Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
76/17.1YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DE CONTENCIOSO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO OFICIOSO
APROVEITAMENTO DO ACTO ADMINISTRATIVO
APROVEITAMENTO DO ATO ADMINISTRATIVO
LICENÇA DE LONGA DURAÇÃO
ANTIGUIDADE
CADUCIDADE
CONTAGEM DE PRAZO
ANULAÇÃO DO PROCESSADO
JUIZ
RECURSO CONTENCIOSO
DELIBERAÇÃO DO PLENÁRIO
CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
Data do Acordão: 05/16/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO CONTENCIOSO
Decisão: JULGADO PROCEDENTE O RECURSO INTERPOSTO
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO – ACTIVIDADE ADMINISTRATIVA / ACTO ADMINISTRATIVO / EFICÁCIA DO ACTO ADMINISTRATIVO / RECLAMAÇÃO E RECURSOS ADMINISTRATIVOS / RECLAMAÇÃO.
Doutrina:
-Ana Celeste Carvalho, Os vários caminhos da jurisprudência administrativa na aplicação do princípio do aproveitamento do ato administrativo, Estudos em Homenagem a Rui Machete, p. 34;
-Carla Amado Gomes, Cadernos de Justiça Administrativa, nº 81, pp. 32 e ss.;
-Carla Amado Gomes, Repensar o CPA – A Decisão do Procedimento, p. 41;
-Fausto Quadros, O novo Código de Procedimento Administrativo, in http://www.cej.mj.pt, p. 21;
-Fausto Quadros, Sérvulo Correia, Comentários à Revisão do CPA, p. 260;
-Licínio Martins, Comentários ao NCPA, vol. II, 3ª ed., p. 319;
-Luís Terrinha, ob. cit. pp. 347 e 348).
-Luíz Cabral de Moncada, CPA anotado, p. 394;
-Tiago Antunes, Comentários ao NCPA, coord. de Carla Amado Gomes, vol. II, 3.ª ed., p. 175 e 179.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO ADMINISTRATIVO (CPA): - ARTIGOS 128.º, N.º 6 E 163.º, N.º 5.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:


- DE 11-10-2007, PROCESSO N.º 1521/02, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
1. O procedimento administrativo iniciado ex officio pela entidade administrativa cujo resultado seja suscetível de se repercutir negativamente na esfera do visado deve ser concluído no prazo de 180 dias, nos termos do art. 128º, nº 6, do CPA.

2. Assim ocorre com o procedimento administrativo iniciado pelo CSM visando a apreciação da natureza e dos efeitos que decorrem de uma situação de licença de longa duração na antiguidade de um magistrado judicial.

3. O decurso do prazo de 180 dias depois de iniciado sem que tenha sido produzida a deliberação determina a caducidade do referido procedimento administrativo, ficando o CSM impedido de deliberar validamente em termos de afetar os direitos do concreto magistrado judicial.

4. É anulável a deliberação do Plenário do CSM aprovada depois de ter decorrido o referido prazo de caducidade e que se traduziu na declaração de perda de antiguidade do magistrado judicial.

5. Atento o art. 163º, nº 5, do CPA, a anulabilidade de atos administrativos não se produz quando esteja em causa um “ato vinculado” ou se demonstre, “sem margem para dúvidas”, que, não fora o vício determinante da anulabilidade, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo.

6. Nenhuma dessas situações se verifica na situação anteriormente configurada, uma vez que:

a) Quanto à primeira exceção, a deliberação foi aprovada na sequência de atos internos que já refletiam uma divergência acerca da qualificação jurídica e dos efeitos da licença de longa duração em que o recorrente se encontrava;

b) Quanto à segunda exceção, o ato que o Plenário CSM deveria ter praticado, se não tivesse sido aprovada a deliberação, traduzir-se-ia no arquivamento do procedimento administrativo com fundamento na sua caducidade, e não numa deliberação com o teor da ora impugnada.


A.G.
Decisão Texto Integral:

I - AA, Juiz ..., notificado da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura (CSM), de 6-6-17, na qual se concluiu que iria ser descontada na sua antiguidade o período que mediou entre 15-12-14 a 14-5-18, veio dela recorrer.

Considerou o recorrente que tal deliberação padece de ilegalidades várias:

- Caducidade do procedimento em que foi tomada a deliberação, nos termos do nº 6 do art. 128º do CPA, uma vez que, tratando-se de procedimento de iniciativa oficiosa passível de conduzir à emissão de uma decisão com efeitos desfavoráveis para o recorrente, deveria ser tomada no prazo de 180 dias;

- Falta de audiência prévia, uma vez que não foi ouvido sobre o conteúdo do parecer de 29-5-17 em que se baseia e que serve de fundamento à deliberação impugnada;

- A deliberação impugnada decidiu a perda da antiguidade do A. desde 15-12-14, ou seja, atribuiu-lhe eficácia retroactiva contra o disposto no nº 1 do art. 156º do CPA, sendo, por isso, ilegal;

- Violação do princípio da tutela da confiança, uma vez que foi alterada a posição que o recorrente tinha nas listas de antiguidade que foram organizadas pelo CSM.

O CSM respondeu, impugnando cada um dos vícios alegados.

- Quanto à caducidade do procedimento considera que não se verificou;

- Alegou ainda que a caducidade seria irrelevante, uma vez que se está perante um ato vinculado, sendo impedida a anulação, nos termos do art. 163º, nº 5, al. a), do CPA, na medida em que o CSM se limitou a corrigir o erro que afectava a lista de antiguidade, tendo em conta o efeito determinado pela licença de vencimento em que o recorrente se encontrava;

- Quanto à falta de audiência prévia, respondeu que o recorrente foi notificado para se pronunciar a partir de um parecer que foi elaborado internamento e do qual constavam os fundamentos que foram acolhidos na deliberação impugnada;

- Negou que à deliberação tenha sido atribuída eficácia retroactiva, pois que o CSM se limitou a ajustar a lista de antiguidade ao efeito legal da licença sem vencimento.
- Negou ainda que tenha havido violação do princípio da tutela da confiança, uma vez que a matéria nunca tinha sido anteriormente apreciada, limitando-se o CSM a repercutir na lista de antiguidade o efeito legal respeitante à licença sem vencimento que fora autorizada para o recorrente.

