Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
| Relator: | JOÃO CAMILO | ||
| Descritores: | AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO | ||
| Nº do Documento: | SJ20071030035416 | ||
| Data do Acordão: | 10/30/2007 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA | ||
| Sumário : | I. A providência processual prevista no nº 3 do art. 729º do Cód. de Proc. Civil, consistente em mandar ampliar a matéria de facto em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, pressupõe, em regra, a existência de factos alegados pelas partes que as instâncias desprezaram e se vieram a revelar necessários àquela decisão jurídica. Não pode aquela providência ser usada com vista a ampliar a matéria de facto, de modo a incluir factos não alegados pelas partes nos articulados – e que não sejam do conhecimento oficioso -, mas que poderiam vir a ser alegados, por convite ao aperfeiçoamento dos articulados, nos termos do art. 508º, nº 1 al. b) do citado código | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: AA propôs, no 1º Juízo do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, contra BB e marido CC, a presente acção com processo ordinário, pedindo que condene os RR. a entregar-lhe a quantia de 18.000.000$00 prevista pelas partes no contrato como cláusula penal, como indemnização mínima, justa e legal, por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos por si, com o não cumprimento tempestivo, pelos RR., do contrato que indica, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a sentença que decrete a condenação e até integral pagamento. Fundamenta este pedido, em síntese, dizendo que celebrou com os RR. um contrato de compra e venda de um lote de terreno, no âmbito do qual ficou acordada uma “cláusula penal” para o caso de uma das partes faltar ao acordado, situação esta que se veio a verificar em definitivo, sendo certo que existiu uma acção judicial anterior em que os RR. foram condenados no cumprimento do contrato. Os RR. contestaram defendendo-se, em resumo, por excepção, sustentando que se encontra já pago o preço do lote em causa e que inclusive se encontram pagos, em virtude de processo judicial anterior, os juros indemnizatórios devidos em virtude da mora e que está vedada ao A., pela força do caso julgado, a alegação ou pedido relacionado com o cumprimento ou incumprimento do contrato junto aos autos com a p.i. Alegaram, ainda, que, em virtude das obras contratadas com o A. terem ficado incompletas e com defeitos, sempre lhe assistiria a competente compensação. Mais referem que o A., ao discutir factos já decididos noutra acção, o faz em manifesta litigância de má-fé. Terminam pedindo a improcedência da acção. O A. replicou, respondendo à excepção invocada e ao pedido de condenação como litigante de má-fé, concluindo pela improcedência dos mesmos. No despacho saneador, o Mº Juiz conheceu da excepção do caso julgado, concluindo pela sua não verificação, após o que, reconhecendo que os autos já continham os necessários elementos, conheceu do pedido, julgando improcedente a acção e absolvendo os RR. do pedido. Não se conformando com esta sentença, dela apelou o A., recurso que foi julgado improcedente na Relação de Coimbra. Mais uma vez inconformado, veio o autor interpor a presente revista em cujas alegações formulou conclusões das quais resulta ter levantado, para conhecer nesta revista, as seguintes questões: a) No contrato de fls. 8 e 9 dos autos houve incumprimento definitivo parcial, por ter ficado privado das fracções prediais, com venda das mesmas pelos recorridos a terceiros ? b) A cláusula 7º do mesmo contrato estipula uma cláusula penal que tem também natureza moratória, pelo que as partes com ela quiseram que em caso de mora, o contratante que não fosse abrangido por aquela, podia exigir o pagamento do preço e da ali prevista sanção penal? c) A interpretação que o acórdão recorrido deu à cláusula referida viola o disposto nos arts. 237º e 238º, nº 1 do Cód. Civil ? d) Quando muito, deve o Supremo Tribunal de Justiça, mandar indagar da vontade real das partes, nos termos do art. 729º, nº 3, do Cód. de Proc. Civil, procedendo a 1ª instância ao convite previsto no art. 508º, nº 1 al. b), do mesmo código, se entender que os factos alegados quanto a essa matéria são insuficientes ? Os recorridos contra-alegaram, defendendo a manutenção do decidido. Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir. Como é sabido – arts. 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil -, o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes. Já vimos as concretas questões que o recorrente levantou nas suas conclusões de recurso. Mas antes de mais vejamos os factos que as instâncias deram por provados e que são os seguintes: 1. Em 29 de Outubro de 1996, por escritura pública, o A. e sua mulher declararam vender à R. e esta declarou comprar o seguinte imóvel: “Lote de terreno, destinado à construção urbana, designado Lote D, com a área de 732 m2, sito em ..., freguesia de Buarcos, deste concelho, inscrito na matriz urbana da dita freguesia de Buarcos sob o art.º 3882 e descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial da Figueira da Foz sob o n.º 1119 da referida freguesia de Buarcos”. 2. Apesar de na referida escritura se referir o preço de 5.000.000$00, o preço real da transacção foi de 18.000.000$00. 3. E, apesar de se ter declarado na escritura que o requerente tinha recebido o preço, o certo é que nada recebeu. 4. Por isso, o A. e agora já ambos os RR. fizeram, na mesma data, um contra-documento, a que denominaram contrato, devidamente assinado com assinaturas reconhecidas, no qual fizeram consignar o preço real, que era de 18.000.000$00 e que esse preço não estava pago; que a forma de pagamento dos 18.000.000$00 seria em numerário e que o pagamento só seria exigível logo que os requeridos obtivessem licença de construção para a moradia que pretendiam implantar no local adquirido e, de uma instituição de crédito, o empréstimo para a referida construção. 5. As partes atribuíram à fracção “CD”, constituída pelo quinto andar esquerdo frente destinado a habitação, em regime de propriedade horizontal, composto por três quartos, sala comum, cozinha, dispensa, dois quartos de banho, quatro roupeiros, hall, corredor e três varandas, com a área de 120 m2, de um prédio urbano sito no lugar de Senhor da Areeira, Vale das Abadias, lote n.º2, freguesia de Tavarede, concelho da Figueira da Foz, descrito na Conservatória do Registo Predial da Figueira da Foz sob o n.º01092/910920, e ainda à fracção “S”, constituída por garagem na subcave, a Poente, a 1ª de Sul para Norte e com a área de 24 m2, sito no Vale das Abadias, lote 2, Senhor da Areeira, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Tavarede com o art.º 2220-S, o valor de 15.000.000$00. Consta da cláusula 5ª, alínea b) do contrato em causa que “ou, no caso de não verificação do estabelecido na alínea a) comprometem-se a dar em pagamento ao primeiro outorgante” as duas fracções supra referidas e ainda o cheque de 3.000.000$00. 6. Os RR. obtiveram da Caixa Geral de Depósitos 2 empréstimos, um de 17.340.000$00 e outro de 12.660.000$00, os quais se converteram em definitivos em 23/05/97. 7. Em 27/06/97, os requeridos obtiveram a licença de construção, a qual foi titulada pelo alvará de licença de construção n.º223/97, emitido no processo 340/96. 8. Os factos descritos nos arts.º 1º a 24º da petição inicial foram dados como provados na sentença de 8 de Janeiro de 2003 do Tribunal Judicial da Figueira da Foz e mantidos pelo Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra de 5 de Dezembro de 2003, no âmbito do referido contrato - cfr. doc. de fls. 108 a 119, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 9. As partes naquele processo são rigorosamente as mesmas partes nos presentes autos. 