


Como se decidiu no acórdão de 31.01.2019[1] “as decisões judiciais são impugnáveis por meio de recurso, porém, a insuficiência dos meios disponibilizados para administrar a Justiça, a par da exigida racionalização dos mesmos, importa que se atente a determinados pressupostos, com vista à admissibilidade dos recursos, concretamente, para o Supremo Tribunal de Justiça, importando que o princípio geral da recorribilidade das decisões judiciais, admita várias excepções.

Na verdade, a previsão expressa dos tribunais de recurso na Lei Fundamental, leva-nos a reconhecer que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática, porém, já não está impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões.

Como direito adjectivo, a lei processual estabelece regras quanto à admissibilidade e formalidades próprias de cada recurso, podendo dizer-se que a admissibilidade de um recurso depende do preenchimento cumulativo de três requisitos fundamentais, quais sejam, a legitimidade de quem recorre, ser a decisão proferida recorrível e ser o recurso interposto no prazo legalmente estabelecido para o efeito.

Como adiantamos, o princípio geral da recorribilidade das decisões judiciais sofre várias excepções, impondo-se sublinhar, a este respeito, que o acórdão que o Recorrente/Requerido/ (…) pretende pôr em crise, foi proferido em processo de jurisdição voluntária, para o qual o artº 988º nº 2 do Código de Processo Civil, estabelece, em principio, como limite recursório o Tribunal da Relação, sem prejuízo de admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, verificados que estejam os pressupostos gerais de recorribilidade da decisão do Tribunal da Relação, a par de que estejam em causa questões de legalidade estrita.

Decorre do direito adjectivo civil que o legislador quis que determinados interesses, de natureza privada, mas cuja defesa é de utilidade pública, fosse sindicada por entidades, vocacionadas e que são garante de uma protecção adequada à sua natureza, razão pela qual, foram compreendidas na competência dos tribunais, o julgamento dos processos de jurisdição voluntária, cujas regras gerais se encontram plasmados, no direito adjectivo civil - artºs 986º a 988º do Código de Processo Civil - atribuindo-lhes os poderes imprescindíveis para o efeito, amovendo, quando oportuno, determinados princípios que enformam o processo civil, importando que os tribunais possam investigar livremente os factos que entendam necessários à decisão, possam recolher as provas que julguem adequadas, declinando as demais, a par de poder decidir segundo critérios de conveniência e de oportunidade, e, na grande maioria dos casos, ajustar a solução definida, à eventual evolução da situação de facto, importando, assim, que o tribunal avoque a defesa do interesse que a lei lhe entrega, o “interesse superior da criança e do jovem”, como decorre da alínea a) do art.º 4º da Lei de Protecção das Crianças e dos Jovens em Perigo, cuja protecção acarreta que o mesmo impere sobre todos os demais interesses envolvidos, ou mesmo em oposição.

O Supremo Tribunal de Justiça, enquanto tribunal vocacionado para salvaguardar a aplicação da lei, substantiva ou adjectiva - artº 674º do Código de Processo Civil - está impedido de, nos recursos interpostos em processos de jurisdição voluntária, conhecer das medidas tomadas de acordo com critérios de conveniência e oportunidade - artº 988º nº 2 do Código de Processo Civil -.

Uma vez que a escolha das soluções mais convenientes e oportunas, está ligada à apreciação da situação de facto em que os interessados se encontram, e não tendo o Supremo Tribunal de Justiça o poder de conhecer sobre a matéria de facto - artºs 674º e 682º do Código de Processo Civil - a lei adjectiva civil, limita a respectiva admissibilidade de recurso até à Relação - artº 988º, nº 2 do Código Processo Civil - .

Na interpretação desta restrição de recorribilidade, importa ter em linha de conta que, em muitos casos, a impugnação por via recursória não se circunscreve aos juízos de oportunidade ou de conveniência adoptados pelas instâncias, mas questiona a própria interpretação e aplicação dos critérios normativos em que se baliza a decisão.

Assim, na esteira da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, haverá que ajuizar sobre o cabimento e âmbito do recurso de revista das decisões proferidas nos processos de jurisdição voluntária, de forma casuística, em função dos respectivos fundamentos de impugnação, e não com base na mera qualificação abstracta de resolução, tomada segundo critérios de conveniência ou de oportunidade”.


Acrescentaremos que o disposto no artigo 988º nº 2 do CPC deve ser interpretado com as devidas cautelas, pois, frequentemente os recursos interpostos não se cingem aos juízos de oportunidade ou de conveniência adoptados pelas instâncias na decisão proferida, mas questionam também a aplicabilidade dos pressupostos normativos ou requisitos em que se fundamenta a mesma decisão, designadamente aspectos de conformidade constitucional ou aplicação de critérios de legalidade estrita, o que já é sindicável por este tribunal.


No presente recurso de revista, a recorrente, mãe dos menores, põe em causa a legalidade do acórdão do Tribunal da Relação ao ter proferido (no âmbito do recurso interposto da decisão proferida nos autos de promoção e protecção de menores), a decisão supra mencionada, encerrando, na opinião da recorrente, uma questão de legalidade estrita, a conhecer pelo Supremo Tribunal de Justiça, por violação do disposto nos artigos 3º, 4º, 5º alª c), 34º, 35º alª g), 53º, 58º, 62º nº 2, 62º-A nº 7 e 124º nº 2 da Lei nº 147/99, de 01 de Setembro, artigo 8º da Portaria nº 139/2013, de 2 de Abril, artigo 1978º nº 1 alíneas d) e e) do Código Civil e 67º nº 1 da Constituição da República Portuguesa.


No recurso interposto, a recorrente, ao longo das suas conclusões e em relação aos dois menores, sempre colocou o enfoque na decisão contida no acórdão recorrido que, na sua perspectiva, foi feita segundo critérios de legalidade estrita e não segundo critérios de conveniência ou oportunidade.


Tanto bastava para interpor recurso de revista normal e, como tal, seria recebido pelo Supremo Tribunal de Justiça, face ao disposto no artigo 988º nº 2, a contrario. Subsidiariamente, poderia interpor recurso de revista excepcional.


Na verdade, o STJ em acórdão desta Secção de 28.02.2008[2] decidiu:

“1. Sendo legalmente qualificados como de jurisdição voluntária os processos judiciais de promoção e protecção das crianças e jovens em perigo, previstos na Lei de Promoção e Protecção das Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei nº147/99, de 1 de Setembro, é-lhes aplicável o disposto no nº 2 do artigo 1411º do Código de Processo Civil, segundo o qual “das resoluções proferidas segundo critérios de conveniência ou oportunidade não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça”;

2. A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no julgamento de recursos interpostos no respectivo âmbito limita-se, assim, à apreciação das decisões tomadas de acordo com a legalidade estrita;

3. Nomeadamente, pode verificar o respeito pelos pressupostos, processuais ou substantivos, do poder de escolher a medida mais conveniente aos interesses a tutelar, bem como o respeito do fim com que tais poderes foram atribuídos aos tribunais, mas não a conveniência ou a oportunidade daquela escolha”.


Todavia, optou a recorrente pelo recurso de revista excepcional, nos termos do disposto nas alíneas a) e b) do artigo 672º do Código de Processo Civil, reforçando tal pretensão na conclusão 8ª invocando a dupla conformidade de decisões.


