Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
26/19.0PJSNT.L1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO
REJEIÇÃO DE RECURSO
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
CONCURSO DE INFRAÇÕES
TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
PENA DE PRISÃO
PENA ÚNICA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
REGISTO CRIMINAL
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA
Data do Acordão: 03/13/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I. O recurso de um acórdão da Relação para o STJ não é um segundo recurso do acórdão da 1.ª instância, mas um recurso do acórdão da Relação que conheceu daquele recurso; verificados que se mostrem os pressupostos da admissibilidade, o objeto do conhecimento do recurso delimita-se pelas questões identificadas pelo recorrente que digam respeito a questões que tenham sido conhecidas pelo tribunal recorrido ou que devessem sê-lo, com as necessárias consequências ao nível da validade da própria decisão, assim se circunscrevendo os poderes do tribunal de recurso, sem prejuízo do exercício, neste âmbito, dos poderes de conhecimento oficioso necessários e legalmente conferidos em vista da boa decisão de direito.

II. Do disposto nos artigos 400.º, n.º 1, als. e) e f), 432.º, n.º 1, al. b), e 434.º do CPP resulta que só é admissível recurso de acórdãos das relações, proferidos em recurso, que apliquem penas superiores a 8 anos de prisão ou penas superiores a 5 anos e não superiores a 8 anos em caso de não confirmação da decisão da 1.ª instância; este regime efetiva, de forma adequada, a garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto e em matéria de direito, consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, enquanto componente do direito de defesa em processo penal reconhecida em instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos que vigoram na ordem interna.

III. Estando, por razões de competência, impedido de conhecer do recurso interposto de uma decisão, encontra-se o STJ também impedido de conhecer de todas as questões processuais ou de substância que lhe digam respeito, tais como os vícios da decisão indicados no artigo 410.º, n.º 2, do CPP ou respetivas nulidades (artigo 379.º e 425.º, n.º 4, do CPP) e questões relacionadas com a apreciação da prova, com a qualificação jurídica dos factos e com a determinação das penas correspondentes aos tipos de crime realizados pela prática desses factos ou com questões de constitucionalidade suscitadas a esse propósito.

IV. Porque parte das questões suscitadas dizem respeito a aspetos dos factos considerados provados e das provas, parcialmente reapreciadas no acórdão da Relação, que se relacionam com os crimes em concurso, a que foram aplicadas uma pena inferior a 5 anos e penas não superiores a 8 anos de prisão, tendo o acórdão recorrido confirmado, sem qualquer alteração, a decisão da 1.ª instância que aplicou estas penas é o recurso rejeitado quanto a essas questões, limitando-se a sua apreciação à questão da determinação da pena única fixada em medida superior a 8 anos.

V. Nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, a pena única forma-se a partir de uma moldura definida pela mais elevada das penas aplicadas aos crimes em concurso e pela soma das penas aplicadas a esses crimes, sem ultrapassar 25 anos de prisão (n.º 2 do artigo 77.º), seguindo-se os critérios da culpa e da prevenção (artigo 71.º) e considerando, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (critério especial do n.º 1 do artigo 77.º, in fine), aqui se incluindo, designadamente, as condições económicas e sociais, reveladoras das necessidades de socialização, a sensibilidade à pena, a suscetibilidade de por ela ser influenciado e as qualidades da personalidade manifestadas no facto, nomeadamente a falta de preparação para manter uma conduta lícita.

VI. Os factos, que preenchem o ilícito global, com repetida ofensa de diversos bens jurídicos, por diversas formas, foram praticados num período de cerca de 3 anos, a sua imagem global revela uma intensa atividade criminosa de comercialização de produtos estupefacientes de elevada perigosidade para os bens jurídicos causa, com um considerável nível de organização, meios e dimensão geográfica nacional e internacional, geradora de proventos elevados que constituíam a base material de vida do arguido, sendo elevados o grau de ilicitude e a intensidade do dolo.

VII. As condições sociais e familiares do recorrente, o seu percurso de formação e desenvolvimento pessoal, o seu trajeto profissional e a opção por estilos de vida e relações marginais e desviantes, associadas a consumo de estupefacientes, não obstante as evidenciadas relações de afeto ao nível familiar, evidenciam consideráveis necessidades de ressocialização face à demonstrada falta de preparação para manter uma conduta lícita.

VIII. Mantendo-se «vigentes» no registo criminal (artigo 11.º, n.º 1, als. a), b) e e), da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio) todas as condenações anteriores e dele não constando a extinção das penas aplicadas no Reino Unido comunicadas a Portugal com base na Decisão-Quadro 2009/315/JAI do Conselho de 26.2.2009, cujo regime se mantém atualmente inscrito no Título IX (artigos 643.º a 652.º) do Acordo de Comércio e Cooperação entre a UE e a CEEA, por um lado, e o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, por outro (JOUE L 149, de 30.4.2021), deverão todas as condenações ser tomadas em consideração na determinação das penas.

IX. Nesta conformidade, , tendo em conta a moldura da pena aplicável aos crimes em  concurso, na ponderação, em conjunto, dos factos e da personalidade do arguido revelada na sua prática (critério especial do artigo 77.º, n.º 1, do CP), não se encontra fundamento que justifique uma intervenção corretiva na pena única de 9 anos de prisão, por violação dos critérios de adequação e proporcionalidade, relevando por via da culpa e da prevenção, que se mostram respeitados e devem presidir à determinação das penas.
Decisão Texto Integral:
Proc. n.º 26/19.0PJSNT.L1.S1

3.ª Secção

ACÓRDÃO

Acordam em conferência na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1. Por acórdão de ........2023, proferido nos presentes autos, em que, além de outros, é arguido AA, com a identificação que consta dos autos, o tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de ... - Juiz... do Tribunal Judicial da Comarca de ... Oeste, julgando a acusação procedente, condenou este arguido nos seguintes termos:

«(…)

i. Condena o arguido AA pela prática, em autoria material e, em concurso efetivo:

- de um crime de tráfico e outras atividades ilícitas de substâncias estupefacientes, previsto e punível pelo artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à tabela I-C a este anexo, na pena parcial de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível artigo 86.º, n.º 1, al. a) e al. d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, que aprova o Regime Jurídico das Armas e Munições, aprovado pela Lei nº 5/2006 de 23 de fevereiro, conjugado com o artigo 2.º, n.º1 alíneas, j), m) q), az) e al. aah) e n.º 2 alínea l) e artigo 3.º, n.º 2, al. b) e), u), z) do mesmo diploma, na pena parcial de 3 (três) anos de prisão;

- 1 (um) crime de tráfico e mediação de armas agravado, previsto e punível pelo art. 87º nºs 1 e 2 al. c), com referência ao artº 86º da Lei nº 5/2006, de 23/2, na pena de 6 (seis) anos de prisão;

Procedendo, nos termos dos artigos 77º e 78º do Código Penal, ao cúmulo jurídico das três penas parcelares ora aplicadas, condena o arguido AA na pena unitária de 9 (nove) anos de prisão.»

2. Discordando, interpôs o arguido recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual, por acórdão de 110.10.2023, negou provimento ao recurso, confirmando na íntegra o acórdão recorrido.

3. Do acórdão da Relação vem agora interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça pelo mesmo arguido, que apresenta motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

«a) O ora Recorrente foi condenado pela prática, em autoria material e em concurso efectivo de:

a. um crime de tráfico e outras actividades ilícitas de substâncias estupefacientes, na pena parcial de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão;

b. de um crime de detenção de arma proíbida, na pena parcial de 3 (três) anos de prisão;

c. de um crime de tráfico e mediação de armas agravado, na pena de 6 (seis) anos de prisão;

Na pena unitária de 9 (nove) anos de prisão.

b) Decisão que o Tribunal da Relação veio confirmar – mas o Recorrente não pode conformar-se com tal.

c) Da prova coligida nos autos e da prova realizada em audiência de julgamento, é notória uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, que nos leva a cair num erro notório na apreciação da prova.

d) De notar que o ora Recorrente foi detido e constituído arguido no âmbito do processo n.º 41/21.4PJSNT.

e) Entendeu o Ministério Público apensar aquele processo aos presentes autos, por entender que haveria alguma conexão nas investigações.

f) Da prova produzida, não se concluiu por nenhuma ligação do ora Recorrente aos demais co-arguidos.

g) Grande parte da prova coligida – autos de vigilância e escutas telefónicas – nunca se reporta ao aqui Recorrente.

h) A verdade é que parte dos factos dados como provados, na verdade, não o foram.

i) Atentemos aos pontos 136, 137 e 143 da matéria provada:

138. Assim, em diversas ocasiões, nesse período, o arguido BB adquiriu, sobretudo, haxixe a vários fornecedores de identidade desconhecida, mas residentes no ... e ....

139. Para a execução desta atividade, o arguido BB utilizava a viatura com matrícula ..-MH-.. e outras viaturas alugadas para o efeito.

143. Em mais do que uma ocasião, após estas compras de haxixe a fornecedores não concretamente apurados, o arguido BB, por si ou terceiro a seu mando, efetuava o transporte do produto estupefaciente para o território nacional, combinando encontros para entrega do produto estupefaciente.

j) Para dar tais factos como provados, o tribunal a quo remete para o auto de vigilância de fls. 524, de onde apenas decorre que o Recorrente conduz a viatura com matrícula ..-MH-...

k) Bem como ao auto de vigilância de fls 640, onde a viatura é vista a atravessar a Ponte... em direcção a ....

l) Não está provado – nem por documentos nem por depoimento – que o Recorrente alguma vez tenha saído do país na dita viatura.

m) Não está provado que o Recorrente tenha procedido ao transporte de estupefaciente entre o ... e ....

n) É uma conclusão que o tribunal a quo alcança sem qualquer suporte factual.

o) No início de ... um lisboeta deslocar-se ao ... é, seguramente, o facto mais banal descrito nos autos.

p) Não foi produzida qualquer prova que faça concluir que o Recorrente se deslocou ao ... para outro fim que não lazer.

q) Tal não decorre dos autos de vigilância.

r) Nem da prova testemunhal – aliás, CC, a quem foi apreendida a droga, não prestou depoimento nos autos.

s) Quanto ao facto provado 139:

Naquele período, o arguido BB utilizava a habitação sita na ..., para armazenamento e preparação desse haxixe assim adquirido, para, posteriormente, distribuir e vendê-lo junto de potenciais compradores consumidores interessados.

t) Nenhuma das testemunhas ouvidas relatou ter-se deslocado a esta morada para adquirir produto estupefaciente ao aqui Recorrente.

u) As quantidades apreendidas, de um produto estupefaciente largamente disseminado na população, não podem levar à conclusão de que se trate de um espaço destinado a armazém de estupefaciente.

v) Quanto aos factos dados como provados n.º 140, 141, 142 e 145, os mesmos foram dados como provados da análise das mensagens extraídas dos telemóveis que foram apreendidos ao Recorrente aquando da sua detenção, a ...-...-2021.

