Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03A1235
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PONCE DE LEÃO
Descritores: DIVÓRCIO LITIGIOSO
DANOS MORAIS
Nº do Documento: SJ200306170012356
Data do Acordão: 06/17/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL COIMBRA
Processo no Tribunal Recurso: 889/02
Data: 10/01/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário : - O nº 1 do artigo 514º do Código Processo Civil estabelece não carecer de prova, nem de alegação, os factos notórios.
- Constitui facto notório que sofre abalo moral e desequilíbrio emocional a mulher que durante 19 anos está separada do marido, emigrante, que durante cerca de nove não dá notícias, nem em nada contribuiu para as despesas familiares, procurando ela manter o seu casamento e, depois, se vê confrontada com o propósito do marido em se divorciar.
- Tal abalo moral deverá ser reparado a título de danos não patrimoniais à sombra do prescrito no artigo 1792º nº 1 do Código Civil.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"A", residente na Venezuela, veio propor a presente acção de divórcio litigioso contra sua mulher B, residente em ....., Mira, tendo alegado que:
está separado de facto por mais de 11 anos, que imputa a culpa da Ré.
Devidamente citada, veio a Ré apresentar contestação, tendo, ainda, deduzido pedido reconvencional.
Pediu que o divórcio fosse decretado, com base na separação de facto por mais de 14 anos imputável ao Autor e ainda com base na violação culposa, por parte deste, dos deveres de respeito, fidelidade, coabitação e colaboração.
Pediu ainda uma indemnização por danos morais provocados e uma pensão a título de alimentos provisórios.
Foi apresentada réplica, onde o Autor impugnou a matéria de facto base da reconvenção e ainda os alimentos peticionados, pugnando pela improcedência de ambos os pedidos.
Por despacho de fls. 101 verso, foi decidido que, para já, não se considerava oportuno, a fixação de quaisquer alimentos conjugais a favor da Ré.
Foi proferido despacho saneador e organizados o rol dos factos assentes, bem como a base instrutória.
Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com observância do formalismo legal, conforme resulta da respectiva acta, findo o que foi proferida douta decisão sobre a matéria de facto controvertida. Foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, com fundamento na separação de facto por mais de três anos, mas sem culpa da Ré, julgando-se parcialmente procedente a reconvenção, com base na violação culposa pelo Autor, dos deveres de cooperação e assistência, mas sem direito a indemnização, sendo, assim, decretado o divórcio litigioso entre o Autor e a Ré, com culpa daquele.
Inconformada, veio a Ré interpor recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, limitando o objecto do recurso à absolvição do Réu do pedido de condenação no pagamento de uma indemnização pelos danos morais decorrentes da dissolução do casamento.
Foram dados como provados os factos seguintes:
1. Autor e Ré casaram catolicamente em 22/01/1978, com convenção antenupcial na qual estipularam o regime de comunhão geral de bens (alª A))
2. Na constância do matrimónio nasceram dois filhos:
C, em 11 de Julho de 1978;
D, em 2 de Outubro de 1981. (alª B))
3. Há cerca de 19 anos (reportados a Dez. 99), o Autor emigrou para a Venezuela, para onde foi trabalhar, saindo de casa onde vivia com a Ré (resposta aos quesitos 1º e 8º).
4. Nos últimos 11 anos (reportados a Dez. 99) o Autor apenas veio a Portugal cerca de duas vezes, uma delas em período que coincidiu com a data em que sua mãe foi operada ( resposta ao quesito 2º).
5. O Autor, numa das últimas vezes que veio a Portugal, comunicou à Ré o seu propósito de se divorciar (resposta aos quesitos 4º e 12º).
6. A Ré, a seguir a isso, arranjou uma casa só para si (resposta ao quesito 5º).
7. Não há da parte de qualquer dos cônjuges o propósito de restabelecer a vida em comum (resposta ao quesito 7º).
8. O Autor, durante um período de cerca de 9 anos, não deu qualquer notícia (resposta ao quesito 9º).
9. Deixando, pelo menos nesse período, de prestar qualquer ajuda em dinheiro para os encargos da vida familiar da Ré e dos filhos (resposta ao quesito 10º).
10. E, pelo menos nesse período, não se interessando em saber quais as necessidades com alimentação, vestuário e saúde da Ré e filhos e educação e vida escolar destes (resposta ao quesito 11º).
11. A Ré sofre de depressão crónica, necessitando de tratamento permanente e consultas frequentes. Tem períodos de agravamento, ficando incapacitada e com necessidade de acompanhamento familiar (resposta ao quesito 13º).
12. A Ré foi sujeita a internamento de 24/07/99 a 29/07/99 no Hospital Sobral Cid, na sequência de alterações motivadas por privação alcoólica, constando da observação na urgência: "doente com história de alcoolismo crónico que vem à procura de ajuda para deixar o álcool. Está motivada para a desintoxicação" (resposta aos quesitos 14º e 25º).
13. Até ao facto referido em 5, a Ré nunca saiu do lar conjugal (resposta ao quesito 15º).
14. Numa das últimas vezes (reportadas a Jun. 2000 que o Réu veio a Portugal, esteve acompanhado de uma senhora, que foi tomada, por parte das testemunhas ouvidas, como sua companheira (resposta ao quesito 18º).