10. Para a hipótese de os RR. não cumprirem o acordado em 4. ficou ainda acordado que os RR. pagariam ao A. um cheque sem data na ocasião da celebração do contrato, no valor de 3.000.000$00 e entregar-lhe-iam a fracção “CD”, constituída pelo quinto andar esquerdo frente destinado a habitação, em regime de propriedade horizontal, composto por três quartos, sala comum, cozinha, dispensa, dois quartos de banho, quatro roupeiros, hall, corredor e três varandas, com a área de 120 m2, de um prédio urbano sito no lugar de Senhor da Areeira, Vale das Abadias, lote n.º2, freguesia de Tavarede, concelho da Figueira da Foz, descrito na Conservatória do Registo Predial da Figueira da Foz sob o n.º 01092/910920, e ainda a fracção “S”, constituída por garagem na subcave, a Poente, a 1ª de Sul para Norte e com a área de 24 m2, sito no Vale das Abadias, lote 2, Senhor da Areeira, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Tavarede com o art.º 2220-S - cfr. doc. de fls. 124 a 126, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 11. No documento referido em 4., A. e RR. acordaram que “a parte que faltar ao aqui acordado pagará à outra, a título de cláusula penal, a quantia de Esc. 18.000.000$00 (Dezoito milhões de escudos)” - cfr. doc. de fls.124 a 126. 12. Na acção n.º 186/2000, aludida em 8., o A. veio pedir que fossem “condenados os RR. a entregar ao A. a fracção “CD” (…) a fracção “S” (…) subsidiariamente (…) condenados os mesmos a pagar ao A. a quantia de 25.000.000$00 correspondentes ao valor de mercado dos referidos bens, acrescidos de juros à taxa legal, desde a sentença que decrete esta condenação, tudo com custas pelos réus.” - cfr. doc. de fls.105 a 107, que aqui se dá por integralmente reproduzido. 13. Na acção referida em 8. foi proferida sentença, mantida pelo Tribunal da Relação de Coimbra e pelo Supremo Tribunal de Justiça, onde se decidiu “condenar os RR.,BBe marido CC, a pagarem ao A., AA, o valor em Euros correspondente a 15.000.000$00 (quinze milhões de escudos) acrescidos de juros de mora, à taxa legal, desde a presente decisão até efectivo pagamento; b) absolver os RR. da parte do pedido não incluída em a)” - cfr. doc. de fls. 108 a 119. 14. Nos presentes autos o A. pede que os RR. sejam condenados “…a entregar ao A. a quantia de 18.000.000$00, prevista pelas partes no contrato como cláusula penal, como indemnização mínima, justa e legal por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo A., com o não cumprimento tempestivo pelos RR. do contrato que ora se junta sob o n.º1, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a data da sentença que decrete esta condenação até integral pagamento, tudo com custas pelos RR.” Vejamos agora cada uma das concretas questões acima elencadas como objecto deste recurso. a) Nesta primeira questão pretende o recorrente que no contrato objecto desta acção, houve incumprimento definitivo parcial, por a venda das fracções prediais a que o recorrente tinha direito, terem sido vendidas a terceiros. Ora pensamos que o recorrente não tem razão nesta pretensão como doutamente já concluíram as instâncias, nomeadamente o douto acórdão recorrido. A questão aqui em causa prende-se com a determinação de qual a prestação a que o recorrente tinha direito, das duas previstas no contrato de fls. 8 e 9. O recorrente na acção nº 186/2000 que propôs contra os aqui réus pediu como cumprimento coercivo daquele contrato, a condenação dos réus a entregar-lhe os mesmos imóveis, ou se houver impossibilidade de o fazer, a condenação dos réus a pagar-lhes o então actual valor dos mesmos. Naquela acção foi julgado pelo acórdão deste Supremo Tribunal, cuja certidão consta a fls. 87 e segs., que a prestação a que o aqui recorrente tinha direito por força do mesmo contrato consistia na parte do preço não liquidado – 15.000.000$00 - e não na entrega das fracções referidas - ou seu valor actualizado -, cuja entrega era facultativa para os recorridos – cfr. fls. 95. Daí que a satisfação daquela parte do preço referido e a que os recorridos foram ali condenados, pagamento esse que o recorrente admite ter recebido, não permite dizer que houve incumprimento definitivo