w) Determina o artigo 17.º da Lei n.º 109/2009, de ... (Lei do Cibercrime) que “Quando, no decurso de uma pesquisa informática ou outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados, armazenados nesse sistema informático ou noutro a que seja permitido o acesso legítimo a partir do primeiro, mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurem ser de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, aplicando-se correspondentemente o regime da apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal.”

x) Ora, apesar de a sentença recorrida fazer referência “(…) à análise do conteúdo extraído dos dois telemóveis, validado por Juiz de Instrução”, consultados os autos não se encontra qualquer despacho proferido pelo Juiz de Instrução, no mês de Outubro de 2021, autorizando ou ordenando a apreensão de tais comunicações.

y) Existe um despacho que ordena a junção aos autos do relatório forense, já elaborado e apresentado, datado de ...-...-2022 – ou seja, mais de cinco meses após a apreensão do telemóvel.

z) Nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 179.º do Código de Processo Penal, o Juiz de Instrução deveria ter sido a primeira pessoa a tomar conhecimento do seu conteúdo – o que, manifestamente, não aconteceu.

aa) Em situação muito similar, atente-se ao acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 06-02-2018 (processo n.º 1950/17.0T9LSB-A.L1-5):

“A Lei do Cibercrime, lei nº 109/2009, de 15 de Setembro, a qual transpõe para a ordem jurídica interna a Decisão Quadro nº 2005/222/JAI, do Conselho da Europa, de 24 de Fevereiro, relativa a ataques contra sistemas de informação e adapta o direito interno à Convenção sobre Cibercrime do Conselho da Europa, determina no seu art.º 17º, sob a epígrafe da “apreensão de correio electrónico e registo de comunicações de natureza semelhante”, que, quando no decurso de uma pesquisa informática ou outro acesso legítimo a um sistema informático, forem encontrados armazenados nesse sistema informático ou noutro que seja permitido o acesso legítimo a partir do primeiro, mensagens de correio electrónico ou registos de comunicações de natureza semelhante, o juiz pode autorizar ou ordenar, por despacho, a apreensão daqueles que se afigurem de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, aplicando-se correspondentemente o regime de apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal.

Aplicando-se assim o regime de apreensão de correspondência previsto no Código de Processo Penal, este encontra-se disciplinado no art.º 179º, o qual estabelece desde logo no n.º 1 que tais apreensões sejam determinadas por despacho judicial, “sob pena de nulidade” expressa (n.º 1), e que “o juiz que tiver autorizado ou ordenado a diligência é a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida”, o que se aplica ao correio electrónico já convertido em ficheiro legível, o que constitui acto da competência exclusiva do Juiz de Instrução Criminal, nos termos do art.º 268º n.º 1 alínea d) do CPP, o qual estabelece que “compete exclusivamente ao juiz de instrução, tomar conhecimento, em primeiro lugar, do conteúdo da correspondência apreendida”, o que se estendeu ao conteúdo do correio electrónico, por força da subsequente Lei nº 109/2009, de 15 de Setembro, constituindo a sua violação nulidade expressa absoluta e que se reconduz, a final, ao regime de proibição de prova.

A tudo isto acresce que a falta de exame da correspondência pelo juiz constitui uma nulidade prevista no art.º 120º n.º 2 alínea d) do CPP, porque se trata de um acto processual legalmente obrigatório (neste sentido vide Paulo Pinto de Albuquerque, in comentário do Código de Processo Penal, 2ª Edição, anotação 12ª ao art.º 179º, página 495).

Contudo, em caso de urgência, isto é de possível perda de informações úteis à investigação de um crime em caso de demora, o juiz pode sempre autorizar a abertura imediata de correspondência (assim como de correio electrónico) pelo órgão de política criminal e o órgão de polícia criminal pode mesmo ordenar a suspensão da remessa de qualquer correspondência nas estações de correios e de telecomunicações, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do art.º 252º do Código de Processo Penal, devendo a ordem policial ser convalidada no prazo de 48 horas, sob pena de devolução ao destinatário caso não seja atempadamente convalidada, ou caso seja rejeitada a convalidação.

Ora, no caso dos autos, o despacho recorrido limita-se a estabelecer um paralelismo/dependência entre os requisitos e competências para determinar a realização das buscas onde vieram a ser efectuadas as apreensões dos suportes informáticos que continham essa correspondência e os requisitos e competência para o respectivo “primeiro” conhecimento, não tendo invocado qualquer exigência ditada pela urgência nos procedimentos, a qual não se vislumbra, até pelas datas em que as apreensões ocorreram, os exames e a apresentação foram feitos.

Essa aparente confusão no sentido de estender a competências para determinar a realização de certo tipo de buscas para tomar conhecimento, em primeira mão do correio electrónico que estivesse contido nos suportes informáticos apreendidos naquelas buscas, não se mostra compatível com as exigências constantes do regime legal acima exposto, que exige despacho do JIC e que este seja a pessoa a tomar conhecimento “em primeiro lugar” do conteúdo da correspondência e do correio electrónico apreendidos, “sob pena de nulidade”, ou que se pudesse entender, como no despacho recorrido, que se estivesse perante um regime legal “específico”, por diverso e menos exigente, de molde a ser dispensável a observância plena do disposto no art.º 179º n.º 3 do CPP, quando os termos da lei especial - Lei do Cibercrime (Lei n.º 109/2009, de 15 de Setembro) - remetem expressamente para o regime geral previsto no Código de Processo Penal, sem redução do seu âmbito, antes se impondo a sua aplicação na sua totalidade.

Por todo o exposto concede-se provimento ao recurso interposto pelo M.º P.º, revogando o despacho recorrido e, ordenando-se a sua substituição por outra que determine o cumprimento do art.º 179º n.º 3 do CPP, aplicável por força do art.º 17º da Lei nº 109/2009, de 15 de Setembro (Lei do Cibercrime), que impõe que o JIC seja a pessoa a tomar conhecimento “em primeiro lugar” do correio electrónico apreendido, disponível, copiado pelo perito, em ficheiros legíveis.”

bb) No caso concreto, não existia qualquer urgência que justificasse que tais comunicações estivessem a ser analisadas pelos OPC antes de o serem pelo Juiz de Instrução – o telemóvel estava apreendido, pelo que o seu conteúdo a qualquer momento poderia ser extraído.

cc) “Tais apreensões têm de ser autorizadas ou determinadas por despacho judicial, devendo ser o juiz a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo da correspondência apreendida, sob pena de nulidade” – vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 11-01-2011 (processo n.º 5412/08.9TDLSB-A.L1-5).

dd) “(…) A apreensão (mesmo gozando de legitimidade formal pela existência de prévia autorização ou ordem judicial de apreensão) não legitima, “per si”, a valoração dos elementos probatórios assim conseguidos.

Para o efeito, é ainda necessário que o Juiz seja a primeira pessoa a tomar conhecimento do conteúdo apreendido, conhecimento esse que não tem de ser obrigatoriamente completo/total.

Depois, os elementos apreendidos podem ser enviados pelo Juiz ao Ministério Público para que este emita proposta/parecer sobre a relevância, ou não, para a descoberta da verdade ou para a prova dos factos em investigação (pelo mesmo (Ministério Público face à estrutura acusatória de qualquer processo penal).

Então o Juiz estará em condições de melhor aferir qual o conteúdo relevante e ponderar da necessidade, ou não, da sua junção aos autos como meios de prova e, em caso afirmativo, com a inerente compressão de direitos constitucionais.” – vide acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 11-05-2023 (processo n.º 215/20.5T9LSB-C.L1-9).

ee) Ao longo do processo, as escutas efectuadas foram várias vezes validadas pelo Juiz de Instrução – mas as mesmas referem-se, tão somente, ao co-arguidos, e não ao aqui Recorrente.

ff) Não existem escutas do Recorrente nos presentes autos.

gg) Verifica-se que a apreensão de tais comunicações não foi ordenada ou autorizada por Juiz de Instrução, pelo que a prova reunida padece de nulidade.

hh) Todos os factos dados como provados, com base nas comunicações extraídas dos telemóveis apreendidos, terão de ser considerados como não provados.

ii) Foi o Recorrente condenado pela prática de um crime de tráfico e mediação de armas agravado – o que de modo algum pode aceitar.

jj) Ao Recorrente foi apreendida uma arma “Glock” e a respectiva munição.

kk) Da leitura da acusação pretende-se fazer crer que o Recorrente tinha consigo munição variada, para vários tipos de armamento – o que é muito falacioso.

ll) No relatório final elaborado pela Polícia de Segurança Pública (ver fls. 2567), o Agente Principal teve o cuidado de esclarecer que apreendeu:

• “Uma arma de fogo de marca Glock, Modelo 19, calibre 9mm, com o N.º ... a qual é de propriedade das forças de segurança, que se encontrava carregada com um carregador de 17 munições (continha 11 munições no seu interior), com uma munição na camara de explosão e pronta a disparar em tiro de rajada (arma alterada).

• Um carregador para a arma Glock 19 com capacidade para 33 munições, que se encontrava totalmente carregado com 33 munições.

(…) No total foram apreendidas 45 munições”

mm) O Recorrente detinha, de facto, uma arma proibida e a correspondente munição.

nn) Não foi feita prova em julgamento – um único indício – de que o Recorrente se dedique ao tráfico de armas.

oo) Não foram apreendidas armas na sua casa.

pp) Não foi encontrado na posse de mais armas.

qq) Nem a sentença recorrida nem os relatórios policiais transcrevem as supostas mensagens que os fazem crer, sem mais, na existência de um crime de tráfego de armas.

rr) Existe uma manifesta falta de fundamentação no que respeita à condenação pelo crime de tráfico de armas – que, supostamente, só se alicerça em comunicações trocadas.

ss) Não se demonstrou que tenha existido qualquer transacção em que o Recorrente tenha sido parte com vista à compra e venda de armas.

tt) Nem, sequer, que o Recorrente tenha tido na sua posse outras armas que não aquela que foi apreendida à ordem dos autos.

uu) A decisão recorrida faz um salto lógico que não pode fazer – toma uma conclusão sem ter fundamentação que a suporte.

vv) Não obstante o princípio da livre apreciação da prova, é notório que no caso em apreço a prova foi claramente mal apreciada, ou tendencialmente apreciada a favor da tese sufragada pelo Ministério Público.

ww) Extrair outra conclusão que não seja a mera existência de dúvida razoável sobre a alegada prática dos factos para além da tentativa pela qual foi condenado, releva de uma interpretação da lei (vide n.º 2 do artigo 9.º do Código Civil – a letra da lei constitui o elemento intransponível da sua interpretação) que afronta claramente os princípios constitucionais da necessidade e proporcionalidade ou da proibição do excesso, retirados desde logo do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa.