15. Vivendo sob o mesmo tecto e tomando juntos as refeições (resposta ao quesito 21º).
16. A Ré é pessoa de formação católica (resposta ao quesito 22º).
Perante este quadro factual, feito que foi o respectivo enquadramento jurídico, o Tribunal da Relação de Coimbra proferiu douto acórdão, que por não nos merecer qualquer reparo ou censura, se passa a transcrever:
" Na contestação/reconvenção deduzida, e na parte relativa à indemnização por danos morais, a Ré fundamentou a sua pretensão com a alegação dos factos seguintes :
Da conduta do A. não pode inferir-se a eventual vontade de uma futura reconciliação com a R., antes traduzindo o mesmo a vontade inequívoca daquele pretender manter e estabelecer uma relação sólida com a sua companheira;
Tal conduta não traduz um mero devaneio, mas antes a vontade de o A. romper definitivamente com o vínculo conjugal e constituir um novo lar;
O comportamento do R. determinou na R. reconvinte um sofrimento profundo, a nível psíquico, exigindo-lhe até como já se referiu, internamento hospitalar, e no presente a exigência de medicação diária, já que muitas noites não consegue dormir nem descansar;
Como consequência do descrito, a R. sofre ainda hoje os efeitos, já se tornou uma pessoa bastante traumatizada e ferida na sua sensibilidade e intimidade, entregue a uma vida de tristeza e solidão.
Apesar do A. se ter comprometido a por toda a vida ser fiel à R. e com ela coabitar, prestando-lhe mútua e reciprocamente assistência nos bons e maus momentos da vida de ambos;
A R. reconvinte com a idade de 40 anos, bastante doente e traumatizada, vê-se sem possibilidades de refazer a sua vida afectiva com outrem devido à conduta do Autor;
A R. é pessoa de formação católica, estimando muito os seus valores, e bem assim de fortes convicções morais;
Tal situação para a R. acarreta pesado dano moral e sobretudo, indiscutível e irreparável dano moral ;
Sombrio e solitário é o futuro da R., estando a felicidade do A. a ser construída sobre os escombros e ruína afectiva daquela, a quem jurou acompanhar até à morte;
Tal dano moral, sendo irreparável pode no entanto ser mitigado, arbitrando-se a favor da R. reconvinte e a pagar pelo A. reconvindo uma indemnização razoável, nunca inferior a Esc. 3.000.000$00;
Tal quantia, de modo algum repara a profunda dor sentida e sofrida pela R. reconvinte e a solidão a que está votada ;
Tal indemnização não compensará a perda do marido, nem a quebra de todos os princípios morais e religiosos da R.;
Esta é uma pessoa profundamente católica, cujo estatuto de mulher divorciada vai afectar ainda mais a sua personalidade e maneira de ser.
O Autor, replicando na parte relativa ao pedido de indemnização a título de danos não patrimoniais, disse o seguinte :
É falso o alegado no artº 37º, o A. não tem qualquer companheira;
E o sofrimento psíquico com consequente internamento hospitalar alegado pela R. no seu artº 39º, deve-se, única e exclusivamente, à sua dependência do álcool;
Não tendo o A. provocado qualquer dano moral na R., não lhe devendo qualquer indemnização.
A posição expressa pelo Meritíssimo Juiz na sentença final, relativamente à peticionada indemnização por danos não patrimoniais, foi a seguinte :
"Os danos morais que devem ser reparados numa acção de divórcio, são os causados ao outro cônjuge pela dissolução do casamento.
Danos causados pela dissolução, não os causados pelas violações dos deveres conjugais invocados como causas de divórcio (art. 1792º, do C. Civil, e Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, obra citada, págs. 688/689) .
Ora, nenhuns danos causados pela dissolução se provaram, até porque nem sequer se provou que o estado de saúde da Ré se deva ao Autor ou à dissolução do casamento" (cfr. Fls. 151 verso).
Por seu turno, a recorrente desenvolveu no texto das alegações apresentadas, essencialmente, a seguinte argumentação:
"... : o casamento celebrado entre recorrente e recorrido não foi um contrato a prazo. Há expectativas legítimas e naturais de ser um contrato duradouro e, bem assim, o relacionamento pessoal que lhe está ligado.
Há todo um projecto de vida comum que a recorrente viu ruir, tanto mais que só quando o recorrido lhe comunicou que se queria divorciar é que a recorrente arranjou uma casa só para si, até então, sempre residiu no lar conjugal, mantendo acesa a chama da esperança no casamento que celebrou.
Além deste facto que causou danos a direitos e interesses da recorrente, consubstanciados no desmoronamento do projecto comum de vida, ficou demonstrado que a recorrente sofre de depressão crónica, necessitando tratamento permanente e consultas frequentes, tendo períodos de agravamento, ficando incapacitada e com necessidade de acompanhamento familiar.
Tais factos não são, de todo, alheios ao divórcio, antes são a consequência de toda a conduta do recorrido ao longo dos anos e que culminaram com a decisão de ser decretada a dissolução do vínculo conjugal.
Acresce outro facto que é a recorrente ser de formação católica, onde, como é consabido, os valores do casamento, da família são altamente valorados, sendo certo que o estatuto de mulher divorciada é encarado de uma forma negativa, até pelo simples facto de que se a recorrente pretendesse casar novamente, ficava-lhe vedado o direito ao casamento católico" (cfr. fls 166).
Finalmente, o apelado defendeu, no essencial, com citação de vários acórdãos, a posição de que a violação dos deveres de cooperação e assistência, por morte do Autor, não podia fundamentar o pedido de indemnização.
Os factos causa de divórcio não podem ser objecto do pedido de indemnização a deduzir na acção de divórcio.
O artigo 1792º do Código Civil, dispõe o seguinte:
1 - " O cônjuge declarado único ou principal culpado e, bem assim, o cônjuge que pediu o divórcio com o fundamento das alínea c) do artigo 1781º devem reparar os danos não patrimoniais causados ao outro cônjuge pela dissolução do casamento.
2 - O pedido de indemnização deve ser deduzido na própria acção de divórcio".
Trata-se de uma disposição que foi introduzida pela Reforma de 1977, e que se reveste de uma dupla originalidade.
