Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1210/12.3POLSB.L1.S3
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ISABEL SÃO MARCOS
Descritores: EVASÃO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
CONSTITUCIONALIDADE
OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
CRIME CONTINUADO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
SUBSTITUIÇÃO DA PENA DE PRISÃO
Data do Acordão: 11/23/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / DECISÕES QUE NÃO ADMITEM RECURSO.
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / PENAS DE PRISÃO E DE MULTA / SUBSTITUIÇÃO DA PENA DE PRISÃO.
Doutrina:
-Cristina Líbano Monteiro, Comentário Conimbricense do Código Penal, 2001, Tomo III, Coimbra Editora, anotação 13.ª ao artigo 349.º, p. 365;
-Eduardo Correia, Direito Criminal II, Livraria Almedina, Coimbra, 1965, p. 209;
-Jorge de Figueiredo Dias, Actas e Projecto da Comissão de Revisão do Código Pena, 1993, Acta n.º 35, p. 409 ; As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, § 520, p. 291, 230 e 231;
-M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio, Código Penal, Parte geral e especial, Com Notas e Comentários, 2014, Almedina, anotação 3.ª ao artigo 349.º, p. 1180;
-Manuel Leal Henriques e Manuel Simas Santos, Código Penal Anotado, 3.ª Edição, II volume, Parte Especial, Rei dos Livros Editora, p. 1523 a 1525 e 1530 a 1531;
-Manuel Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, Legislação Complementar, 16.ª Edição, 2007, Almedina, p. 813;
-Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Ed. Universidade Católica Portuguesa, 2008, p. 829;
-Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2.ª Edição Actualizada, Universidade Católica Editora, anotação 6.ª ao artigo 349.º, p. 916.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 400.º, N.º 1, ALÍNEA E).
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 43.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 32.º, N.º 1.
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS HUMANOS (CEDH): - ARTIGO 5.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 06-12-2007, PROCESSO N.º 3.752/07;
- DE 20-11-2008, PROCESSO N.º 1972/08;
- DE 22-01-2009, PROCESSO N.º 2.833/08;
- DE 10-02-2010, PROCESSO N.º 80/09.3GTBRG.G1.S1;
- DE 05-12-2012, PROCESSO N.º 11453/10.9TDLSB.L1.S1;
- DE 17-01-2013, PROCESSO N.º 219/11.9JELSB.S1;
- DE 29-09-2015, PROCESSO N.º 412/2015;
- DE 13-07-2016, PROCESSO N.º 429/2016;
- DE 09-02-2017, PROCESSO N.º 21/14.6GBVCT.G1.S1.

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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:


- ACÓRDÃO N.º 429/2016, DE 13-07-2016;
- ACÓRDÃO N.º 49/2003, DE 29-01-2003;
- ACÓRDÃO N.º 255/2005, DE 24-05-2005;
- ACÓRDÃO N.º 682/2006, DE 13-12-2006;
- ACÓRDÃO N.º 353/2010, DE 06-10-2010;
- ACÓRDÃO N.º 324/2013, DE 04-06-2013;
- ACÓRDÃO N.º 163/2015, DE 04-03-2015;
- ACÓRDÃO N.º 412/2015, DE 29-09-2015;
- ACÓRDÃO N.º 35/2016, DE 19-10-2016.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:


- DE 13-11-2012, PROCESSO N.º 450/10.4TASTB.E1.
Jurisprudência Internacional:
TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM (TEDH):


- DE 28-07-2016, PROCESSO C-294/16;
- DE 23-02-2017, TOMMOSO C. ITÁLIA, RECURSO 43395/09.
Sumário :
I - A jurisprudência recente do TC tem vindo a considerar inconstitucional a interpretação da al. e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP que entende serem irrecorríveis os acórdãos da relação que, em recurso, de decisão absolutória, condenam em pena de prisão efectiva.
II - In casu, a relação procedeu à condenação do arguido, dado provimento ao recurso interposto pelo MP, sem alterar a matéria de facto, enquanto que nos acórdãos do TC, a relação, em recurso, havia alterado a matéria de facto para proceder à condenação dos arguidos. Tal diferença não conduz, contudo, a leitura diversa da al. e) do n.º 1 do art. 400.º do CPP.
III - O direito ao recurso, consagrado no art. 32.º, n.º 1, da CRP sofrerá forte compressão se não for viabilizada a possibilidade de a decisão em causa ser reapreciada por uma outra instância, designadamente na parte relativa à integração da facticidade provada no mencionado tipo legal, tendo tudo como efeito a condenação do arguido numa pena de prisão efectiva. É certo que, em obediência ao princípio do contraditório, o arguido dispôs do direito de responder ao recurso interposto pelo MP em ordem a expor os argumentos tendentes, em sua opinião, a contrariar os invocados pelo recorrente e bem assim a demonstrar a sua falta de razão, mas não mais do que isso.
IV - Para reagir de forma consciente, activa, e eficaz contra a decisão que lhe resultou inequivocamente desfavorável, o arguido tem de conhecer, previamente, o fundamento, a espécie, e o quantum da pena em que foi condenado, o que só acontece, de facto, quando se inteira do conteúdo da decisão condenatória da relação. Pelo que, ter-se-á que admitir o presente recurso de acórdão condenatório da relação, na sequência de recurso de sentença absolutória.
V - Incorre na prática do crime de evasão não só quem se encontrar privado da liberdade em virtude de detenção ou de prisão, mas também quem estiver sujeito a obrigação de permanência na habitação, tenha ela sido aplicada a título de medida processual de coacção ou para efeitos de cumprimento de pena. Entendimento que saiu reforçado com a nova redacção dada pela Lei 94/2017, de 23-08, ao art. 43.º, do CP.
VI - A continuação criminosa pressupõe a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilite a repetição da actividade delitiva, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito. No caso, não se descortina a existência de uma situação exterior que, diminuindo a culpa do arguido, o tivesse determinado a delinquir de forma reiterada e, como assim, a tornar cada vez menos exigível que se comportasse de acordo com a norma jurídica desrespeitada.
VII – No caso não se pode dizer que o crime tivesse sido executado de forma essencialmente homogénea nas 5 ocasiões em que o arguido o preencheu com a sua ilícita actuação, sendo ademais irrelevante para o caso o período mais ou menos dilatado de tempo em que, ausentando-se do local onde cumpria a obrigação de permanência na habitação, logrou subtrair-se à situação de privação da liberdade em que se encontrava por decisão judicial.
Decisão Texto Integral:

***

I. Relatório

1.

Na 1.ª Secção Criminal, J15, da Instância Central da Comarca de Lisboa, o arguido AA foi, por acórdão de 13.12.2016, julgado e, a final, absolvido da prática de cinco crimes de evasão, previstos e punidos pelo artigo 352.º, número 1, do Código Penal.

2.

Inconformado com esta decisão, o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 27.04.2017, dando provimento ao recurso, decidiu revogar parcialmente a decisão recorrida e condenar o arguido AA, no que interessa ora para o caso, pela prática de cinco crimes de evasão, previstos e punidos pelo artigo 352.º, número 1, do Código Penal, em cinco penas de 8 (oito) meses de prisão cada e, em cúmulo jurídico, na pena conjunta de 2 (dois) anos de prisão.
3.
 Irresignado com o assim decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, o arguido AA interpôs, então, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo extraído, da motivação que apresentou, as seguintes conclusões:

A. O arguido recorre por ser um direito constitucionalmente garantido e por a decisão ora proferida lhe ser desfavorável, na medida em que aplicou-lhe, após a absolvição, uma pena privativa da liberdade;

B. Donde o interesse em agir e a legitimidade, porquanto nos termos do artigo 399º, 400º nº 1 al. e) a contrario e al. f) e 432º nº 1 al. b) do CPP o permitir sobe pena de tal norma ter contornos de inconstitucionalidade, se interpretadas no sentido de inadmissibilidade de recurso de acórdão proferido pelas relações, em recurso exclusivamente interposto pelo Ministério público, em desfavor dos arguidos, em caso de absolvição, por pena privativa da liberdade, por violação do artigo 32º nº 1 da nossa Lei Fundamental.

C. Sufragamos na íntegra a tese doutrinal e jurisprudencial que entende não cometer o crime de evasão quem se ausenta ilegitimamente da sua habitação, não só por não poder haver lugar a uma dupla penalização do facto, mas por a própria CRP não o consentir, e, nessa medida é a Lei Ordinária que tem de se submeter à CRP e não esta àquela.