xx) A matéria que foi dada como provada não é suficiente para fundamentar, com observância dos normativos legais, a condenação do recorrente, pelo que se encontra preenchido o requisito constante da alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal.

yy) Violou, portanto, o douto Tribunal a quo, o princípio in dubio pro reo, previsto no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, tendo a sua decisão ao abrigo da livre apreciação de prova, prevista no artigo 127.º do Código de Processo Penal, ultrapassado os limites que constitucionalmente lhe são impostos principalmente pelo princípio acima enunciado.

zz) Quanto à medida da pena, há que considerar que o Recorrente nunca tinha estado em ambiente prisional antes da sua detenção à ordem dos presentes autos.

aaa) Apesar de ter iniciado cedo o consumo de estupefacientes, a par de um comportamento desviante na adolescência, resulta do relatório social que o mesmo se encontra socialmente integrado e que mantém boas relações afectivas.

bbb) Não existe qualquer indício no seu histórico que possa fazer crer tratar-se de uma pessoa violenta e origem de perigosidade para os seus pares.

ccc) Tem três filhos menores, entregues aos cuidados das respectivas mães, mas é uma figura presente nas suas vidas.

ddd) Mantém relações de amizade e proximidade com os seus familiares.

eee) Apesar dos antecedentes criminais, estamos a falar de condenações com mais de uma década, há muito declaradas extintas, sem que tenha sido condenado por crime da mesma natureza.

fff) Não há, assim, uma prossecução ininterrupta de actividade criminosa que justifique a aplicação de uma pena única tão gravosa como a que foi aplicada.

ggg) Por outro lado, atento o disposto no artigo 71.º do Código Penal, a medida da pena é determinada em função da medida da culpa, tendo em conta as exigências de prevenção.

hhh) O nosso sistema penal tem subjacente um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, prevendo uma atenuação da pena, nos termos gerais, se para tanto concorrerem razões no sentido de que assim se facilitará aquela reinserção.

iii) É exactamente nestes casos em que a ideia de prevenção especial que também preside aos fins das penas, assume especial relevo.

jjj) O principal escopo das penas aplicadas, é evitar que voltem a cometer crimes e que se tornem cidadãos responsáveis, socialmente úteis e cumpridores da lei.

kkk) A função do direito penal reside na tutela do ordenamento jurídico em que se expressa a política criminal e, consequentemente, que a justificação da pena reside na sua necessidade para garantir tal finalidade preventiva, geral e especial.

lll) A graduação da medida concreta da pena é efectuada em função da culpa do agente e das exigências de prevenção no caso concreto (artigo 71.º, nº 1), atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra ele (n.º 2).

mmm) Atendendo aos já referidos princípios gerais de direito e à visada reinserção social, afere-se como excessivamente gravosa e, acima de tudo, contraproducente a pena aplicada, impondo-se uma atenuação especial da mesma, prevista nos artigos 72.º e 73.º do Código Penal.

nnn) A prevenção geral positiva ou de integração é a finalidade primeira a prosseguir no quadro da moldura penal abstracta , entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável (no caso concreto) de medida da tutela dos bens jurídicos, no limite consentido pela culpa do agente.

ooo) A referência legal aos bens jurídicos conforma, precisamente, a exigência da proporcionalidade entre a gravidade da pena e a gravidade dos factos praticados, a qual, desta forma, integra o conteúdo e o limite da prevenção geral.

ppp) Dentro desta moldura de prevenção cabe à prevenção especial – em função das necessidades de socialização do agente – encontrar o quantum exacto da pena: advertência, socialização, intimidação individual e ... individual (inocuização) são quatro campos de actuação da dimensão preventivo-especial.

qqq) Em sentido atenuativo apontam-se ainda, entre outras, a sua condição pessoal e familiar.

rrr) O doseamento da pena arbitrada pelo tribunal a quo denuncia, pois, uma nítida violação do princípio da proporcionalidade das penas.

sss) Atendendo aos já referidos princípios gerais de direito e à visada reinserção social, afere-se como excessivamente gravosa e, acima de tudo, contraproducente a pena aplicada.

Nestes termos, deverá o presente recurso proceder por provado, fazendo-se assim a tão costumada JUSTIÇA!»

4. Respondeu a Senhora Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação dizendo, em conclusões, que:

«1. O arguido AA vem interpor recurso do acórdão proferido a 11 de outubro de 2023, na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, que julgou improcedente o recurso que apresentara e confirmou a decisão da primeira instância, que o condenara na pena única de 9 anos de prisão pela prática, em autoria material e em concurso efetivo, dos crimes de tráfico de estupefacientes, detenção de arma proibida e tráfico e mediação de armas agravado.

2. Todavia, o recorrente não esclarece minimamente quais os concretos fundamentos em que alicerça o anunciado inconformismo em relação ao acórdão recorrido, limitando-se a reproduzir, com ligeiras alterações, a motivação e as conclusões que apresentara no recurso que interpôs do acórdão proferido em l.ª Instância para o Tribunal da Relação de Lisboa.

3. Considerando a manifesta falta de motivação, deve o presente recurso ser rejeitado, por força do disposto nos arts. 420.º, n.º l, alínea b), e 414.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

4. O recorrente não invoca qualquer novo fundamento para justificar que outra deveria ter sido a decisão, o que sugere que apenas pretende que se aprecie da bondade dos argumentos avançados no acórdão recorrido e que determinaram que fossem julgadas improcedentes as razões por si aduzidas.

5. Contrariamente ao sugerido pelo recorrente, o douto acórdão recorrido, ao julgar improcedente o recurso que interpusera, apreciou adequadamente todas as questões suscitadas.

6. Na verdade e como facilmente se conclui pela leitura da decisão da l.ª Instância, a mesma não enferma de quaisquer vícios, nomeadamente os elencados no art 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

7. Relativamente ao decidido, o recorrente reitera as razões da sua discordância quanto à medida da pena concretamente aplicada na 1.ª Instância, e confirmada pelo acórdão recorrido, pela prática dos crimes que lhe eram imputados.

8. Neste caso, a pena única aplicada preenche as necessidades de prevenção geral e especial, tendo em conta os bens jurídicos violados e a insegurança gerada na comunidade.

9. Conforme resulta da matéria de facto dada por provada e fixada, não existem elementos que permitam uma redução da pena, a qual deverá ser mantida, sendo uma pena justa, proporcional e adequada.

10. Nesta conformidade, o acórdão recorrido não merece qualquer censura, tendo feito correta interpretação e aplicação do direito, não tendo violado qualquer preceito legal nem quaisquer princípios gerais, devendo assim ser confirmado na íntegra.»

5. Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 416.º do CPP, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitido parecer nos seguintes termos (transcrição):

«(…)

A nossa Exmª Colega junto do Tribunal da Relação apresentou resposta muito bem fundamentada e que nos dispensa de outros comentários.

Assim, apenas recordamos que, no tocante à condenação pelo crime de detenção de arma proibida a decisão do Tribunal da Relação é irrecorrível, sendo inútil qualquer argumentação e pretensões apresentadas a seu propósito.

Com efeito, tendo sido aplicada/confirmada uma pena parcelar de prisão inferior a 5 anos, não é mais possível qualquer discussão sobre tal decisão, face ao disposto no artigo 400º, nº 1 al. e) do Código de Processo Penal

Concluindo, entende-se que os recursos não merecem provimento.»

6. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido nada disse.

7. Realizou-se a conferência – artigo 419.º, n.º 3, al. c), do CPP.

II. Fundamentação

Dos factos

8. O Tribunal da Relação manteve inalterados os seguintes factos dados como provados no acórdão da 1.ª instância, que, assim, se mostram estabelecidos:

«(…)

136. Desde data não concretamente apurada, mas desde ... até ... de ... de 2021, o arguido BB dedicava-se diariamente à compra, armazenamento, preparação, distribuição e venda de haxixe (em resina ou em folhas) a diversos consumidores e revendedores na zona de ..., em ..., obtendo, deste modo, lucros monetários.

137. Assim, em diversas ocasiões, nesse período, o arguido BB adquiriu, sobretudo, haxixe a vários fornecedores de identidade desconhecida, mas residentes no ... e ....

138. Para a execução desta atividade, o arguido BB utilizava a viatura com matrícula ..-MH-.. e outras viaturas alugadas para o efeito.

139. Naquele período, o arguido BB utilizava a habitação sita na ..., para armazenamento e preparação desse haxixe assim adquirido, para, posteriormente, distribuir e vendê-lo junto de potenciais compradores consumidores interessados.

140. Durante aquele período temporal e para a execução dos negócios relacionados com a venda/cedência de produto estupefaciente, o arguido BB foi utilizador dos seguintes telemóveis e números de telefone:

- Telemóvel de marca Samsung SM- A022F Galaxy A02, com o número de telefone ... com os IMEI’s ... e ..., (cartão da ... com ICCID ...);

- Telemóvel de marca ..., com o número ..., com IMEI ..., com o cartão da operadora ... com ICCID ....

141. No período compreendido entre ... a ... de ... de 2021, para além de contactos por via telefónica e por mensagens escritas e usando linguagem codificada, contactou, através de mensagens da rede social “WhatsApp” indivíduos de identidades desconhecidas, residentes em ... e ..., com os seguintes perfis infra discriminados, encetando negociações com os mesmos, para aquisição de produto estupefaciente:

...@s.whatsapp.net;

...@s.whatsapp.net ...

...@s.whatsapp.net ...;

...@s.whatsapp.net ...;

...@s.whatsapp.net ...;

...@s.whatsapp.net;

...@s.whatsapp.net ...;

...@s.whatsapp.net ...;

142. E contatou, com o mesmo objetivo, pessoa não concretamente identificada através da rede social Facebook, com o perfil “... DD”.

143. Em mais do que uma ocasião, após estas compras de haxixe a fornecedores não concretamente apurados, o arguido BB, por si ou terceiro a seu mando, efetuava o transporte do produto estupefaciente para o território nacional, combinando encontros para entrega do produto estupefaciente.

144. Na posse de tal produto estupefaciente adquirido, o arguido BB procedia à sua preparação, pesagem e divisão em embalagens individuais.

145. Através daqueles telefones acima indicados, mediante chamadas de voz e mensagens de texto, além do mais, através da aplicação “Whatsapp”, o arguido BB foi contactado por um número não apurado de consumidores de resina de canábis e de canábis em folha, agendando encontros na via pública, marcando os locais das entregas e combinando as quantidades de estupefaciente a entregar e os valores a pagar.

146. Nesses encontros, maioritariamente na via pública, o arguido entregava estas substâncias aos consumidores, contra a entrega do dinheiro acordado.

147. Durante o mencionado período temporal e para a execução da venda de produto estupefaciente, o arguido BB permanecia, igualmente, na via pública, na ..., em ..., onde era abordado por consumidores, a quem vendeu produto estupefaciente.

