Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
114/21.3T9STR-A.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: HABEAS CORPUS
ADVOGADO
ARGUIDO
REPRESENTAÇÃO
MANDATO
REVOGAÇÃO
NOTIFICAÇÃO
TRANSITO EM JULGADO DA SENTENÇA
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 02/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HEBAS CORPUS
Decisão: IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO
Sumário :
I. Na fase de julgamento o arguido esteve sempre representado nos autos por Advogado e, no prazo do recurso da sentença, nem o arguido revogou a procuração, nem o Advogado renunciou à mesma.

II. Antes de constituir advogado esteve representado por defensor oficioso e, após cumprimento do art. 47.º, n.º 2, do CPC, na sequência do cumprimento do despacho proferido em 25.09.2023, veio a ser-lhe nomeado defensor oficioso.

III. Portanto, no processo comum (tribunal singular) n.º…, na fase do julgamento, o arguido esteve sempre assistido por advogado, quer no período em que constituiu advogado e até à produção de efeitos da revogação do mandato (o que sucedeu após trânsito em julgado da sentença), quer no período anterior a esse, quer no período posterior. Foi também notificado dos vários despachos proferidos no mesmo processo que se pronunciaram sobre os requerimentos apresentados nos autos. Tinha advogado constituído e quando revogou a procuração já estava transitada a sentença condenatória.

IV. Não tendo revogado o mandato, não podem ser atribuídas responsabilidades ao tribunal, pelos procedimentos que o arguido adotou nos autos, sendo certo que este habeas corpus não funciona como um recurso, nem como um seu sucedâneo, não podendo ser utilizado indevidamente, nem pretender que através dele o STJ se pronuncie sobre matérias que extravasam os seus fundamentos, que são taxativos.

V. De resto, a prisão do aqui peticionante foi motivada por facto que a lei permite (estando atualmente a cumprir pena de prisão), mantendo-se dentro do prazo legal (preso à ordem do processo desde 14.12.2023, ocorrendo o termo da pena de 6 meses de prisão em 14.06.2024), na sequência de decisão judicial, proferida nos termos legais (sentença transitada em julgado em 22.05.2023).

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I Relatório

1. O peticionante AA, por si, requereu esta providência de Habeas Corpus, ao abrigo dos arts. 31.º da CRP e 222.º do CPP, alegando no requerimento que apresentou o seguinte (no que aqui interessa):

a) O processo acima referido foi originado pelo facto de eu ter enviado exclusivamente ao coletivo do processo 116/17.8... uma exposição de 10 folhas, cuja referência n.º .....91, onde me queixei que foi violado os meus Direitos Liberdades e Garantias, tendo informado os procedimentos obscuros do debate instrutório realizado pelo Tribunal de ....

Ora, desta minha exposição não quiseram saber. Repare não foi nenhum dos três Sr.S Juízes do coletivo que recebeu, leu Exposição e decidiu, em causa esta violação de correspondência art. 34.º da CRP e art. 194.º do CP. A partir daqui em união de esforços e intentos daqui elaboraram uma outra acusação, processo 114/21.3T4STR que tinha que ser realizado no Tribunal de ... sendo este competente, mas o Tribunal de ... aqui o “sequestrou” para me julgar e condenar-me a 6 meses de prisão efectiva, lançou aqui a bomba atómica contra o valores que foram conseguidos muito custo para nascer “brotar” o 25 de abril de 1974, para obtermos a liberdade por todos desejada, mas existe ameaça, e veja a fonte é ao Tribunal de ..., no caso em apreço a liberdade de expressão, pensamento e de informar, direitos estes que estão contemplados na Lei da Constituição da República portuguesa art. 37.º n.º 1 e n.º 2, repare, usei, destes direitos para me poder defender como arguido preso art. 32.º e 20.º ambos da CRP, e por isso me condenaram a 6 meses de prisão.

b) E por ser alvo de uma grande injustiça nunca vista, eu expus toda a situação enviei em cartas registadas 1.ª com ref:RH......90PT, com data de 04/10/2023, 2.ª com ref: RH.......24PT, com data de 30/10/2023, cuja última carta enviada, sendo esta uma espécie de recurso, sendo esta a 3.ª com a ref: RC.......95, com a data de 06/12/2024, ambas enviadas ao Tribunal Constitucional, do qual aguardo resposta.)