O recorrente apresentou alegações em que concluiu que:

a) Estabelece o nº 1 do art. 84º do CPTA que com a contestação, ou dentro do respectivo prazo, a entidade demandada é obrigada a proceder, preferencialmente por via electrónica, ao envio do processo administrativo, quando exista, assim como todos os demais documentos respeitantes à matéria do processo de que seja detentora;

b) Para a boa decisão dos autos tem particular relevo saber o que foi deliberado pelo CSM em 3-3-15; ora, tal deliberação não consta do procedimento administrativo junto e sobre ela existem nos autos três referências feitas pelo CSM ao seu conteúdo, mas não coincidentes;

c) Assim, a junção pelo CSM de apenas alguns documentos do procedimento administrativo constitui ilegalidade que produz nulidade, já que pode influir no exame ou na decisão da causa – art. 84º, nº 1, do CPTA e art. 195º, nº 1, do CPC;

d) Nos termos do nº 6 do art. 128º do CPA, os procedimentos de iniciativa oficiosa, passíveis de conduzir à emissão de uma decisão com efeitos desfavoráveis para os interessados, caducam, na ausência de decisão, no prazo de 180 dias;

e) O A. não sabe quanto se iniciou tal procedimento que já vem pelo menos de 2013, mas sabe que foi notificado por ofício de 19-5-16 para se pronunciar em sede de audiência prévia, com base em parecer de 17-5-16, de modo que quando foi tomada a deliberação impugnada (em 6-6-17) já há muito decorrera o referido prazo de 180 dias, pelo que o procedimento já tinha caducado.

f) A caducidade do procedimento acarreta a invalidade da deliberação que no mesmo foi tomada.

g) O A. não foi ouvido sobre o conteúdo de um segundo parecer, de 29-5-17, em que se baseia e que serve de fundamento à deliberação impugnada.

h) E não se diga que o direito de audiência prévia foi exercido pelo A. quando se pronunciou em 1-6-16 (com base no parecer de 17-5-16), já que os fundamentos e os entendimentos de ambos os pareceres não são os mesmos, além de que os separa cerca de um ano;

i) Acresce que o parecer de 29-5-17 não refere sequer os argumentos aduzidos naquela pronúncia, o que também constitui falta de audiência prévia, de modo que o direito a audiência prévia tem assento constitucional (art. 267º, nº 5) e está densificado nos arts. 121º e segs. do CPA.

j) A falta de audiência prévia também acarretaria a invalidade da deliberação impugnada, ainda que o respectivo procedimento não tivesse caducado.

k) A deliberação impugnada (de 6-6-17) decidiu a perda da antiguidade do A. desde 15-12-14, ou seja, atribuiu-lhe eficácia retroactiva;

l) O certo é que não estava em causa nenhuma das situações previstas no nº 1 do art. 156º do CPA, nem no seu nº 2, logo, a atribuição de eficácia retroactiva à deliberação impugnada é ilegal e também acarretaria a sua invalidade, ainda que o respectivo procedimento não tivesse caducado.

m) A deliberação impugnada viola duplamente o princípio constitucional da tutela da confiança, pelo facto de o CSM não ter declarado a caducidade do procedimento em que veio a tomar a deliberação impugnada, em obediência ao estabelecido no nº 6 do art. 128º do CPA.

n) Depois, desde Setembro de 2013 e previsivelmente até Maio de 2018, o A. exerce funções como juiz em organismo internacional (primeiro no EULEX Kosovo e, desde Dezembro de 2015, no Supremo Tribunal do Kosovo), funções declaradas como de interesse público nacional.

o) Por outro lado, o A. aparece nas listas de antiguidade dos Magistrados Judiciais de 2014 e 2015 (nesta mesmo depois rectificada por despacho do Vice-Presidente de 21-11-16) sem qualquer perda de antiguidade.

p) Ou seja, o referido despacho de 21-11-16 é muito posterior à pronúncia do A. em 1-6-16 e ao fim do prazo de 30 dias para a elaboração do projecto de deliberação.

q) Tendo em conta a natureza das funções exercidas e a actuação do CSM tudo apontava de forma clara e segura que o CSM não decidiria a perda de antiguidade.

O CSM contra-alegou em termos semelhantes aos da sua resposta.

A Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta junto deste Supremo Tribunal de Justiça emiti Parecer no sentido do provimento do recurso. Para o efeito concluiu que, na ocasião em que foi aprovada a deliberação, já decorrera o prazo de 180 dias desde o início do respetivo procedimento, correspondendo, pelo menos, à data do despacho do Exm.º Senhor Vice-Presidente do CSM, de 18-5-16, através do qual demonstrou a sua concordância com o teor da informação interna que se pronunciava sobre a situação concreta do recorrente e sugeria que fosse notificado para audiência prévia. Por esse motivo, a deliberação do Plenário do CSM proferida após o termo desse prazo é inválida.

Cumpre decidir, sendo que, no essencial, está em causa a resposta a três questões, daí dependendo a necessidade ou utilidade da resposta a outras questões que foram suscitadas pelo recorrente em torno da audiência prévia, da retroatividade da deliberação e da violação do princípio da confiança:

a) Verificar se decorreu ou não o prazo de 180 dias desde que se iniciou o procedimento administrativo no âmbito do qual foi produzida a deliberação impugnada;

b) Apreciar se o decurso desse prazo tem como efeitos a caducidade do procedimento administrativo, nos termos do art. 128º, nº 6, do CPA, ou se se trata de um ato meramente ordenatório ou programático, cujo decurso não interferia na possibilidade de ser aprovada uma deliberação que afetasse o recorrente;

c) Apreciar se a deliberação aprovada depois de ter decorrido o prazo de caducidade é anulável e, em caso afirmativo, se o efeito da anulabilidade é impedido por via do art. 163º, nº 5, als. a) ou c), do CPA.