Por um lado, a reparação dos danos morais, mesmo nos casos em que assenta na violação culposa dos deveres conjugais (artº 1779º do C. Civil), constitui uma excepção à regra de que só o ilícito extracontratual obriga à reparação dos danos não patrimoniais ( artº 496º, nº 1, do C. Civil).
Por outro lado, admitindo a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais no caso de divórcio por alteração das faculdades mentais de um dos cônjuges, fora portanto do âmbito do divórcio baseado na culpa, a lei admite a indemnização independentemente da ilicitude da conduta do condenado (cfr. Prof. Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. IV, 2ª edição, pág. 567).
A regra de que a indemnização por danos morais causados pela dissolução do casamento deve ser pedida na própria acção de divórcio - na petição inicial ou na contestação, conforme o cônjuge que a peticiona seja o autor ou seja o réu ( cfr. Prof. M. Teixeira de Sousa, O Regime Jurídico do Divórcio, 1991, pág. 124, e Prof. Pereira Coelho, Divórcio e Separação Judicial de Pessoas e Bens, in Reforma do Código Civil, Instituto da Conferência da Ordem dos Advogados, 1981, pág. 49), desdobra-se num duplo efeito:
Por um lado, ela permite que se cumule o pedido de dissolução do casamento com a pretensão de indemnização;
Por outro lado, deduz-se ainda do disposto no nº 2 do artigo 1792º, do C. Civil, um princípio de preclusão do pedido.
Se não for requerida na acção de divórcio (seja pelo autor, seja pelo réu), a indemnização por danos morais resultantes da dissolução do casamento caduca, já não podendo ser requerida em acção autónoma.
Aquela disposição não impede a ressarcibilidade, quer dos danos provenientes da violação dos deveres relativos dos cônjuges, quer da violação dos direitos absolutos de que seja titular o cônjuge ofendido ofensas à sua integridade física ou ao seu bom nome, violação da sua propriedade, etc.
Esses danos podem ser apreciados em acção autónoma e não na acção de divórcio, que tem como objectivo fundamental a dissolução da relação matrimonial (cfr. Prof. Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. IV, 2ª edição, págs. 568/569).
O artigo 1792º, que teve a sua fonte no artº 266º, do Código Civil francês, obriga o cônjuge declarado único ou principal culpado na sentença de divórcio, e bem assim, o cônjuge que pediu o divórcio com fundamento em alteração das faculdades mentais do outro, a reparar os danos não patrimoniais causados ao outro cônjuge pela dissolução do casamento.
Visam-se aqui apenas os danos causados pela dissolução do casamento e não os danos causados pela violação ou pelas violações dos deveres conjugais invocados como causas de divórcio.
Estes danos também devem ser ressarcidos, segundo as regras gerais da responsabilidade civil, mas o pedido de indemnização desses danos não pode ser deduzido no processo especial de divórcio litigioso previsto nos artigos 1407º e 1408º do Código de Processo Civil, mas apenas em acção de processo comum de declaração, para a qual o tribunal de família e menores não tem competência (cfr. Profs. Francisco Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, in Curso de Direito da Família, Vol. V, 2ª edição, pág. 689).
O artigo 1792º apenas obriga a indemnizar os danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento.
A dissolução do casamento por divórcio também causa frequentes danos patrimoniais a um dos cônjuges (sobretudo à mulher; mas a reparação desses danos é ponto a considerar em sede de fixação do montante da prestação de alimentos ( artº 2096, nº 3,do C. Civil.
Como danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento, costumam referir-se a desconsideração social que, no meio em que vive, o divórcio terá trazido ao divorciado ou à divorciada; a dor sofrida pelo cônjuge que verá destruído o casamento, tanto maior quanto mais longa tenha sido a vida em comum e mais forte o sentimento que o prendia ao outro cônjuge, etc. (cfr. Prof. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, obra citada, Vol. 1º, 2ª edição, págs. 689/690 ).
Esta doutrina é também exposta por outros autores.
O regime especial traçado no artigo 1792º do Código Civil, circunscreve-se aos danos morais resultantes do divórcio, não abrangendo os danos causados pelos factos geradores do pedido de divórcio.
O cônjuge declarado único ou principal culpado deve reparar os danos não patrimoniais causados ao outro cônjuge pela dissolução do casamento, como, por exemplo, os relativos ao sofrimento do cônjuge inocente ou menos culpado ou à repercussão do divórcio na consideração social desse cônjuge, e não os danos originados pela violação dos deveres conjugais que constitui a causa do divórcio ou o fundamento da declaração de culpa do cônjuge.
Isto não afecta a responsabilidade do cônjuge pelos danos, morais ou patrimoniais, causados pela violação dos deveres conjugais, e que são indemnizáveis, nos termos gerais do artigo 483º, nº 1, do Código Civil.
O que o artigo 1792º nº 1 do C. Civil contém é a previsão de uma responsabilidade subjectiva do cônjuge culpado, ou principal culpado, pelos danos emergentes da dissolução do casamento (cfr. Prof. M. Teixeira de Sousa, in O Regime Jurídico do Divórcio, 1991, pág. 123, e Prof. Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Vol. IV, 2ª edição, pág. 568, e Direito da Família, 1º vol., 5ª edição, págs. 523/524).
Mas também na jurisprudência tem sido definida a orientação de que na acção de divórcio apenas pode ser apreciado e decidido o pedido de indemnização por danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento.
A este propósito, escreveu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 5 de Fevereiro de 1985 :
"Temos que o nosso legislador, conhecendo essa distinção que se fazia em França - lei de 12 de Abril de 1941, validada pela Ordonnance de 12 de Abril de 1945, que aditou uma alínea ao artigo 301º do Código Civil Francês e depois o seu artigo 266º, após a reforma de 1975 - quis, no artigo 1792º, com redacção semelhante a este último artigo, adoptar igual distinção, regulando nesse artigo, como em França, apenas os danos não patrimoniais causados pela dissolução do casamento, e só esses podendo ser apreciados na acção de divórcio, com a consequente indemnização.