I

A) Após a sentença de 6 meses de prisão por este proc.114/21.3T9ST (singular) eu solicitei advogado oficioso e apoio judiciário para recorrer da decisão (não tinha dinheiro para continuar com o adv. contratado), e para o efeito eu preenchi e assinei os respetivos documentos da Segurança Social, -- tendo a minha companheira BB entregue os respetivos documentos em mão na S. Social de ... dentro dos prazos.

Não obstante -- a minha companheira teve o cuidado de avisar o Tribunal de ... por mail enviado na data de 08/05/2023 da qual anexou a referida documentação.

Em suma:

B) A motivação que recebi do Tribunal na data de 06/06/2023, em resposta ao acima mencionado, foi aplicar uma multa exorbitante, não obstante ainda referiu: ”porque o mail junto não é proveniente do arguido nem se encontra por ele assinado”, e indeferiu o meu requerimento/pedido. Junto a respetiva notificação de indeferimento que contem o mail acima mencionado e as guias da multa.

C) Face ao facto de ter razão e que os meus direitos estão garantidos pela Constituição da República portuguesa, por causa do despacho acima referido, eu enviei ao Tribunal, que a minha companheira tem a legitimidade daquela maneira proceder até porque fui eu que preenchi e assinei os respetivos documentos esta apenas fez o favor de os entregar em mãos na S. Social de ..., e ainda posterior, ainda teve o cuidado de avisar o Tribunal. Mencionei que tenho direito que, me seja nomeado um advogado e ao apoio judiciário para poder recorrer da decisão (art. 32.º e 20.º da CRP) mesmo que seja um pobre cidadão de etnia cigana art. 13.º da CRP).

Também enviei várias cartas à Segurança Social de ..., com vários indeferimentos, já foi um desespero e com muito custo, depois de vários meses lá me deram a razão, e meu pedido foi aceite nomearam me advogado (oficioso) para poder recorrer.

D) A Sr. Juíza não retirou o trânsito e julgado, como tinha de o fazer; retirar o trânsito em julgado para que seja posto recurso.

E) quanto aos advogados em suma, advogada oficiosa que me foi nomeada CC esta pediu escusa. Foi nomeado outro defensor oficioso (de seguida) tendo este enviado uma carta para mim que refere (…) “entre em contato comigo (…) agendar uma reunião o mais breve possível. É importante ressaltar a existência de prazos processuais (…), imperativo que a mencionada reunião ocorra com a máxima brevidade para zelar pelos seus interesses. Na expetativa do seu contacto, creia-me”

Logo que o EP me enviou n.º do TLM do advº, eu liguei-lhe e fui surpreendido quando o advº me disse que tinha pedido escusa, mas que a ordem ou o sindicato, sabiam o erro, dos advºs do R....... lhe pediu para que aceita-se o caso.

Disse ao adv. que o transito e julgado tem de sair porque foi entregue a respetiva documentação na S. social de ... dentro dos prazos para poder recorrer da decisão.

Acontece que até ao dia de hoje nada fez, a não ser colocar o pedido de escusa.

Junto a carta que me mandou o adv.

(Na minha opinião os adv. têm receio de aceitar o caso.)

II

A) E pelo facto de não ter um advogado real que me queira ajudar, eu próprio elaborei um requerimento, carta enviado ao Tribunal de ... escrita na data 03/01/2024, ref: RH.......42PT, tendo referido, em suma, para que retirar-se o trânsito e julgado, porque a Sra. Juíza sabe e muito bem que o processo 114/21.3T9STR em causa não finalizou, e não está garantido, nem cumpridos os meus direitos fundamentais de um cidadão arguido preso de poder defender-se através de recurso;

Também disse/solicitei para que suspende-se/cesse-se o meu cumprimento de prisão de 6 meses que deu início a 14/12/2023 por este proc. em causa.

B) Em resposta acima referido, fui notificado na data 05/01/2024, em suma; alegou que o proc. em causa transitou em julgado em 25/06/2023, e indeferiu.

Junto a respetiva notificação deste indeferimento.