148. Em ... de ... de 2021, o arguido BB, através de mensagens trocadas na aplicação “WhatsApp”, foi abordado por individuo de identidade desconhecida, com o perfil ... Markoo, para aquisição de 4 (quatro) Kg de Marijuana (sumidades de canábis) e 1 (um) kg de bolotas de haxixe (resina de canábis).

149. Em setembro de 2021, pessoa identificada na lista de contactos do arguido BB como EE contatou-o para que este lhe vendesse produto estupefaciente em quantidade e contra valor não concretamente apurados.

150. Em setembro de 2021, pessoa identificada na lista de contactos do arguido BB como FF contatou-o para que este lhe vendesse produto estupefaciente em quantidade e contra valor não concretamente apurados.

151. GG consome haxixe desde, pelo menos ....

152. Desde data não concretamente apurada, mas anterior a ... de ... de 2019 até ao início de ..., em diversas ocasiões, mas com frequência quase semanal, o arguido BB vendeu haxixe ao GG, o qual, sempre que necessitava, o contactava previamente, através da aplicação “WhatsApp”, para agendar encontro, habitualmente na ..., em ..., para adquirir quantidades não concretamente determinadas daquela substância, despendendo, em média, cerca de € 20,00 (vinte euros) de cada vez.

153. HH é consumidor de haxixe.

154. Assim, desde data não concretamente apurada, mas desde ... até ao fim de ..., em diversas ocasiões, com frequência pelo menos bimensal, o arguido BB vendeu produto estupefaciente a HH, o qual, sempre que necessitava, contactava previamente o arguido para agendar encontros, através da aplicação “WhatsApp”, encontrando- se com o mesmo habitualmente na ..., em ..., e junto ao estabelecimento denominado “...”, em ..., para adquirir quantidades não concretamente determinadas de haxixe, despendendo, em média, cerca de € 20,00 (vinte euros) em cada encontro.

155. II é consumidor de produto estupefaciente.

156. Em data não concretamente apurada, mas anterior a ... de ... de 2021 em, pelo menos, duas ocasiões, o arguido BB vendeu quantidade não determinada de haxixe a II após prévio contacto deste, através da aplicação “WhatsApp”, para agendar encontro, tendo o segundo adquirido ao primeiro, cerca de 1 (uma) grama de haxixe de cada vez, pelo valor de € 10,00 (dez euros).

157. No dia ... de ... de 2021, pelas 21h00, o arguido BB encontrava-se na ..., em ..., junto à viatura de matrícula ..-MH-.., em que se fazia deslocar, acompanhado por outro indivíduo de identidade desconhecida.

158. Naquelas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido mantinha consigo as chaves do veículo e um telemóvel da marca Samsung, modelo A02, com o cartão da MEO ... e um telemóvel, da marca Samsung, modelo Galaxy, com o cartão telefónico MEO ....

159. No interior do veículo ligeiro de passageiros, com matrícula ..-MH-.., o arguido BB detinha os seguintes objetos, que se encontravam na sua posse, domínio e exclusiva disponibilidade:

No recetáculo central da viatura localizado entre o banco do condutor e o banco do passageiro:

- um saco transparente contendo no seu interior, lidocaína, com o peso liquido 62,925 gramas.

No interior do apoio de braço central, situado entre o banco do condutor e do passageiro:

- um “Card Sharp”, que consiste num cartão com lâmina oculta, da marca Iain Sinclair, modelo cardsharp, com o número RB-008, com o comprimento total de 14 (catorze) centímetros, tendo 7 (sete) centímetros de comprimento de lâmina que, se utilizada como arma de agressão, provoca ferimentos e lesões graves;

No solo do banco traseiro do lado esquerdo, no interior uma bolsa a tiracolo, de cor preta e marca Guess, tinha:

- (uma) arma de fogo de marca Glock, Modelo 19, calibre 9mm, com o Nº NSA047, percussão central, com o comprimento total de 19 (dezanove) centímetros, sendo 9,8 (nove virgula oito) centímetros de comprimento de cano, municiamento posterior, com carregador, inicialmente só de funcionamento semiautomático sem seletor de tiro, mas foi-lhe removida a tampa da corrediça, tendo sido colocado dispositivo que permite a mesma funcionar como arma automática, a qual é propriedade das forças de segurança. A arma encontrava-se carregada com um carregador de 17 (dezassete) munições, contendo 11 (onze) munições no seu interior, com uma munição na câmara de explosão e pronta a disparar em tiro de rajada.

- 1 (um) carregador para a arma Glock 19, com capacidade para 33 (trinta e três) munições, que se encontrava totalmente carregado com 33 (trinta e três) munições. 2 (duas) notas de € 50,00 (cinquenta euros), um total de € 100,00 (cem -euros).

160. 2 (duas) notas de € 50,00 (cinquenta euros), um total de € 100,00 (cem)

Nestas circunstâncias de tempo e lugar acima referidas, o arguido BB tinha, ao todo, na sua posse, 45 (quarenta e cinco) munições para arma de fogo de percussão central, entre as quais:

- 27 (vinte e sete) munições de marca desconhecida, com as inscrições PS, de calibre 900 Luger, com projétil full metal jacket;

- 17 (dezassete) munições da marca Geco de calibre 9 mm Luger com projéctil “fullmetal jacket”;

- 1 (uma) munição da marca “Sellier & Bellot”, de calibre 9x19 Nato, com projéctil “fill metal jacket”.

161. No dia ... de ... de 2021, pelas 1h15, na ...), o arguido BB detinha os seguintes objetos, que se encontravam na sua posse, domínio e exclusiva disponibilidade:

num dos quartos da residência:

- 1 (um) saco, dissimulado, que continha, por seu turno, no seu interior, 2 (dois) sacos de plástico, um deles com 1,700 gramas de sumidades de canábis, com um grau de pureza de 4,9%, considerando o principal componente ativo (THC), correspondente a 1 dose diária média individual;

- 1 (uma) espátula de metal;

-1 (um) saco transparente, com 10,900 gramas, com fenacetina;

-1 (uma) balança de precisão de cor branca, sem marca, com resíduos de canábis

Na cozinha:

Em cima da mesa:

- 1 (uma) Balança de precisão de cor branca e marca ANTE;

Em cima de uma cadeira

- 1 (um) saco de plástico transparente de grandes dimensões, contendo o canábis (folhas/Sumidades) com o peso líquido de 803,100 gramas, com um grau de pureza de 9,1%, considerando o principal componente ativo (THC), correspondente a 1461 doses diárias médias individuais;

Na sala de estar:

Em cima da prateleira da mesa de centro:

- dois pedaços de resina de canábis, com o peso líquido de 132,612 g, com um grau de pureza de 21,8%, considerando o principal componente ativo (THC), correspondente a 578 doses diárias médias individuais;

- um pedaço de resina de canábis, com um peso de 83,115 g, com um grau de pureza de 23,9%, considerando o principal componente ativo (THC), correspondente a 397 doses diárias médias individuais;

- um pedaço de resina de canábis, com um peso de 1,080 g, com um grau de pureza de 20,5%, considerando o principal componente ativo (THC), correspondente a 4 doses diárias médias individuais;

No Hall de entrada:

Em cima da cadeira de bebé:

- Uma cinta, mormente coldre elástico, para transportar e dissimular uma arma de fogo;

162. As referidas balanças de precisão destinavam-se a pesar o produto estupefaciente e a dividi-lo em doses individuais.

163. Os telemóveis e cartões SIM que se encontravam na posse do arguido BB, e que lhe pertenciam, serviam para aquele contactar com fornecedores e terceiros consumidores de tais produtos estupefacientes.

164. As quantias monetárias detidas pelo arguido BB, nas circunstâncias de tempo e lugar supra referidas, e que lhe pertenciam, são provenientes de anteriores vendas de produtos estupefacientes realizadas entre aquele e terceiros adquirentes desses produtos.

165. O arguido BB não é titular de licença de uso e porte de arma.

166. As armas e munições acima referidas não se encontram registadas/manifestadas em nome do arguido BB.

167. Desde data não concretamente apurada, mas anterior a ... de ... de 2021 até, pelo menos, ... de ... de 2021, o arguido BB dedicou-se à atividade de compra e posterior venda ou cedência de armas de fogo, a indivíduos que o contactassem para esse efeito, como forma de obter ganhos económicos.

168. No exercício dessa atividade, o arguido BB utilizava, igualmente, os telemóveis acima referidos.

169. Por contacto pessoal ou através dos referidos números de telefone, o arguido BB contactava ou era contactado por potenciais compradores ou fornecedores de armas ou munições, e negociava os valores e quantidades a vender, bem como o local onde se iriam encontrar para entrega das armas e/ou munições.

170. E, nesses encontros, o arguido entregava-lhes as referidas armas.

171. Assim, no ... de ... de 2021, o arguido BB, através de mensagens trocadas na aplicação “WhatsApp”, contactou indivíduo com o perfil ... Werty , tendo-lhe proposto a venda de três armas e de uma arma 6.35 mm, esta última pelo preço de € 1.000,00 (mil euros), que se encontravam na sua posse, mediante o pagamento de contrapartida económica.

172. Em ... de ... de 2021, o arguido BB, através de mensagens trocadas na aplicação “WhatsApp”, contactou indivíduo com o perfil 34674832191@s.whatsapp.netSevilha, tendo-lhe proposto a venda de três armas de fogo, mediante o pagamento de € 3.000,00 (três mil euros) por cada, ou, em alternativa, mediante o pagamento, no valor total de € 6.500,00 (seis mil e quinhentos euros) pelas três armas

173. Em ... de ... de 2021, o arguido BB, através de mensagens trocadas na aplicação “WhatsApp”, contactou o indivíduo com o perfil 447985285334@s.whatsapp.netChuth, tendo proposto a venda três armas de fogo, mediante o pagamento de contrapartida económica.

174. No dia ... de ... de 2021, o arguido BB, através de mensagens trocadas na aplicação WhatsApp”, contactou o indivíduo com o perfil ... lokoo lovo, tendo-lhe proposto a troca de uma arma de fogo, pela cedência de produto estupefaciente.

175. O arguido BB não está autorizado a deter, vender, ceder ou por qualquer forma transacionar armas e munições, nos termos acima descritos.

176. Nestas datas, o arguido BB não auferia quais rendimentos por atividade remunerada.

177. E, neste período acima referido, o arguido dedicava-se à descrita atividade de compra e venda de armas e à venda de produto estupefaciente, subsistindo essencialmente dos proveitos decorrentes de tais atividades, adquirindo bens, entre os quais, o veículo com matrícula ..-MH-...

178. Os arguidos (…) e AA não se encontravam autorizados a deter, acondicionar, transformar, ceder ou a comercializar produtos estupefacientes.