D. Pelo que, interpretar-se normativamente o artigo 352º nº 1 do CPP no sentido do Tribunal recorrido de que está preenchido o crime de evasão “ em todas as situações de quem se encontre “legalmente privado da liberdade”, incluindo os arguidos sujeitos à obrigação de permanência na habitação com ou sem vigilância electrónica, dado que esta constitui uma privação da liberdade nos termos previstos no artigo 201º do CPP, é inconstitucional por violação do disposto no artigo 27º nºs 2 e 3 da CRP.

E. Donde salvo superior e melhor opinião em entender-se que o crime de evasão está preenchido o arguido devia ter sido só condenado por um único crime e não por 5 crimes como o foi.

F. Termos em que, sempre ressalvado o devido respeito, o arguido a ser condenado devê-lo-ia ter sido por um único crime de evasão de uma pena de 8 meses de prisão, atendendo até ao desvalor do resultado, que foi reduzido, substituído por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade nos termos do art.º 43º e 44º do C.P, sendo certo que quanto a este aspecto o tribunal nada referiu, pelo que entendemos estar eivado de nulidade por omissão de pronúncia.

G. Donde o douto acórdão recorrido é nulo por omissão de pronúncia nos termos do artigo 379º nº 1 al.c) do CPP.

H. Por erro e má aplicação do direito foram violadas as normas acima indicadas”.

4.

Ao motivado e assim concluído pelo recorrente, respondeu o Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa, sustentando que o recurso não poderá proceder. E isto já porque quanto à possibilidade de a medida coactiva de obrigação de permanência na habitação (OPH) ser tida, para efeitos do artigo 352.º, número 1, do Código Penal, como privação legal da liberdade, a posição acolhida no acórdão recorrido constitui uma das opções viáveis, já porque não há qualquer fundamento para se considerar a existência de um só crime, uma só resolução criminosa, uma especial acessibilidade que diminua a culpa do agente, já porque, pelas razões aduzidas no acórdão recorrido, não poderá ser imposta ao arguido uma pena de substituição, designadamente qualquer uma das indicadas pelo mesmo.

5.

Subidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, a Senhora Procuradora-Geral-Adjunta, na oportunidade conferida pelo número 1 do artigo 416.º do Código de Processo Penal, pronunciou-se no sentido de que o recurso deverá ser rejeitado, já porque resulta inadmissível, tendo em vista o disposto nos artigos 400.º, número 1, alínea e) e 432.º, número 1, alínea b), do Código de Processo Penal, já porque, ainda que assim não fosse, a obrigação de permanência na habitação (OPH) constitui uma privação de liberdade, como tem sido entendido para efeitos de habeas corpus.

 6.

Tendo sido dado cumprimento ao disposto no artigo 417.º, número 2, do Código de Processo Penal, o arguido reiterou a posição antes assumida.

Colhidos os “vistos” em simultâneo, o processo foi presente à conferência para decisão, por não ter sido requerida audiência de julgamento.

***

II. Dos Fundamentos

II.1 – De Facto

O tribunal recorrido deu como assentes os seguintes factos:

“1. No dia 18 de Janeiro de 2012, no âmbito do NUIPC 11/11.0PEAMD, que correu termos no Departamento de Investigação e Acção Penal da Amadora, o arguido AA foi detido e presente a 1.º interrogatório judicial pela prática de dois crimes de roubo, um deles na forma consumada e outro na forma tentada, tendo-lhe sido aplicada, nesse mesmo dia, a medida de coacção de prisão preventiva.

2. A 3 de Abril de 2012 tal medida de coacção foi substituída pela medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, passando o arguido, desde então, a residir no ..., e tendo-lhe sido aposto, para fiscalização do cumprimento da referida medida, um dispositivo de identificação pessoal (vulgo pulseira electrónica).

3. No dia 16 de Julho de 2012, pelas 10 horas e 44 minutos, o arguido, após remover, de forma não concretamente apurada, o dispositivo de identificação pessoal que lhe havia sido colocado, abandonou a aludida residência, apenas regressando à mesma pelas 13 horas e 26 minutos do mesmo dia, hora em que lhe foi colocado novo dispositivo pela competente equipa da Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.

4. No dia 28 de Julho de 2012, pelas 20 horas e 19 minutos, o arguido removeu, de forma não determinada, o dispositivo de identificação pessoal que lhe havia sido aposto no dia 16 do mesmo mês e abandonou a mencionada residência.

5. No dia 29 de Julho de 2012, pelas 0 horas e 40 minutos, o arguido regressou à sua morada e contactou os serviços da DGRSP, vindo a ser-lhe colocado, pela 1 hora e 10 minutos, novo dispositivo de identificação pessoal.

6. No dia 17 de Agosto de 2012, pelas 18 horas e 42 minutos, o arguido retirou novamente o dispositivo que lhe havia sido aposto e saiu da sua residência.

7. Nesse mesmo dia, pelas 23 horas, o arguido regressou à sua morada e contactou os serviços da DGRSP, que ali se deslocaram pelas 23 horas e 25 minutos, colocando-lhe novo dispositivo de fiscalização.

8. No dia 19 de Agosto de 2012, pelas 21 horas e 14 minutos, o arguido removeu novamente o referido dispositivo e abandonou a sua habitação, regressando à mesma pelas 21 horas e 44 minutos.

9. No dia 20 de Agosto de 2012, pelas 21 horas e 56 minutos, o arguido retirou de novo o dispositivo de identificação pessoal e abandonou a sua residência, não regressando à mesma.

10. Designada data para a sua audição quanto às razões do incumprimento da aludida medida a 28 de Agosto de 2012, o arguido não compareceu nem justificou a sua ausência.

11. O arguido sabia que lhe havia sido aplicada a medida de coacção de permanência na habitação com vigilância electrónica, sabendo ainda que tinha de se sujeitar à mesma e que não podia ausentar-se da sua residência sem autorização.

12. Não obstante, quis actuar da forma descrita, com o propósito de se eximir à privação legal da sua liberdade.

13. Agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

14. O arguido é natural de Lisboa onde sempre residiu integrando uma família de etnia cigana, residindo numa zona da cidade conotada com problemas graves de integração social onde proliferam comportamentos desviantes e práticas ilícitas.

15. As relações intrafamiliares são descritas como harmoniosas prevalecendo o espirito de interajuda.

16. O arguido desde tenra idade integrou o agregado familiar dos avós maternos, com quem viria a estabelecer uma relação afectiva privilegiada, não deixando contudo de conviver de perto com os progenitores e irmãos que residiam perto.

17. Apesar de toda a família apresentar condições de vida estáveis em termos económicos e de viverem de forma sedentária e com boas condições de habitabilidade, o arguido não foi motivado para a aquisição de competências escolares pelo que abandonou o sistema de ensino sem ter adquirido conhecimentos básicos, permanecendo até à sua entrada na prisão sem saber ler nem escrever.

18. O arguido privilegiou desde criança o acompanhamento dos familiares na venda ambulante em feiras e mercados, actividade que veio a desenvolver mais tarde de forma autónoma.

19. Com cerca de vinte anos contraiu matrimónio, com a actual companheira da qual tem quatro filhos.

20. Foi também por volta desta idade que o arguido se iniciou no consumo de estupefacientes, tendo começado por fumar haxixe e mais tarde passou a consumir cocaína e heroína, por influência do grupo de pares com quem passava a maior parte do seu tempo.

21. Neste momento encontra-se abstinente e revela motivação para assim continuar.

22. Na exterior, conta com o apoio da família que apesar de revelar uma atitude critica face aos comportamentos desviantes do arguido, mantém-se apoiante e interessada em colaborar na sua reinserção social.

23. À data dos factos, o arguido residia com a companheira e os quatro filhos do casal, numa casa que pertence a uma cooperativa e na qual já residem há alguns anos, não tendo com a mesma quaisquer encargos de renda, nem de água e electricidade.

24. A família dedica-se à venda ambulante, tendo o arguido e a companheira banca própria apesar de esta actividade ser um negócio de família.

25. De salientar o facto de o arguido não ter documentação legal que o habilite a conduzir, situação que dificulta a sua autonomia face à actividade que pretende desenvolver, a venda ambulante.

26. O arguido apresenta-se como um indivíduo com reduzidas competências pessoais, as quais foram condicionadas essencialmente pela falta de escolaridade e pela sua ligação aos consumos de estupefacientes.