Ora permita-me que o diga, mas é por demais evidente/notório e muita má fé da Srª Juíza, art. 266.º da CRP e art. 542.º do CPP, nomeia adv. oficioso para poder recorrer mas que, coloca o intrave, uma proibição ilegal, porque não retira o trânsito em julgado, aplicando a injustiça, violando da forma mais grave o direito do arguido preso de poder recorrer conforme a lei da Constituição da República Portuguesa, art. 32, n.º 1 e n.º 2 e n.º 3, art. 20.º n.º 1, n.º 2 e n.º 5, pelo que também a justiça não pode ser negada pelo facto de ser um pobre cidadão de etnia cigana, conforme vem referido na Lei art.º 13.º do mesmo diploma da CRP.

Porém estas tomadas de decisões da Sra. Juíza, são intencionais, agindo com dolo, art. 14.º do CP quando alertei para que, sessa-se o meu cumprimento de prisão que iniciou na data 14/12/2023 a ordem deste processo 114/21.3T9STR até que esteja estabelecido e cumprido o meu direito de poder recorrer através do advogado, o abuso de poder é indecente, art. 22 art. 271 ambos da CRP, e art. 382.º do CP, quando alega que o processo transitou em julgado na data de 25/06/2023, e repare que os documentos foram entregues ANTES do dia 8/05/23 na S. Social de ..., dentro dos prazos legais mas proíbe-me de poder recorrer com argumento ILEGAL no caso em apreço.

Venerando Sr. Presidente do Supremo Tribunal tem aqui a nobre missão, a minha liberdade em suas mãos, e bem mais preciso precioso da vida.

A Srª. Juíza do Tribunal de ... me mantém preso desde 14/12/2023 negando (me) proibindo (me) do direito de poder recorrer, violando o art. 32.º e o art. 20.º da lei da CRP baseado “simplesmente” na sua má fé (art. 266.º da CRP e art. 542 do CP) e abuso de poder (art. 22.º e art. 271.º ambos da CRP) contra o pobre cidadão de etnia cigana, pelo que rogo a Vossa Excelência que faça cessar o meu cumprimento de pena, e faça também que seja retirado o trânsito e julgado para que possa recorrer da condenação de 6 meses porque os documentos deram entrada na S. Social antes do dia 08/05/2023 de ... o trânsito e julgado o prazo ocorria na data 25/06/2023.

Desta forma, o Meritíssimo garantirá que Portugal e uma democracia baseada nas Liberdades nos Direitos e Garantias do povo (art. 1.º e art. 3 da CRP) e que todos garante a Lei/justiça, são iguais (art. 13.º da CRP) conforme vem plasmado na consagrada Constituição da República Portuguesa.”

2. A Senhora Juiz prestou a informação a que se refere o art. 223.º, n.º 1, do CPP, nos seguintes termos:

Instrua o presente apenso com certidão: ata da audiência de julgamento de 15.02.2023, procuração junta com ......89, sentença proferida e ata da leitura a que corresponde a referência ......83, declaração de depósito de sentença com a referência ......97, com e-mail com referência .....99, despacho com referência ......48, certidão de trânsito em julgado, requerimento do arguido com a referência .....92, despacho com referência ......99, requerimento do arguido com referência .....65, oficio da SS com a referência .....04, despacho a que corresponde a referência ......16, nomeação a que corresponde a referência ......73, informação de pedido de escusa com referência ......15, liquidação de pena e respetivo despacho homologatório.

Nos termos do disposto no artigo 223º, nº 1 Código do Processo Penal infra se expõem as condições em que se mantém a prisão do arguido AA à ordem dos presentes autos.

Na primeira sessão da audiência de julgamento, realizada no dia 15.02.2023, foi junta aos autos procuração, em representação do arguido, pelo Ilustre Advogado, Dr. DD, cessando funções a Defensora Oficiosa nomeada.

A sentença foi lida e depositada no dia 20.04.2023.

A 08.05.2023 foi remetido aos autos um mail, proveniente de .........................om, no qual se refere que se remete os documentos entregues na segurança social para obter mandatário oficioso, para recurso do processo. “O processo tem mandatário, mas o meu marido AA não tem condições para continuar com o mesmo pois os custos para o recurso são elevados e não temos condições para tal. Pedimos, por favor, que seja nomeado mandatário oficioso.”