parcial, devido à não entrega das referidas fracções a que, repetimos, segundo o citado acórdão, o recorrente não tinha direito. Improcede, assim, este fundamento do recurso. b) Nesta segunda questão defende o recorrente que a cláusula 7ª do contrato em apreço tinha também natureza moratória, no sentido de que a mora no cumprimento de qualquer das demais cláusulas fixadas naquele contrato daria direito ao contratante não incumpridor de exigir o montante daquela sanção penal. Tal como as instâncias entenderam e sobretudo o douto acórdão recorrido concluiu fundamentadamente, o recorrente não tem razão nesta pretensão. Assim, bastaria remeter para aquele acórdão para a rejeição da presente pretensão. No entanto e sem pretender dizer nada de novo, iremos de forma mais sintética apreciar esta questão. Trata-se aqui do problema de interpretar a referida cláusula contratual. A lei prevê nos arts. 236º a 238º do Cód. Civil as normas que regem a interpretação das declarações negociais. Assim, o disposto no art. 236º, nº 1 prescreve que a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não poder razoavelmente contar com ele. E continua aquele dispositivo que sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida. Por seu lado, o nº 2 do citado artigo estipula que sempre que ao declaratário conheça a vontade real do declarante, será de acordo com ela que vale a declaração emitida. O art. 237º prescreve que em caso de dúvida sobre o sentido da declaração, prevalece, nos negócios gratuitos, o menos gravoso para o disponente e, nos onerosos, o que conduzir ao maior equilíbrio das prestações. Além disso, tratando-se de negócio formal, o art. 238º, nº 1 do mesmo código estipula que a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso. Na interpretação da declaração negocial há que atender a todas as circunstâncias do caso concreto, todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário efectivo, teria tomado em conta. Ora acolhendo estes conceitos, dúvidas não restam, como dizem as instâncias, de que o sentido da referida cláusula é o de que a sanção na mesma prevista, o foi apenas para o caso de incumprimento definitivo da obrigação e não também para o caso da mera mora no cumprimento. Com efeito, a referida cláusula está integrada num contrato escrito constante de fls. 8 e 9, em que complementarmente a uma compra e venda de um lote de terreno que o recorrente e mulher fizeram como vendedores à ré mulher como compradora, em que se declarou o preço de 5.000.000$00 e que já estava pago, celebrada por escritura pública, contrato aquele em que se refere que o preço real daquela compra e venda é de 18.000.000$00 e que não estava pago. No mesmo contrato de fls. 8 e 9 se diz que o referido preço seria pago em numerário, após a concessão da licença de construção referente ao terreno objecto da compra e venda, no prazo de dois meses após a obtenção pelos réus de empréstimo bancário e que caso se não verificasse este pagamento, os réus pagariam o terreno com um cheque de três milhões de escudos que logo passariam sem data e, ainda, com a entrega de duas fracções prediais que se identificam. No mesmo contrato de fls. 8 e 9 se acrescenta a referida cláusula 7ª em que se diz “ a parte que faltar ao aqui acordado pagará à outra, a título de cláusula penal, a quantia de Esc. 18.000.000$00 .“ Na falta de alegação de quaisquer outros factos de onde se pudesse avaliar a real vontade das partes contratantes, será de acordo com o texto da mesma cláusula e do seu enquadramento que será aquela interpretada. As instâncias já dissertaram doutamente sobre a teoria da natureza moratória ou compensatória da cláusula penal. Resumindo, diremos que segundo o art. 810º, nº 1 do Cód. Civil, as partes podem estabelecer por acordo o montante da indemnização devida pelo incumprimento a que se chama cláusula penal. Segundo ensina o Prof. A. Varela, in “Das Obrigações em Geral”, vol. II, 4ª ed., pág. 13, aquela sanção consiste na estipulação pela qual as partes fixam