27. A família que se revela apoiante com atitude protectora e desculpabilizante relativamente às práticas criminais que o arguido vem adoptando.

28. No Estabelecimento Prisional de Sintra onde se encontra desde 10/03/2015, tem mantido um comportamento adequado às normas e regras institucionais encontrando-se a frequentar o sistema de ensino, revelando bastante satisfação pelo facto de ter já adquirido competências ao nível da escrita e da leitura.

29. Em termos de saúde o arguido não apresenta queixas, mas tem tendência para deprimir.

30. Recebe visitas da companheira, filhos, progenitores e outros familiares os quais se mostram disponíveis para o ajudar quando este regressar ao meio livre.

31. Até ao momento o arguido ainda não beneficiou de licenças jurisdicionais.

32. Encontra-se neste momento a cumprir uma pena de 3 anos e 9 meses de prisão.

33. O arguido tem os seguintes antecedentes criminais:

- por sentença de 07/10/2004, transitada em julgado a 25/05/2006, proferida no âmbito do processo n.º 370/00.0GELSB do 2.º juízo Criminal de Lisboa foi condenado na pena de € 237,00 pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p., no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3/01, por factos ocorridos a 31/08/2000;

- por acórdão de 08/02/2007, transitado em julgado a 23/02/2007, proferido no âmbito do processo n.º 1450/05.PEAMD da 3.ª Secção da 1.ª Vara Criminal de Lisboa, foi condenado na pena única de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, pela prática de 4 crimes de roubo, p. e p., no artigo 210.º n.º 1 do Código Penal e de 1 crime de roubo na forma testada, p. e p., nos artigos 210.º n.º 1 e n.º 2, 204.º n.º 2 alínea f) e 22.º do Código Penal, por factos ocorridos a 18/06/2006;

- por acórdão de 17/09/2012, transitado em julgado a 18/10/2012, proferido no âmbito do processo n.º 11/11.0PEAMD da 2.ª Secção do Juízo de Grande Instância Criminal da comarca da Grande Lisboa-Noroeste, foi condenado na pena de 2 anos de prisão substituída por 480 horas de trabalho a favor da comunidade, pela prática de um crime de roubo na forma tentada, p. e p., nos artigos 210.º n.º 1, 22.º, 23.º e 73.º do Código Penal, por factos ocorridos a 02/01/2011;

- por sentença de 22/10/2012, transitada em julgado a 20/11/2012, proferida no âmbito do processo n.º 1114/11.7T3AMD da 2.ª Secção do Juízo de Média Instância Criminal do Tribunal da comarca da Grande Lisboa-Noroeste, foi condenado na pena de 180 dias de multa, pela prática de um crime de furto, p. e p., no artigo 203.º n.º 1 do Código Penal, por factos ocorridos a 24/02/2011;

- por acórdão de 09/03/2011, transitado em julgado a 17/02/2014, proferido no âmbito do processo n.º 708/09.5PKLSB da 4.ª Vara Criminal de Lisboa, foi condenado na pena de 1 ano e 10 meses, suspensa na sua execução por igual período com regime de prova, pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p., nos artigos 143.º n.º 1, 145.º alínea a) por referência ao 132.º n.º 2 alínea h) do Código Penal, por factos ocorridos a 21/07/2009;

- por acórdão de 13/12/2011, transitado em julgado a 28/02/2014, proferido no âmbito do processo n.º 633/08.7PEAMD da 5.ª Vara Criminal de Lisboa, foi condenado na pena única de 3 anos e 9 meses de prisão, pela prática de 2 crimes de roubo, p. e p., no artigo 210.º n.º 1 do Código Penal, por factos ocorridos a 05/2008 e um crime de roubo, p. e p., nos artigos 210..º n.º 1 e n.º 2 alínea b) com referência ao 204.º n.º 2 alínea f) e n.º 4 do Código Penal, por factos ocorridos a 10/05/2008.

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II.2 – De Direito

Face à motivação e às conclusões formuladas pelo recorrente [que, salvo as questões de conhecimento oficioso, são, como se sabe, as que definem e delimitam o objecto do recurso (número 1 do artigo 412.º do Código de Processo Penal)], constata-se que as questões que nas mesmas se colocam são as seguintes:

A. Admissibilidade do recurso interposto da decisão que, proferida em recurso pela Relação, condenou o arguido, que havia sido absolvido em 1.ª Instância, em cinco penas de 8 (oito) meses de prisão, cada uma, pela prática de cinco crimes de evasão, previstos pelo artigo 352.º, número 1, do Código Penal e, em cúmulo jurídico, na pena conjunta de 2 (dois) anos de prisão efectiva (conclusões A, B);

B. Qualificação jurídica dos factos (conclusões C, D, E);

C. Pena (conclusão F);

D. Nulidade da decisão por omissão de pronúncia – artigo 379.º, número 1, alínea c), do Código de Processo Penal (conclusão G).

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2.1 – Da admissibilidade do recurso

2.1.1

A.

Relativamente à primeira questão – suscitada pelo recorrente e pela Senhora Procuradora-Geral-Adjunta no Supremo Tribunal de Justiça − constata-se que, tendo na acusação deduzida pelo Ministério Público sido imputada ao arguido AA a prática cinco crimes de evasão, previstos e punidos pelo artigo 352.º, número 1, do Código Penal, nos termos do acórdão de 13.12.2016, proferido em 1.ª Instância, veio o mesmo arguido e ora recorrente a ser absolvido da prática dos referidos crimes.

Sendo que, na procedência dada ao recurso que o Ministério Público interpôs da referida decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa, este, por acórdão de 27.04.2017, condenou o arguido AA, pela prática dos referidos cinco crimes de evasão, previstos e punidos pelo artigo 352.º, número 1, do Código Penal, em outras tantas penas parcelares de 8 (oito) meses de prisão cada, e, em cúmulo jurídico, na pena conjunta de 2 (dois) anos de prisão efectiva.

E, como também se viu, sustenta o Ministério Público no Supremo Tribunal de Justiça que o recurso que o arguido AA interpôs daquela decisão de 27.04.2017 da Relação não é admissível, uma vez que, de acordo com o disposto no artigo 400.º, número 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redacção introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21.02[1], não é admissível recurso de acórdãos proferidos em recurso, pelas relações que apliquem pena privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos.

Posição que − como referido no acórdão de 09.02.2017 deste Supremo Tribunal que, com a mesma formação de Juízes, foi prolatado no Processo n.º 21/14.6GBVCT.G1.S1, da 5.ª Secção − é bem verdade, sem dissensões de maior (já antes mas sobretudo desde a entrada em vigor da Lei n.º 20/2013, de 21.02, que deu ao citado preceito a sua actual redacção), durante longo tempo o Supremo Tribunal de Justiça[2] acolheu, com o aval do Tribunal Constitucional[3], cuja jurisprudência veio, porém, mais recentemente a inflectir de sentido[4].

Inflexão de sentido que, primeiro, no acórdão n.º 412/2015, de 29.09.2015, da Secção, e depois no acórdão n.º 429/2016, de 13.07.2016, tirado em Plenário, o Tribunal Constitucional concretizou ao “Julgar inconstitucional a norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoriamente, face à absolvição ocorrida em 1.ª Instância, condena os arguidos em pena de prisão efectiva não superior a cinco anos, constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redacção da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, por violação do direito ao recurso enquanto garantia de defesa em processo criminal, consagrado no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição”.

E isto, em suma, no entendimento que, assumido no aludido acórdão do Tribunal Constitucional n.º 429/2016, de 13.07.2016, vai no sentido de:

19. Nos casos em que existe uma absolvição da primeira instância revogada por decisão condenatória em pena de prisão da segunda instância, não é assegurada no julgamento do recurso uma reapreciação das consequências jurídicas do crime. Trata-se, pelo contrário, de uma decisão inovadora com consequências fundamentais na posição jurídica do arguido, designadamente na sua liberdade, relativamente à qual é negado o acesso a uma reapreciação por um tribunal superior.

Na verdade, uma situação em que a uma absolvição de primeira instância sucede a condenação em pena de prisão, no tribunal de recurso, implica necessariamente o surgimento de uma parte da decisão que se apresenta como integralmente nova: o processo decisório concernente à determinação da medida da pena a aplicar. A decisão que define a pena de prisão é proferida pelo Tribunal da Relação sem que anteriormente, designadamente em primeira instância, haja qualquer apreciação sobre a pena a impor ao arguido. O arguido vê-se confrontado com uma pena de privação de liberdade cujo fundamento e medida não tem oportunidade de questionar em sede alguma. Neste caso, os critérios judiciais de determinação, em concreto, da medida adequada da pena escapam a qualquer controlo. Existem, portanto, nesta situação, dimensões do juízo condenatório que não são objecto de reapreciação. Pelo menos quanto a estas matérias, existe uma apreciação pela primeira vez apenas na instância de recurso, sem que exista a previsão legal de um segundo grau de jurisdição.