Com este mail foi junto um recibo de entrega de documentos na SS, em nome do arguido.

Deste recibo não consta qualquer menção ao pedido formulado perante a segurança social, nem é feita qualquer menção ao processo a que se dirigia.

Não sendo o referido mail proveniente do arguido, proferimos despacho no sentido de nada ser de determinar.

Mantinha-se em funções o Mandatário constituído pelo arguido.

A sentença transitou em julgado no dia 22.05.2023.

Na sequência de novo requerimento junto pelo arguido, por despacho de 29.06.2023, esclarecemos que o Mandatário que havia constituído se mantinha em funções, por não existir nos autos qualquer pedido de revogação feita pelo arguido ou renúncia ao mandato, isto nos termos do art.º 47.º do CPC. Mais se referiu que, ainda que o arguido tivesse solicitado apoio judiciário, na modalidade de nomeação de defensor oficioso, nos termos do art.º 39.º, n.º 10 da Lei de Apoio Judiciário, “tal não afeta a marcha do processo.”

Por requerimento de 07.07.2023 o arguido veio revogar a procuração, tendo, por despacho de 25.09.2023, sido determinado o cumprimento do disposto no art.º 47.º, n.º 2 do CPC, aplicado ex vi do art.º 4.º do CPP. Ainda, e porque o arguido, no referido requerimento, manifestou que não tinha intenção de constituir novo Mandatário, foi determinada a nomeação de Defensor ao arguido.

Feita uma primeira nomeação a Defensora comunicou aos autos ter apresentado pedido dispensa. Pela Ordem dos Advogados foi indicado novo Defensor, que comunicou aos autos ter apresentado também dispensa.

Posto isto, cumpre-nos esclarecer que:

O arguido esteve sempre representado nos autos por Advogado.

Constituiu Mandatário que o representou na audiência de julgamento, e nos momentos seguintes, incluindo quando se encontrava em curso o prazo de recurso.

Durante este período o arguido não revogou a procuração, nem o Advogado renunciou à mesma.

O mail de 08.05.2023, a que o arguido se refere, não foi elaborado pelo mesmo e do documento junto ( recibo de entrega de documentos na segurança social), não se retira a que processo respeitava o pedido e qual a modalidade solicitada. Razão pela qual, não foi considerado pelo Tribunal.

Apenas em 07.07.2023 - já após o trânsito em julgado da sentença - o arguido manifestou a sua pretensão de revogar a procuração, sendo nesta mesma data, determinada a nomeação de Defensor Oficioso.

Apesar da última dispensa de patrocínio apresentada, importa referir que, nos termos do art. 66.º , n.º 4 do CPP e art. 42.º, n.º 3 da Lei de Apoio Judiciário, enquanto não for substituído, o Defensor nomeado mantem-se em funções.

Mantendo-se, consequentemente, o arguido devidamente representado nos autos.

Com efeito, transitada em julgado a sentença proferida, o arguido encontra-se em cumprimento da pena em que foi condenado nestes autos.

Face ao exposto, o arguido não se encontra em prisão ilegal.


*


Instruído o Apenso nos moldes determinados, remeta-se ao Colendo Supremo Tribunal de Justiça.

3. Tendo entrado a petição neste Supremo Tribunal, após distribuição, teve lugar a audiência aludida no art. 223.º, n.º 3, do CPP, pelo que cumpre conhecer e decidir.

II. Fundamentação

4. Factos

Com interesse para a decisão deste habeas corpus, extrai-se da certidão junta aos autos, o seguinte:

a) - no processo comum (tribunal singular) n.º 114/21.3T9STR, pendente no Juízo Local Criminal de ..., Juiz 2, comarca de Santarém, teve lugar em 15.02.2023, de manhã (como a respetiva ata documenta) a audiência de julgamento do arguido AA, o qual foi representado pelo seu Advogado Dr. DD, que no ato juntou a procuração forense outorgada em seu nome, tendo em face disso cessado funções a defensora oficiosa Drª. EE, que também estava presente;