II – Elementos essenciais a ponderar:

1. Por deliberação do Plenário do CSM, de 17-9-13 (e por despacho favorável do Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, de 11-12-13), foi concedida ao recorrente “licença sem vencimento para o exercício de funções com carácter precário, como Juiz Criminal, em organismo internacional (EULEX Kosovo)com início em 22-9-13 e termo (da 1ª fase) a 14-6-14, sem perda de antiguidade e guardando vaga lo lugar de origem” (fls. 168).

2. Por deliberação do Plenário do CSM, de 16-12-14 (e por despacho favorável do Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, de 22-1-15), foi concedida ao recorrente “licença sem remuneração para exercício de funções em organismo internacional, nos termos do art. 283º da Lei nº 35/14, de 20-6, com efeitos a 15-12-14” (fls. 169 e 180).

3. Da ata da sessão do Plenário realizada no dia 16-12-14 ficou a constar a seguinte deliberação:

Ponto 3.3.7 Proc. DSQMJ:

Apreciado o expediente - Memorando informativo sobre a situação dos Exmºs. Senhores Juízes portugueses em Missão EULEX – Kosovo, designadamente a situação do Exmº Sr. Dr. AA, foi deliberado conceder ao mesmo a licença ora solicitada, de licença sem remuneração para exercício de funções em organismo internacional, nos termos do art. 283º da Lei nº 35/14, de 20-6, com efeitos a 15-12-14”.

4. Em 14-1-15, pelo ofício nº 283, o CSM comunicou ao Gabinete do Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação o teor da deliberação de 16-12-14, fazendo menção aos arts. 280º, nº 1, 281º, nº 4, e 283º, nº 1, al. a), da Lei nº 35/14, de 20-6.

5. Em 16-1-15, segundo tal deliberação, o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação proferiu despacho de prorrogação de concessão de licença sem remuneração nos termos dos arts. 280º, nº 1, 281º, nºs 3 e 4 e 283º, nº 1, al. a) da Lei nº 35/14, mas referindo por lapso o fim a 14-6-15, e não a 14-6-16, despacho que em 19-1-15 o CSM comunicou ao A.

6. Em 20-1-15 foi aprovada a acta da sessão do Plenário do dia 16-12-14 referida em 3.

7. Em 22-1-15, o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação proferiu despacho corrigindo o lapso, prorrogando a concessão de licença sem remuneração nos termos dos arts. 280º, nº 1, 281º, nºs 3 e 4, e 283º, nº 1, al. a) da Lei nº 35/14, mas até 14-6-16.

8. Em 27-1-15, o CSM comunicou ao A. o referido despacho do Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação e enviou o extracto de deliberação 179/2015 (o mesmo despacho) para publicação no D.R., o que foi feito em 11-2-15.

9. Em 20-4-15, o CSM comunicou ao A. o teor da deliberação do Plenário de 3-3-15 com o seguinte teor:

Suprir a incorrecta menção escrita constante da acta de 16-12-14 (art. 148º, do CPA e arts. 249º e 251º do CC), mediante rectificação do ali constante como tendo sido deliberado, a saber, onde consta «conceder ao mesmo a licença sem remuneração para exercício de funções com carácter precário, como Juiz criminal, em organismo internacional (EULEX Kosovo)»

Passando a ler-se

Não conceder ao mesmo a licença sem remuneração para exercício de funções com carácter precário, como Juiz criminal, em organismo internacional (EULEX Kosovo), mas deferir o pedido subsidiário de licença sem vencimento para permitir a continuação do desempenho das funções na missão EULEX, até 14-6-16”.

10. No mesmo dia 20-4-15, tal como o A., também o Gabinete do Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação foi informado da deliberação de 3-3-15.

11. No dia 29-4-15 o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, em função da comunicação do CSM de dia 20-4-15, proferiu novo despacho que foi comunicado ao CSM e ao A., mediante o qual foi alterada apenas a referência a uma alínea (da al. a) do art. 283º, nº 1, para a al. b)), isto em função da alusão ao deferimento do pedido subsidiário; ou seja, foi entendido que a alteração respeitava ao enquadramento, “não conceder para o exercício de funções em organismo internacional, com carácter precário” mas “para o exercício de funções em quadro de organismo internacional”.

12. No dia 6-5-15 foi publicada no D.R. a Deliberação (extracto nº 729/2015), relativa à deliberação rectificativa referida em 9.:

Por deliberação do Plenário do CSM de 3-3-15 deu-se sem efeito a deliberação do Plenário do CSM de 16-12-14 (e não 16-12-15, como dele consta) … e defere-se o pedido subsidiário de licença sem remuneração para permitir a continuação do desempenho das funções na missão EULEX, com efeitos reportados a 15-12-14 e termo a 14-6-16, nos termos do nº 1 do art. 280º da Lei nº 35/14, de 20-6” (fls. 20, vº).

14. Por despacho do Vice-Presidente do CSM, de 24-5-16 (fls. 172) e por despacho favorável do Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros, de 25-5-16, foi concedida licença sem retribuição para o exercício de funções em organismo internacional, com efeitos a partir de 15-6-16 até 14-11-16.

15. Por deliberação do Conselho Plenário do CSM, de 12-7-16, foi dado sem efeito o referido despacho de 24-5-16, referido em 14., revogando-o, e foi autorizado o gozo de uma licença sem remuneração nos termos do art. 280º, nº 1, da Lei nº 35/14, com efeitos a partir de 15-6-16 e até 14-5-18.

16. Assim, desde Setembro de 2013 e previsivelmente até Maio de 2018 o A. vem exercendo funções como juiz no EULEX/Kosovo, primeiro como Criminal judge at Mobile Unit for Basic Court level e, a partir de Dezembro de 2015, como Criminal Judge at the Supreme Court/Appellate Court (fls. 32), com licenças sem remuneração concedidas pelo CSM e com despachos favoráveis do Ministério do Negócios Estrangeiros.