Neste contexto, aceitar a irrecorribilidade da decisão condenatória, em situações como a configurada pela norma em apreciação, seria admitir que o direito fundamental ao recurso, enquanto expressão das garantias de defesa do arguido, consagradas no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição, não garante sequer a reapreciação por uma segunda instância da decisão que define a pena de prisão efectiva. Esta seria, assim, uma decisão do juiz que se apresentaria como livre de qualquer controlo”.

Entendimento que, prosseguindo na fundamentação vertida no mesmo aresto n.º 429/2016, de 13.07.2016, o Tribunal Constitucional, relembrando que tem de modo reiterado afirmado que “o exercício do «direito ao recurso implica, naturalmente, que o recorrente tenha a possibilidade de analisar e avaliar os fundamentos da decisão recorrida, com vista ao exercício consciente, fundado e eficaz do seu direito…»”, considerou que se, no caso da norma da alínea e) do número 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, “o arguido só toma conhecimento do fundamento, tipo e quantum da pena em que vai condenado através do acórdão do Tribunal da Relação, que o condena ... apenas nesse momento está logicamente em condições para recorrer dessa decisão, já que antes ela nem sequer existe”, então “o direito do arguido ao recurso da sua condenação, neste caso, não se pode bastar com o exercício do contraditório no recurso interposto pelo Ministério Público da sua absolvição. O conteúdo típico do direito ao recurso abrange o efectivo poder de suscitar uma reapreciação da decisão jurisdicional desfavorável. Para tal, o arguido tem de poder ter acesso aos fundamentos dessa decisão que só são conhecidos no momento da sua prolação, não em momento anterior, nas alegações de recurso. A norma em apreciação implica uma compressão deste conteúdo, desde logo porque a decisão condenatória integra, regra geral, matéria não abrangida pela decisão de primeira instância, designadamente no que respeita ao acervo factual relevante para a escolha e determinação da medida da pena aplicada. Mesmo que esse processo decisório se sustente apenas nos factos apurados em primeira instância, ele implicará necessariamente uma valoração assente num critério de doseamento da medida da pena que ao arguido só é revelado com a sua condenação. Ora, pelo menos quando está em causa a restrição ao direito à liberdade que implica a condenação a uma pena de prisão efectiva, uma ablação desta natureza do direito ao recurso é inadmissível. Neste caso, só após a decisão ser proferida pode existir verdadeiro exercício do direito de recurso quanto a essa decisão pois, caso contrário, o desconhecimento do critério/tipo de sanção – por a condenação em segunda instância ter sido antecedida de absolvição – não permite reagir contra a pena de prisão efectivamente imposta pelo tribunal. Trata-se de uma situação em que as garantias de defesa exigem o acesso a uma nova instância”, o que permite que “…a parte da decisão com maior potencial de lesão dos direitos fundamentais do arguido fica à margem do recurso, sendo aceite como livre de qualquer controlo…”

E prosseguindo no raciocínio, refere-se ainda no mencionado acórdão n.º 429/2016, de 13.07.2016 do Tribunal Constitucional, que “A norma objecto do presente processo, ao determinar a irrecorribilidade do acórdão da segunda instância que, em recurso de decisão absolutória, condena em pena de prisão efectiva, constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do CPP, procede a uma restrição do direito do recurso do arguido que leva à sua total ablação, por não lhe permitir sindicar a condenação proferida na Relação, depois de lhe ser compreensivamente vedado, desde logo por falta de interesse ou legitimidade, recorrer da decisão de primeira instância …solução [que] é manifestamente excessiva …”, por violar o artigo 32.º, número 1, da Constituição, “ao prever a inadmissibilidade de recurso do acórdão da Relação, que invertendo o julgamento absolutório proferido pelo tribunal de julgamento em primeira instância, afirmando um juízo de culpabilidade do arguido, o condena em pena de prisão efectiva até cinco anos de prisão”.

B.

Ora, revendo-nos, como já dissemos no citado aresto de 09.02.2017, nesta jurisprudência última do Tribunal Constitucional a respeito da interpretação da citada norma da alínea e) do número 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal [convocada, como visto, pelo recorrente e pelo Ministério Público para, de acordo com a interpretação que cada qual faz, sustentar, respectivamente, a recorribilidade e a irrecorribilidade da decisão sob impugnação que, como referido, condenou o arguido AA, em recurso, na pena conjunta de 2 (dois) anos de prisão efectiva], bem se compreenderá que quem, como nós, a sufraga, dificilmente pode sustentar coisa diversa num caso como o que se encontra sob escrutínio.

E isto apesar de, nos seus contornos específicos, o caso concreto não resultar exactamente idêntico ao apreciado no citado acórdão n.º 412/2015 do Tribunal Constitucional.

2.1.2

A.

Efectivamente, enquanto na situação subjacente ao decidido naqueloutros arestos sobre que incidiu a decisão do Tribunal Constitucional, a Relação, em recurso, alterando a matéria de facto, condenou os arguidos, pela prática de dois crimes de que haviam sido absolvidos em 1.ª Instância, em penas parcelares de medida não superior a cinco anos de prisão e, em cúmulo jurídico, em penas conjuntas de prisão efectiva, de medida também inferior a cinco anos, na situação retratada nos presentes autos, sem alterar a matéria de facto, a Relação, dando provimento ao recurso do Ministério Público, condenou o arguido e ora recorrente, pela prática dos mencionados cinco crimes de evasão, previstos e punidos pelo artigo 352.º, número 1, do Código Penal (de que o mesmo havia sido absolvido em 1.ª Instância), em cinco penas parcelares de 8 (oito) meses de prisão cada e, em cúmulo jurídico, na pena conjunta de 2 (dois) anos de prisão efectiva.

Não obstante estas particularidades que caracterizam o caso sub juditio, não se divisam razões para considerar que, nele, o direito ao recurso, consagrado no artigo 32.º, número 1, da Constituição, não sofrerá forte compressão se não for viabilizada a possibilidade de a decisão em causa ser reapreciada por uma outra instância, designadamente na parte em que, a integração da facticidade provada no mencionado tipo legal, tendo tido como efeito a condenação do arguido numa pena de prisão efectiva, acarretou um “maior potencial de lesão dos direitos fundamentais do arguido”, desde logo ao nível da sua liberdade.

É certo que, em obediência ao princípio do contraditório, o arguido dispôs do direito de responder ao recurso interposto pelo Ministério Público em ordem a expor os argumentos tendentes, em sua opinião, a contrariar os invocados pelo recorrente e bem assim a demonstrar a sua falta de razão … mas, não mais do que isso!

Ora, para reagir de forma consciente, activa, e eficaz contra a decisão que lhe resultou inequivocamente desfavorável, o arguido tem de conhecer, previamente, o fundamento, a espécie, e o quantum da pena em que foi condenado, o que, na linha do entendimento sufragado nos citados arestos do Tribunal Constitucional, só acontece, de facto, quando se inteira do conteúdo da decisão condenatória da Relação.

Com efeito, se é verdade que só na ocasião em que se inteira do conteúdo da decisão o arguido dispõe das condições necessárias para impugná-la, já que antes ela não existe sequer, não deixa de ser também certo que o mero exercício do contraditório em relação ao recurso interposto pelo Ministério Público não basta para garantir de forma efectiva o direito que, gozando o arguido de recorrer da sua condenação, lhe garante a possibilidade de obter a reapreciação da decisão que lhe resulta desfavorável, maxime na parte em que o condene em pena privativa da liberdade, tenha ela sido alicerçada apenas no acervo factual apurado em 1.ª Instância, ou não.

Assim, a aceitar-se, numa situação como esta, a irrecorribilidade da decisão da Relação, tal teria como efeito admitir-se que o direito ao recurso, objecto de consagração constitucional no artigo 32.º, número 1, da Lei Fundamental, não garantiria, pelo menos, a possibilidade de um outro tribunal de recurso, no caso o Supremo Tribunal de Justiça, reapreciar a decisão que, definindo a pena de prisão efectiva, ficaria livre de qualquer controlo.  