b) - nesse processo a sentença veio a ser lida em 20.04.2023, data em que o arguido AA e o seu mandatário Dr. DD estiveram presentes, nos termos em que a ata documenta, sendo o mesmo arguido condenado por um crime de difamação agravada p. e p. nos arts. 180.º, n.º 1, 183.º, n.º 1, al. a) e 184.º, por referência ao art. 132.º, n.º 1, al. l), todos do CP, na pena de 6 meses de prisão;

c) - não tendo sido interposto recurso, a sentença que fora depositada no mesmo dia da sua leitura, transitou em julgado em 22.05.2023, conforme certificado nos autos;

d) - em 08.05.2023 foi remetido aos autos um mail, proveniente de .........................om, no qual se refere que se remete os documentos entregues na segurança social para obter mandatário oficioso, para recurso do processo. “O processo tem mandatário, mas o meu marido AA não tem condições para continuar com o mesmo pois os custos para o recurso são elevados e não temos condições para tal. Pedimos, por favor, que seja nomeado mandatário oficioso.” Com esse mail foi junto um recibo de entrega de documentos na SS, em nome do arguido, mas dele não constava qualquer menção ao pedido que era formulado à segurança social, nem tão pouco era feita qualquer menção a que processo se dirigia.

e) - aberta conclusão foi proferido no processo o seguinte despacho em 2.06.2023:

Referência .....99:

Visto.

Porque o mail junto não é proveniente do arguido, nem se encontra pelo mesmo assinado, nada nos cumpre determinar.

Notifique.

f) - Entretanto, como não foi revogada a procuração, nem houve renúncia ao mandato, manteve-se em funções no processo em referência o Advogado constituído pelo arguido AA e, como não foi interposto recurso, a sentença transitou em julgado no dia 22.05.2023, como acima foi referido.

g) - Na sequência de requerimento enviado pelo correio pelo arguido AA, entrado em 14.06.2023 (na qual solicitava, além do mais, que não lhe continuassem a violar os seus direitos, liberdades e garantias e que não o proibissem de poder recorrer da sentença pelo facto de ser pobre, não ter dinheiro e fazendo também referência ao mail que disse ser da mulher enviado em 8.05.2023), foi proferido o seguinte despacho judicial em 29.06.2023:

Referências .....99 e .....92:

Atento o teor do requerimento junto aos autos, cumpre-nos esclarecer que, sendo o arguido o sujeito processual nestes autos, apenas os requerimentos juntos pelo mesmo, ou pelo seu defensor, podem ser atendidos.

Por outro lado, importa considerar que, o arguido em 15.02.2023 constituiu como seu Mandatário o Sr. Dr. DD não existindo qualquer pedido de revogação ou renúncia do mandato conferido nos termos do art.º 47º do Código de Processo Civil cf. referência ......89.

Pelo que, mantém-se a representação do arguido pelo Ilustre Advogado.

Quanto à questão do apoio judiciário, ainda que o arguido tenha requerido benefício de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de defensor oficioso sendo que desconhecemos se assim foi, dado que a prova documental que refere ter assinado e preenchido e entregue na segurança social, não se encontra nos autos - nos termos do disposto no art.º 39.º, n.º 10.º da Lei de Apoio Judiciário tal “não afeta a marcha do processo.”

Sendo obrigatória a constituição de defensor - nomeadamente, art.º 64, n.º 1, d), do CPP -, a revogação do mandato só opera após a substituição respetiva. O que significa que, ainda que seja pretensão do arguido revogar o mandato, o Mandatário constituído mantém-se em funções, enquanto não for substituído, ou seja, enquanto não ocorrer nomeação - art.º 66º, n. 4 do CPP.

Posto isto, nada mais cumpre determinar.