Era esta também a orientação dominante em França, na doutrina e na jurisprudência - Encyclopédie Juridique Dallez (Droit Civil), fase, de 1983, Divorce (cons.), 2ª edição, III, pag.s 21 a 28 .
O que bem se compreende, pois os danos causados pelos fundamentos do divórcio, como factos ilícitos, podem ser reparados segundo a lei geral sobre a responsabilidade civil, utilizando-se a via processual comum, aliás como já era possível e defendido na legislação anterior ao artigo 1792º.
Os danos causados pela dissolução do casamento, por esta dissolução ser um facto lícito, é que careciam de uma norma especial que permitisse o seu ressarcimento, e daí o artigo em causa, limitando a indemnização só aos danos não patrimoniais.
E porque se trata só de danos desta natureza, conexados com a dissolução do casamento, de averiguação e instrução fáceis, coadunáveis com o tipo especial do processo de divórcio, é que a lei impõe - nº 2 do artigo 1792º - que o pedido da sua indemnização se faça nesse processo, o que já não sucede com os danos causados pelos fundamentos do divórcio - patrimoniais e não patrimoniais - que implicam uma averiguação e uma instrução que não se compadecem com a natureza especial desse processo" - (cfr. Bol. Min. da Justiça, nº 344, pág. 357/359).
No mesmo sentido, e fazendo uma minuciosa análise da questão, decidiu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 13 de Março de 1985, que "o artigo 1792º do Código Civil compreende unicamente os danos não patrimoniais causados pelo próprio divórcio, devendo o respectivo pedido de indemnização ser obrigatoriamente formulado na acção de divórcio" - cfr. Bol. Min. da Justiça, nº 345, págs. 414 e seguintes).
Ainda sobre o âmbito de aplicação do artigo 1792º consultamos os seguintes acórdãos :
O acórdão da Relação do Porto, de 7 de Fevereiro de 1980, in Col. Jur., 1980, tomo 1, págs. 29/32; o acórdão da Relação do Porto, de 28 de Abril de 1981, in Col. Jur., 1981, tomo 2, págs 126/128; o acórdão da Relação de Porto, de 21 de Abril de 1982, in Col. Jur., 1982, tomo 2, págs 301/303; o acórdão da Relação de Lisboa, de 14 de Maio de 1987, in Bol. Min. da Justiça, nº 367, pág. 561; o acórdão da Relação de Lisboa, de 10 de Novembro de 1987, in Bol. Min. da Justiça, nº 371, pág. 536; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de Março de 1988, in Bol. Min. da Justiça, nº 375, págs 390/394; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Junho de 1993, in Col. Jur., Ano 1, 1993, tomo II, pág. 154; o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Maio de 1998, in Bol. Min. da Justiça, nº 477, págs. 518/522 e o acórdão da Relação do Porto, de 8 de Março de 1999, in Col. Jur., 1999, tomo II, págs. 176/177.
De todos estes elementos de consulta, conclui-se que existem duas situações que é necessário distinguir:
a) Danos resultantes da própria dissolução do casamento
b) Danos resultantes dos factos que constituíram o fundamento da dissolução do divórcio. A indemnização pelos primeiros, circunscrita aos danos não patrimoniais, só pode ser pedida na própria acção de divórcio, conforme norma especial, de direito substantivo, que derroga o princípio processual dos artigos 470º, nº 1, e 274º, nº 3, do Código de Processo Civil; A indemnização pelos segundos, patrimoniais ou não patrimoniais, só pode ser pedida em acção declaratória comum.
Vejamos agora os factos que se incluíram na Base Instrutória, e as respostas dadas pelo Tribunal "a quo", e que mais ou menos directamente se interligam com o pedido de indemnização:
Quesito 1º: O Autor emigrou para a Venezuela, para onde foi trabalhar, há cerca de 19 anos?
Quesito 8º: Em 1986, o Autor saiu voluntariamente da casa onde vivia com a Ré, tendo emigrado?
A estes dois quesitos foi dada a seguinte resposta: "Há cerca de 19 anos, reportados a Dezembro de 1999, o Autor emigrou para a Venezuela, para onde foi trabalhar, saindo da casa onde vivia com a Ré".
Quesito 4º: O Autor quando chegou a Portugal em 1987, vinha com o propósito de se divorciar, facto que comunicou à Ré?
Quesito 12º: E quando regressou, apenas referiu que queria o divórcio?
A estes quesitos foi dada a seguinte resposta:
"O Autor, numa das últimas vezes que veio a Portugal, comunicou à Ré o seu propósito de se divorciar".
Quesito 5º: Pelo que a Ré logo arranjou uma casa só para si?
Foi respondido:
"Provado que a Ré, a seguir a isso, arranjou uma casa só para si".
Quesito 9º: E durante 9 anos não deu qualquer notícia?
Foi respondido: "Provado apenas que o Autor, durante um período de cerca de 9 anos, não deu qualquer notícia".
Quesito 10º: Deixando de prestar qualquer ajuda em dinheiro para os encargos da vida familiar da Ré e dos filhos?
Resposta: "Provado apenas que, deixando, pelo menos nesse período, de prestar qualquer ajuda em dinheiro para os encargos da vida familiar da Ré e dos filhos".
Quesito 11º: Não se interessando em saber quais as necessidades com alimentação, vestuário e saúde da Ré e filhos e educação e vida escolar destes?
Resposta:
"Provado apenas que, e, pelo menos nesse período, não se interessando em saber quais as necessidades com alimentação, vestuário e saúde da Ré e filhos e educação e vida escolar destes."
Quesito 13º: O que deixou a Ré chocada, criando nela um estado depressivo e nervoso, afectando-a a nível psíquico, pois muitas noites não consegue dormir nem descansar?