179. Os arguidos (...) e AA conheciam as características estupefacientes dos produtos que adquiriram, transacionaram, guardaram e que detinham, nas circunstâncias supra descritas, para venda por si ou por terceiros, tendo-o feito, individualmente ou em conjugação de esforços e intentos, de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que a respetiva aquisição, detenção, cedência e venda a terceiros os fazia incorrer em crime.

(…)

184. Agiram os arguidos (…) e AA da forma ora assente, de forma deliberada, livre e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

(…)

328. BB é natural de Lisboa, sendo o único filho da relação dos seus progenitores.

329. Os pais separaram-se quando o arguido era bebé, encetando novos relacionamentos, tendo o arguido ficado a viver com a mãe, com o padrasto e com uma irmã.

330. E manteve o relacionamento com o pai.

331. O agregado mantém boas relações afetivas.

332. O agregado familiar procurou transmitir normas e valores inerentes à sociedade onde o agregado se encontrava inserido e não evidenciou problemáticas de índole económica.

333. Os dois pais mantiveram, no entanto, alguma permissividade em relação ao arguido.

334. BB iniciou o percurso escolar em idade apropriada, frequentando colégios privados, tendo concluído o 9º ano de escolaridade.

335. Com 16 anos de idade, ainda frequentou o 10º ano, tendo reprovado por faltas.

336. O arguido ia para a escola, mas faltava às aulas, dando primazia à interação com pares com características desviantes e marginais.

337. Nessa altura, ocorreu o primeiro contacto com o aparelho da justiça, sendo acompanhado pela Equipa de Reinserção Social, ..., em ....

338. Aos 16 anos de idade, iniciou o consumo de cannabis em contexto de pares, problemática que desvaloriza.

339. Após o abandono da escola, com 16 anos de idade, BB manteve-se, cerca de um ano e meio, numa rotina de vida marcada pelo ócio.

340. Com cerca de 17/18 anos de idade, trabalhou, alguns meses, na empresa de construção civil de que o seu pai era proprietário.

341. Após, esta empresa foi declarada insolvente.

342. Ainda com 18 anos de idade, o arguido rumou para ..., indo viver para casa de uma tia materna, onde permaneceu até cerca dos 20/21 anos de idade, altura em que regressou a ... para dar assistência ao seu pai que, entretanto, se encontrava doente.

343. Posteriormente, integrou a empresa de “...” de que o seu pai é proprietário em ....

344. BB é pai de três filhos que vivem com as respetivas mães e que são fruto de algumas relações paralelas.

345. Em termos de ocupação de tempos livres, o arguido frequentava, antes de ser preso, o ginásio, sendo praticante da arte marcial “Jiu-Jitsu”, frequentava centros comerciais, namorava, mantendo relações paralelas, frequentava o cinema e mantinha a interação com pares com características desviante e marginais.

346. O arguido mantinha o consumo de cannabis em contexto de pares, que desvaloriza.

347. À data dos factos supra descritos, o arguido residia com uma companheira há cerca de 5/6 anos.

348. O casal tem uma filha desta relação, atualmente com 5 anos de idade.

349. O agregado residia na casa da mãe da companheira, localizada na zona da ....

350. A mãe do arguido tinha emigrado para ..., no início da relação do filho.

351. A companheira do arguido era lojista num centro comercial.

352. Existiam boas relações afetivas no seio do agregado, não sendo referidas problemáticas económicas.

353. O arguido BB está preso no ... desde ... de ... de 2022, vindo transferido do EP ..., onde deu entrada em ... de ... de 2021, preso preventivamente à ordem dos presentes autos.

354. Após a prisão do arguido, a companheira foi para ..., tendo ficado a filha do casal a residir com a avó materna.

355. Durante a atual reclusão, o arguido foi pai de um bebé fruto de uma outra relação afetiva.

356. Enquanto recluído, BB averba quatro registos disciplinares. Por apreensão de telemóvel e um cartão SIM em ...-...-2022, cumpriu uma Permanência Obrigatória no Alojamento (POA), por um período de 13 dias, entre ...-...-2022 e ...-...-2022. Cumpriu outra POA por um período de 19 dias, entre ...-...-2022 e ...-...-2022. Por apreensão de um cabo USB em ...-...-2022, cumpriu uma POA por um período de 5 dias, entre ...-...-2022 e ...-...-2022. Por apreensão de um cartão de memória, um adaptador, uma playstation com comando e cabos, uma televisão e três jogos, em ...-...-2022, foi notificado em ...-...-2023, para cumprir uma POA por um período de 5dias.

357. O arguido tem visitas regulares de uma amiga e duas visitas de cada um dos progenitores.

[…]

368. O arguido JJ foi condenado em .../.../2012, no Tribunal de Isleworth Crown, no ..., pela prática, em concurso, de 4 crimes de detenção de produto estupefaciente, em penas de 2 anos e 12 meses (a última).

369. Foi condenado, em 5/05/2009, por acórdão transitado em 5/06/2009, no processo nº 338/07.6PDSNT, da 2ª secção, do Juiz 4, do Juízo de Grande Instância Criminal de Lisboa Noroeste, na pena de 3 anos de prisão, suspensa por igual período de tempo, pela prática, em 1/08/2007, de um crime de roubo. Esta pena foi declarada extinta em 30/03/2012.

370. Foi condenado em 1/03/2010, por sentença transitada em 8/09/2014, no processo nº 206/09.7PBAMD, do Juiz 12, do Juízo Local Criminal, na pena de 2 anos, suspensa por igual período, pela prática, em 28/1/2009, de um crime de roubo. Esta pena foi declarada extinta.

371. Foi condenado em 5/11/2014, por sentença transitada nessa data, no processo nº 1229/14.0PANST, do Juiz 1, do Juízo Local de Pequena Criminalidade de Sintra, na pena de 100 dias de multa, pela prática, em 2/10/2017, de um crime de condução sem habilitação legal.

372. Foi condenado em 7/04/2022, por sentença transitada em 16/05/2022, no processo nº 894/20.3PDAMD, do Juiz 1, do Juízo Local Criminal da Amadora, na pena de 120 dias de multa, pela prática, em 20/10/2020, de um crime de detenção de arma proibida.

(…)»

Do objeto e âmbito do recurso

9. O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso, se necessário à boa decisão de direito, dos vícios da decisão recorrida a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), de nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) e de nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro).

10. Como resulta do acórdão recorrido, no recurso do acórdão condenatório para o Tribunal da Relação o arguido:

a) Invocou o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada sob os pontos 136, 137, 138, 139, 140, 141, 142, 143, 144, 145, 146, 147, 148, 149, 150, 151, 152, 153, 154, 155, 156, 157, 158, 159, 160, 161, 162, 163, 164, 165, 166, 167, 168, 169, 170, 171, 172, 173, 174, 175, 176, 177, 178, 179, 180, 181, 182, 183, 184, 328 a 357, 368 a 372 [al. a) do n.º 2 do artigo 410º do CPP];

b) Invocou o vício de contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão a propósito dos factos provados em 136, 137, 138, 139, 140, 141, 142, 143, 144, 145, 146, 147, 148, 149, 150, 151, 152, 153, 154, 155, 156, 157, 158, 159, 160, 161, 162, 163, 164, 165, 166, 167, 168, 169, 170, 171, 172, 173, 174, 175, 176, 177, 178, 179, 180, 181, 182, 183, 184, 328 a 357, 368 a 372; e entre os factos provados e a matéria constante dos factos não provados descritos nos pontos uu), ww), xx), yy), zz), aaa) da matéria não provada [alínea b) do nº 2 do artigo 410º do CPP];

c) Alegou erro de valoração da prova produzida em audiência quanto à matéria de facto tendente à formação da convicção de que praticou factos integradores do preenchimento dos elementos objetivo e subjetivo do tipo de crime de tráfico de estupefacientes, crime de detenção de arma proibido, crime de tráfico de armas e mediação agravado, indicando como erradamente julgados os factos provados 136, 137, 138, 139, 140, 141, 142, 143, 144, 145, 146, 147, 148, 149, 150, 151, 152, 153, 154, 155, 156, 157, 158, 159, 160, 161, 162, 163, 164, 165, 166, 167, 168, 169, 170, 171, 172, 173, 174, 175, 176, 177, 178, 179, 180, 181, 182, 183, 184, 328 a 357, 368 a 372, e pedindo que fosse ordenado o reenvio do processo para novo julgamento;

d) Arguiu a nulidade do acórdão por falta de fundamentação [artigo 374.º, n.º 2, ex vi al. a) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP] relativamente à matéria assente sob os artigos 136, 137, 138, 139, 140, 141, 142, 143, 144, 145, 146, 147, 148, 149, 150, 151, 152, 153, 154, 155, 156, 157, 158, 159, 160, 161, 162, 163, 164, 165, 166, 167, 168, 169, 170, 171, 172, 173, 174, 175, 176, 177, 178, 179, 180, 181, 182, 183, 184, 328 a 357, 368 a 372 e contradição insanável na fundamentação em que erradamente assenta a qualificação jurídica dos factos por não preenchimento dos elementos objetivos e subjetivos dos tipos de crime por que foi condenado;

e) Impugnou a decisão quanto à pena de 9 anos de prisão em que foi condenado, por a considerar excecionalmente severa, pedindo que fosse revogada e substituída por outra que condenasse, apenas e somente, pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 21º e 25º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, e consequentemente a pena de prisão fosse reduzida para medida inferior a 5 anos com suspensão de execução mediante o cumprimento de injunções.

11. Conhecendo e decidindo das quatro primeiras questões suscitadas [10., alíneas a) a d)], diz o acórdão recorrido:

«Com esforço e olhando também para o descrito em III a fls. 55-56, da peça processual apresentada designadamente para a al. h) e L) – parece pretender o Recorrente insurgir-se contra a decisão de facto tomada pelo Tribunal por apelo a uma errada apreciação e valoração das provas (o que não se coaduna com a alegação de reenvio do processo para julgamento) deparámo-nos com a dificuldade de o recurso, não ter sido devidamente estruturado, nos termos que decorrem impositivamente da lei - artigo 412.º nºs 3 e 4 do CPP.

Com efeito, em ponto algum concretiza prova por relação ao(s) facto(s) que impugna (todos os que respeitam aos ilícitos imputados) qual a prova concreta que não podia ser valorada, bem como bem como as concretas passagens/excertos das declarações/depoimentos que, no seu entender, obrigariam à alteração da matéria de facto, o que não fez.

Na verdade, esse ónus não pode considerar-se minimamente cumprido com a mera alegação de prova proibida – na motivação do recurso diz que “entre a prova indicada no despacho de acusação consta um segmento referente a informações recolhidas pela análise dos metadados (atribuídos ao aqui suspeito cf. fls..)”, sendo que compulsada a acusação não tal prova nela não vem elencada - ou com o resumo das declarações do arguido (que leva a cabo na motivação) da exclusiva iniciativa e responsabilidade do recorrente.