Face ao acórdão proferido pela Formação, acima transcrito, importa apreciar a revista normal, tendo em conta o disposto no artigo 988º nº 2 do CPC relativamente ao menor BB, mas também em relação à sua irmã, a menor AA.


Na verdade, por razões de celeridade processual e de unidade na decisão, não faz sentido relegar para a revista excepcional a pretensão da recorrente em relação à menor AA, já que todas as questões suscitadas pela recorrente em relação aos dois menores podem ser resolvidas na revista normal. Por outro lado, há ainda a considerar a natureza urgente do processo nos termos do artigo 102º nº 1 da LPCJP.


O objecto do processo e a delimitação do âmbito do recurso não são definidos pela Formação, mas sim pelas conclusões da alegação dos recorrentes, conforme o disposto no artigo 635º nº 4 do Código de Processo Civil.


Por conseguinte, as questões abordadas nas conclusões das alegações de recurso são as seguintes:

- Nulidade do acórdão;

- O acórdão da Relação, ao ter modificado a medida fixada à jovem AA e confirmado o acórdão da 1ª instância no que toca à criança BB fez errónea interpretação e aplicação do direito e violou disposições legais?


NULIDADE DO ACÓRDÃO


Primeira nulidade

A recorrente vem arguir a nulidade o acórdão, argumentando que a Relação não se pronunciou sobre uma questão levantada na respectiva alegação de recurso (a de que durante 4 anos e meio os serviços sociais pouco ou nada fizeram para dotar a mãe de competências parentais para receber os seus filhos de volta, através de programa próprio para este tipo de situação - CAFAP) e, aliás, expressamente referida nas conclusões que balizavam o objecto da apelação, assim cometendo a nulidade prevista na alínea d) do n° 1 do artigo 615° do CPC.


Cumpre decidir.


Importa conhecer da aventada nulidade do acórdão, tal como expresso no requerimento da recorrente.

O artigo 613º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe (Extinção do poder jurisdicional e suas limitações), preceitua o seguinte:

“1. Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.

2. É lícito, porém, ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes.

3…”.

Dispõe o artigo 615° n°1, alínea d) do Código de Processo Civil que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Esta nulidade está directamente relacionada com o artigo 608° n°2 do CPC, segundo o qual "o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras".

Neste circunspecto, há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes.

Como já ensinava o Professor Alberto dos Reis[3] " São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão".


Esta nulidade só ocorre quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir pedido e excepções e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das "razões" ou dos "argumentos" invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas[4].


Assim, incumbe ao juiz conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente deve conhecer (artigo 608° n° 2 do CPC) à excepção daqueles cujo conhecimento esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outros.


O conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição directa sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui[5]


No caso dos autos, a recorrente invocou esta questão nas conclusões 60ª e 61ª do seguinte modo:

“60ª Nunca a progenitora, ora recorrente, recebeu apoio para desenvolver as suas competências parentais!

61º Nunca foi desenvolvido qualquer projecto junto da progenitora ou qualquer apoio para que esta pudesse desenvolver competências”.


Contrariamente ao alegado pela recorrente, a Relação pronunciou-se lapidarmente sobre a invocação da recorrente no acórdão recorrido nos termos que constam do despacho de 27.11.2018, proferido em conformidade com o disposto no artigo 617º nº 1 do CPC (fls 1028 a 1031).


“Ademais, e no que toca ao argumento invocado nas conclusões 60° e 61° da apelação, exarou-se no acórdão, além do mais, o seguinte:

" (...) as crianças vieram a ser acolhidos em 29 de Julho de 2013, no Centro de Acolhimento Temporário. …. …, …, ….

Visava-se com tal medida, além do mais, que os pais se reorganizassem a nível laboral e habitacional, aceitando ainda o encaminhamento para a formação parental, por forma a promoverem condições conducentes à reintegração das crianças no agregado de um deles (vide acordo de promoção e protecção de fls. 59/60 dos autos).

Já após o acolhimento dos menores, em Agosto de 2013, a progenitora, foi residir com o namorado, em casa dos pais deste, sita na Rua …, n.° 2, …, B…, habitação que posteriormente foi objecto de algumas obras, passando a apresentar condições de habitabilidade.

(...) em Setembro de 2015, foi efectuada perícia psicológica à progenitora, que conclui entre outros aspectos:

-a progenitora revela um funcionamento intelectual de nível muito baixo e na zona fronteiriça com a debilidade mental;

- a progenitora apresenta traços e características de personalidade que condicionam em muito as suas capacidades para prestar cuidados de uma forma responsável e continuada;

- organização da personalidade pautada pela desorganização funcional, imaturidade, rigidez e pela presença de traços ansiosos e impulsivos, no âmbito de uma estrutura borderline (estado limite);

- a progenitora manifesta ainda uma baixa tolerância à frustração, revela dificuldades de planeamento social, pessoal e profissional, bem como muitas dificuldades para aprender e para evoluir com a sua própria experiência, não reconhecendo os problemas e como tal adoptando uma postura passiva e de desresponsabilização;

- demonstra possuir recursos internos muito limitados e competências parentais escassas para que consiga identificar e responder adequada e atempadamente tanto às necessidades físicas como às necessidades psicoactivas dos seus filhos.

(..)

Por outro lado, a progenitora, alegando dificuldades na gestão e organização económicas, não assegurou as visitas quinzenais aos filhos (visitava-os uma vez por mês), não acompanhou os menores às consultas e não diligenciou para estar presente nas reuniões escolares.

Ainda assim, perante a vontade manifestada pela AA de proximidade à mãe (vide declarações de fls. 577/578), foi decidido que os menores passassem as férias escolares do Carnaval e da Páscoa de 2016 com a progenitora e o companheiro desta, tendo esse período decorrido com normalidade, sem qualquer ocorrência, com excepção da AA ter acedido através do telemóvel da progenitora a conteúdos de teor sexual que partilhou com o BB.

Perante a avaliação positiva desse convívio, e visando uma futura reintegração das crianças no agregado da progenitora, foi decidido que aquelas passariam com a mãe e companheiro desta o período das férias escolares de Verão de 2016, com início a 10 de Julho.

Porém, esse período não decorreu da forma que seria desejável para aquele fim.

Apurou-se que a progenitora e o respectivo companheiro apresentaram queixas recorrentes no que respeita ao comportamento das crianças, nomeadamente referindo que " são mal educados", " comem muito", "não sabem estar", "mexem no que não lhes pertence", incidindo mais na AA, sugerindo que, por o BB ter trissomia 8, os seus comportamentos são mais facilmente aceites.

O companheiro da progenitora apresentou também queixas relativamente às dificuldades económicas que diz sentir com o encargo de mais dois elementos no agregado, referindo que "comiam muito", "tinha custos com a medicação e com as deslocações a Lisboa, fosse à instituição ou a consultas médicas".

No seguimento das dificuldades económicas apresentadas, o companheiro da mãe, referiu que não estaria disponível para assegurar a consulta médica de Estomatologia (marcada para o dia 19/08/2016) que a AA iria ter, por se tratar de mais uma despesa, acrescentando que a vinda a Lisboa para a consulta seria " uma forma das férias junto dele terminarem".