Resposta:
"Provado apenas que a Ré sofre de depressão crónica, necessitando de tratamento permanente e consultas frequentes. Tem períodos de agravamento, ficando incapacitada e com necessidade de acompanhamento familiar".
Quesito 14º: Pelo que a Ré foi sujeita a internamento no Hospital Sobral Cid em Coimbra e no Hospital Distrital de Cantanhede e submetida a medicação diária?
Quesito 25º: A Ré esteve internada devido à sua dependência do álcool, sendo frequente o seu estado de embriaguez?
A estes dois quesitos foi dada a seguinte resposta:
"Provado apenas que a Ré foi sujeita a internamento de 24/07/99 a 29/07/99, no Hospital Sobral Cid, na sequência de alterações motivadas por privação alcoólica, constando da observação na urgência: "doente com história de alcoolismo crónico que vem à procura de ajuda para deixar o álcool. Está motivada para a desintoxicação".
Quesito 15º: Apesar da ausência de notícias, a Ré nunca saiu do lar conjugal, aí permanecendo, numa tentativa de salvar o seu casamento?
Resposta:
"Provado apenas que até ao facto referido em 5, a Ré nunca saiu do lar conjugal".
Quesito 18º: Na Páscoa do corrente ano, o Autor regressou a Portugal, acompanhado da mulher referida em 16, apresentando-a publicamente como sua esposa?
Resposta:
"Provado apenas que numa das últimas vezes, reportadas a Junho de 2000, que o Autor veio a Portugal, esteve acompanhado de uma senhora, que foi tomada, por parte das testemunhas ouvidas, como sua companheira".
Quesito 21º: Vivendo sob o mesmo tecto e tomando juntos as refeições?
Resposta: "provado".
Quesito 22º: A Ré é pessoa de formação católica e de fortes convicções morais, estimando muito os seus valores?
Resposta:
"Provado apenas que a Ré é pessoa de formação católica".
Quesito 23º: A Ré tornou-se uma pessoa traumatizada, triste e solitária devido à conduta do Autor?
Resposta:
"Provado apenas o que consta da resposta ao quesito 13º".
Quesito 24º:
O estatuto de divorciada vai afectar ainda mais a personalidade e maneira de ser da Ré?
Resposta: "não provado".
Como salienta Karl Larenz, "As proposições jurídicas devem ser "aplicadas" a eventos fácticos, a uma situação de facto que se verificou, e isto só é possível na medida em que a situação de facto verificada é enunciada".
Refere também que, na formação da premissa menor do silogismo de determinação da consequência jurídica, Engisch distingue três elementos, a saber :
1 - A representação do caso da vida concreto, da situação de facto (verificada);
2- A constatação de que essa situação de facto se verificou efectivamente assim;
3- A apreciação da situação de facto, enquanto situação que apresenta as notas distintivas da lei, quer dizer, mais precisamente do antecedente da premissa maior (da previsão legal).
Karl Larenz diz que o jurista, que deve julgar um caso jurídico, "parte, na maioria das vezes, de uma "situação de facto em bruto", que lhe é apresentada na forma de um relato.
Neste relato encontram-se, antes de mais, ocorrências singulares e circunstâncias que são irrelevantes para a apreciação jurídica e que, por isso, o julgador separará, no decurso das suas ponderações, da situação de facto definitiva (enquanto enunciado)".
Refere, depois, que "Deste modo, o relato originário, a "situação de facto em bruto", será por ele em parte encurtado e em parte complementado, até que a situação de facto definitiva contenha apenas os elementos, mas todos eles, do evento real que sejam relevantes face às normas jurídicas eventualmente aplicáveis. A situação de facto (definitiva) é assim o resultado de uma elaboração mental, em que a apreciação jurídica foi já antecipada (cfr. Metodologia da Ciência do Direito, 3ª edição, pags 391 e seguintes).
Observa o mesmo autor que "Para poder apreciar juridicamente a situação de facto, tal como se verificou, o julgador tem de a reconduzir à forma de um enunciado, em que recolha tudo aquilo (e só aquilo) que possa ser relevante para a apreciação jurídica. O que é relevante para a apreciação jurídica resulta das normas jurídicas potencialmente aplicáveis à situação de facto. O julgador parte, portanto, da situação de facto que lhe é relatada, examina quais as normas jurídicas que lhe são potencialmente aplicáveis, complementada em seguida a situação de facto atendendo às previsões destas proposições jurídicas que ele, por seu turno, concretiza de novo - sempre que essas normas não permitam sem qualquer dificuldade uma subsunção - , atendendo a essas consequências, tais como aqui se deparam". ( cfr. obra citada, págs 394/395 ) .
O autor passa, mais adiante, a descrever os juízos de índole muito distinta que são exigidas ao julgador na apreciação de uma situação de facto, com vista a saber se recai sob a previsão de uma das proposições jurídicas que lhe são potencialmente aplicáveis.
A) - Juízos baseados na percepção
Os enunciados sobre factos assentam, por regra, em percepções. O julgador apoia-se em percepções próprias ou, as mais das vezes, em percepções de outras pessoas, que lhe foram comunicadas.
Mas os juízos que são requeridos para qualificar uma situação de facto, como aquela que se tem em conta na previsão de uma norma legal, não se fundam sempre, em todo o caso, somente em percepções e na associação em imagens representativas.
Trata-se, com frequência, de juízos que assentam numa interpretação da conduta humana, na experiência social ou numa valoração .
B) - Juízos baseados na interpretação da conduta humana:
Salienta o autor, nomeadamente, que "O virmos a entender, logo de seguida, a conduta percepcionada como um agir dirigido a fins depende de uma multiplicidade de experiências sobre o que é que as pessoas intentam conseguir com uma tal conduta em uma tal situação. São necessárias ulteriores reflexões sobre se a conduta pode servir a diferentes fins ou se a situação é equívoca.