O que inviabilizada a possibilidade de reapreciação da matéria de facto, pelo Tribunal de recurso.

É manifesto não se verificar a invocada nulidade da decisão por falta de fundamentação, como se vê do acima transcrito, no que lhe respeita. – clª IV (a fls.53 e IV de fls. 57).

Fala o arguido, ainda a propósito desta matéria, “numa clara contradição da fundamentação e entre esta e a decisão, o tribunal entendeu dever condenar, erradamente, o recorrente numa clara contradição insanável da fundamentação e entre esta e a decisão, o tribunal entendeu dever condenar, erradamente, o recorrente pelo crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 21º, n.º 1 do Decreto - Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência às Tabelas I-B e I-C anexa ao referido diploma, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, n.º 1 alínea a) e alínea d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, que aprova o Regime Jurídico das Armas e Munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, conjugado com o artigo 2º, n.º 1 alíneas j), m), q), a), e alínea aah) e n.º 2 alínea l) e artigo 3º, n.º 2 alínea b) e), u) do mesmo diploma; pela prática de um crime de tráfico de armas e mediação agravado, previsto e punido pelo artigo 87º, n.º 1 e 2 alínea c) com referência ao artigo 86º da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro quando inexiste o preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos dos tipos de crime de que foi condenado.”

Mas a verdade é que tanto quanto nos é dado perceber o arguido só discorda da qualificação dos factos enquanto defende que não se provaram os factos a que alude.

Tendo-se decidido em sede de facto não se verificarem os invocados vícios e estando arredado o conhecimento da matéria de facto na sua perspectiva mais ampla, esta questão está resolvida.

Perante os factos provados, mostra-se correcta a subsunção jurídica dos mesmos, efectuada pelo tribunal recorrido e pelo quais foi condenado.»

12. No recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, alegando que não pode conformar-se com a «decisão [de condenação] que o Tribunal da Relação veio confirmar» [conclusões a) e b)] vem agora dizer, em conclusões, que delimitam o âmbito do recurso:

a. Que «é notória uma insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, que leva a cair num erro notório na apreciação da prova» [conclusão c)];

b. Que «grande parte dos factos provados não o foram», nomeadamente os que constam dos pontos 136, 137, 139, 140, 141, 142, 143, 145 [conclusões d) a v)];

c. Que foi violado o artigo 17.º da Lei 109/2009 (Lei do cibercrime), de 15 de setembro, e o n.º 3 do artigo 179.º do CPP quanto à obtenção de prova dos telemóveis, sendo nula a prova obtida, não podendo ser consideradas as escutas validadas pelo juiz, por não se lhe referirem [conclusões w) a hh)];

d. Que não podia ser condenado pelo crime de tráfico e mediação de armas, por não haver prova, ser manifesta a falta de fundamentação da condenação por este crime, ter havido má apreciação da prova, violação do princípio in dubio pro reo, e insuficiência da matéria de facto [artigo 410.º, n.º 2, al. a), do CPP] – conclusões ii) a yy);

e. Que a pena é excessiva, não levou em devida consideração o disposto no artigo 71.º do Código Penal e deve ser especialmente atenuada (artigos 72.º e 73.º do Código Penal) – conclusões zz) a sss).

Quanto à admissibilidade e delimitação do recurso

13. A metodologia da decisão requer, por razões de precedência lógica (artigos 368.º, n.º 1, e 608.º do CPC ex vi artigo 4.º do CPP), que esta se inicie pela apreciação das questões suscitadas pelos sujeitos processuais ou que o tribunal deva oficiosamente conhecer, suscetíveis de obstar ao conhecimento de mérito. Notando-se, a este propósito, que o Ministério Público se pronuncia pela rejeição do recurso, pelo menos parcial, quanto ao crime de detenção de arma proibida.

14. Como tem sido repetidamente afirmado, o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não é um segundo recurso do acórdão da 1.ª instância, mas um recurso do acórdão da Relação, que conheceu daquele recurso (por todos, o acórdão de 01.03.2023, Proc. 685/10.0GDTVD.L2.S1, mencionando o de 02-10-2019, Proc. 3622/17.7JAPRT.P1.S1, em www.dgsi.pt, com abundante citação de jurisprudência, que agora se segue de perto).

Os recursos não servem para conhecer de novo da causa; constituem meios processuais destinados a garantir o direito de reapreciação de uma decisão de um tribunal por um tribunal superior, havendo que, na sua disciplina, distinguir dimensões diversas, relacionadas com o fundamento do recurso, com o objeto do conhecimento do recurso e com os poderes processuais do tribunal de recurso, a considerar conjuntamente (assim, acórdãos de 15.02.2023, Proc. n.º 1964/21.6JAPRT.P1.S1, e de 26.06.2019, proc. 174/17.1PXLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt, jurisprudência neles citada e Castanheira Neves, «A distinção entre a questão-de-facto e a questão-de-direito e a competência do Supremo Tribunal de Justiça como tribunal de “revista”», in Digesta, Coimbra Editora, 1995, pp. 523ss).

O que significa que, verificados que se mostrem os fundamentos para recorrer (pressupostos da admissibilidade do recurso), o objeto do conhecimento do recurso se delimita pelas questões identificadas pelo recorrente que digam respeito a questões que tenham sido conhecidas pelo tribunal recorrido ou que devessem sê-lo, com as necessárias consequências ao nível da validade da própria decisão, assim se circunscrevendo os poderes do tribunal de recurso, sem prejuízo do exercício, neste âmbito, dos poderes de conhecimento oficioso necessários e legalmente conferidos em vista da justa decisão do recurso.

O recurso constitui apenas um “remédio processual” que permite a reapreciação, em outra instância, de decisões expressas sobre matérias e questões já submetidas e objeto de decisão do tribunal de que se recorre [acórdãos de 26.06.2019, proc. 174/17.1PXLSB.L1.S1, em www.dgsi.pt e de 16.12.2015 (Proc. 641/11.0JACBR.C1.S1, Raul Borges), em sumários de acórdãos, www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/ Criminal2015.pdf].

15. Dispõe o artigo 400.º, n.º 1, al. e), do CPP que «não é admissível recurso (…) de acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância» (redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, e da Lei n.º 94/2021, de 21 de dezembro, com aditamento do segmento final, «exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância»).

Por sua vez, a alínea f) do mesmo preceito estabelece que «não é admissível recurso (…) de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas Relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos». Esta alínea f), na redação vigente, introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, foi justificada por um «desígnio de celeridade associado à presunção de inocência e à descoberta da verdade material», tendo em conta que «o direito de recurso constitui uma garantia de defesa, hoje explicitada no n.º 1 do artigo 32.º da Constituição, e um corolário da garantia de acesso ao direito e aos tribunais (artigo 20, n.º 1, da Constituição)» (exposição de motivos da Proposta de Lei n.º 109/X, que lhe esteve na origem).

Nos termos do artigo 432.º, n.º 1, al. b), do CPP, que a Lei n.º 94/2021 manteve inalterada, recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça «de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º», disposição que enumera as exceções ao regime-regra de recorribilidade dos acórdãos, sentenças e despachos, previsto no artigo 399.º.

Estabelece o artigo 434.º do CPP que o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto no artigo 432.º, n.º 1, al. a) e c), que, dizendo respeito a recursos de decisões proferidas em 1.ª instância, não relevam para o caso.

16. Da conjugação destes preceitos resulta que só é admissível recurso, restrito a matéria de direito, de acórdãos das relações, proferidos em recurso, que apliquem penas superiores a 8 anos de prisão ou que apliquem penas superiores a 5 anos e não superiores a 8 anos de prisão em caso de não confirmação da decisão da 1.ª instância, regra que é aplicável quer se trate de penas singulares, em caso de condenação pela prática de um único crime, quer se trate de penas que, em caso de concurso de crimes, sejam aplicadas a cada um dos crimes em concurso (penas parcelares) ou de penas conjuntas aplicadas aos crimes em concurso (assim, por todos, o acórdão de 01.03.2023, Proc. 685/10.0GDTVD.L2.S1, retomando o acórdão de 30.11.2022, Proc. 1052/15.4PWPRT.P1.S1, em www.dgsi.pt, e jurisprudência nele citada).

Conforme jurisprudência constante deste Supremo Tribunal de Justiça, apenas é admissível recurso de decisão confirmatória da Relação – que constituem casos denominados de “dupla conforme”, incluindo a confirmação in mellius (pena menos grave) –, quando a pena aplicada for superior a oito anos de prisão, sendo o objeto do recurso limitado às questões que se refiram a condenações em pena superior a oito anos, seja esta uma pena parcelar ou uma pena única (cfr. o mesmo acórdão de 30.11.2022 e comentário de Pereira Madeira ao artigo 400.º – Henriques Gaspar et alii, Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 4.ª ed., 2022).

17. Como se tem assinalado, este regime efetiva, de forma adequada, a garantia do duplo grau de jurisdição, quer em matéria de facto, quer em matéria de direito, consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, enquanto componente do direito de defesa em processo penal reconhecida em instrumentos internacionais que vigoram na ordem interna e vinculam o Estado Português ao sistema internacional de proteção dos direitos humanos, em particular no artigo 14.º, n.º 5, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e no artigo 2.º do Protocolo n.º 7 à Convenção Para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais (cfr. Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª ed., 2007, Vol. I, p. 516. Por todos, entre outros, os acórdãos do Tribunal Constitucional 64/2006, 659/2011 e 290/2014 e os acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 01.03.2023, cit., e de 15.02.2023, Proc. 1964/21.6JAPRT.P1.S1, e a jurisprudência nele mencionada, bem como o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 14/2013, n.ºs 11 e 12, de 09.10.2013, DR 1.ª série, de 12.11.2013),

Em «jurisprudência ampla, sucessiva e reiterada», vem o Tribunal Constitucional reafirmando que o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição «não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição» ou de «um duplo grau de recurso», em relação a quaisquer decisões condenatórias. Citando o recente acórdão n.º 57/2022: «(…) não decorre do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição o direito a um triplo grau de jurisdição em matéria penal, dispondo o legislador de liberdade de conformação na definição dos casos em que se justifica o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça posto que os critérios consagrados não se revelem arbitrários, desrazoáveis ou desproporcionados (entre muitos outros, os Acórdãos n.ºs 189/2001, 336/2001, 369/2001, 49/2003, 377/2003, 495/2003 e 102/2004, acessíveis, assim como os demais adiante citados, a partir da ligação http://www.tribunalconstitucional.pt).

Acresce que este Tribunal tem também reiteradamente entendido não ser arbitrário, nem manifestamente infundado, reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, por via de recurso, aos casos mais graves, aferindo a gravidade relevante pela pena que, no caso, possa ser aplicada (cfr., entre outros, os acórdãos n.º 189/2001, 451/2003, 495/2003, 640/2004, 255/2005, 64/2006, 140/2006, 487/2006, 682/2006, 645/2009, e 174/2010). Neste mesmo sentido, de entre os mais recentes, os acórdãos 640/23, 513/23, 249/23, 733/22, 659/22, 400/22 e 341/22 (em https://acordaosv22.tribunalconstitucional.pt/).