Notifique.

h) - Notificado desse despacho veio o arguido apresentar requerimento, enviado pelo correio, que deu entrada em 7.07.2023, no qual em resumo revogou a procuração ao Advogado Dr. DD e solicitou a nomeação de defensor oficioso.

i) - Perante a referida revogação da procuração, por despacho de 25.09.2023 foi determinado o cumprimento do disposto no art.º 47.º, n.º 2 do CPC, aplicado ex vi do art.º 4.º do CPP e, porque o arguido, no seu requerimento, manifestou que não tinha intenção de constituir novo Mandatário, foi determinada a nomeação de Defensor ao arguido1.

j) - Feita uma primeira nomeação a Defensora comunicou aos autos ter apresentado pedido dispensa e, pela Ordem dos Advogados foi indicado novo Defensor, que comunicou aos autos ter apresentado também dispensa.

l) - O Advogado Dr. DD representou o arguido AA no referido processo comum (tribunal singular) n.º 114/21.3T9STR desde que juntou a procuração daquele a seu favor, o que sucedeu na audiência de julgamento em 15.02.2023 até produzir efeitos a revogação da mesma procuração, revogação essa que foi comunicada pelo arguido ao processo e deu entrada em 7.07.2023, tudo conforme já acima referido no ponto i) supra.

- O arguido AA foi colocado à ordem do processo comum (tribunal singular) n.º 114/21.3T9STR em 14.12.2023, terminando o cumprimento da pena de prisão de 6 meses em 14.06.2024, conforme computo da pena efetuado em 10.01.2024 e despacho homologatório de 15.01.2024.

5. Direito

Invoca o peticionante, em resumo, que foram violados os seus direitos, liberdades e garantias de defesa, porque lhe foi negado o direito de recorrer da sentença condenatória, sendo certo que antes do trânsito em julgado da decisão final comunicou ao processo em referência, através da sua mulher, que havia solicitado apoio judiciário e advogado para recorrer, uma vez que não tinha dinheiro para pagar ao advogado que tinha constituído e que os requerimentos que apresentou nos autos lhe foram indeferidos injustamente, pelo que não se pode considerar transitada a sentença e, consequentemente, deve ser libertado de imediato.

Pois bem.

6. Dispõe o artigo 222.º (habeas corpus em virtude de prisão ilegal) do CPP:

1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.

2 - A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:

a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.

São taxativos os pressupostos do habeas corpus (que também tem assento no art. 31.º da CRP), o qual não se confunde com o recurso, nem com os fundamentos deste.

Aliás, como diz Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. II, Lisboa: Editorial Verbo, 1993, p. 260, o habeas corpus “não é um recurso, é uma providência extraordinária com a natureza de acção autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo em muito curto espaço de tempo a uma situação de ilegal privação de liberdade”.

Convém ter presente, como se refere no art. 31.º, n.º 1 CRP, que “Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.” Ou seja, esta providência, que inclusivamente pode ser interposta por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos (art. 31.º, n.º 2, CRP), tem apenas por finalidade libertar quem está preso ou detido ilegalmente e, por isso, é uma medida excecional e muito célere.

De resto, quando se aprecia a providência de habeas corpus não se vai analisar o mérito da decisão que determina a prisão, nem tão pouco eventuais erros procedimentais ou meros lapsos (cometidos v.g. pelo tribunal ou pelos sujeitos processuais) já que esses devem ser apreciados em sede de recurso, mas tão só incumbe decidir se ocorrem quaisquer dos fundamentos indicados no art. 222.º, n.º 2, do CPP.

7. Apreciação

E, o que é que se passa neste caso concreto?

Como resulta do supra exposto, nesse processo comum (tribunal singular) n.º 114/21.3T9STR, logo desde a audiência de julgamento iniciada em 15.02.2023, o arguido AA fez-se representar por Advogado (Dr. DD) que constituiu, sendo que foi igualmente por ele representado no ato da leitura da sentença, na qual esteve presente em 20.04.2023 e, não tendo o mesmo Advogado renunciado ao mandato, manteve-se no exercício de funções até ao momento em que produziu efeitos a revogação do mandato pelo arguido (conforme o estabelecido no art. 47.º, n.º 2, do CPC, aplicável ex vi do art. 4.º do CPP).

Antes de constituir advogado esteve representado por defensor oficioso e, após cumprimento do art. 47.º, n.º 2, do CPC, na sequência do cumprimento do despacho proferido em 25.09.2023, veio a ser-lhe nomeado defensor oficioso.

Portanto, no processo comum (tribunal singular) n.º 114/21.3T9STR, na fase do julgamento, o arguido AA esteve sempre assistido por advogado, quer no período em que constituiu advogado e até à produção de efeitos da revogação do mandato (o que sucedeu após trânsito em julgado da sentença), quer no período anterior a esse, quer no período posterior.