Uma interpretação que era, à primeira vista, evidente pode mostrar-se incorrecta face a um conhecimento mais aproximado das circunstâncias. Então terá o observador de corrigir o seu primeiro juízo" - (cfr. obra citada, pag.s 401/402)
C) - Outros juízos proporcionados pela experiência social:
"O juiz acha tais máximas da experiência com base na sua própria experiência social e, muitas vezes, nos livros jurídicos de comentário. Elas servem-lhe de meio auxiliar da apreciação jurídica e asseguram, até certo ponto, a regularidade da aplicação da lei".
"Na medida em que ajudam a assegurar a continuidade e regularidade da jurisprudência, tais máximas cumprem uma função semelhante à das proposições jurídicas. Não são, todavia, "proposições jurídicas", porque lhes falta a vinculatividade normativa e a sua correcção enquanto máximas da experiência depende de que possam continuar a fazer-se subsequentemente as experiências correspondentes" (cfr. obra citada, págs 402/406)
D) - Juízos de valor:
O julgador, desde logo na apreciação de certos eventos com base em experiências sociais, quando não dispõe para o efeito de nenhuma máxima geral da experiência, "pondera" factos, quer dizer, valora-os na sua significação concreta sob o ponto de vista da regulação legal.
Exige-se-lhe um juízo de valor quando, para poder condenar a situação de facto com a previsão da norma legal, tenha de julgar segundo uma pauta que primeiro ele tenha de concretizar, uma pauta "carecida de preenchimento".
"A apreciação da situação de facto, tal como a configura a pauta carecida de preenchimento, não pode separar-se da questão relativa a que consequência jurídica é aqui "adequada", no sentido da lei:
A questão da "adequação" de uma consequência jurídica a uma situação de facto de determinada espécie é uma questão de valoração. Esta valoração tem que empreendê-la o julgador dentro do quadro que lhe é previamente dado pela norma.
A questão é de se e de que modo tais juízos de valor são fundamentáveis mediante considerações de ordem jurídica" - (cfr. obra citada, págs. 406 e seguintes).
E) - A irredutível margem de livre apreciação por parte do juiz:
O juiz tem que chegar a uma resolução do caso que lhe foi submetido e, por isso, tem que decidir-se a julgar de um ou de outro modo a situação de facto que lhe foi submetida .
"É suficiente que o juiz tenha esgotado todos os meios de concretização de que dispõe, com ajuda de reflexões jurídicas, e que, nesses termos, a sua resolução surja como "plausível". O jurista denomina de "plausível" uma resolução quando pelo menos haja bons argumentos que apontem tanto no sentido da sua correcção, como em sentido oposto". ( ... ).
"Uma vez que o juiz quer resolver o caso, tanto quanto possível, "justamente", a justiça da resolução do caso é um desiderato legítimo da jurisprudência dos tribunais, é legítima a antevisão da resolução do caso vista como justa pelo juiz". ( .... ) .
"Quando nenhuma das resoluções possíveis seja manifestamente injusta, a resolução é deixada, nos casos mencionados, à intuição valorativa e à convicção do juiz".
O Direito, diz Engisch, "é em cada uma das suas partes um produto do espírito vivo, que se manifesta na existência orgânica e vinculado à pessoa . A autorização para decidir segundo a própria discrição significa a entronização no plano da concretização do Direito da personalidade que aspira à realização de um sentido. Por isso, o subjectivamente justo pode ser aqui o justo em geral" - ( cfr. Metodologia da Ciência do Direito, 3ª edição, págs 413 e seguintes).

Na situação em apreço, podem destacar-se os seguintes pontos:
Autor e Ré casaram catolicamente em 22 de Janeiro de 1978 e desse casamento nasceram dois filhos.
O marido emigrou para a Venezuela, para onde foi trabalhar, e a mulher continuou a viver na casa do casal.
A Ré só arranjou uma casa para si quando o Autor, numa das últimas vezes que veio a Portugal, lhe comunicou o seu propósito de se divorciar.
A Ré é de formação católica e sofre de depressão crónica, necessitando de tratamento permanente e consultas frequentes.
E já foi sujeita a internamento no Hospital Sobral Cid, na sequência de alterações motivadas por privação alcoólica.
Estabelece o artigo 514º, nº 1, do Código de Processo Civil, que "Não carecem de prova nem de alegação os factos notórios, devendo considerar-se como tais os factos que são do conhecimento geral".
São notórios os factos do conhecimento geral, isto é, conhecidos ou facilmente cognoscíveis pela generalidade das pessoas normalmente informadas de determinado espaço geográfico, de tal modo que não haja razão para duvidar da sua ocorrência - (cfr. Prof. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2º, pag. 397, Prof. Castro Mendes, Do Conceito do Prova em Processo Civil, págs. 628-636, e Prof. Vaz Serra, Provas, in Bol. Min. da Justiça, nº 110, págs. 83-88).
Para Alberto dos Reis o conhecimento geral a que se refere o preceito é o conhecimento por parte da grande maioria dos cidadãos do País, que possam considerar-se regularmente informados, isto é, com acesso aos meios normais de informação - (cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. 111, pag. 261).
Para Rodrigues Bastos, parece evidente dever dispensar-se a prova dos factos notórios: se eles são conhecidos, quer do juiz, quer dos interessados, a demonstração da sua existência ou ocorrência apresenta-se como supérflua - ( cfr. Notas ao Código de Processo Civil, vol. III, 3ª edição, pág. 76).
Lebre de Freitas precisa o conceito de factos notórios na sua obra Introdução ao Processo Civil, Conceito e Princípios Gerais à Luz do Código Revisto, na parte em que se refere aos factos de conhecimento oficioso, a pág.s 133/134.