18. Como se tem decidido, estando o Supremo Tribunal de Justiça, por razões de competência, impedido de conhecer do recurso interposto de uma decisão, encontra-se também impedido de conhecer de todas as questões processuais ou de substância que lhe digam respeito, tais como os vícios da decisão indicados no artigo 410.º, n.º 2, do CPP ou respetivas nulidades (artigo 379.º e 425.º, n.º 4) e questões ou matérias relacionadas com a apreciação da prova – nomeadamente, de respeito pela regra da livre apreciação (artigo 127.º do CPP) e do princípio in dubio pro reo ou de questões de proibição ou invalidade de prova –, com a qualificação jurídica dos factos e com a determinação das penas correspondentes aos tipos de crime realizados pela prática desses factos ou com questões de constitucionalidade suscitadas a esse propósito (por todos, na jurisprudência mais recente, os acórdãos de 01.03.2023 e de 15.02.2023, cit., e o acórdão de 02.12.2021, Proc.º 923/09.1T3SNT.L1.S1, em www.dgsi.pt).

19. As questões suscitadas e acima indicadas em 12., nas alíneas a) a d), dizem respeito, como se viu, a aspetos da matéria de facto (factos considerados provados) e das provas, apreciadas e decididas no acórdão da 1.ª instância, parcialmente reapreciadas no acórdão da Relação que é o objeto do recurso, que se relacionam com os crimes em concurso, a que foram aplicadas uma pena inferior a 5 anos de prisão (caso do crime de detenção de arma proibida, punido com a pena de 3 anos de prisão) e penas não superiores a 8 anos de prisão (casos do crime de tráfico de estupefacientes e do crime de tráfico e mediação de armas agravado, punidos com penas de 6 anos e 6 meses e de 6 anos de prisão, respetivamente), tendo o acórdão recorrido confirmado, sem qualquer alteração, a decisão da 1.ª instância que aplicou estas penas.

Assim sendo, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 399.º, 400.º, n.º 1, al. e) e f), e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP, o recurso para este Supremo Tribunal de Justiça não é admissível nesta parte.

Devendo ser rejeitado, em conformidade com o disposto no artigo 420.º, n.º 1, al. b), do CPP, segundo o qual o recurso é rejeitado sempre que se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão, de acordo com n.º 2 do artigo 414.º, nomeadamente quando a decisão for irrecorrível.

Em consequência, limita-se a sua apreciação à questão da determinação da pena única [supra, 12. e)], fixada em medida superior a 8 anos (artigo 400.º, n.º 1, al. f), e 432.º, n.º 1, al. b), do CPP).

Quanto à pena única

20. A discordância do recorrente dirige-se à determinação da pena única, de 9 anos de prisão, que considera «excessiva», fixada em «violação do princípio da proporcionalidade das penas», por desconsideração do disposto no artigo 71.º do Código Penal, por, em seu entender e sem síntese, não terem sido considerados a seu favor fatores relevantes como estar «socialmente integrado», mantendo «boas relações afectivas», não ser «uma pessoa violenta e origem de perigosidade para os seus pares», ter «três filhos menores, entregues aos cuidados das respetivas mães, mas [ser] uma figura presente nas suas vidas», manter «relações de amizade e proximidade com os seus familiares», não deverem ser consideradas as condenações que constam do registo criminal, «com mais de uma década, há muito declaradas extintas, sem que tenha sido condenado por crime da mesma natureza».

21. A decisão do Tribunal da Relação que aprecia a aplicação da pena única encontra-se fundamentada nos seguintes termos:

«O arguido alega que a pena que lhe foi aplicada de «9 anos de prisão em que foi o arguido condenado mostra-se excepcionalmente severa devendo a mesma ser revogada e substituída por outra que condene, apenas e somente, o arguido pela alegada prática de um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 21º e 25º do Decreto - Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, e consequentemente ser condenado a uma pena de prisão inferior a 5 anos e a mesma suspensa na sua execução mediante o cumprimento de injunções».

Esta última pretensão do recorrente só se compreende no âmbito daquela outra de que “do depoimento do arguido e das testemunhas supra indicadas resulta claramente que o arguido não praticou os factos de que foi acusado pelos motivos supra, tendo, isso sim, praticado um crime de tráfico de menor gravidade, previsto e punido pelo artigo 21º e 25º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/1, que, porém, já foi afastada.

Por isso objecto da sua discordância é somente a medida da pena aplicada ao concurso de crimes; não a medida de cada uma das penas parcelares.

Com efeito, o que diz é que a pena de 9 anos de prisão é excepcionalmente severa.

Não esclarece, contudo, quais as razões pelas quais discorda da medida da pena única.

Ainda que o recorrente não explicite os motivos pelos quais entende que a pena única aplicada ao concurso deve ser reduzida, do que resulta não estar colocada nesta parte qualquer verdadeira questão, e apesar de não se estar perante questão de conhecimento oficioso, sempre se dirá que o tribunal recorrido respeitou aqui os critérios legais de determinação da medida da pena.

Esses critérios são a culpa do agente e as exigências de prevenção, nos termos do artº 71º, e ainda os factos e a personalidade do arguido, considerados em conjunto, de acordo com o artº 77º, nº 1.

Nesta matéria, como ensina Figueiredo Dias, “tudo deve passar-se (...) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente" (Direito Penal, Parte Geral, II, As Consequências Jurídicas do Crime, páginas 291-292).

Atendendo aos limites máximo e mínimo da pena aplicável que são, respectivamente, 15 anos e 6 meses (correspondente à soma das três penas parcelares) e de 6 anos e 6 meses (correspondente à maior das penas parcelares aplicadas) e não vindo questionada na individualização da pena única quaisquer outros argumentos, não vemos que a pena fixada seja excessiva.

Fora de cogitação está, pois, a pretendida suspensão da pena. - art.º 50º n.º 1 do Cód. Penal.»

22. Do acórdão da 1.ª instância, para que, em juízo de concordância, remete o acórdão recorrido, resulta que foram tidas em consideração as seguintes circunstâncias:

22.1. Na determinação das penas parcelares, cujos fatores adquirem agora relevância na perspetiva da avaliação, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente (infra, 23):

«Das penas a aplicar ao arguido AA

Do crime de tráfico.

- o ilícito é já significativo, considerando os meios empregues, a quantidade e qualidade de haxixe encontrado e do comercializado, bem como a transterritorialidade da sua ação.

- o dolo é direto e de intensidade elevada.

- O arguido não contribui para a descoberta da verdade e a sua postura parece apontar para a falta de interiorização da censurabilidade da sua conduta.

- valoram-se negativamente os antecedentes criminais.

Atento o exposto, julgamos adequado graduar a pena de prisão pelo crime de tráfico e outras atividades ilícitas de substâncias estupefacientes, na pena parcial de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Da pena a aplicar pela prática de um crime de detenção de arma proibida.

Valora-se aqui:

- a intensidade média do ilícito, dentro do tipo. O arguido tinha consigo uma pistola originalmente concebida como semiautomática que foi transformada para poder carregar as munições após cada tiro, permitindo, mediante uma pressão do gatilho, fazer uma série contínua de disparos. A letalidade da arma é elevada, mas não há evidências de que o arguido tenha usado a arma. Já a posse do cardsharp é igualmente censurável, por se tratar de um instrumento particularmente insidioso.

- a intensidade do dolo é média.

- valoram-se negativamente os antecedentes criminais por este tipo de crime.

- apesar da relação de concurso, tem-se em conta que a arma ainda poderia ser canalizada para a atividade de tráfico pela qual também vai condenado.

Por todo o exposto, entende-se que, no caso concreto, é de fixar a pena concreta em 3 (três) de prisão.

Do crime de tráfico e mediação de armas agravado.

- a intensidade média do ilícito, dentro do tipo, traduzida nas armas que se propôs vender perante um universo já significativo de pessoas.

- a intensidade do dolo é média.

- valoram-se negativamente os antecedentes criminais, além do mais, por crime de detenção de arma proibida.

- também aqui nada sugere que o arguido tenha elaborado qualquer juízo de autocensura.

- Vista a amplitude da moldura penal, julgamos adequada e justa, pela prática de crime de tráfico e mediação de armas agravado, previsto e punível pelo art. 87º nºs 1 e 2 al. c), com referência ao artº 86º da Lei nº 5/2006, de 23/2, da pena de 6 (seis) anos de prisão.

22.2. Na determinação da pena única:

«Do cúmulo jurídico de penas aplicadas ao arguido AA.

Uma vez que este arguido, ora condenado, praticou três infrações distintas, por se verificar um concurso real de crimes, há que considerar o disposto no art. 77º do Código Penal, e condenar o arguido em pena única, procedendo-se ao cúmulo das 3 penas parcelares.

Assim, operando o cúmulo jurídico, de harmonia com o disposto no artigo 77º do Código Penal, há que aplicar uma pena unitária, que deve ser fixada entre a maior das penas concretamente aplicadas e a soma de todas.

Atentos os limites mínimo de 6 anos e 6 meses (correspondente à maior das penas parcelares aplicadas) máximo de 15 anos e 6 meses (correspondente à soma das três penas parcelares)– cfr. art. 77º, n.º 2 do Código Penal), considerando a gravidade dos factos praticados no seu conjunto, que podem classificar-se como sendo de grau elevado, a disformia de penas, e a personalidade do agente, que se revela, além do mais, pelos antecedentes criminais, o tribunal considera adequada e justa a pena única de 9 (nove) anos de prisão.»

Pelo que, perante a exiguidade da fundamentação, há que verificar da adequada observância dos critérios de proporcionalidade na determinação da pena, reafirmando-se o consignado em acórdãos anteriores (do mesmo relator), que aqui se seguem.

23. Nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, que estabelece as regras da punição do concurso de crimes (artigo 30.º, n.º 1), quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, formada a partir de uma moldura definida, no seu mínimo, pela mais elevada das penas aplicadas aos crimes em concurso e, no seu máximo, pela soma das penas aplicadas a esses crimes, sem ultrapassar 25 anos de prisão (n.º 2 do artigo 77.º), para cuja determinação, seguindo-se os critérios da culpa e da prevenção (artigo 71.º, infra), são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (critério especial do n.º 1 do artigo 77.º, in fine).

Aqui se incluem, designadamente, as condições económicas e sociais, reveladoras das necessidades de socialização, a sensibilidade à pena, a suscetibilidade de por ela ser influenciado e as qualidades da personalidade manifestadas no facto, nomeadamente a falta de preparação para manter uma conduta lícita (Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, 3.ª reimp., 2011, p. 248ss; por todos, o acórdão de 16.2.2022, Proc. 160/20.4GAMGL.S1).