Apurou-se ainda que aquando da ida dos menores para férias, o CAT organizou a medicação para que fosse suficiente para o primeiro mês, no entanto, a mãe e o companheiro disseram ter ido ao Centro de Saúde na 2. a semana de férias solicitar prescrição da medicação, por o BB ter ficado sem medicamentos, alegando que o CAT não teria enviado a quantidade suficiente para o tempo que as crianças iriam ficar em casa.

Assim, a mãe e o companheiro denotaram incompreensão pelo comportamento das crianças, considerando a sua história de vida e institucionalização prolongada, não mostrando empada pelo sofrimento destas. A estrutura do pensamento do companheiro da mãe levá-lo a percepcionar o comportamento das crianças como provocatória e resultado da falta de educação, dissociando-os da educação que lhes foi dada pela mãe, como se fossem os próprios os responsáveis pela sua história de vida e conduta.

Foi ainda perceptível que o companheiro da mãe diferencia - na forma de se relacionar e de perspectivar o crescimento — o seu filho EE, da AA e do BB. A progenitora das crianças e seu companheiro mantiveram ainda desinteresse em participar nas situações educativas (reuniões escolares e de acompanhamento dos apoios educativos e de saúde, designadamente consultas e exames, dos menores).

(…)

Ao não conseguir reorganizar-se e implicar-se no processo de desenvolvimento da AA e do BB, limitando-se a visitar os filhos com uma periodicidade de uma vez por mês e a telefonar-lhes, sem acompanhar os menores às consultas, sem diligenciar para estar presente nas reuniões escolares, em suma sem investir verdadeiramente na criação de laços afectivos sólidos e consistentes com os filhos, a progenitora, porventura em decorrência da sua própria incapacidade (revela um funcionamento intelectual de nível muito baixo e na zona fronteiriça com a debilidade mental), e não da mera distância entre a sua residência e a instituição de acolhimento e das dificuldades económicas que apresenta, denotou, objectivamente, manifesto desinteresse pelos filhos, não estando verdadeiramente implicada no processo de desenvolvimento destes.

Esta incapacidade da mãe veio dar razão aos técnicos que acompanharam a execução da medida de acolhimento (como deu conta a testemunha HH), ao optarem por não diligenciar pela transferência das crianças para uma instituição mais próxima da residência daquela, como chegaram a perspectivar, por já então fazerem um prognóstico negativo sobre as possibilidades da mãe se reorganizar de molde a acolher os filhos no seu agregado, entendendo então não sujeitar as crianças a mais uma mudança na vida destas".

De forma acertada, conclui o despacho de 27.11.2018:

“Destas passagens do acórdão deriva que na decisão proferida se considerou que os técnicos de apoio social procuraram intervir junto da progenitora para que esta adquirisse competências parentais, visando o regresso dos menores ao seu agregado, mas aquela, em decorrência da sua própria incapacidade e características de personalidade (revela um funcionamento intelectual de nível muito baixo e na zona fronteiriça com a debilidade mental), assumiu uma postura de fraca colaboração, o que obstou a uma intervenção mais acentuada daqueles”.


Tomadas estas considerações, diremos que a arguida nulidade é manifestamente descabida, pois a respectiva argumentação não constitui mais do que uma simples consideração ou argumento lateral produzido pela recorrente, sem qualquer interesse para a boa decisão da causa.

Em conclusão, foram especificados os fundamentos de facto e de direito da parte dispositiva do acórdão, que não são contraditórios com este, e houve pronúncia sobre todas as questões que cumprira conhecer sobre a invocada matéria, sem que tenha ocorrido qualquer omissão de pronúncia.

Para tal conclusão basta percorrer o acórdão na sua forma e substância ou lendo o excerto que acabámos de transcrever.


Deste modo, improcede a conclusão 16ª.


Segunda nulidade


Nas conclusões 25ª, 26ª e 27ª, argumenta a recorrente que o acórdão é nulo nos termos do artigo 195º nº 1 do CPC, pois viola as garantias e os direitos que se traduzem num acompanhamento junto dos progenitores aquando do processo de "separação”.

Mais alega a recorrente que “tal nulidade justifica-se pela violação de garantia e direitos por parte da recorrente influírem no exame e decisão das causas, já que estes não tiveram oportunidade de se reestruturar, tendo um acompanhamento digno por parte dos serviços sociais, os quais, mais uma vez apenas fizeram 2 a 3 visitas à progenitora durante 4 anos e meio”.


Cumpre decidir.


A recorrente confunde nulidades da sentença com nulidades dos actos processuais.

As nulidades da sentença são as taxativamente indicadas no artigo 615º do Código de Processo Civil.

As nulidades dos actos processuais são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei e a que esta faça corresponder uma invalidade mais ou menos extensa de actos processuais.

Estão previstas nos artigos 186º a 202º do Código de Processo Civil e têm prazos para serem arguidas que não cabem na presente fase processual, pois há muito que se mostram esgotados.


Pelo exposto, sem necessidade de mais considerações, indefere-se a alegada nulidade do acórdão, “nos termos do artigo 195º nº 1 do Código de Processo Civil”.


A QUESTÃO DE DIREITO


A questão que importa decidir está assim enunciada:


O acórdão da Relação violou disposições legais e fez errónea interpretação e aplicação do direito, ao ter modificado a medida fixada à jovem AA e confirmado o acórdão da 1ª instância no que toca à criança BB?


Voltamos a afirmar que o acórdão recorrido, relativamente aos dois menores, é apontado amiúde, ao longo das alegações e nas conclusões, como tendo decidido segundo critérios de legalidade estrita, o que confere a este Supremo legitimidade para tratar o assunto dentro do âmbito da revista normal

E, efectivamente, assim foi, manifestando a nossa estranheza pela opção que fez a recorrente pela revista excepcional, em vez de recorrer directamente ao recurso de revista normal e, subsidiariamente, ao recurso de revista excepcional, como já deixámos mencionado.

Na verdade, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, conforme preceitua o nº 3 do artigo 5º do Código de Processo Civil.


Convém recordar o decidido pelas instâncias.

Assim:

· Pelo acórdão da 1ª instância de 12.03.2018 (volume II fls. 858/897), foi aplicada às crianças a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção ou a família de acolhimento ou a pessoa seleccionada para a adopção, ao abrigo do disposto no artº 35° n° 1 alínea g) da LPCJP e, em decorrência do disposto no artº 1978°-A do C. Civil, os progenitores ficaram inibidos do poder paternal da criança, tendo ainda sido proibidas as visitas dos familiares.

· A mãe das crianças interpôs recurso de apelação e a Relação, por acórdão de 18.09.2018 (fls 984 a 1002), decidiu nos seguintes termos:

1. Julgou a apelação parcialmente procedente, revogando o acórdão proferido em 1ª instância relativamente à jovem AA, aplicando a esta a medida de promoção e protecção de acolhimento residencial até à maioridade, nos termos dos arts 35° n° 1, f), da LPCJP, mantendo-se sob a guarda do Centro de Acolhimento Temporário …, sem prejuízo de uma futura revisão dessa medida.