17. Por se tratar de funções de interesse público nacional o A. é portador de passaporte diplomático (fls. 32, vº).

18. Na Lista de Antiguidade reportada a 31-12-14, publicado no seguimento de despacho de homologação, de 30-6-15, do Vice-Presidente do CSM, o A. aparece com o nº 402 e sem qualquer perda de antiguidade resultante das funções que vinha exercendo como juiz em organismo internacional (EULEX Kosovo) (fls. 22).

19. De igual modo, na Lista de Antiguidade reportada a 31-12-15, publicada pelo CSM no seguimento de despacho do seu Vice-Presidente, de 14-6-16 e depois rectificada por despacho do Vice-Presidente de 21-11-16, o A. aparece com o nº 355 e sem qualquer perda de antiguidade resultante das funções que vem exercendo como juiz em organismo internacional (EULEX Kosovo) (fls. 23, vº).


***

20. Em 18-2-16 foi elaborada pela técnica superior dos serviços do CSM, ..., a informação que consta de fls. 129 e 130, pondo à consideração superior determinar, “à luz da legislação vigente, quais as licenças que descontam para efeitos de antiguidade, considerando que na Lei nº 35/14, de 20-6, a designação de licença de longa duração apenas é referida ao nº 4 do art. 280º com o seguinte teor: «para efeitos do disposto no nº 2, considera-se de longa duração a licença superior a 60 dias”.

21. Por despacho de 22-2-16 foi determinado pelo Exmº Vice-Presidente do CSM que fosse elaborado parecer sobre a temática (fls. 129), dando origem ao processo administrativo nº 2016/DSQMJ/0800, criado em 24-2-16 (fls. 110).

22. Em 13-3-16 foi elaborado o parecer que consta de fls. 110 a 128, de natureza genérica, sem identificação ou individualização de casos concretos, no qual se concluiu, além do mais, que “não deverão ser contabilizados, para o efeito de antiguidade, os tempos de gozo de licenças sem remuneração, independentemente da sua finalidade, cuja duração seja igual ou superior a um ano” (fls. 127, vº).

23. Este parecer foi aprovado por deliberação do Plenário do CSM de 26-4-16 (fls. 107).

24. Em 17-5-16, o Director de Serviços do CSM lavrou a Informação de fls. 105 e 106 reportada designadamente à situação da licença sem vencimento respeitante ao Exmº Juiz de Direito AA, ora A., opinando no sentido de se proceder ao desconto na respectiva antiguidade.

25. Por ofício datado de 19-5-16, referindo como assunto “Desconto na antiguidade - Lista de Antiguidade reportada a 31-12-15”, o CSM notificou o A. para, no prazo de 10 dias úteis, se pronunciar por escrito, querendo, nos termos e para os efeitos no disposto no art. 121º do CPA (fls. 26 e ss.).

26. Tal notificação não era acompanhada de nenhum projecto de decisão nem sequer sobre o sentido provável desta, mas nela referia-se que:

Para melhor esclarecimento junto se remete cópia da informação de serviço nº DSQMJ/2016, onde se encontra exarado despacho do Exmº Senhor Vice-Presidente do CSM, datado de 18-5-16 (e não 18-9-16, como dele consta).

27. Em 1-6-16, o A. pronunciou-se sobre a referida “Informação”, defendendo que não deveria ser feito desconto na antiguidade, tendo em conta a natureza das funções para que as licenças sem vencimento tinham sido concedidas e até porque o CSM assim tinha deliberado em casos similares (fls. 28 e ss.).

28. Em 8-6-16 foi elaborado novo parecer no sentido de não se proceder ao desconto na antiguidade relativamente ao Exmº Juiz de Direito AA (fls. 88 a 95).

29. No dia 23-11-16, o Chefe de Serviços do CSM emitiu a Informação de fls. 86º, vº, a qual obteve concordância do Exmº Vice-Presidente do CSM de 28-11-16 (85, vº), na sequência do que foi emitido novo parecer de fls. 78, vº a 84, vº, datado de 6-1-17.

30. Na sessão plenária do CSM de 24-1-17 foi deliberado “aprofundar o estudo desta questão, designadamente da prática deste Conselho Plenário na concessão de licenças” (fls. 76, vº).

31. Em 29-5-17 foi elaborado outro parecer que concluiu nos seguintes termos:

Por aplicação dos efeitos do art. 281º, nº 3, da LGTFP, não deverá ser descontado na antiguidade o período de licença sem vencimento em que o Exmº Senhor Juiz AA exerceu funções em organismo internacional, devidamente autorizado a coberto de deliberação do Plenário do CSM e de despacho do membro do Governo competente em razão da matéria.

No remanescente período de licença, em consequência da revogação de anteriores deliberações de concessão de licença para representação em organismo internacional, a mesma passou a considerar-se concedida com finalidades genéricas.

Com efeito, julga-se que a vontade do órgão deliberativo competente (Plenário do CSM) foi expressa de forma inequívoca e foram cumpridos todos os requisitos de forma e formalidades legalmente previstas, donde a conclusão a extrair será a que o Exm.º Sr. Dr. Juiz se encontra em gozo de licença sem remuneração de longa duração, com finalidades genéricas, com duração total de 3 anos e 7 meses, durante o período compreendido entre 15-12-14 até 14-5-18.

Em face do exposto, julga-se que deve ser descontado na antiguidade do Exmº Senhor Juiz a totalidade do período de gozo da licença sem remuneração genérica, de longa duração, da seguinte forma:

(i) desconto do período remanescente do ano de 2014 (15-12-14 a 31-12-14), bem como

(ii) desconto da totalidade dos anos de 2015, 2016 e 2017 e

(iii) desconto do remanescente do ano de 2018 (1-1-018 a 14-5-18)”.

32. Na sessão Plenária do CSM de 6-6-17 foi deliberado concordar com o parecer referido em 31.

33. No dia 6-7-17 o A. foi notificado pelo ofício nº 2017/OFC/02629, de 5-7-17, que o Conselho Plenário do CSM, no dia 6-6-17, deliberara descontar na antiguidade do A. o período que vai de 15-12-14 a 14-5-18.