24. Recordando jurisprudência constante deste Supremo Tribunal, com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também, e especialmente, pelo seu conjunto, enquanto revelador da dimensão e gravidade global do seu comportamento. Há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido e ao «fio condutor» presente na repetição criminosa, estabelecendo uma relação desses factos com a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com sua projeção nos crimes praticados, levando-se em consideração a natureza destes e a verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados, tudo isto «tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto de factos praticados é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor para uma “carreira”, ou se, diversamente, a repetição comportamental dos valores estabelecidos emergirá antes e apenas de fatores meramente ocasionais» [assim, por todos, entre os mais recentes, os acórdãos de 01.03.2023, cit., e de 08.06.2022, Proc. n.º 430/21.4PBPDL.L1.S1, em www.dgsi.pt, retomando-se o que se afirmou no acórdão de 2.12.2012, Proc. 923/09.1T3SNT.L1.S1, de 21.11.2018, ECLI:PT:STJ:2018:114.14.0JACBR. A.S1.73, citando-se, designadamente, os acórdãos de 06-02-2008 (Proc. n.º 4454/07), de 18.1.2012, Proc. 34/05.9PAVNG.S1 (Raul Borges), de 14.07.2016 e de 17.06.2015 (Proc. 4403/00.2TDLSB.S1) (Pires da Graça) e 488/11.4GALNH (Maia Costa), em www.dgsi.pt].

Convocando decisões anteriores: “Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido a atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta». «A personalidade do agente – se bem que não a personalidade no seu todo, mas só a personalidade manifestada no facto», – «é um factor da mais elevada importância para a medida da pena e que para ela releva, tanto pela via da culpa como pela via da prevenção» (Figueiredo Dias, loc. cit., p. 291).

25. Nos termos do artigo 40.º do Código Penal, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

Estabelece o n.º 1 do artigo 71.º do Código Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal atender a todas as circunstâncias relacionadas com o facto praticado (facto ilícito típico) e com a personalidade do agente manifestada no facto, relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva, que, não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele considerando, nomeadamente as indicadas no n.º 2 do mesmo preceito, em observância do critério de proporcionalidade com fundamento no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, segundo o qual «a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos».

26. Para a medida da gravidade da culpa há que, de acordo com o artigo 71.º, n.º 2, considerar os fatores reveladores da censurabilidade manifestada no facto, nomeadamente os fatores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objetivo e subjetivo – fatores indicados na alínea a) (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências) e na alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) – e os fatores a que se referem a alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os fatores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – os indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto).

Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes em vista da satisfação de exigências de prevenção geral – traduzida na proteção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos – e, sobretudo, de prevenção especial, as quais permitem fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento, pelo agente, de novos crimes no futuro, e assim avaliar das suas necessidades de socialização. Incluem-se aqui as consequências não culposas do facto [alínea a), v.g. frequência de crimes de certo tipo, insegurança geral ou pavor causados por uma série de crimes particularmente graves], o comportamento anterior e posterior ao crime [alínea e), com destaque para os antecedentes criminais] e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto [alínea f)]. O comportamento do agente [circunstâncias das alíneas e) e f)] adquire particular relevo para determinação da medida concreta da pena em vista da satisfação das exigências de prevenção especial, em função das necessidades individuais e concretas de socialização do agente, devendo evitar-se a dessocialização.

Como se tem sublinhado, é na determinação e consideração destes fatores que deve avaliar-se a concreta gravidade da lesão do bem jurídico protegido pela norma incriminadora, materializada na ação levada a efeito pelo arguido pela forma descrita nos factos provados, de modo a verificar se a pena aplicada respeita os mencionados critérios de adequação e proporcionalidade que devem pautar a sua aplicação (cfr., entre outros, os acórdãos de 26.06.2019, Proc. 174/17.1PXLSB.L1.S1, 9.10.2019, Proc. 24/17.9JAPTM-E1.S1, e de 3.11.2021, Proc. 875/19.0PKLSB.L1.S1, cit.).

27. Aos crimes cometidos, que se posicionam numa relação de concurso (artigo 30.º, n.º 1, do Código Penal), corresponde a pena de 6 anos e 6 meses (pena parcelar mais elevada) a 15 anos e 6 meses de prisão (soma das penas parcelares).

O arguido vem condenado pela prática, em concurso, de um total de 3 crimes, sendo um de tráfico de estupefacientes, um de detenção de arma proibida e um de tráfico e mediação de armas agravado, na pena única de 9 anos.

Os factos, que agora preenchem o ilícito global, com repetida ofensa de diversos bens jurídicos – nomeadamente a saúde e a segurança –, por diversas formas, foram praticados entre 2018 e outubro de 2021, num período de cerca de mais de 3 anos. A imagem global do facto revela uma intensa atividade criminosa de comercialização de produtos de elevada perigosidade para os bens jurídicos causa, com um considerável nível de organização, meios e dimensão geográfica nacional e internacional, geradora de proventos elevados que constituíam a base material de vida do arguido, sendo, por conseguinte, também elevados o grau de ilicitude e a intensidade do dolo.

As condições sociais e familiares do arguido, o seu percurso de formação e desenvolvimento pessoal, o seu trajeto profissional e a opção por estilos de vida e relações marginais e desviantes, associadas a consumo de estupefacientes, não obstante as evidenciadas relações de afeto ao nível familiar, evidenciam consideráveis necessidades de ressocialização face à demonstrada falta de preparação para manter uma conduta lícita.

Quanto ao comportamento anterior ao crime, relevam as condenações que constam do registo criminal, não procedendo o argumento de que se trata de «condenações com mais de uma década, há muito declaradas extintas, sem que tenha sido condenado por crime da mesma natureza».

28. A este propósito importa considerar o regime de «cancelamento definitivo» do registo criminal, tendo em conta que, como se considerou no recente acórdão de ........2024, Proc.º 10/21.4... (em www.dgsi.pt), a existência de condenações anteriores, que constituem uma circunstância atinente à conduta anterior ao facto [artigo 71.º, n.º 1, al. e), do CP] que pode servir para agravar a medida da pena, só deverá ser considerada se puder «ligar-se ao facto praticado e constituir índice de uma culpa mais grave e (ou) exigências acrescidas de prevenção»; se no registo criminal tiverem sido objeto de cancelamento não poderão ser valoradas, pois que, «apesar da falta de norma expressa nesse sentido, a finalidade socializadora do cancelamento e a lógica dos próprios mecanismos de proibição de acesso às inscrições conduzem a considerar que existe aqui uma autêntica proibição de prova (proibição de valoração de prova) que o juiz não pode infringir» (KK, Direito Penal, As Consequências Jurídicas do Crime, ..., 3.ª reimp., 2011, p. 253).

Dispõe o artigo 11.º (sob a epígrafe «cancelamento definitivo»), n.º 1, als. a), b) e e), da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio (lei da identificação criminal), que as decisões (inscritas no registo) que tenham aplicado pena de prisão com duração inferior a 5 anos, pena de multa ou pena de substituição – como é o caso [estão em causa penas de 3 anos, 2 anos e 1 ano de prisão, duas delas suspensas na sua execução e penas de multa – supra, 8 (368-372)] – «cessam a sua vigência» no registo criminal depois de decorridos 5 anos «sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza».

Decorreram mais de 5 anos sobre a data de extinção das penas aplicadas nos processos 338/07.6PDSNT, 206/09.7PBAMD e 1229/14.0PANST (pontos 369, 370 e 371 dos factos provados e certificado de registo criminal junto aos autos em 5.12.2022), por crimes de roubo e de condução sem habilitação legal. Porém a condenação no processo 1229/14.0PANST, em 5.11.2014, dentro do prazo de 5 anos a contar da sua extinção, impede o «cancelamento» do registo das decisões de condenação anteriores.

Mantém-se vigente o registo da decisão condenatória de 7.4.2022, no processo 894/20.3PDAMD (ponto 372), que aplicou uma pena de multa pela prática, em 20/10/2020, de um outro crime de detenção de arma proibida. Tendo a condenação ocorrido no prazo de 5 anos a contar da extinção (em 2.10.2017) da pena aplicada no processo 1229/14.0PANST, mantêm-se igualmente os efeitos do registo desta condenação.

Não consta do registo a extinção das penas aplicadas no Reino Unido em 28.6.2012 (ponto 368 dos factos provados), pela prática, em concurso, de 4 crimes de detenção de produto estupefaciente, em penas de 2 anos e 12 meses (a última), comunicadas a Portugal com base na Decisão-Quadro 2009/315/JAI do Conselho de 26.2.2009, cujo regime, após o Acordo de Saída do Reino Unido da União Europeia («Acordo sobre a saída do Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte da União Europeia e da Comunidade Europeia da Energia Atómica», JOUE L 29, de 31.1.2020), se mantém atualmente inscrito no Título IX (Intercâmbio de Informações sobre Registos Criminais) – artigos 643.º a 652.º – do Acordo de Comércio e Cooperação entre a União Europeia e a Comunidade Europeia da Energia Atómica, por um lado, e o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, por outro (JOUE L 149, de 30.4.2021).

Nesta conformidade, deverão todas as condenações ser tomadas em consideração na determinação das penas.

29. Na consideração dos fatores relevantes (artigo 71.º do CP, supra, 23 a 26), são, pois, acentuados os graus de censurabilidade dos factos e elevadas as exigências de prevenção geral e especial.

Pelo exposto, tendo em conta a moldura da pena aplicável aos crimes em concurso, na ponderação, em conjunto, dos factos e da personalidade do arguido revelada na sua prática (critério especial do artigo 77.º, n.º 1, do CP), não se encontra fundamento que justifique uma intervenção corretiva na pena única de 9 anos de prisão, por violação dos critérios de adequação e proporcionalidade, relevando por via da culpa e da prevenção nos termos anteriormente expostos, que se mostram respeitados e devem presidir à determinação das penas, em vista da realização das finalidades de proteção dos bens jurídicos ofendidos com a prática dos crimes e de reintegração.

Assim, nesta parte, é negado provimento ao recurso.

Quanto a custas

30. Nos termos do disposto no artigo 513.º do CPP, só há lugar ao pagamento da taxa pelo arguido quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso. A taxa de justiça é fixada entre 5 e 10 UC, tendo em conta a complexidade do recurso, de acordo com a tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

III. Decisão

31. Pelo exposto, decide-se em conferência na seção criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

a) Rejeitar o recurso quanto a todas as questões suscitadas, exceto quanto à determinação da pena única;

b) Julgar improcedente o recurso quanto à determinação da pena única, mantendo o decidido.

Condena-se o recorrente em custas, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC.

Supremo Tribunal de Justiça, 13 de março de 2024

José Luís Lopes da Mota (relator)

Pedro Manuel Branquinho Dias

Ana Maria Barata de Brito