2. Mais determinou a proibição das visitas dos progenitores e demais familiares à jovem AA, as quais apenas poderão ser reatadas nos termos sobreditos, caso a jovem manifeste expressamente perante os técnicos a vontade da ocorrência das visitas, em horário a determinar pela instituição de acolhimento.

3. No demais, confirmou o acórdão recorrido no que toca à criança BB.

· Pretende a recorrente que, aplicando ao menor ..., assim como à jovem AA, medida que melhor salvaguarda o seu superior interesse, seja a integração e acolhimento junto da sua família natural, seja o acolhimento e apoio junto da progenitora, ou caso, assim não se entenda, substituir-se a medida adoptada de confiança a instituição com vista a futura adopção prevista no artigo 35° alínea g) da LPCJP, aplicada ao BB pela medida anteriormente aplicada nestes autos de acolhimento institucional, sujeita a revisão nos termos legais, subordinada à progenitora frequentar durante esse período, Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental - criado pela Portaria nº 139/2013, de 2 de Abril, que se aplica no caso em apreço.

Cumpre decidir.

Saliente-se, como é evidente, que o presente recurso é circunscrito à apreciação das decisões tomadas pelas instâncias de acordo com um critério normativo, de estrita legalidade, limitando-se o Supremo a sindicar do respeito pelos pressupostos, processuais ou substantivos das medidas judicialmente decretadas, estando naturalmente excluído do objecto do recurso, quer a valoração das provas, quer a apreciação dos critérios de conveniência ou oportunidade subjacentes ao decidido.


Adere-se inteiramente ao acórdão de 20.01.2010[6], onde se afirma, relativamente a situação perfeitamente equiparável à controvertida nos autos:

“Como é sabido, ao incluir na competência dos tribunais o julgamento dos chamados processos de jurisdição voluntária ou graciosa, cujas regras gerais se encontram nos artigos 1409º a 1411º (actualmente 986º a 988º) do Código de Processo Civil, o legislador pretendeu que a prossecução de determinados interesses, em si mesmos de natureza privada, mas cuja tutela é de interesse público, fosse fiscalizada por entidades cujas características são garantia de uma protecção adequada à sua natureza.

Com essa finalidade, conferiu-lhes os poderes necessários para o efeito, afastando, quando conveniente, certos princípios, conformadores do processo civil em geral, que disciplinam a sua intervenção enquanto órgãos incumbidos de resolver litígios que se desenrolam entre partes iguais, perante as quais os tribunais têm de adoptar uma posição de rigorosa imparcialidade.

Assim, no domínio da jurisdição voluntária, os tribunais podem investigar livremente os factos que entendam necessários à decisão mais acertada (…) recolher as informações e as provas que entendam pertinentes, rejeitando as demais, decidir segundo critérios de conveniência e de oportunidade, e, na generalidade dos casos, adaptar a solução definida à eventual evolução da situação de facto”.

A verdade é que esta limitação não implica a total exclusão da intervenção do Supremo Tribunal de Justiça nestes recursos; apenas a confina à apreciação das decisões recorridas enquanto aplicam a lei estrita. É, nomeadamente, o que se verifica, quer quanto à verificação dos pressupostos, processuais ou substantivos, do poder de escolher a medida a adoptar, quer quanto ao respeito do fim com que esse poder foi atribuído.


A Lei 147/99, de 01 de Setembro (LPCJP), consagra no artigo 3º nº 1 que a intervenção para promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo.


E no artigo 4º (Princípios orientadores da intervenção) o seguinte:

“ A intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo obedece aos seguintes princípios:

a) Interesse superior da criança e do jovem - a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afecto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto.


O artigo 34º (Finalidade) consagra que as medidas de promoção dos direitos e de protecção das crianças e dos jovens em perigo, adiante designadas por medidas de promoção e protecção, visam:

a) Afastar o perigo em que estes se encontram;

b) Proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral;

c) Garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso.


O artigo 35º daquela lei enumera as medidas da seguinte forma:

1 - As medidas de promoção e protecção são as seguintes:

a) Apoio junto dos pais;

b) Apoio junto de outro familiar;

c) Confiança a pessoa idónea;

d) Apoio para a autonomia de vida;

e) Acolhimento familiar;

f) Acolhimento residencial;

g) Confiança a pessoa seleccionada para a adopção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adopção.


O artigo 38º-A (Confiança a pessoa seleccionada para a adopção, a família de acolhimento ou a instituição com vista a futura adopção), preceitua:

A medida de confiança a pessoa seleccionada para a adopção, a família de acolhimento ou a instituição com vista a futura adopção, aplicável quando se verifique alguma das situações previstas no artigo 1978º do Código Civil, consiste:

a) Na colocação da criança ou do jovem sob a guarda de candidato seleccionado para a adopção pelo competente organismo de segurança social;

b) Ou na colocação da criança ou do jovem sob a guarda de família de acolhimento ou de instituição com vista a futura adopção.


No art. 1978° do CC prevêem-se situações em que o Estado intervém no seio da organização familiar, e em que o princípio da prevalência da família biológica cede perante o interesse da criança e ao seu direito a ter uma (nova) família.


Este princípio tem consagração constitucional, em sede do art° 36° n° 6 da Constituição da República Portuguesa, onde se estabelece que «os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais e sempre mediante decisão judicial».

O art° 68° da CRP acrescenta que "a maternidade e a paternidade constituem valores sociais eminentes" (n° 2) e "os pais e as mães têm direito à protecção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível acção em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país" (n° 1).

Assim, a CRP protege a família natural, mas logo declara no seu art. 69° que "as crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições" (n° 1) e acrescenta que "o Estado assegura especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer, forma privadas de um ambiente familiar normal" (n° 2).

E no n° 7 do artº 36°, a adopção merece consagração constitucional, enquanto fonte de laços familiares, estipulando-se aí que "a adopção é regulada e protegida nos termos da lei, a qual deve estabelecer formas céleres para a respectiva tramitação".


De igual modo, a Convenção Sobre os Direitos da Criança, aprovada em Nova Iorque em 20 de Novembro de 1989, aprovada por Portugal e publicada no DR, I série, de 12.9.1990, estabelece no seu artº 3° n° 1, que todas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.

E no n° 1 do art° 9° dispõe-se que a criança não será separada dos seus pais contra a vontade destes, a menos que a separação se mostre necessária, "no interesse superior da criança" se, "por exemplo, os pais maltratarem ou negligenciarem a criança".

De sua vez, o art° 20° da Convenção prevê a situação de crianças que, "no seu interesse superior", não possam ser deixadas no seu ambiente familiar, reconhecendo-lhes o direito a protecção alternativa, que pode incluir a adopção.


Nos termos do artigo 3º nº 2 da LPCJP:

Considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações:

a) Está abandonada ou vive entregue a si própria;

b) Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais;

c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal;

d) Está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais;

e) É obrigada a actividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento;

f) Está sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional.


Colocadas estas questões de natureza jurídica sobre a matéria, seguiremos de perto, pela relevância e acerto que demonstra, o douto acórdão da Relação de Lisboa.


Assim:

“ Vejamos se no caso em análise se verifica alguma das aludidas situações.