III – Decidindo:

1. Caducidade do procedimento administrativo:

1.1. O procedimento administrativo especificamente dirigido ao ora A. visou apurar se a licença que lhe fora concedida para o exercício das funções no organismo EULEX/Kosovo acarretava ou não perda na sua antiguidade na magistratura judicial.

Até um certo momento, o CSM não procedeu ao desconto dos períodos em que o ora recorrente (a par de outros magistrados judiciais) estivera afeto ao exercício de tais funções. Porém, em resultado da alteração do regime legal das licenças de longa duração, nos termos previstos nos arts. 280º a 283º da LGTFP (aprovado pela Lei nº 35/14, de 20-6), foi suscitada internamente a necessidade de verificarem as concretas implicações que para os magistrados judiciais decorriam de tais alterações, a par dos eventuais efeitos na respetiva antiguidade.

Não se questionam os procedimentos internos que foram adotados e que se inscrevem no exercício dos poderes de gestão da magistratura judicial atribuídos ao CSM, envolvendo designadamente a apreciação das situações de licença sem remuneração em face do EMJ ou da legislação supletiva e o seu reflexo na antiguidade. Do que se trata neste processo é apenas apurar se o Plenário do CSM, ao deliberar, como deliberou, apesar de já ter decorrido o prazo de 180 dias desde o início do procedimento administrativo, o fez numa ocasião em que já caducara tal procedimento e se, por esse único motivo, a deliberação é anulável.

1.2. O procedimento administrativo que desembocou na deliberação impugnada foi oficiosamente desencadeado pelo CSM, na sequência de informações internas e de pareceres que foram emitidos. Como já se disse, o mesmo não foi suscitado nem pelo A., nem por outro magistrado judicial, antes constituiu uma reação a uma informação interna elaborada em torno das licenças de longa duração.

Não é perfeitamente claro quando se iniciou tal procedimento administrativo, na parte em que visava especificamente o ora recorrente, mas podemos assegurar que tal já ocorrera na data em que o CSM lhe remeteu um ofício, datado de 19-5-16, que tinha como único assunto o “Desconto na antiguidade - Lista de Antiguidade reportada a 31-12-15”. Por via dessa comunicação era conferida ao recorrente a possibilidade de se pronunciar, em sede de audiência prévia, relativamente a uma informação interna na qual se concluía pela perda da sua antiguidade, com efeitos na sua posição na lista de antiguidade.

Invocou o CSM que a apreciação da situação em que o recorrente se encontrava ocorreu em duas fases, a segunda da qual se iniciou apenas em 28-11-16, quando foi internamente determinada a elaboração de um parecer.

Todavia, tal argumento não colhe, uma vez que os factos enunciados no precedente relatório espelham bem que, independentemente dos procedimentos internos que prepararam uma deliberação de caráter genérico por parte do Plenário do CSM sobre a questão em causa, o confronto do ora A. para exercer o contraditório no âmbito de um procedimento administrativo suscetível de o afetar ocorreu em data anterior.

Consideramos, pois, que na data em que foi aprovada a deliberação da qual resultava a perda de antiguidade para o A. (6-6-17) já haviam decorrido mais de 180 dias.

1.3. Dispõe o art. 128º do CPA, sob a epígrafe “Prazos para a decisão dos procedimentos” que:

1 - Os procedimentos de iniciativa particular devem ser decididos no prazo de 90 dias, salvo se outro prazo decorrer da lei, podendo o prazo, em circunstâncias excecionais, ser prorrogado pelo responsável pela direção do procedimento, por um ou mais períodos, até ao limite máximo de 90 dias, mediante autorização do órgão competente para a decisão final, quando as duas funções não coincidam no mesmo órgão.

6 - Os procedimentos de iniciativa oficiosa, passíveis de conduzir à emissão de uma decisão com efeitos desfavoráveis para os interessados caducam, na ausência de decisão, no prazo de 180 dias.”

O nº 6 foi introduzido pelo DL nº 4/15, que aprovou o novo CPA, visando os procedimentos administrativos de iniciativa oficiosa e passíveis de conduzir à emissão de uma decisão com efeitos desfavoráveis para os interessados.

Com a introdução de tal solução inovadora, o legislador pretendeu estabelecer uma consequência objetiva para a inatividade da Administração (ou, por extensão remissiva, para a inatividade ou demora do CSM) decorrido um prazo, que pareceu razoável (de 180 dias), sem que no procedimento administrativo iniciado oficiosamente tenha sido produzida uma deliberação oponível ao administrado (ou ao juiz) submetido ao poder de gestão da entidade administrativa (in casu, o CSM).

Alega o CSM que o prazo de 180 dias é meramente ordenador e tem uma natureza eminentemente programática, não afetando a possibilidade de ser produzida uma deliberação como aquela que foi impugnada em relação à situação em que se o A. encontrava e aos reflexos na respetiva antiguidade.

Discorda-se de tal posição, sendo claro, tanto pela redação do preceito como pelos motivos que foram invocados aquando do respetivo processo legislativo, que estamos perante um prazo legal cujo decurso tem como efeito a caducidade do procedimento administrativo.

Vejamos.

1.4. A justificação para tal inovação pode encontrar-se num escrito de Carla Amado Gomes, em Cadernos de Justiça Administrativa, nº 81, pp. 32 e ss., onde advogava a introdução da figura da caducidade do procedimento administrativo, como “resposta natural ao esgotamento do poder decisório sem emissão de decisão expressa no tempo do procedimentalmente devido”, de modo que, a partir de então, não se compactuasse com a “perpetuação irrazoável do tempo procedimental, ocupando infrutiferamente meios administrativos e técnicos e pondo em causa, em nome da inércia administrativa, a estabilidade das situações jurídicas”.

O mesmo se extrai de Fausto Quadros, que presidiu à Comissão de Revisão do CPA, esclarecendo, a este respeito, que “o procedimento de iniciativa oficiosa capaz de conduzir à emissão de uma decisão desfavorável para particulares caduca ao fim de 180 dias se não tiver decisão (art. 128º, nº 6)” (O novo CPA, em http://www.cej.mj.pt, p. 21).