Foi também notificado dos vários despachos proferidos no mesmo processo que se pronunciaram sobre os requerimentos apresentados nos autos.

Tinha advogado constituído e quando revogou a procuração já estava transitada a sentença condenatória, como acima se viu.

Assim, em 14.12.2023 foi ligado a estes autos de processo comum (tribunal singular) n.º 114/21.3T9STR, para cumprir a pena de 6 meses de prisão em que foi condenado por sentença de 20.04.2023, transitada em julgado em 22.05.2023.

Como bem refere a Srª. Juiz na informação que prestou, o arguido esteve sempre representado nos autos por Advogado e, no prazo do recurso da sentença nem o arguido revogou a procuração, nem o Advogado renunciou à mesma. “Por sua vez, o mail de 08.05.2023, a que o arguido se refere, não foi elaborado pelo mesmo e do documento junto (recibo de entrega de documentos na segurança social), não se retira a que processo respeitava o pedido e qual a modalidade solicitada, razão pela qual, não foi considerado pelo Tribunal.” Foi após o trânsito em julgado da sentença que o arguido “manifestou a sua pretensão de revogar a procuração”, sendo determinada a nomeação de Defensor Oficioso e, “Apesar da última dispensa de patrocínio apresentada, importa referir que, nos termos do art. 66.º, n.º 4 do CPP e art.º 42.º, n.º 3 da Lei de Apoio Judiciário, enquanto não for substituído, o Defensor nomeado mantém-se em funções.” Daí que, “transitada em julgado a sentença proferida, o arguido encontra-se em cumprimento da pena em que foi condenado nestes autos.”

Como sabido, o processo penal tem regras próprias que tem de ser observadas, não podendo ser subvertidas conforme as conveniências de cada um.

Havendo mandatário constituído há regras próprias a observar, que não podem ser ultrapassadas, estando nas mãos do respetivo mandante revogar o mandato/procuração se assim o entender (e, o certo é que, neste caso, também o mandatário não viu motivo para renunciar ao mandato).

Não tendo revogado o mandato, não podem ser atribuídas responsabilidades ao tribunal, pelos procedimentos que o arguido adotou nos autos, sendo certo que este habeas corpus não funciona como um recurso, nem como um seu sucedâneo.

Como é claro, o peticionante não pode utilizar indevidamente este habeas corpus (que não é um recurso) nem pretender que através dele o STJ se pronuncie sobre matérias que extravasam os seus fundamentos, que são taxativos.

De resto, como acima já se viu, a prisão do aqui peticionante foi motivada por facto que a lei permite (cumprimento de pena de prisão), mantendo-se dentro do prazo legal (preso à ordem do processo desde 14.12.2023, ocorrendo o termo da pena de 6 meses de prisão em 14.06.2024), na sequência de decisão judicial, proferida nos termos legais (sentença transitada em julgado em 22.05.2023).

Assim, não foram violados os princípios e as disposições legais invocados pelo peticionante deste habeas corpus, antes tudo revelando que foi feito um uso claramente abusivo desta providência excecional, podendo concluir-se que a petição de habeas corpus é manifestamente infundada, justificando-se a condenação nos termos do art. 223.º, n.º 6, do CPP.

III - Decisão

Pelo exposto, acordam nesta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em indeferir a providência de habeas corpus aqui em apreciação.

Custas pelo peticionante, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC`s, a que acresce, a condenação no pagamento da soma de 8 UC`s, nos termos do art. 223.º, n.º 6, do CPP.

Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2, do CPP), sendo de seguida assinado.

Supremo Tribunal de Justiça, 07.02.2024

Maria do Carmo Silva Dias (Relatora)

Maria Teresa Féria de Almeida (Adjunta)

Ernesto Vaz Pereira (Adjunto)

Nuno Gonçalves (Presidente da Secção)

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1. Entretanto, a Segurança Social, por ofício que deu entrada em 6.09.2023, deu conhecimento que o requerimento de proteção jurídica formulado pelo arguido AA, nos termos do art. 26.º da Lei 34/2004, de 29.07, foi indeferido.