Apurou-se que em meados de 2013, as crianças AA e BB, nascidos, respectivamente, a 9 de Julho de 2003 e a 1 de Janeiro de 2007, residiam com a mãe, altura em que a situação destes foi comunicada à CPCJ de ….

Apresentavam à data a seguinte patologia:

A AA, então com 9 anos de idade, registava na escola grandes dificuldades de comunicação oral, bem como em se exprimir por iniciativa própria, com dificuldade em compreender o que lhe era solicitado, necessitando de muito tempo e de orientação de um adulto para realização de qualquer tarefa. Apresentava ainda falta de cuidados de higiene, exalando com frequência um cheiro desagradável e intenso.

O BB, então com 6 anos, sofria de trissomia 8; apresentava graves dificuldades ao nível da expressão oral e falta de cuidados de higiene, tendo-lhe sido diagnosticada sarna.

A progenitora não fazia comparecer o BB nas consultas agendadas, apesar da sua delicada situação de saúde.

Para além disso, veio a apurar-se que as crianças residiam num anexo com dois quartos, sala, cozinha e uma casa de banho, em …, apresentando a habitação humidade nas paredes, tectos e chão e os sanitários tinham sujidade de longa duração, tendo durante um certo período sido cortado o fornecimento de água à habitação por falta de pagamento dos consumos.

Apurou-se ainda que o progenitor apresentava um passado ligado ao consumo de estupefacientes e sobrevivia com o dinheiro que realiza na venda de sucata. E a progenitora registava vários relacionamentos amorosos instáveis, que normalmente terminavam com agressões verbais e físicas.

Nesse quadro, não prestando os progenitores às crianças, nem se predispondo qualquer elemento da família alargada a fazê-lo, os cuidados adequados às suas idades e situação pessoal, o que naturalmente afectou de forma grave a saúde, a formação a educação e o desenvolvimento das crianças, colocando-os assim numa situação de perigo (artº 3° da LPCJP), a CPCJ de … promoveu a celebração no dia 11 de Julho de 2013 de um acordo de promoção e protecção, tendo sido aplicada em beneficio da AA e do BB a medida de promoção e protecção de acolhimento em instituição.

Não obstante a mãe ter comunicado à Comissão que iria viver para B… com um namorado, e porventura por se duvidar da durabilidade desse relacionamento, as crianças vieram a ser acolhidos em 29 de Julho de 2013, no Centro de Acolhimento Temporário, …, …, …, ….

Assim, nesta fase da vida das crianças, os progenitores não se mostraram capazes para desempenhar de forma minimamente satisfatória o direito-dever da paternidade.

Daí a institucionalização das mesmas.

Visava-se com tal medida, além do mais, que os pais se reorganizassem a nível laboral e habitacional, aceitando ainda o encaminhamento para a formação parental, por forma a promoverem condições conducentes à reintegração das crianças no agregado de um deles (vide acordo de promoção e protecção de fls. 59/60 dos autos).

Já após o acolhimento dos menores, cm Agosto de 2013, a progenitora, foi residir com o namorado, em casa dos pais deste, sita na Rua …, n.° 2, …, B…, habitação que posteriormente foi objecto de algumas obras, passando a apresentar condições de habitabilidade.

Entretanto, a 1/12/2014, nasceu o menor EE, fruto da relação da progenitora das crianças com o seu novo companheiro.

Este tinha e tem a seu cargo os pais idosos, a quem presta cuidados, gerindo as pensões daqueles, quer para as despesas dos pais, quer para as suas próprias despesas.

E, em Setembro de 2015, foi efectuada perícia psicológica à progenitora, que conclui entre outros aspectos:

- a progenitora revela um funcionamento intelectual de nível muito baixo e na zona fronteiriça com a debilidade mental;

- a progenitora apresenta traços e características de personalidade que condicionam em muito as suas capacidades para prestar cuidados de uma forma responsável e continuada;

- organização da personalidade pautada pela desorganização funcional, imaturidade, rigidez e pela presença de traços ansiosos e impulsivos, no âmbito de uma estrutura borderline (estado limite);

- a progenitora manifesta ainda uma baixa tolerância à frustração, revela dificuldades de planeamento social, pessoal e profissional, bem como muitas dificuldades para aprender e para evoluir com a sua própria experiência, não reconhecendo os problemas e como tal adoptando uma postura passiva e de desresponsabilização;

- demonstra possuir recursos internos muito limitados e competências parentais escassas para que consiga identificar e responder adequada e atempadamente tanto às necessidades físicas como às necessidades psicoactivas dos seus filhos.

- a progenitora não se consegue estabelecer como figura parental segura e estável, estabelecendo com os seus filhos um estilo de vinculação inseguro, sendo que este registo de funcionamento suscita um elevado grau de disfuncionalidade e perturbação no desenvolvimento psicológico das crianças;

- a progenitora manifesta muitas dificuldades ao nível da diferenciação de papéis entre mãe e filhos, tendendo a posicionar-se ao nível das crianças;

- a progenitora revela não dispor de conhecimentos adequados sobre os calendários normais de desenvolvimento das crianças e sobre as necessidades que as crianças vão tendo ao longo da sua vida, o que torna ainda mais difícil a satisfação das suas necessidades.

Por outro lado, a progenitora, alegando dificuldades na gestão e organização económicas, não assegurou as visitas quinzenais aos filhos (visitava-os uma vez por mês), não acompanhou os menores às consultas e não diligenciou para estar presente nas reuniões escolares.


Em suma: embora a progenitora tenha estabilizado no âmbito dos seus relacionamentos amorosos e a habitação, após as obras realizadas, possua condições de habitabilidade conducentes à reintegração dos menores no agregado materno, a mesma não alterou o seu modus vivendi, denotou incapacidade para perceber as necessidades especiais do BB, não demonstrando empatia pelo sofrimento dos filhos acolhidos numa instituição, não tendo alterado a sua forma de ser e de estar no seu papel de mãe, deixando os filhos num vazio afectivo.

Sintomático de tal é que a AA, em face do nascimento do irmão EE, sentiu tristeza e revolta por ver que a mãe não se organizou para tê-la consigo, optando por ter mais um filho, verbalizando ainda aquela não conseguir aceitar o companheiro da mãe por estar a substituir o papel do seu pai.

Ainda assim, perante a vontade manifestada pela AA de proximidade à mãe (vide declarações de fls. 577/578), foi decidido que os menores passassem as férias escolares do Carnaval e da Páscoa de 2016 com a progenitora e o companheiro desta, tendo esse período decorrido com normalidade, sem qualquer ocorrência, com excepção da AA ter acedido através do telemóvel da progenitora a conteúdos de teor sexual que partilhou com o BB.

Perante a avaliação positiva desse convívio, e visando uma futura reintegração das crianças no agregado da progenitora, foi decidido que aquelas passariam com a mãe e companheiro desta o período das férias escolares de Verão de 2016, com início a 10 de Julho.

Porém, esse período não decorreu da forma que seria desejável para aquele fim.

Apurou-se que a progenitora e o respectivo companheiro apresentaram queixas recorrentes no que respeita ao comportamento das crianças, nomeadamente referindo que " são mal educados", " comem muito", "não sabem estar", "mexem no que não lhes pertence", incidindo mais na AA, sugerindo que por o BB ter trissomia 8, os seus comportamentos são mais facilmente aceites.