A demais doutrina administrativista acompanha este entendimento que, por exemplo, é aceite por Tiago Antunes para quem “não é aceitável que estes particulares fiquem permanentemente sob a espada de Dâmocles de uma eventual decisão que possa afetar a sua esfera jurídica. Assim passado um prazo razoável - que a lei fixou em 180 dias – desde a instauração do procedimento, sem que tenha sobrevindo qualquer decisão, tais particulares podem finalmente descontrair, com a certeza de que já não serão confrontados com a prática do ato lesivo no âmbito desse procedimento que caducou (…)” (Comentários ao NCPA, coord. de Carla Amado Gomes, vol. II, 3.ª ed., p. 175).

É na mesma linha que se pronuncia Políbio Henriques, preconizando que “este regime de caducidade visou suprir uma lacuna do CPA, que não estabelecia qualquer consequência extintiva para a inatividade da Administração nos procedimentos de sua iniciativa, com o efeito perverso de se poderem manter pendentes, ad aeternum, por inércia da autoridade administrativa, procedimentos oficiosos, de cujo início os interessados haviam sido notificados e prenunciavam a emissão de decisões que lhes seriam desfavoráveis” (Comentários à Revisão do CPA, de Fausto Quadros, Sérvulo Correia, et alia, p. 260).

Também assim Luís Cabral Moncada que defende categoricamente que “a caducidade do procedimento é o resultado sobre o mesmo do facto jurídico da passagem do tempo, na medida em que afeta os fundamentos normativos sobre os quais o desenvolvimento do procedimento assentava. Trata-se de um efeito imperativo decorrente da lei. O nº 6 do artigo em análise consagra inovadoramente a regra da caducidade do procedimento oficioso passível de levar à emissão de ato desfavorável aos interessados ao fim de 180 dias sem decisão (…). Passado aquele prazo de 180 dias, a Administração deixa pura e simplesmente de poder tomar a decisão final desfavorável ao interessado. A ausência da caducidade do procedimento culminado numa decisão desfavorável ao interessado passado determinado prazo sobre o termo legal do período para a decisão final seria uma solução insuportável do ponto de vista daquele. Ficou finalmente consagrada, e com alcance geral, uma solução que se recomenda na perspetiva da posição procedimental do interessado perante a Administração, tributária de uma visão paritária do recíproco contacto” (NCPA anot., pp. 447/448).

Estamos, pois, em condições de assumir, face à posição da diversa doutrina atrás exposta, que o decurso do referido prazo gera a caducidade do procedimento administrativo.

1.5. À previsão de um prazo máximo de duração do procedimento administrativo estão subjacentes interesses de ordem pública ligados à segurança, proteção e estabilidade dos particulares, de modo que o decurso do prazo de caducidade opera ope legis. E na medida em que está subordinado à lei (art. 266º, nº 2, da CRP, e art. 3º do CPA), deve o órgão administrativo evitar a sua continuação para além do prazo fixado em lei, o qual tem natureza imperativa.

Mas o certo é que o CSM não declarou essa caducidade nem extraiu do decurso do prazo perentório o efeito de arquivamento do procedimento administrativo que tal deveria implicar.

Qual o vício que afeta a deliberação ou o ato administrativo produzido depois de decorrido o prazo de caducidade referido?

A doutrina também é unânime a este respeito, envolvendo a resposta no regime do art. 163º, nº 1, do CPA, nos termos do qual são “anuláveis os atos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção”.

Com efeito, não prescrevendo a lei outro efeito mais grave para o ato, é de considerar que a prolação de uma deliberação, depois de decorrido o prazo de caducidade, gera a sua anulabilidade com fundamento naquilo que a doutrina intitula de incompetência ratione temporis (neste sentido cf. Carla Amado Gomes, em Repensar o CPA – A Decisão do Procedimento, p. 41, e Luíz Cabral de Moncada, CPA anot., p. 394).

Considerar, como defende o CSM, que aquele prazo de 180 dias é meramente ordenador ou programático, não acarretando, por isso, a ilegalidade do ato praticado depois do seu decurso seria fazer tábua rasa da mencionada disposição inovatória, postergando por essa via as “razões de segurança e de estabilidade jurídica” e a “tutela de potenciais destinatários de um ato desfavorável” que estiveram na génese de tal medida legislativa de caráter inovador em face do anterior CPA (Tiago Antunes, Comentários ao NCPA, vol. II, cit., p. 179).

Por conseguinte, somos autorizados a concluir com a mesma segurança que ao não declarar a caducidade do procedimento administrativo e, mais do que isso, ao emitir a deliberação impugnada (no segmento que é concretamente desfavorável ao recorrente) depois de decorridos os 180 dias, o CSM não respeitou o estatuído no nº 6 do art. 128º do CPA e incorreu em vício de violação de lei determinante da anulabilidade da deliberação (nº 1 do art. 163º do CPA).

2. Efeitos da anulabilidade:

2.1. Alegou o CSM numa defesa antecipada que a eventual caducidade que porventura viesse a ser considerada seria in casu irrelevante. Uma vez que se está perante um ato vinculado, ficaria impedido o efeito anulatório, nos termos do art. 163º, nº 5, al. a), do CPA.

Sustenta para tal que não se encontrava na margem de discricionariedade da sua atuação adotar outra solução para o caso, na medida em que, em face da situação em que o ora recorrente se encontrava, estaria vinculado a determinar a perda de antiguidade correspondente ao período da licença de longa duração (concedida com finalidades genéricas), tendo-se limitado a corrigir o erro que afetava a posição do recorrente na lista de antiguidade.

Não se reconhece valia a este argumento.

2.2. O legislador previu que efeitos anulatórios de atos administrativos não se produzam em alguma das três situações excecionais previstas no nº 5 do art. 163º do CPA que, sob a epígrafe “Atos anuláveis e regime da anulabilidade”, dispõe que:

1 - São anuláveis os atos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou outras normas jurídicas aplicáveis, para cuja violação se não preveja outra sanção.