o objecto da indemnização exigível do devedor que não cumpre, como sanção contra a falta de cumprimento”. Este instituto pode ter por finalidade a estipulação de uma sanção superior à sanção legal para o incumprimento, pode ter em vista facilitar o cálculo da indemnização exigível, pode destinar-se a limitar a eventual indemnização ou, ainda, a dispensar o credor de alegar e provar o montante do dano sofrido em virtude do incumprimento. Esta sanção pode ter natureza compensatória, no caso de ser estipulada para o caso de não cumprimento definitivo do contrato, situação em que, nos termos do art. 811º, nº 1 do Cód. Civil, não pode o credor exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal. Pode também a cláusula penal ter natureza moratória, ou seja, quando é estipulada para o caso de ser devida apenas havendo mera mora do devedor – visando, assim, coagir o devedor a um cumprimento atempado -, caso em que o credor pode exigir o cumprimento da obrigação contratual e, simultaneamente, o pagamento da cláusula penal. Nesta última hipótese, a cláusula penal é normalmente fixada em dinheiro de montante variável em função do tempo de mora e, muitas vezes, de valor crescente com o prolongamento do atraso no cumprimento da obrigação. Passando para o caso dos autos, por um lado, o texto da cláusula ao referir-se a “faltar ao acordado” aponta no sentido de se referir a incumprimento definitivo. Por outro lado, o montante fixo e avultado da cláusula aponta para essa mesma natureza, pois se não compreende que podendo a mora ter gravidade diversa - ou seja, pode haver uma mora de um dia, de um mês, de um ano ou de vários anos -, a sanção para esses diversos lapsos de tempo de atraso na satisfação da obrigação seja a mesma pesada sanção igual ao montante da obrigação principal em causa. Tudo isto leva a concluir que o declaratário normal colocado na posição do real declaratário não pudesse contar que a cláusula penal fixada no contrato fosse devida pela simples mora no cumprimento, mas esse declaratário deduziria que a mesma sanção era devida apenas em caso de incumprimento definitivo. Por tudo o exposto e o mais alinhado na douta decisão recorrida se julga improcedente este fundamento do recurso. c) Nesta terceira questão pretende o recorrente que a interpretação dada àquela cláusula pelas instâncias violaria o disposto nos arts. 237º e 238º, nº 1 do Cód. Civil. Segundo o primeiro destes dispositivos, em caso de dúvida do sentido da vontade real das partes numa declaração negocial há que, nos negócios onerosos, adoptar o sentido que conduza ao maior equilíbrio das prestações. Antes de mais, este preceito é apenas aplicável em caso de dúvida sobre a determinação da vontade negocial que não tenha sido resolvida pela aplicação dos critérios dos números 1 e 2 do art. 236º. E já vimos que por aplicação do critério do nº 1 citado se determinou aquela vontade negocial, pelo que se não aplica aqui o citado preceito. Além disso, sendo a referida cláusula aplicável a qualquer um dos contraentes que faltar ao acordado, e não podendo ser previsível qual dos contraentes irá violar o acordado, não parece ser aqui de aplicar o referido preceito, por então se não poder descortinar a parte que ficaria onerada com a sanção penal. Mas se entendermos que a referida cláusula se destina especialmente aos réus, por o demais clausulado apenas ter estabelecido uma obrigação principal àqueles, consistente no pagamento do preço em falta e referente à compra e venda da escritura mencionada, teremos que concluir que a imposição da sanção aos réus em caso de mera mora – que, repetimos, pode apenas ser de escassos dias -, levaria a uma desproporção entre as prestações, dado que o autor forneceria um terreno no valor de 18.000.000$00 aos réus e estes, além do respectivo preço, ainda estariam onerados com o pagamento da sanção penal de igual montante, em caso de simples mora no referido pagamento. Por outro lado, a norma do art. 237º que privilegia o maior equilíbrio das