O companheiro da progenitora apresentou também queixas relativamente às dificuldades económicas que diz sentir com o encargo de mais dois elementos no agregado, referindo que "comiam muito", "tinha custos com a medicação e com as deslocações a Lisboa, fosse à instituição ou a consultas médicas".

No seguimento das dificuldades económicas apresentadas, o companheiro da mãe, referiu que não estaria disponível para assegurar a consulta médica de Estomatologia (marcada para o dia 19/08/2016) que a AA iria ter, por se tratar de mais uma despesa, acrescentando que a vinda a Lisboa para a consulta seria " uma forma das férias junto dele terminarem".

Apurou-se ainda que aquando da ida dos menores para férias, o CAT organizou a medicação para que fosse suficiente para o primeiro mês, no entanto, a mãe e o companheiro disseram ter ido ao Centro de Saúde na 2ª semana de férias solicitar prescrição da medicação, por o BB ter ficado sem medicamentos, alegando que o CAT não teria enviado a quantidade suficiente para o tempo que as crianças iriam ficar em casa.

Assim, a mãe e o companheiro denotaram incompreensão pelo comportamento das crianças, considerando a sua história de vida e institucionalização prolongada, não mostrando empatia pelo sofrimento destas. A estrutura do pensamento do companheiro da mãe levá-lo a percepcionar o comportamento das crianças como provocatória e resultado da falta de educação, dissociando-os da educação que lhes foi dada pela mãe, como se fossem os próprios os responsáveis pela sua história de vida e conduta.

Foi ainda perceptível que o companheiro da mãe diferencia - na forma de se relacionar e de perspectivar o crescimento — o seu filho EE, da AA e do BB. A progenitora das crianças e seu companheiro mantiveram ainda desinteresse em participar nas situações educativas (reuniões escolares e de acompanhamento dos apoios educativos e de saúde, designadamente consultas e exames, dos menores).

A AA no dia 16.01.2017, em declarações prestadas em tribunal, referiu que durante as férias do Verão as coisa correram mais ou menos mal, dizendo que o padrasto fica com uma cara aborrecida por eles estarem lá e que "berrou" várias vezes com ela e a mãe chamou-lhe nomes. Uma das vezes ouviu a mãe dizer ao BB para ele ir acordar a " puta " da irmã, num dos dias em que se levantou mais tarde e também lhe chamou " cabra". Referiu ainda não querer voltar a passar férias ou fins-de-semana em casa da mãe, antes prefere ficar na instituição, que gostava de estar numa família melhor do que a que tem, que a tratassem bem e não lhe chamassem nomes, mas teria que ir também o irmão BB.

O assim verbalizado revela que a AA deixou de ter expectativas de integração no agregado de qualquer um dos seus progenitores.

Da factualidade assim descrita decorre, pois, e com clareza, que em contexto real de vida (período de férias de Verão), a progenitora não denotou competências parentais suficientes para gerir as necessidades do dia-a-dia da AA e do BB, para assegurar as diferentes necessidades destes, nomeadamente ao nível da saúde e acompanhamento médico, para os proteger, supervisionar os seus comportamentos, estabelecer regras e limites e criar uma relação empática com os mesmos, revelando, ao invés, que a integração dos menores no agregado materno durante parte do período das férias escolares do Verão de 2016 despoletou instabilidade nesse agregado.

Ao não conseguir reorganizar-se e implicar-se no processo de desenvolvimento da AA e do BB, limitando-se a visitar os filhos com uma periodicidade de uma vez por mês e a telefonar-lhes, sem acompanhar os menores às consultas, sem diligenciar para estar presente nas reuniões escolares, em suma sem investir verdadeiramente na criação de laços afectivos sólidos e consistentes com os filhos, a progenitora, porventura em decorrência da sua própria incapacidade (revela um funcionamento intelectual de nível muito baixo e na zona fronteiriça com a debilidade mental), e não da mera distância entre a sua residência e a instituição de acolhimento e das dificuldades económicas que apresenta, denotou, objectivamente, manifesto desinteresse pelos filhos, não estando verdadeiramente implicada no processo de desenvolvimento destes.

Esta incapacidade da mãe veio dar razão aos técnicos que acompanharam a execução da medida de acolhimento (como deu conta a testemunha HH), ao optarem por não diligenciar pela transferência das crianças para uma instituição mais próxima da residência daquela, como chegaram a perspectivar, por já então fazerem um prognóstico negativo sobre as possibilidades da mãe se reorganizar de molde a acolher os filhos no seu agregado, entendendo então não sujeitar as crianças a mais uma mudança na vida destas.

De sua vez, o progenitor das crianças não tem um trabalho com carácter regular, tendo o seu percurso pessoal sido marcado pela situação de toxicodependência, embora com períodos de abstinência. Vive com a sua mãe de oitenta e três anos, a qual tem a seu cargo uma filha e um filho adultos, mas dependentes, com problemas de saúde física e mental e sem actividade profissional, o pai da AA e o neto GG que lhe foi entregue pelos pais quando tinha oito (8) meses.

O pai visitou os filhos de forma irregular, chegando a estar ausente durante um período de quase oito meses (entre 23-12-2014 e 13-08-2015).

Ainda que nas visitas promova o diálogo e centre a atenção em ambos os menores e estes demonstram contentamento, não questiona a equipa do CAT sobre o dia-a-dia, situação escolar e de saúde da AA e do BB, não tendo ao longo de muito tempo participado no crescimento e desenvolvimento dos filhos.

As visitas de ambos os progenitores, conforme flui do provado, não se revestem em bem estar para as crianças, por não serem em número suficiente, pois não permitem que dessa forma os pais acompanhem o crescimento e desenvolvimento dos menores e não contribuem para o estabelecimento de uma relação própria da filiação.

Nenhum elemento da família alargada manifestou vontade ou disponibilidade de ter os menores à sua guarda e cuidados, garantindo a satisfação das suas necessidades plenas de desenvolvimento físico, psíquico c emocional.

Perante este quadro fáctico, mostram-se seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, atenta a falta de competências dos progenitores para cuidarem dos filhos e de um comportamento omissivo destes, pois que num período prolongado nunca lograram reunir e assegurar as condições reais, efectivas e actuais que lhes permitissem cuidar dos mesmos, levando a que tal tarefa acabasse por ter de ser continuadamente assumida pela instituição de acolhimento, com a inevitável quebra ao nível do relacionamento afectivo da criança com os progenitores.

Pese embora os progenitores demonstrem algum afecto para com os seus filhos, o certo é que estes pais não souberam estabelecer com os mesmos uma verdadeira vinculação parental/filial, sendo de muito fraca qualidade a interacção entre ambos como é revelado pelo facto de a AA verbalizar não pretender voltar a passar férias em casa da mãe.

Os progenitores, objectivamente, não percepcionam as reais necessidades dos filhos, evidenciando um desconhecimento elevado ao nível das rotinas e adequação comportamental para com uma criança, não se vislumbrando que tenham capacidades reais para inverterem essa situação.