Termos em que, por resultar mais conforme à Constituição, enquanto capaz de garantir um próprio e efectivo direito ao recurso, consagrado no seu artigo 32.º, número 1, se julgue admissível o recurso que o arguido AA interpôs do acórdão da Relação.

**

2.2 – Da Qualificação Jurídica dos factos integradores dos referidos crimes de evasão

2.2.1

2.2.1.1

Com respeito a esta questão, entende, em suma, o recorrente (confira-se conclusões C, D, e E da motivação que apresentou) que não integra o crime de evasão a conduta do agente que, estando sujeito a obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, como sucedia no seu caso, se ausenta ilegitimamente da mesma habitação porquanto, correspondendo a uma dupla incriminação do facto, tal não é permitido pela Constituição, diploma a que há-de submeter-se a lei ordinária.

Ora, pronunciando-se sobre a problemática em apreço, o tribunal recorrido fundamentou (confira-se folhas 416 a 419 dos autos) a decisão que veio a tomar do seguinte jeito:

«Dispõe o art.º 352º nº 1 do C. Penal (crime de Evasão) que: “1. Quem, encontrando-se legalmente privado da liberdade, se evadir é punido com pena de prisão até dois anos (...)”.

Conforme anota Paulo Pinto Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, Ed. Universidade Católica Portuguesa, 2008, pág. 829:

“2. O bem jurídico protegido pela incriminação é a autoridade pública do sistema estadual de justiça, quando profere decisões de privação da liberdade (mais restritivamente, CRISTINA MONTEIRO, anotação 9.ª ao artigo 349.º, in CCCP, 2001, considerando que se tutela apenas a segurança dos estabelecimentos onde se executam as medidas privativas da liberdade, o que está em contradição com o propósito expresso da revisão do CP de 1995).

3. O crime de tirada de presos é um crime de dano (quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido) e de resultado (quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção) (sobre estes conceitos ver a anotação ao artigo 10.º).

4. O tipo objectivo consiste na libertação, por meio de violência, ameaça ou artifício, de pessoa legalmente privada da liberdade, ou na instigação, promoção ou auxílio da evasão de pessoa legalmente privada da liberdade. A equiparação penal da autoria e cumplicidade constitui um desvio grave aos princípios gerais da responsabilidade criminal, que resulta da circunstância da impunidade da evasão nos sistemas Alemão, Suíço e Austríaco.

5. Por decisões privativas da liberdade deve entender-se todas as decisões que ordenam prisão, detenção ou internamento, quer elas sejam definitivas quer sejam transitórias, quer visem imputáveis adultos ou jovens ou inimputáveis, quer as decisões sejam tomadas no âmbito do processo penal ou do processo de expulsão ou extradição.

6. Também está incluída a obrigação de permanência na habitação, seja como medida de coacção, seja como pena (artigos 44.º e 62.º). Com efeito, a substituição da expressão "pessoa legalmente presa, detida ou internada em estabelecimento destinado à execução de reacções criminais privativas da liberdade" pela expressão "pessoa legalmente privada da liberdade", aquando da reforma do CP de 1995, visou precisamente o alargamento do âmbito da tipicidade, de modo a incluir todas as formas de privação da liberdade, incluindo as medidas de segurança, a prisão preventiva e a própria obrigação de permanência na habitação (expressamente neste sentido, ACTAS CP/ FIGUEIREDO DIAS, 1993: 409). CRISTINA MONTEIRO (em anotação 13.º ao artigo 349.º, in CCCP, 2001) entende que a essência do delito está na quebra da custódia oficial da pessoa e que a pessoa submetida a medida de coacção de obrigação de permanência na habitação ainda não entrou "naquela esfera de controlo cerrado". A argumentação, além de contrária à história do preceito, contraria também a natureza privativa da liberdade da própria obrigação de permanência na habitação, natureza essa agora reforçada pelos artigos 44.º e 62.º (também neste sentido, MAIA GONÇALVES, 2007, 1057) ”.

“Contrariamente à interpretação restritiva efectuada pelo tribunal a quo, entendemos que o tipo legal de crime em análise abarca as situações em que o agente se encontre sujeito à Obrigação de Permanência na Habitação, acompanhada de vigilância electrónica como é o caso dos autos.

Neste sentido, sufragamos a posição expressa no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13.11.2012, proferido no âmbito do processo nº 450/10.4TASTB.E1, aliás mencionado do douto acórdão recorrido.

Com efeito, como ali se menciona, o art.º 352º, nº 1, do CP de 1995 corresponde ao art.º 329º do Código anterior. Contudo, ocorreu uma alteração importante na redacção dessa previsão legal, pois, substituiu-se a expressão "encontrando-se em situação, imposta nos termos da lei de detenção, internamento ou prisão, em regime fechado, ou aproveitando-se a sua remoção ou transferência", por " quem encontrando-se legalmente privado da liberdade".

Aliás, para Maia Gonçalves, in Código Penal Português, anotado e comentado, na anotação nº 2, ao art.º 352º, tal como salientado no citado acórdão, a alteração visou precisamente o alargamento do âmbito da tipicidade de modo a incluir todas as formas de privação de liberdade, incluindo, portanto, a obrigação de permanência no domicílio.

Tal como se refere ainda neste acórdão:

" (...) de acordo com a unidade do sistema jurídico, a obrigação de permanência na habitação, enquanto medida coactiva, foi equiparada à prisão, seja para contagem do tempo de prisão (art.º 80.º, do CP), seja para verificação dos pressupostos de aplicação ou ainda para efeitos de reexame dos mesmos pressupostos (artºs 193º, nº2 e 213º, respectivamente, ambos do CPP)(...).

(...) A questão está em saber se o novo texto, além da alteração da terminologia, pretendeu alterar o âmbito da previsão, alargando-a a situações que estão para além das tipificadas na anterior redacção, concretamente à obrigação de permanência na habitação prevista no art.º 201º do actual Código de Processo Penal, ou, em maior pormenor, se a expressão "legalmente" tem âmbito diferente da expressão "imposta nos termos da lei". A expressão "legalmente privado da liberdade" pode englobar várias interpretações, nomeadamente:

A de quem, por decisão judicial, está privado da sua liberdade, independentemente do meio, modo ou circunstância ou alcance em que está coarctada a sua capacidade de se movimentar, o seu direito a ser livre;

A adiantada, pelo citado Paulo Pinto de Albuquerque, respeitando às decisões privativas de liberdade englobam todas as decisões que ordenam detenção, prisão ou internamento, quer elas sejam definitivas quer sejam transitórias, pelo que ali também estará incluída a obrigação de permanência na habitação – OPH -, principalmente, quando acompanhada de vigilância electrónica, como ocorria no caso em análise.

Acresce que, seguindo o mesmo entendimento, o Prof. Figueiredo Dias, no âmbito da elaboração das actas de revisão do Código Penal, esclareceu que a expressão "pessoa legalmente privada de liberdade" está utilizada no sentido de abranger também as medidas de segurança, a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação. (...)

(...) pelos motivos apontados, entendemos que a previsão do citado art.º 352.º do CP abrange todas as situações de quem se encontre "legalmente privado da liberdade", incluindo os arguidos sujeitos à obrigação de permanência na habitação, com vigilância electrónica, dado que esta constitui uma privação da liberdade, nos termos previstos no art.º 20º do CPP (...)" ( da resposta do M.P.)».

2.2.1.2

Partilhando da posição que, sufragada no acórdão recorrido, conta igualmente com o apoio de M. Miguez Garcia e J. M. Castela Rio[5], e de Manuel Leal Henriques e Manuel Simas Santos[6], julga-se que, para efeitos da previsão normativa do artigo 352.º do Código Penal, na expressão “quem, encontrando-se legalmente privado da liberdade”, cabe por inteiro a situação de quem estiver sujeito à obrigação de permanência na habitação (OPH), sobretudo quando, como no caso vertente, executada com fiscalização por meio técnico de controlo à distância, previsto na Lei n.º 33/2010, de 02.09.

Efectivamente, na linha do entendimento que, partilhado maioritariamente pela doutrina e bem assim pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, recolhe o assentimento do Professor Jorge de Figueiredo Dias que assim se pronunciou de modo inequívoco nas Actas e Projecto da Comissão de Revisão do Código Penal[7], por claro tem-se que na prática do crime de evasão incorre não tão-só quem se encontrar privado da liberdade em virtude de detenção ou de prisão mas ainda e também quem estiver sujeito à obrigação de permanência na habitação (OPH), tenha ela sido aplicada a título de medida processual de coacção (artigo 201.º do Código de Processo Penal) ou para efeitos de cumprimento de pena (artigos 44.º, número 2, e 62.º, do Código Penal).