5 - Não se produz o efeito anulatório quando:

a) O conteúdo do ato anulável não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo vinculado ou a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução como legalmente possível;

c) Se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo.”

A prática de um ato vinculado significa que a Administração (in casu, o órgão constitucional a que é atribuída a função administrativa relativamente ao corpo de magistrados judiciais), observando o princípio da legalidade, executa o comando da lei, ficando-se pela concretização do preceito legal que define todas as condições da sua atuação e também os possíveis resultados, verificados determinados pressupostos igualmente definidos na lei. Ou seja, o conteúdo de tal ato é determinado pelo regime legal aplicável, sendo a própria lei que vincula a administração à prática de um ato com conteúdo pré-determinado (Licínio Martins, Comentários ao NCPA, vol. II, 3ª ed., p. 319).

Em tais circunstâncias, a norma jurídica que rodeia o ato não há de, pois, atribuir qualquer discricionariedade ao órgão administrativo (quanto às consequências jurídicas a impor), nem ser caracterizada por conceitos indeterminados ou vagos carecidos de valorações a efetuar também pela administração (Luís Terrinha, ob. cit. pp. 347 e 348).

Aquele preceito, para além de abranger os atos de conteúdo vinculado, também abrange os atos que a doutrina apelida de casos de discricionariedade reduzida a zero (entre outros, Maria Madalena Mendes, ob. cit., Luís Terrinha, ob. cit., Licínio Martins, ob. cit. e Ana Celeste Carvalho, em “Os vários caminhos da jurisprudência administrativa na aplicação do princípio do aproveitamento do ato administrativo”, em Estudos em Homenagem a Rui Machete, p. 34).

Estes últimos são casos em que a Administração não goza de qualquer margem concreta de liberdade na prática do ato, atendendo à especificidade do caso. Nestes casos, várias soluções de atuação podem ser perspetivadas, mas a correta avaliação das concretas circunstâncias faz concluir que, de entre as possíveis soluções que inicialmente poderiam ser equacionadas, só uma seria a adequada (Licínio Lopes Martins, ob. cit. p. 319).

2.3. O legislador não definiu no EMJ os critérios de atuação do CSM e o resultado, prescrevendo apenas no art. 74º, al. a), que os magistrados judiciais beneficiários de licença de longa duração perdem a antiguidade, de modo que o CSM não estava a agir no âmbito de um poder vinculado.

Tal preceito deixou entretanto de ter correspondência com a lei geral que definia as categorias de licenças e os seus efeitos na antiguidade que passaram a ser regulados pelos arts. 280º a 283º da LGTFP (aprovada pela Lei n.º 35/14, de 20-6), colocando ao CSM dificuldades na qualificação das situações preexistentes.

Sendo verdade que o legislador não estipulou critérios de atuação do CSM para a concessão de licença aos magistrados judiciais, a alteração legal que ocorreu num diploma geral que é subsidiariamente aplicável aos magistrados judiciais trouxe consigo dificuldades de interpretação e de integração do regime a carecerem de uma clarificação como aquela que foi feita pelo CSM em termos genéricos, seguida da aplicação reflexiva na esfera do A.

Porém, como os factos bem o indicam, no exercício de tal tarefa foram grandes as dificuldades que o CSM teve de enfrentar, como bem o demonstram os pareceres contraditórios e informações internas diversas que foram antes de a matéria ter sido submetida ao Plenário do CSM para a aprovação da deliberação genérica e daquele que respeitou especificamente ao ora recorrente.

Efetivamente, nos procedimentos que conduziram a tais deliberações foram produzidos internamente diversos pareceres relacionados com a delimitação do conceito de “licença de longa duração” previsto no EMJ e sua compatibilização com o regime geral da função pública, acabando o órgão por considerar que aquela licença abarca a que seja por período igual ou superior a um ano.

Já no que respeita à qualificação da licença em que se encontrava o recorrente, o CSM optou por considerar que a mesma foi concedida para “finalidades genéricas”, embora num outro parecer datado de 8-6-16 se indicasse uma solução de sentido oposto, considerando tratar-se de licença fundada em “circunstância de interesse público”.

De tudo isto resulta que, uma vez que o EMJ não regulava exaustivamente a situação em que o ora recorrente se encontrava, nem esta resultava evidente da conjugação entre as normas do EMJ e as que constavam do regime geral supletivamente aplicável, gozava o CSM de uma margem de apreciação bem diversa daquele que se verificaria se acaso estivesse em causa o exercício de poderes vinculados, sem qualquer margem decisória ou de discricionariedade.

O legislador ao manter ainda simplesmente no EMJ que os magistrados judiciais beneficiários de licença de longa duração perdem a antiguidade, sem definir o que se entende por “licença de longa duração”, confiou ao CSM a integração desse conceito indeterminado e atribui-lhe alguma liberdade de escolha da solução mais adequada, dentro dos parâmetros definidos por lei (arts. 280º a 283º da LGTFP).

Podemos, pois, concluir que não estava em causa um ato vinculado com capacidade de impedir o efeito anulatório referido.

Também não estamos perante um caso concreto que permita identificar apenas uma solução como legalmente possível (art. 163º, nº 5, al. a), do CPA) – ato de discricionariedade zero.

Na verdade, não se vislumbra que, dentre as várias alternativas de qualificação jurídica das licenças concedidas ao recorrente, só fosse permitido ao CSM identificar a solução contida na deliberação impugnada como legalmente possível.

É certo que, após qualificar tal licença como “licença de longa duração, com finalidades genéricas”, o CSM só tinha como solução decidir a perda de antiguidade, nos termos do art. 74º, al. a), do EMJ. Porém, para efeitos do art. 163º, nº 5, al. a), do CPA, o que importa é que se assuma que, entre as possíveis soluções que inicialmente poderiam ser equacionadas, só aquela que em concreto foi tomada seria legalmente possível para o caso.

Ora, face aos vários pareceres existentes no procedimento administrativo, com soluções opostas, não é possível assumir que, de entre as várias alternativas, a solução tomada pelo CSM fosse a única legalmente possível.