Tal permite fazer um prognóstico negativo acerca das possibilidades de evolução positiva da relação pais-filhos e das condições daqueles proporcionarem a estes as condições necessárias para garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral.

A AA e o BB carecem de crescer num ambiente familiar seguro e organizado, ter alguém que se preocupe com as suas necessidades individuais, que lhes transmita valores e afecto, tendo ainda o BB necessidade de alguém que dê continuidade ao acompanhamento especializado que será alvo durante toda a sua vida.

Num quadro com estes contornos, o interesse superior das crianças torna completamente inviável a aplicação às mesmas de qualquer medida que as integrem na sua família e que as mantenham no seu meio natural de vida.

Como se observa na decisão recorrida:

"Apesar da postura dos progenitores que conduziu ao acolhimento provisório em instituição dos menores, foi-lhes dada nova oportunidade de se organizarem e de investirem nestes filhos, de forma a darem prova de que os mesmos são centrais nas suas prioridades e de que seriam capazes de se centrarem nas necessidades dos filhos, secundarizando as suas.

Tal não aconteceu, o que se verifica de forma clara na fraca qualidade afectiva da relação com os filhos revelada no modo como as visitas decorreram, no reduzido número de visitas realizadas em relação àquelas que poderiam ter sido concretizadas, e no pouco investimento na mudança.

Os progenitores não estabeleceram uma vinculação forte e segura com os menores AA e BB, verificando-se que ficam mais estáveis emocionalmente e mais concentrados quando os progenitores não os visitam.

É urgente a definição de um projecto de vida que possa permitir à AA e ao BB o estabelecimento de relações de vínculo seguras, que lhes permitam vincular-se a adultos de referência e ter assim um desenvolvimento harmonioso da sua personalidade e afectos, o que não é possível no contexto da sua família biológica.

(-.)

Pelo contrário, os progenitores denotam falta de consciência quanto ao sofrimento que têm causado aos menores, ao não conseguirem satisfazer as necessidades de saúde, higiene e de estabilidade emocional dos menores, ao não interagirem de forma adequada com os menores e ao não serem constantes nas visitas (a mãe em quatro anos de acolhimento efectuou visitas num total de 96 horas, apesar de lhe terem sido sugeridas visitas quinzenais, e o pai durante o mesmo período realizou 17 visitas), sendo que a instituição onde os jovens se encontram acolhidos não estabelece quaisquer limites de horários nas visitas.

Os progenitores revelam uma postura de falta de consciência quanto às reais e básicas necessidades de higiene, de saúde e de estabilidade emocional que qualquer criança carece, e não estabeleceram uma relação afectiva forte com os filhos.

(...)

De facto, os menores AA e BB necessitam de ser protegidos e de receber os cuidados e a afeição adequados à sua idade, cuidados e afeição que não têm encontrado junto dos progenitores ou de outros familiares, não tendo os progenitores estabelecido com os menores urna vinculação segura.

Um futuro em risco é a situação dos menores AA e BB, caso fosse determinada a ida para junto dos progenitores.

(...) o tempo das crianças é curto e o crescimento é um processo demasiado rápido e contínuo e não se compadece com mais esperas e delongas.

Consideramos, em face do exposto, que os menores AA e BB não podem continuar à espera que os progenitores demonstrem sinais sólidos e consistentes de mudança.

Afigura-se-nos que a ausência de sinais consistentes de mudança da parte dos progenitores desde Junho de 2013 altura em que teve inicio o acompanhamento da Segurança Social, e desde Julho de 2013 (mês em que os menores foram acolhidos em instituição), com a necessidade de aplicar o acolhimento institucional de emergência, faz com que a probabilidade de ser de novo necessário aplicar o acolhimento institucional/residencial em favor dos menores AA e BB seja muito elevada, caso os menores sejam entregues aos cuidados dos progenitores.

Por seu turno, nenhum outro familiar demonstrou ter condições para criar e educar os menores.

A família, nuclear ou alargada, não apresenta suporte que minimamente responda às exigências educativas e de saúde que os menores AA e BB demonstram precisar actualmente.

Manter a situação, só optando pela institucionalização dos menores AA e BB seria dar-lhes o abandono forçado, frustrando o integral desenvolvimento físico, intelectual e moral dos menores, o que não é aceitável para eles, uma vez que, mais uma vez o referimos, a mãe, o pai e demais família alargada não revelam capacidade para dar-lhes a qualidade educativa mínima que lhes permita serem adultos responsáveis.

A institucionalização apenas deve ser opção num quadro de incompetência parental dos pais quando a adopção não seja solução, e julgamos que a mesma é ainda uma solução para os menores AA e BB, actualmente com 14 e 11 anos de idade, respectivamente, e é aquela medida que melhor responde às suas necessidades.

Estas crianças necessitam de estabelecer uma relação de vínculo forte e seguro com um adulto de referência, que seja capaz de satisfazer as suas necessidades de higiene, de saúde fisica e psíquicas, de estabilidade emocional e educativas.

A situação em apreço preenche a previsão do art.° 1978.2, no 1, als. d) e e), do Código Civil, uma vez que os progenitores não foram capazes de proteger a saúde fisica e psíquica dos menores, não estabeleceram com os menores uma relação de vínculo forte, seguro e de confiança".

Concorda-se, em essência com estas considerações.

O BB tem direito a um projecto de vida estruturado, calmo e gratificante que lhe permita desenvolver-se sem mais sobressaltos, não podendo ficar toda uma vida confiado a uma instituição à espera que os seus progenitores adquiram competências parentais para dele cuidarem.

Os progenitores, objectivamente, revelaram manifesto desinteresse pelo filho, ao não lhe prestarem os cuidados e a afeição adequados à sua idade e ao não se reorganizarem em tempo útil por forma a acolher o mesmo no seu agregado ou de qualquer outro familiar, situação que compromete de forma irremediável os vínculos afectivos próprios da filiação”.


Ora, perante a consideração conjunta e global da matéria de facto provada, da objectividade com que se deve aferir do preenchimento dos requisitos constantes do corpo do nº 1 e da regra de que, em qualquer caso, “na verificação das situações previstas” no nº 1 do artigo 1798º, “o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança”, como impõe o respectivo nº 2, entende-se que, no plano normativo e de estrita legalidade, nada há a censurar à decisão recorrida, relativamente ao preenchimento dos pressupostos legais da medida decretada.


O comprometimento dos vínculos afectivos da filiação decorre de um comportamento omissivo do progenitor que – num período prolongado, em que os menores careciam manifestamente dos seus cuidados - nunca logrou assegurar as condições reais, efectivas e actuais que lhe permitissem deles cuidar e assumir a respectiva educação, levando a que tal tarefa acabasse por ter de ser continuadamente assumida à instituição com a previsível e inevitável quebra que tal situação reiterada necessariamente envolve ao nível do relacionamento afectivo dos menores com o progenitor.

O progenitor visitou os filhos de forma irregular, não manifestou qualquer interesse sobre a situação dos mesmos, não procurando inteirar-se das suas vivências”, “assumindo incapacidade para cuidar dos mesmos”, “tendo estado ausente da vida dos filhos sem contactos por um longo período de tempo”– factos provados nº 16, 29 e 33.