Entendimento que, com a nova redacção dada, pela Lei n.º 94/2017, de 23.08 ao artigo 43.º do Código Penal, saiu aliás reforçado.

É que, como bem decorre do número 1 da citada norma do artigo 43.º do Código Penal na redacção introduzida pela Lei n.º 94/2017, de 23.08, passou ora a ser possível executar, em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, a pena de prisão efectiva não superior a dois anos [alínea a)], a pena de prisão não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º do Código Penal [alínea b)], e a pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação da pena privativa da liberdade ou de não pagamento de multa previsto no número 2 do artigo 45.º [alínea c)].

Alargamento das possibilidades de execução da pena através de obrigação de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância que dá clara indicação sobre a verdadeira e própria natureza de tal forma de privação do direito à liberdade que, no essencial, semelhante à prisão, tem como imediata e específica consequência para a pessoa que a ela se encontrar sujeita a privação do seu “jus ambulandi”, só com a diferença de, como anota o saudoso Juiz Conselheiro Manuel Maia Gonçalves[8], em vez de estar intra muros num estabelecimento prisional, estar confinada à sua habitação.

E tudo isto sem perder de vista a objecção que por alguma jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem sido feita a propósito de situação paralela e atinente à admissibilidade da providência de habeas corpus em virtude de prisão ilegal requerida por ou em benefício de pessoa sujeita a obrigação de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.

Objecção que, em suma prendendo-se com a recusa da possibilidade de se fazer uma interpretação extensiva da norma do artigo 222.º do Código de Processo Penal de modo a tornar aplicável a providência de habeas corpus à obrigação de permanência na habitação (cuja constitucionalidade deriva, afinal, da circunstância de tal medida privativa da liberdade constituir um minus em relação à prisão ou detenção ilegal, previstas nos artigos 27.º, número 3, alínea b), e 28.º da Constituição da República[9]), tem como assente que a privação da liberdade há-de advir da custódia oficial a que se encontra sujeita a pessoa que, para tanto, deverá estar confinada a um controlo estrito, cerrado, só possível com a sua reclusão em estabelecimento do Estado previsto para o efeito, e já não confinada ao seu domicílio, ainda que com fiscalização por meio técnico de controlo à distância[10].

Porém, contra essa objecção é costume argumentar-se[11] que foi o legislador quem, ciente da similitude existente entre a prisão (preventiva ou não) e a obrigação de permanência na habitação, encontrou razões para, com respeito a esta medida, equiparar (artigo 218.º, número 3, do Código de Processo Penal) os prazos máximos de duração e de suspensão do seu decurso, de reexame dos respectivos pressupostos e de libertação que estabeleceu para a prisão preventiva nos artigos 215.º, 216.º, 217.º, e 213.º do Código de Processo Penal e bem assim à mesma estender a aplicação da norma do artigo 225.º, número 1, alínea a), do Código de Processo Penal.

Do mesmo passo que, estabelecendo a obrigatoriedade de desconto no cumprimento da pena de prisão (artigo 80.º, número 1, do Código Penal) do tempo sofrido pela pessoa em regime, não tão-só de detenção e de prisão preventiva mas também de obrigação de permanência na habitação (OPH), o legislador alargou, na Lei n.º 94/2017, de 23.08 (artigo 43.º), as possibilidades já previstas no artigo 44.º introduzido pela Lei n.º 59/2007, de 04.09, de cumprimento da pena privativa de liberdade em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.

Para além de que, como tem entendido a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH)[12], para se determinar se a medida a que se encontra sujeita uma determinada pessoa é privativa da sua liberdade na acepção do artigo 5.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) ou se é meramente restritiva da sua liberdade e enquanto tal regulada no artigo 2.º do Protocolo n.º 4 Adicional à Convenção, sempre terá de atender-se à concreta situação dessa mesma pessoa, considerando, designadamente, o tipo, o modo de implementação, a duração da medida, sem descurar os efeitos que da execução desta decorrem para a sua liberdade, de sorte que o que releva para a distinção entre privação e restrição da liberdade é, não a natureza carcerária mas, o grau e a intensidade da medida.

Em face de tudo isto e sem perder de vista o tipo, o modo de implementação, a forma de execução da obrigação de permanência na habitação, particularmente quando fiscalizada por meios técnicos de controlo à distância, a sua duração, e os efeitos da mesma decorrentes para a liberdade da pessoa a ela sujeita, forçoso será concluir que a medida a que o arguido e ora recorrente se encontrava sujeito aquando dos factos ilícitos dos autos trata-se de uma verdadeira e própria medida privativa da liberdade, logo em tudo semelhante à prisão (preventiva ou não).

E sendo assim conclui-se que, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 352.º do Código Penal, o arguido, sujeito à medida de obrigação de permanência na habitação fiscalizada através de meios técnicos de controlo à distância, estava legalmente privado da sua liberdade quando, sem autorização judicial, se ausentou do local onde a mesma medida vinha sendo executada.

2.2.2

Depois, no que concerne à invocada dupla penalização do agente que seja condenado pelo crime de evasão por ilegitimamente se ter ausentado do local onde se encontrava sujeito à obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, carece também de razão o recorrente que, limitando-se aliás a fazer tal afirmação, não a fundamenta minimamente, de modo que por compreender fica o raciocínio que lhe subjaz.

Não obstante isto, para o caso de o recorrente considerar que a alegada dupla penalização da conduta resultaria do facto de, em virtude da violação por parte do agente sujeito à obrigação de não se ausentar do local onde é executada, poder tal medida (imposta a título de medida processual de coacção ou como forma de execução da pena) vir a ser substituída pela prisão (preventiva ou não) e torná-lo passível de procedimento pelo crime de evasão, sempre se dirá que também não lhe assiste razão.

E desde logo porque em causa encontram-se realidades distintas.    

Na verdade, uma coisa é o regime de permanência na habitação e os fins que, visados pelo mesmo, ficam comprometidos com a actuação do agente que se ausenta ilegitimamente do espaço a que, por decisão judicial, se acha confinado e a reacção que o sistema de justiça prevê para quando tal aconteça (artigo 203.º, número 2, do Código de Processo Penal e artigo 44.º, números 2, e 3, do Código Penal).

E outra coisa é a consequência tipificada na lei penal para a conduta do agente que, desrespeitando a autoridade pública encarregada do sistema estadual de justiça, se ausenta ilegitimamente do local a que, nos termos da competente decisão judicial, deveria estar confinado para cumprimento da medida privativa de liberdade [de prisão (preventiva ou não) ou de obrigação de permanência na habitação] que lhe foi imposta e que por via disso é passível de incorrer na prática do crime objecto de previsão no citado artigo 352.º, do Código Penal.

Ademais, não se opondo qualquer objecção à penalização da conduta do agente nos termos da aludida disposição legal quando o mesmo se encontra em regime de prisão (preventiva ou não) que deverá manter-se, mal se compreende a objecção que porventura se faça quando, tratando-se de obrigação com permanência na habitação, esta é, por via de verificado insucesso, revogada e substituída pela prisão.

2.2.3

Por fim e ora no que diz respeito à problemática atinente à unidade ou pluralidade de infracções, ponderando os moldes em que a questão vem colocada, por esclarecer fica o que concretamente tem em vista o recorrente: ser condenado por um só crime ou por um crime na forma continuada.

Seja como for, não lhe assiste também razão, como já se verá.  

Efectivamente, em face da matéria provada nada permitindo concluir que as ausências ilegítimas do arguido e aqui recorrente, em 16.07.2012, 28.07.2012, 17.08.2012, 19.08.2012, e 20.08.2012, do local onde vinha executando a medida coactiva de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica (que, em 03.04.2012, lhe havia sido imposta em substituição da medida coactiva de prisão preventiva) tivessem ficado a dever-se a um único desígnio criminoso, de arredar é, desde já, a possibilidade de a descrita conduta ilícita integrar um só crime de evasão.

Sendo que outro tanto acontece com respeito ao crime continuado que, como é sabido, tem subjacente uma pluralidade de resoluções criminosas.