Aí refere que "Por facto notório entende-se um facto do conhecimento geral, isto é, um facto conhecido ou facilmente cognoscível pela generalidade das pessoas de determinada esfera social, de tal modo que não haja razão para duvidar da sua ocorrência".
Observa que "No domínio do processo civil, a esfera social que o caracteriza tem de abranger as partes e o juiz da causa".
Salienta que "A notoriedade do facto pressupõe que seja indiscutível ter-se verificado, de tal modo que se torna, embora com a relatividade acima apontada, uma característica do próprio facto, da qual deriva que, uma vez estabelecida a notoriedade, o facto em si não carece de prova e é insusceptível de prova contrária".
E esclarece, a propósito das máximas da experiência:
"O facto notório não se confunde com as máximas de experiência que o juiz se serve nas operações de prova, dado o carácter indirecto que esta normalmente reveste.
As máximas de experiência, necessárias ao raciocínio dedutivo que caracteriza a presunção, revestem natureza geral, ao passo que o facto notório é um facto concreto de conhecimento geral. No entanto, as máximas de experiência estão sujeitas ao mesmo regime dos factos notórios no que se refere à dispensabilidade de prova e à inadmissibilidade de prova contrária".
Ponderando todo o circunstancialismo fáctico, cremos que se pode concluir que a Ré sofre abalo moral, dor psíquica, desgosto, com a dissolução do casamento.
E isto porque, durante muitos anos, viveu separada do marido emigrante, nunca tendo saído do lar conjugal, até à altura em que o Autor lhe comunicou o propósito de se divorciar e ela arranjou uma casa para si :
A apelante viveu durante muitos anos separada, foi ela a cuidar e tratar dos filhos, mas sempre na esperança, como é comum nos casos de emigração, que o marido voltasse para junto dela e ao convívio dos filhos, que deixara de tenra idade .
E, frustrando-se as suas expectativas, a apelante só se convenceu de que a situação era irremediável quando o apelado lhe comunicou o seu propósito de se divorciar.
Aliás, numa das últimas vezes, reportadas a Junho de 2000, que o Autor veio a Portugal, esteve acompanhado de uma senhora, que foi tomada, por parte das testemunhas ouvidas, como sua companheira, vivendo sob o mesmo tecto e tomando juntos as refeições.
Entretanto, é instaurada a acção de divórcio, e a apelante, frustradas as suas expectativas, vê-se forçada a pedir também o divórcio, em reconvenção, por já não poder refazer a vida em comum com o apelado.
Por isso, a circunstância de resultar da resposta ao quesito 7º, que não há da parte de qualquer dos cônjuges o propósito de restabelecer a vida em comum, não prejudica a conclusão de que a apelante sofre desgosto, abalo moral, com a dissolução do casamento, até porque este já foi celebrado em 22 de Janeiro de 1978, isto é, durante muitos anos, embora vivendo separada do marido, a apelante manteve a esperança de retomar a vida em comum do casal.
Se ainda atendermos ao facto de a apelante sofrer de depressão crónica, com períodos de agravamento, em que fica incapacitada e com necessidade de acompanhamento familiar, e que até já foi sujeita a internamento no Hospital Sobral Cid, julgamos que, ponderando as especificidades do caso concreto, é justificado o recurso ao disposto no artigo 514º, nº 1, do Código de Processo Civil, para legitimar a conclusão de que a Ré sofre desgosto e abalo moral com a dissolução do casamento .
Numa hipótese que apresenta contornos de certo modo semelhantes ao caso concreto em apreciação, decidiu neste sentido o acórdão da Relação do Porto, de 21 de Abril de 1982, publicado in Col. Jur., 1982, tomo 2, págs 301/303.
E, por outro lado, a jurisprudência já decidiu que o Tribunal da Relação pode considerar certos factos como notórios, independentemente de terem obtido resposta negativa por parte do Tribunal que tenha julgado a matéria de facto em 1ª Instância - (cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24 de Abril de 1986, in Bol. Min. da Justiça, nº 356, págs. 295/299).
Concluindo que a apelante tem direito a uma indemnização para ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos e resultantes da dissolução do casamento, resta decidir em que medida devem ser valorizados.
A Ré/Apelante pediu a indemnização de Esc. 3.000.000$00.
O artigo 496º, nº 3, primeira parte, do Código Civil, dispõe que "o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º" (...).
"Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.".
A reparação dos danos não patrimoniais procura-se pela atribuição de uma quantia pecuniária que, de algum modo, compense os danos causados, apague ou mitigue o dano moral sofrido, através de compensações que permita proporcionar.
Como decidiu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de Novembro de 1977, publicado in Bol. Min. da Justiça, nº 271, págs. 212/214, o quantitativo da indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixado pelo julgador dentro de um padrão objectivo e realista, tendo em conta as circunstâncias de cada caso.
Os danos não patrimoniais são ressarcíveis se, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito, devendo, na sua fixação, ter-se em conta juízos de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado - (cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Outubro de 1997, in Bol. Min. da Justiça, nº 470, pág. 217).
Parece-nos exagerada a indemnização pedida pela apelante, se considerarmos, não a sua perspectiva mais ou menos subjectiva, mas o referido padrão objectivo e realista.
Cremos ser mais equilibrado, num juízo de equidade, considerando também que tanto ao Autor, como à Ré, foi concedido o benefício do apoio judiciário, na modalidade de dispensa total do pagamento da taxa de justiça e custas, - (cfr. decisão de fls. 101 e verso ) - fixar a indemnização devida pelo apelado à apelante na quantia de 4.987,98 Euros, ou seja, o equivalente a Esc. 1.000.000$00 (um milhão de escudos).
E, nessa medida, procedem, em parte, as conclusões das alegações apresentadas pela recorrente.