A situação de facto dos menores relativamente ao progenitor, nenhuma dúvida coloca. Está demonstrado que não existem os vínculos afectivos próprios da filiação.


Quanto à progenitora, é deveras extensa a factualidade reveladora da sua incapacidade para assumir satisfatoriamente a maternidade em relação aos seus dois filhos.

Revela um funcionamento intelectual de nível muito baixo e na zona fronteiriça com a debilidade mental.

Apresenta traços e características de personalidade que condicionam em muito as suas capacidades para prestar cuidados de uma forma responsável e continuada.

A organização da personalidade é pautada pela desorganização funcional, imaturidade, rigidez e pela presença de traços ansiosos e impulsivos, no âmbito de uma estrutura borderline (estado limite).

A progenitora manifesta ainda uma baixa tolerância à frustração, revela dificuldades de planeamento social, pessoal e profissional, bem como muitas dificuldades para aprender e para evoluir com a sua própria experiência, não reconhecendo os problemas e como tal adoptando uma postura passiva e de desresponsabilização;

Demonstra possuir recursos internos muito limitados e competências parentais escassas para que consiga identificar e responder adequada e atempadamente tanto às necessidades físicas como às necessidades psicoactivas dos seus filhos.

A progenitora não se consegue estabelecer como figura parental segura e estável, estabelecendo com os seus filhos um estilo de vinculação inseguro, sendo que este registo de funcionamento suscita um elevado grau de disfuncionalidade e perturbação no desenvolvimento psicológico das crianças.

Manifesta muitas dificuldades ao nível da diferenciação de papéis entre mãe e filhos, tendendo a posicionar-se ao nível das crianças.

A progenitora revela não dispor de conhecimentos adequados sobre os calendários normais de desenvolvimento das crianças e sobre as necessidades que as crianças vão tendo ao longo da sua vida, o que torna ainda mais difícil a satisfação das suas necessidades.


Em suma: embora a progenitora tenha estabilizado no âmbito dos seus relacionamentos amorosos e a habitação, após as obras realizadas, possua condições de habitabilidade conducentes à reintegração dos menores no agregado materno, a mesma não alterou o seu modus vivendi, denotou incapacidade para perceber as necessidades especiais do BB, não demonstrando empatia pelo sofrimento dos filhos acolhidos numa instituição, não tendo alterado a sua forma de ser e de estar no seu papel de mãe, deixando os filhos num vazio afectivo.


E não pode deixar de pesar decisivamente que se considera improvável a aquisição pela progenitora das capacidades e condições que lhe permitam, de forma segura e adequada, assumir as suas responsabilidades parentais, sendo inconciliável com a tutela e prossecução do superior interesse dos menores a adopção de soluções «experimentais», que se consideram de viabilidade e eficácia duvidosa e que a frustrarem-se, conduziriam seguramente a acrescidos danos para a segurança e estabilidade e projecto de vida dos menores.


Nesta conformidade, entendemos, tal como no acórdão recorrido, que se verificam as situações descritas nas alíneas d) e e) do artº 1978º do Código Civil, “justificando-se, por isso, o corte (legal) total dos laços do BB com a família de origem e a sua integração numa nova família, situação que salvaguarda os superiores interesses do menor, que passam pela aplicação da medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção, a família de acolhimento ou a pessoa seleccionada para a adopção, prevista nos artigos 35°, n° 1, al. g) e 38º-A da LPCJP, assim se delineando um projecto de vida consistente para o mesmo”.


No que respeita à AA, que vai fazer 16 anos no dia 09.07.2019, também concordamos com o acerto da decisão do acórdão, pelo que nenhum reparo há a fazer. Ou seja, mostrando-se inviável a aplicação à AA de uma medida que a integre na sua família, mais não resta do que aplicar a medida de promoção e protecção de acolhimento residencial, nos termos dos artigos 35°, n° 1, f), até à maioridade, mantendo-se sob a guarda do Centro de Acolhimento Temporário …, sem prejuízo de uma futura revisão dessa medida, nomeadamente se for criada uma situação que viabilize o acolhimento familiar da jovem, como esta anseia, visando a sua preparação para a autonomia de vida.


Finalmente, as medidas propostas pela recorrente na parte final das conclusões das alegações relativamente aos menores, face ao que ficou exposto, objectivamente, não são susceptíveis de ter em conta o superior interesse dos menores.


Efectivamente, a Portaria 139/2013, de 02 de Abril estabelece a forma de intervenção, organização e funcionamento dos Centros de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental.


Já nos referimos a esta situação quanto decidimos a invocada nulidade prevista no artigo 615º nº 1 alª d) do Código de Processo Civil.


Ora, nos termos do artigo 2º daquela portaria, o CAFAP é um serviço de apoio especializado às famílias com crianças e jovens, vocacionado para a prevenção e reparação de situações de risco psicossocial mediante o desenvolvimento de competências parentais, pessoais e sociais das famílias.

Segundo o preceituado no artigo 3º (Objectivos)

O CAFAP visa a prossecução dos seguintes objectivos:

a) Prevenir situações de risco e de perigo através da promoção do exercício de uma parentalidade positiva;

b) Avaliar as dinâmicas de risco e protecção das famílias e as possibilidades de mudança;

c) Desenvolver competências parentais, pessoais e sociais que permitam a melhoria do desempenho da função parental;

d) Capacitar as famílias promovendo e reforçando dinâmicas relacionais de qualidade e rotinas quotidianas;

e) Potenciar a melhoria das interacções familiares;

f) Atenuar a influência de factores de risco nas famílias, prevenindo situações de separação das crianças e jovens do seu meio natural de vida;

g) Aumentar a capacidade de resiliência familiar e individual;

h) Favorecer a reintegração da criança ou do jovem em meio familiar;

i) Reforçar a qualidade das relações da família com a comunidade, bem como identificar recursos e respectivas formas de acesso.


Como já realçámos, perante a matéria de facto provada, não há possibilidade de satisfazer a pretensão da progenitora, que vem revelando desinteresse pelos menores: “após terem entregue as crianças no CAT, a progenitora e o companheiro não voltaram a manifestar o desejo de ter as crianças consigo” – facto provado nº 57º.


Soçobra, também nesta parte, a pretensão da recorrente.



III - DECISÃO  


Atento o exposto, nega-se provimento à revista, confirmando-se o douto acórdão recorrido.

Sem custas – artigo 4º nº 1 alínea i) do RCP.


Lisboa, 28.02.2019


Ilídio Sacarrão Martins (Relator)

Nuno Manuel Pinto Oliveira

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza

_________

[1] Proc.º nº 3064/17.4T8CSC-A.L1.S1, de que fui 1º adjunto.

[2] Proc.º nº 07B4681

[3] Código de Processo Civil Anotado, Vol V, pág. 143. Cfr. Ac.STJ de 7.7.94, in BMJ n° 439, pág. 526 e de 22.6.99, in, CJ STJ II/1999, pág. 161 e da RL de 10.22004, in CJ I/2004, pág. 105.

[4] Ac. STJde 21.12.2005, in www.dgsi.pt/jstj.

[5] Ac. STJde 8.3.2001, in www.dgsi.jstj/pt.

[6] Proc.º nº 701/06.0TBETR.P1.S1, in www.dgsi.pt/jstj.