E isto considerando que, como ensinava Eduardo Correia[13], pressupondo a continuação criminosa a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilite a repetição da actividade delitiva, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é de acordo com o direito, no caso vertente não se descortina a existência de uma situação exterior que, diminuindo a culpa do arguido, o tivesse determinado a delinquir de forma reiterada e, como assim, a tornar cada vez menos exigível que se comportasse de acordo com a norma jurídica desrespeitada[14].
Diminuição da culpa do agente que, a verificar-se, entendeu o legislador reclamar a formulação de um só juízo de censura, e não vários, como seria suposto acontecer quando em causa se encontram comportamentos violadores de várias normas incriminadoras ou da mesma norma incriminadora por mais de uma vez.
De facto, importa ponderar que a actuação ilícita do arguido, não se confinando a uma única data, repetiu-se de modo espaçado, ao longo de mais de um mês e por cinco vezes, o que é bem revelador da existência – isso sim – de uma arreigada e até desafiante vontade criminosa.
E depois porque, pese embora o tipo de crime em causa, não se poderá dizer que o mesmo tivesse sido executado de forma essencialmente homogénea nas cinco ocasiões em que o arguido o preencheu com a sua ilícita actuação, sendo ademais irrelevante para o caso o período mais ou menos dilatado de tempo em que, ausentando-se do local onde cumpria a obrigação de permanência na habitação, logrou subtrair-se à situação de privação da liberdade em que se encontrava por decisão judicial.
Ponderando pois tudo isto, julga-se não ser passível de censura a qualificação jurídica dos factos efectuada pelo tribunal recorrido que, como visto, os teve como integradores de cinco crimes de evasão, previstos e punidos pelos artigos 26.º, 30.º, número 1, e 352.º, número 1, todos do Código Penal.
Improcede, em consequência, o recurso nesta parte.
**
2.3 – Das consequências jurídicas do crime
2.3.1
Como atrás se referiu, na linha do raciocínio expendido quanto à qualificação jurídica dos factos provados – que, no seu entender, configurariam, não cinco crimes mas, apenas um crime de evasão – sustenta o recorrente que, a ser condenado na pena de 8 (oito) meses de prisão pela prática do mencionado crime de evasão, deveria a mesma pena ser substituída por multa ou outra pena não privativa da liberdade nos termos dos artigos 43.º, e 44.º, do Código Penal. Normas que, na opinião do recorrente, não foram tidas em devida conta pelo tribunal recorrido, que assim incorreu na nulidade da decisão prevista na alínea c) do número 1 do artigo 379.º do Código de Processo Penal.
Não obstante a limitação do recurso imposta pelo jeito como o arguido abordou a questão relativa à medida da pena, importa apurar então da justeza (ou não) da medida das penas parcelares e conjunta que lhe foram aplicadas e bem assim da arguida nulidade da decisão sob impugnação.
Assim, começando, por razões de ordem meramente lógica, pela última das questões…
2.3.1 – Da arguida nulidade da decisão
Como referido, sustenta – sem razão, como se verá – o recorrente que, no acórdão sob impugnação, o Tribunal incorreu na nulidade do artigo 379.º, número 1., alínea c), do Código de Processo Penal, por ter omitido pronúncia a respeito da substituição da sua pena por uma pena de multa ou outra pena não privativa da liberdade.
Efectivamente, em sede de escolha e determinação da medida concreta da pena, o tribunal recorrido, depois fixar em oito meses de prisão a pena a aplicar por cada um dos crimes de evasão e em dois anos de prisão a pena conjunta, abordou a aludida problemática na perspectiva da sua suspensão na execução, que arredou por considerar que a tanto se opunham as necessidades de prevenção, quer geral quer especial.
E o tribunal recorrido bem assim fez ao apreciar a questão na perspectiva da suspensão da pena que impos − como visto, de medida superior a um ano de prisão mas não superior a cinco anos de prisão – já que era a única pena de substituição susceptível de ser aplicada no caso (artigos 43.º, 44.º, 45.º, 46.º, 47.º, e 50.º, do Código Penal).
Ora, a ser assim, o acórdão recorrido não se encontra ferido da nulidade da decisão prevista no artigo 379.º, número 1, alínea c), do Código de Processo Penal, aplicável aos acórdãos proferidos em recurso por força do artigo 425.º, número 4, do mesmo diploma.
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2.3.2− Das penas parcelares
2.3.2.1

Como claramente decorre do disposto no artigo 40.º, número 1, do Código Penal, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade são as finalidades visadas pelas penas que, servindo finalidades exclusivas de prevenção geral e especial, têm por escopo, com a prevenção geral positiva ou de integração, alcançar a tutela dos bens jurídicos, o que vale por dizer a confiança dos cidadãos na validade das normas jurídicas e bem assim restabelecer a paz jurídica afectada com a prática do crime.

Sendo que, dentro dos limites da prevenção geral positiva ou de integração, hão-de actuar as necessidades de prevenção especial de socialização, cabendo a estas, como refere Figueiredo Dias[15] determinar em último termo a medida da pena, que deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade.

De outro passo, sabido que, se em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (artigo 40.º, número 2, do Código Penal), o limite a partir do qual aquela não pode ultrapassar esta serve de barreira intransponível às considerações preventivas, para efeitos de determinação da medida concreta da pena, a efectuar dentro dos limites da respectiva moldura, a lei manda atender, no artigo 71.º do Código Penal, a determinados factores, que relevam tanto pela culpa como pela prevenção.
2.3.2.2

Ora, com respeito a esses factores, elencados de forma não exaustiva, sempre cabe não perder de vista, a par do grau médio de ilicitude dos factos, do dolo directo com que actuou o recorrente, a circunstância de, no curto espaço de tempo de pouco mais de um mês ter o arguido incorrido na prática dos referenciados cinco crimes de evasão.

Depois, importa ainda não postergar, para além das exigências de prevenção geral (elevadas em face da reiteração da conduta delitiva do arguido), que acentuadas representam-se as necessidades de prevenção especial, tendo em vista os seus antecedentes criminais.

Efectivamente, desde há uma década que o arguido vem sofrendo condenações (seis) pela prática de crimes vários, e designadamente desde o crime de condução sem habilitação legal até roubos, passando por crimes de ofensa à integridade física e de furto.

Por outra via, há que ter em devida conta as condições pessoais do recorrente e onde sobrelevam, a par da sua condição social e económica, que são modestas, e das suas reduzidas competências académicas e profissionais, as circunstâncias de, tendo companheira e quatro filhos menores, contar com o apoio dos seus familiares mais próximos, e de em reclusão (situação em que se encontra desde 10.03.2015) manter um comportamento adequado às normas institucionais estabelecidas e estar a frequentar o sistema de ensino.

Sopesando tudo isto e o demais que, em consonância com o estatuído nos artigos 40.º, e 71.º, do Código Penal deve ponderar em sede de escolha e de determinação da medida da pena, e não vislumbrando razões para que as penas a aplicar ao arguido sejam atenuadas especialmente nos termos do artigo 352.º, número 2, do Código Penal, posto que a tanto se opõem as necessidades de prevenção geral e sobretudo especial, julga-se que, no âmbito da respectiva moldura abstracta (como visto, situada entre um mês e dois anos de prisão), a pena de 8 (oito) meses de prisão aplicada por cada um dos cinco crimes cometidos, revelando-se adequada, proporcional, e justa, não é passível de qualquer censura, pelo que se impõe confirmá-la.

Posto isto…

*

2.3.3 – Da Pena Conjunta

2.3.3.1
Com respeito à pena conjunta prescreve o artigo 77.º, número 1, do Código Penal que «Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente».

Sendo que, quanto ao modo de pôr em prática os mencionados critérios definidos no número 1 do artigo 77.º do Código Penal, diz Figueiredo Dias[16]: «Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)».

Por sua vez, dispõe o número 2 do artigo 77.º do Código Penal que «A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes».

Quer isto dizer que a medida concreta da pena do concurso (dentro da moldura abstracta aplicável, que é calculada a partir das penas impostas aos diversos crimes que integram o mesmo concurso) é determinada, tal qual sucede com a medida das penas parcelares, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (artigo 71.º, número 1 do Código Penal), que é o critério geral, e a que acresce, tratando-se de concurso (quer do artigo 77.º quer do artigo 78.º do Código Penal), o critério específico, consistente, como visto, na necessidade de ponderação, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente.

Porém, como também adverte Figueiredo Dias[17], tratando-se de determinar a medida da pena do concurso, os factores de determinação da medida das penas parcelares, por via do princípio da proibição da dupla valoração, funcionam ora apenas como guia, a menos que se refiram, não a um dos concretos e específicos factos ilícitos singulares mas, ao conjunto deles.