Nos termos expostos, acordam nesta Relação em julgar apenas em parte procedente o recurso de apelação, e, em consequência, revogam a douta sentença apelada, mas somente na parte em que absolveu o Autor do pedido de indemnização formulado pela Ré, - ( na parte em que decretou o divórcio litigioso, com culpa do Autor, a sentença não foi impugnada por via de recurso) - decidindo agora condenar o Autor/apelado a pagar à Ré/apelante, a título de reparação de danos não patrimoniais emergentes da dissolução do casamento, a indemnização de 4.987,98 Euros, ou seja, o equivalente à quantia de Esc. 1.000.000$00 (um milhão de escudos).

Inconformado, veio o Autor interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo, atempadamente, apresentado as respectivas alegações, que foram concluídas pela forma seguinte.
1ª) A mui douta sentença do Venerando Tribunal da Relação faz uma incorrecta integração dos factos e aplicação da lei.
2ª) Não se provaram quaisquer danos causados à Ré pela dissolução do casamento.
3ª) Não foi provado ou sequer alegada pela Ré qualquer frustração de legítimas expectativas, senão nas alegações de apelação.
4ª) Os factos constitutivos do direito de indemnização têm de ser articulados e provados - não factos notórios que estejam dispensados de alegações e de prova.
5ª) Não feita qualquer prova de danos morais sofridos pela Ré em consequência o do casamento.
6ª) Não tendo sido estabelecido qualquer nexo de causalidade entre a depressão crónica vivida pela Ré e a dissolução do casamento.
7ª) Provada foi apenas que a mesma sofra de privação alcoólica.
8ª) Também não se presumem os danos não patrimoniais, têm de ser provados.
9ª) Foi dado como não provado que o estatuto de divorciada pudesse afectar a Ré.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Os autos correram os vistos legais. Cumpre decidir.
Decidindo:
Como é sabido são as conclusões das alegações do recorrente que delimitam o objecto do recurso, pelo que o Tribunal ad quem, exceptuadas as que lhe cabem ex-officio, só pode conhecer as questões contidas nessas mesmas conclusões - artigos 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil e jurisprudência corrente (por todos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23.1.91, 31.1.91 e 21.10.93 in Boletins do Ministério da Justiça números 403º, páginas 192 e 382 e Colectânea de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, Ano I, Tomo III, página 84, respectivamente).
O objecto do presente recurso está circunscrito à indemnização por danos não patrimoniais resultantes da dissolução do casamento, com culpa do Autor.
A 1ª instância não atribuiu à Ré qualquer indemnização.
O Tribunal da Relação de Coimbra, no recurso de apelação interposto pela Ré, veio a atribuir-lhe, a tal título, uma indemnização equivalente a um milhão de escudos.
O Autor recorreu de revista de tal decisão.
Tal como supra já se deixou referido, o acórdão recorrido não nos merece qualquer reparo, nomeadamente quando considera que constitui facto notório a dor e o desgosto da Autora ao ver dissolvido o seu casamento, sem que, em nada, tivesse contribuído para tanto, nomeadamente atento as circunstâncias factuais que se deram como provadas e acima arroladas.
Efectivamente, é também nosso entendimento, que constitui facto notório, por ser do conhecimento geral e resultar da experiência comum, a verificação de um grande abalo moral, dor e também desgosto, geradores de forte desequilíbrio emocional e psíquico, a um qualquer ser que não seja insensível, - o que, naturalmente, acontece com a Ré reconvinte, de formação católica, que estando, há cerca de 19 anos (com referência a 1999) separado do marido, que emigrou, para trabalhar, para a Venezuela, e que nos últimos cerca de nove anos em nada contribuiu para as despesas familiares, continuando ela na expectativa do seu regresso e manutenção do casamento, ver-se depois confrontada com a decisão do marido em querer divorciar-se, sabendo-se até que numa das vezes que esteve no nosso país veio acompanhado de uma senhora que foi tomada pelas testemunhas como sendo sua companheira.
Note-se que a Ré nasceu em 1959 e casou em 1978, tendo, então apenas 19 anos; e em 1980 vê o seu marido emigrar.
Na prática, esteve ela "casada" dois anos...tendo, então, 21 anos. E até aos quase 40, esteve casada com um marido ausente, que depois quer divorciar-se.
A Ré hipotecou, assim, toda sua vida a um casamento, que, na prática, perdurou por cerca de dois, sendo certo que ela jamais saiu do lar conjugal até ao momento em que o marido lhe comunicou o seu propósito de divórcio.
Não nos restam quaisquer dúvidas, por constituir facto notório, que a Ré sofreu um forte abalo psíquico, merecedor de ser reparado a título de danos não patrimoniais, devendo ser compensada com a atribuição de certa importância que, de algum modo, mitigue o abalo que, injustamente, sofreu.
O Tribunal da Relação de Coimbra fixou essa prestação no equivalente a um milhão de escudos, quantia esta que se mostra ajustada à realidade factual dada como provada, atentas as razões constantes da respectiva fundamentação, quantia esta com que, de resto, a Ré se conformou.

Em suma:
O acórdão recorrido é de uma total clareza, sendo certo que nele se fez um adequado enquadramento jurídico dos factos dados como assentes e se encontra abundantemente fundamentado.
Nenhuma censura entendemos dever ser-lhe feita, já que com o mesmo nos identificamos na plenitude, não só no que concerne à decisão stricto sensu, mas também quanto aos respectivos fundamentos.
Assim sendo, fazendo uso do que é preceituado no nº 5 do artigo 713º do Código de Processo Civil, ACORDAM os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente a revista e, em consequência, se decide confirmar in totum o acórdão recorrido.
Custas pelo Recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi atribuído.

Lisboa, 17 de Junho de 2003
Ponce de Leão
Afonso Correia
Ribeiro de Almeida