Por tudo, o que atrás se expôs, não se verifica a exceção do art. 163º, nº 5, al. a), do CPA, que permita o aproveitamento do ato administrativo (deliberação impugnada).

2.4. Também não se verifica a exceção contida no art. 163º, nº 5, al. c), do CPA, nos termos da qual o efeito anulatório é impedido quando se “comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo”.

Assume a este respeito Maria Madalena Mendes que, para ocorrer o aproveitamento do ato com base nesta previsão, “o tribunal precisará de certificar-se, sem dúvidas, de que outra alternativa não existe para a Administração que não a da prática do ato naqueles precisos termos. Existindo o mínimo de incerteza ou alguma hipótese por mais remota que possa parecer de que o ato poderia ter outro conteúdo se não fosse o vício, está vedada a possibilidade de aproveitamento do ato pelo tribunal” (ob. cit. p. 657).

Defende também Luís Terrinha que “na al. c), do nº 5 do art. 163º do CPA exige-se que o vício de que padece o ato administrativo não tenha influenciado o conteúdo decisório de que ele é portador. Para chegar a essa conclusão, cumprirá ao tribunal realizar um juízo de prognose póstuma, indagando da aptidão do vício cometido para se projetar no sentido da decisão da Administração) (ob cit., p. 349).

Conforme consta, entre outros, do Ac. do STA de 11-10-07, 1521/02, em www.dgsi.pt, “à face deste princípio (de aproveitamento do ato) não se justifica a anulação de um ato, mesmo que enferme de um vício de violação de lei ou de forma, quando a existência desse vício não se veio a traduzir numa lesão em concreto para o interessado cuja proteção a norma visa (…) ou mesmo no domínio dos atos discricionários o tribunal pode negar relevância anulatória ao incumprimento do art. 100º do CPA quando, pelo conteúdo do ato e pela incidência da sindicação que foi chamado a fazer possa afirmar com inteira segurança que o cumprimento de tal formalidade em nada modificaria o conteúdo do ato”.

Neste contexto, impõe-se perguntar se a sanação do vício em nada modificaria a deliberação impugnada, ou seja, se acaso tivesse sido reconhecido que haviam decorrido mais de 180 dias sem decisão e, consequentemente, tivesse sido declarada a caducidade do procedimento administrativo (sanção resultante do art. 128º, nº 6, do CPA), o conteúdo do ato seria igual ao conteúdo do ato impugnado.

2.5. Já anteriormente se disse que, no caso concreto, ocorreu vício de violação de lei, dado que o CSM - uma vez que já haviam decorrido os 180 dias, sem emitir a decisão - não declarou a caducidade do procedimento administrativo e proferiu a decisão desfavorável ao interessado.

A realidade ficcionada que o legislador definiu no art. 163º, nº 5, do CPA, é sempre no pressuposto de que, uma vez anulado o ato administrativo, o mesmo voltaria a ser praticado com o mesmo conteúdo, o que seria demonstrativo de que tal vício não influiu de modo algum na concreta decisão.

Tal não acontece no caso concreto.

Conforme refere Ana Celeste Carvalho, ob. cit., p. 43, “a aplicação do princípio do aproveitamento do ato administrativo não deverá servir a finalidade de permitir a legitimação judicial de uma Administração contra legem, que não respeita a forma ou as formalidades ou que erra na prática dos seus atos, sob pena de subversão do princípio da legalidade. Definidas as situações em que não se produz o efeito anulatório, não haverá o risco de quebra de fronteiras entre o que é julgar e o que é administrar, nem um exercício de judicialismo ou de reinterpretação da legalidade administrativa.” E na p. 44 refere que “o juiz, e, em particular, o juiz administrativo não tem o papel de defensor da Administração contra os direitos subjetivos e os interesses legalmente protegidos, assim como não serve o papel de defensor dos interesses dos particulares contra a Administração, antes sendo chamado, cada vez mais, a realizar ponderações decisórias, no quadro do conjunto vasto dos direitos e interesses públicos e privados, em presença.”

Ora, o CSM não incorreu em violação de lei por não ter emitido a decisão (desfavorável) dentro dos 180 dias, antes pelo facto de ter decorrido o prazo de 180 dias sem decisão e, apesar disso, não ter reconhecido ou declarado a caducidade do procedimento administrativo, abstendo-se de proferir a deliberação impugnada.

Num “juízo de prognose póstuma” que o tribunal é chamado a fazer em face daquele preceito, haveria que reconhecer a caducidade e declarar a extinção do procedimento iniciado (art. 93º do CPA).

Deste modo, não pode afirmar-se, como a lei o exige, que “sem margem para dúvidas” o reconhecimento da caducidade do procedimento administrativo por banda do CSM em nada modificaria o conteúdo do ato administrativo. Pelo contrário, no caso presente, a ser corrigido o vício determinante da anulabilidade da deliberação, o seu conteúdo deveria ser outro: a declaração de extinção do procedimento administrativo, por caducidade.

Não podemos olvidar que se impõe à Administração Pública em geral e, no caso, ao CSM, uma atuação de acordo e em estrito cumprimento da lei (art. 266º, nº 2, da CRP e art. 3º, nº 1, do CPA), que passava pela aplicação do disposto no art. 128º, nº 6 do CPA.

Face ao que atrás se expôs, conclui-se que também não se encontra preenchida a previsão contida na al. c) do nº 5 do art. 163º do CPA, prevalecendo, assim, o efeito anulatório já referido.

3. Pelos referidos motivos, deixa de ter interesse a apreciação das demais questões suscitadas pelo recorrente que se encontram prejudicadas.

IV – Face ao exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso interposto, declarando-se a anulação da deliberação que foi proferida com fundamento na caducidade do procedimento administrativo.

Custas a cargo do CSM, com taxa de justiça de 6 UC’s.

Notifique.

Lisboa, 16-5-18



Abrantes Geraldes

Roque Nogueira

Raul Borges

Ribeiro Cardoso

Isabel São Marcos

Manso Rainho

Olindo Geraldes