2.3.3.2

Constituindo, como já referido, estes os critérios a que o julgador há-de ater-se em sede de determinação da medida concreta da pena conjunta, vejamos, então, se o tribunal recorrido não os teve em devida conta, como sustenta o recorrente.

No caso aqui em apreciação, a moldura abstracta do concurso é de oito meses de prisão a três anos e quatro meses de prisão.

A ilicitude global dos factos, aferida em função da medida das penas singulares, em si mesmas e em relação ao conjunto, e o tipo de conexão que intercede entre os crimes, revela-se algo acima da média, não podendo esquecer-se a forma eficiente, desembaraçada, ousada como o arguido cometeu os crimes.

Correlativamente, a culpa do arguido, face ao conjunto dos factos, e bem assim as exigências de prevenção geral (a intimidatória e, em particular, a positiva), situando-se a um nível semelhante, impõem que a pena do concurso se situe em medida algo distanciada do limite mínimo da respectiva moldura abstracta, mas não muito acentuadamente.

Por outro lado, ao nível da prevenção especial, importa não perder de vista o impressivo passado criminal do arguido, onde, como referido, avultam várias condenações já sofridas, revelando da parte do mesmo escasso respeito pelo Direito e pela Justiça. 

A par disto, sempre importa não postergar que, contando à data da prática dos factos ilícitos – ocorridos há mais de cinco anos − trinta e três anos, o recorrente é pai de quatro filhos menores e dispõe do apoio da família.

B.
 Ponderando, pois, todo o condicionalismo que, exógeno aos tipos legais, depõe a favor e contra o arguido AA, julga-se que, revelando-se algo excessiva a pena conjunta que lhe foi aplicada, mais adequada à sua culpa e proporcional às exigências de prevenção geral e especial se representa a pena de dezassete meses de prisão que, sem prejudicar a sua reinserção social, cumpre satisfatoriamente os critérios definidos nos artigos 40.º, 71.º, 77.º, todos do Código Penal.
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2.4 − Da Suspensão da Pena
2.4.1
Em face da medida concreta da pena fixada, coloca-se a questão de saber se a mesma deve ser suspensa na sua execução.

Ora, no que concerne a esta problemática, dispõe o artigo 50.º, do Código Penal, que “O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição” (número 1), sendo que “O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova” (número 2).

De que decorre que esta medida de carácter pedagógico e reeducativo, que é a suspensão da execução da pena de prisão, só pode/deve ser decretada quando se encontrarem reunidos os pressupostos formais e materiais exigíveis. Quer isto dizer, quando a pena de prisão aplicada não seja de medida superior a 5 (cinco) anos, e o tribunal, ponderando todos aqueles factores referidos no número 1 do artigo 50.º do Código Penal, puder fazer um juízo de prognose favorável no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão, acompanhada ou não de deveres e/ou regras de conduta, bastarão para afastar o delinquente da criminalidade.

Mas, como adverte Figueiredo Dias[18], ainda que, à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização, possa o tribunal formular esse juízo de prognose favorável, a suspensão da execução da pena não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime», posto que, neste conspecto, em causa encontram-se considerações, já não de culpa, mas exclusivamente de prevenção geral, sob a forma de defesa do ordenamento jurídico. Exigências pelas quais se limita sempre o valor da socialização em liberdade que preside ao instituto da suspensão da execução da pena de prisão.

2.4.2

Reflectindo sobre o que se acabou de referir e bem assim sobre o que mais para trás se disse, julga-se que, no caso em apreciação, existem ainda assim razões para, correndo um risco prudente, esperar que as finalidades da punição poderão ficar, para já, suficientemente acauteladas mediante a simples censura do facto e a ameaça da prisão.

Efectivamente, sem necessidade de reiterar as considerações antes expendidas a respeito quer do condicionalismo inerente aos crimes cometidos (designadamente a circunstância de sobre os mesmos já terem decorrido mais de cinco anos) quer das condições pessoais do arguido (com especial enfoque para o facto de, encontrando-se recluído desde 15.03.2015, vir mantendo comportamento adequado às regras institucionais, estar integrado num programa de ensino, e ser apoiado pela família), julga-se que a suspensão na respectiva execução da referida pena dezassete meses de prisão, constituindo suficiente advertência contra o crime, assegurará de forma bastante a protecção do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora.

Em resultado disto, impõe-se, então, que a pena de 17 (dezassete) meses de prisão em que vai condenado o arguido seja suspensa na sua execução, por igual período de tempo (artigo 50.º, do Código Penal).

Procede, pois, neste segmento, o recurso do arguido AA.

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III. Decisão

Termos em que, na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, se acorda em dar provimento parcial ao recurso do arguido AA, e em consequência:

1.º Condenar o arguido AA na pena conjunta de 17 (dezassete) meses de prisão pela prática de cinco crimes de evasão, previstos e punidos pelo artigo 352.º, número 1, do Código Penal;

2.º Suspender na respectiva execução e por igual período de tempo a referida pena de 17 (dezassete) meses de prisão imposta ao arguido AA;

3.º Manter, no mais, o acórdão recorrido.

Sem custas (artigo 513.º, número 1, do Código de Processo Penal).

Lisboa, 23 de Novembro de 2017

Os Juízes Conselheiros

Isabel São Marcos (Relator)

Helena Moniz

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[1] Regime jurídico aplicável, considerando a data (15.01.2015) da prolação da decisão da 1.ª Instância.
[2] Entre muitos, de conferir os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 22.01.2009, Processo n.º 2.833/08; de 06.12.2007, Processo n.º 3.752/07, ambos da 5.ª Secção, ou de 17.01.2013, Processo n.º 219/11.9JELSB.S1; de 05.12.2012, Processo n.º 11453/10.9TDLSB.L1.S1, de 10.02.2010, Processo n.º 80/09.3GTBRG.G1.S1, todos da 3.ª Secção.
[3] De conferir os acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 49/2003, de 29.01.2003, n.º 255/2005, de 24.052005, n.º 682/2006, de 13.12.2006, n.º 353/2010, de 06.10.2010, n.º 324/2013, de 04.06.2013, e n.º 163/2015, de 04.03.2015; citados nos acórdãos n.º 412/2015, de 29.09.2015, e n.º 429/2016, de 13.07.2016, tirado em Plenário. 
[4] Por todos, de conferir, para além dos citados Arestos do Tribunal Constitucional n.º 412/2015, de 29.09.2015, n.º 429/2016, de 13.07.2016, tirado em Plenário, o Acórdão do mesmo Tribunal, n.º 35/2016, de 19.10.2016.
[5] De conferir “Código Penal, Parte geral e especial, Com Notas e Comentários, 2014”, Almedina, anotação 3.ª ao artigo 349.º do mesmo diploma, página 1180.
[6] “Código Penal Anotado”, 3.ª Edição, II volume, Parte Especial, Rei dos Livros Editora, páginas 1523 a 1525 e 1530 a 1531.
[7] Confira-se Acta n.º 35, página 409,  com referência ao artigo 351.º do Código Penal.
[8] “Código de Processo Penal Anotado – Legislação Complementar”, 16.ª edição – 2007, Almedina.
[9] De conferir Maia Costa, em comentário ao artigo 201.º do “Código de Processo Penal Comentado”, 2016, 2.ª Edição Revista, Almedina, página 813.
[10] Entendimento sustentado por Cristina Líbano Monteiro, “Comentário Conimbricense do Código Penal”, 2001, Tomo III, Coimbra Editora, anotação 13.ª ao artigo 349.º, página 365.
[11] Assim Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código Penal”, 2.ª Edição Actualizada, Universidade Católica Editora, anotação 6.ª ao artigo 349.º, página 916; M. Miguez Garcia e J.M. Castela Rio, obra e local antes citados.
[12]De conferir, por todas, as decisões do TEDH de 28.07.2016, Processo C-294/16, 4.ª Secção, e de 23.02.2017, no caso Tommoso c. Itália, Recurso 43395/09.
[13] Direito Criminal II, Livraria Almedina, Coimbra, 1965, página 209.
[14] Assim também, e entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.11.2008, Processo nº 1972/08, 5ª Secção.
[15] “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, páginas 230 e 231.
[16] “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, página 291 e seguintes.
[17] Obra e local citados.
[18] “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas, Editorial Notícias, § 520.