prestações integra-se no pensamento maior e geral de procura da justiça cumutativa que a lei prossegue. E esta levar-nos-ia a optar pelo sentido de interpretação de que tal pesada sanção só se aplicaria no caso de incumprimento definitivo e não de mera mora, pois, de outro modo, estar-se-ia a fixar uma desproporção entre a falta cometida – mero atraso na prestação que, como dissemos já, até pode ser de escassos dias – e a sanção imposta à mesma falta. O recorrente ainda refere que a simples mora ocasionou grandes prejuízos ao mesmo que enumera, mas que em grande parte não alegou sequer nos articulados, pois aí nem sequer referiu quando recebeu efectivamente o referido preço. De qualquer modo, os danos derivados da mora podem ser ressarcidos se peticionados, o que não ocorreu aqui. Assim, o disposto no art. 237º do Cód. Civil não aponta no sentido da pretensão do recorrente. Além disso, tal como já resulta da decisão da al. b), a interpretação dada pelas instâncias e aqui sufragada é a que tem maior apoio no texto da cláusula em causa, pelo que se não violou o disposto no nº 1 do art. 238º acima mencionado, naufragando, desta forma mais este fundamento do recurso. d) Finalmente resta apreciar a pretensão do recorrente de que deve este Supremo Tribunal aplicar o disposto no art. 729º, nº 3 do Cód. de Proc. Civil. Também aqui não assiste razão ao recorrente na pretensão. O citado art. 729º, nº 3 estipula que o processo só volta ao tribunal recorrido quando o Supremo Tribunal entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorram contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito. Tal como já decidiu o ac. deste Supremo de 14.01.98, in BMJ 473º, pág. 484, a faculdade de mandar ampliar a matéria de facto só poderá efectivar-se no respeitante a factos articulados pelas partes ou do conhecimento oficioso, em consonância com o que se estabelece no art. 264º. Assim, sendo inexequível, por falta de alegação, suportará as consequências a parte sobre quem recai o respectivo ónus de prova ou de alegação – cfr. F. Amâncio Ferreira, in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, pág. 276, da 6ª ed. E acrescenta este último autor citando J. Rodrigues Bastos, “ a faculdade concedida no nº 3 do art. 729º é para ser exercida quando as instâncias seleccionaram imperfeitamente a matéria da prova, amputando-a, assim, de elementos que consideravam dispensáveis mas que se verifica serem indispensáveis para o Supremo definir o direito”. Por outras palavras, diremos que a referida providência processual visou reparar um erro do tribunal de modo a que este não prejudique a parte que fez a alegação devida e na altura certa e não tem por finalidade dar mais uma oportunidade à parte que não fez essa alegação atempada. E esta solução compreende-se. Com efeito, não se justifica a remessa dos autos para ampliação da matéria de facto com factualidade que possa eventualmente vir a ser apresentada, em obediência ao referido convite. Esta eventualidade tornava injustificado o uso de instrumento tão dispendioso – inutilização das decisões das instâncias - só para a hipótese de poder vir a ser alegado factualidade bastante para o fim em causa. Ora o recorrente não alegou quaisquer factos de onde pudesse resultar a interpretação que defende, tal como resulta, desde logo, da análise da petição inicial. Também o recorrente não aponta os factos que tenha alegado e que as instâncias tenham desprezado e que pudessem levar àquele entendimento. Por outro lado, a existência de uma mera faculdade legal de a 1ª instância convidar a aperfeiçoar os articulados, nos termos do art. 508º, nº 1 al. b), do Cód. de Proc. Civil, não tem a relevância de inutilizar a actividade processual desenvolvida até agora, à espera de eventual aperfeiçoamento. Improcede, desta forma, este fundamento do recurso e com ele toda a revista. Pelo exposto, nega-se a revista. Custas pelo recorrente. Lisboa, 30 de Outubro de 2007 Moreira Camilo ( Relator ) Fonseca Ramos Rui Maurício. |