Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
| Relator: | MOREIRA ALVES | ||
| Descritores: | ACIDENTE DE VIAÇÃO INDEMNIZAÇÃO RETRIBUIÇÃO-BASE SUBSÍDIO DE ALIMENTAÇÃO INCAPACIDADE PARA O TRABALHO INCAPACIDADE TEMPORÁRIA PRESUNÇÕES JUDICIAIS PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | ||
| Nº do Documento: | SJ | ||
| Data do Acordão: | 04/29/2010 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | N | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA | ||
| Sumário : | I - É de considerar integrado na retribuição do trabalho o subsídio de alimentação, pois que no conceito legal (e laboral) de retribuição abrange-se não só a retribuição base (salário propriamente dito), mas todas as demais prestações pecuniárias ou não, satisfeitas com carácter de regularidade e de continuidade. II - Para a determinação da indemnização parcelar pela incapacidade temporária absoluta para o trabalho (ITA), emergente de acidente de viação, são devidos 11 meses de subsídio de alimentação (excluindo o mês de férias), constituindo, tal como o salário base, um lucro cessante que, por virtude do acidente, o autor deixou de auferir. III - Os prémios de produtividade e assiduidade, visto que se trata de prestações que não têm carácter regular e periódico, podendo ou não ser atribuídos consoante as circunstâncias de cada caso concreto, face ao nível de dedicação e eficiência do trabalhador, não podem integrar-se no conceito de retribuição a que o autor tivesse uma legítima expectativa de os vir a receber se não fora o acidente. IV - Só é admissível o uso de ilações judiciais quando elas resultam logicamente da matéria de facto provada, i.e., da base da ilação, limitando-se a desenvolvê-la sem contrariar ou alterar a factualidade provada directamente; fora desse condicionalismo não é admissível o uso de presunções judiciais, pois isso violaria o disposto no art. 349.º do CC. V - Embora o STJ não possa censurar as ilações retiradas pelas instâncias dos factos provados, quando se limitem logicamente a desenvolvê-los, já poderá verificar a correcção do método discursivo de raciocínio e, em geral, saber se esses critérios se mostram respeitados, produzindo alteração factual, examinando a questão estritamente do ponto de vista da legalidade, ou seja, decidir se no caso concreto era ou não permitido o uso da presunção. | ||
| Decisão Texto Integral: | Relatório No Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, AA (entretanto falecido e substituído no processo pelos seus herdeiros habilitados, BB, CC, DD e EE), Instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra, R... Seguros, S.A. e outros (estes, todos absolvidos da instância por ilegitimidade), alegando resumidamente: - no dia 6/7/2003, ocorreu um acidente de viação na E.N. 235, em que foram intervenientes o veículo automóvel de matrícula ...-...-JN, conduzido por FF e propriedade de seu pai, J...M...T...S...R..., segurado na Ré, e o veículo automóvel de matrícula ET-...-..., pertencente ao A. e por ele conduzido; -O acidente resultou de culpa exclusiva do condutor do JN, que, em manobra de ultrapassagem a outros veículos, invadiu a faixa de rodagem contrária, por onde circulava o A.; - O embate foi frontal; - Do acidente resultaram para o A. danos de natureza patrimonial e não patrimonial pelos quais pretende ser ressarcido. Pede a condenação da Ré a pagar-lhe: - a quantia de 25.806.35€ a título de danos patrimoniais (dos quais, a quantia de 23.561.35 corresponde a perda de salários durante o período em que esteve totalmente incapacitado para o trabalho); - a quantia de 134.057.75 € a título de indemnização pela I.P.P. de 62%; - a quantia de 80.000€ a título de danos não patrimoniais; - os montantes que se vencerem após a propositura da acção, a apurar em sede de liquidação e - os juros à taxa legal, desde a data dos factos até efectivo pagamento. A Ré contestou, apresentando uma versão diferente do acidente, cuja culpa imputa exclusivamente ao A. Após diversas vicissitudes que aqui não interessam considerar, foi proferido despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e organizou-se a base instrutória. Realizado o julgamento elaborou-se sentença final que na procedência parcial da acção, condenou a Ré a pagar ao A. a quantia global de 35.971.85€ (já deduzida do valor a reembolsar à Segurança Social – 8.650.96€-) e a pagar ao interveniente Centro Distrital de S. Social de Aveiro, a quantia global de 8.650.96€), tudo acrescido dos juros legais. Inconformada, recorre a Ré para o Tribunal da Relação de Coimbra, restringindo o recurso à indemnização parcelar, atribuída pela ITA (incapacidade temporária absoluta) por nela se terem incluído o subsídio de refeição e os prémios de assiduidade e de pontualidade. Apreciada a apelação a Relação julgou-a improcedente, confirmando na integra a sentença recorrida. Novamente inconformada, volta a recorrer a Ré, agora de revista e para este S.T.J. Conclusões Apresentadas tempestivas alegações, formulou a recorrente as seguintes conclusões: 1 .a - O douto acórdão ora recorrido subscreveu a posição constante da douta sentença proferida na 1 .a instância; 2.a - Mais concretamente, a atribuição de uma indemnização a título de ITA, que atenda ao valor daqueles prémios, de produtividade e assiduidade, variáveis, nos aludidos três meses representando um prémio mensal médio de € 177,30. 3.a - Como refere a douta sentença recorrida e o douto acórdão confirma, o lesado não provou que, antes do acidente, fosse em todos os meses que obtinha aqueles prémios de produtividade e de assiduidade e que eles se teriam mantido, desse modo, durante aquele período se tal evento trágico não tivesse ocorrido. 4.a - Da mesma forma, o tribunal ora Recorrido considerou ainda, para efeitos de indemnização a favor do lesado, tal como consta da douta sentença, cujo conteúdo subscreveu, o subsidio de alimentação na sua integralidade. 5.a - Quando se fala em danos patrimoniais, fala-se em danos indemnizáveis quando constituam prejuízos emergentes ou lucros cessantes, sejam danos presentes ou futuros - art. 564° n°s. I e 2. 6.ª - A regra geral que lhe subjaz é a da reparação in natura {art. 562º), porém, quando tal não é possível, recorre-se à regra subsidiária (art. 566° n° 1). 7.a - Acontece que, da matéria de facto provada não resulta seguramente que os prémios de assiduidade e pontualidade são pagos de forma tão regular e periódica que possamos dizer que criou no lesado a expectativa de poder contar com essas específicas parcelas do rendimento do trabalho para o seu orçamento pessoal ao nível de as considerar parte integrante da retribuição. 8.a - A propósito de tal noção de retribuição, sempre se dirá, e este ponto o ilustre tribunal "a quo" concedeu, que os prémios de assiduidade e produtividade, não revestem as características próprias e típicas da retribuição, de regularidade e periodicidade. 9.a - Assumindo antes, mercê das suas características próprias, carácter pontual, esporádico, acidental e imprevisível, sendo desajustada e até mesmo forçada a posição do ilustre tribunal "a quo". 10.° - Tal posição, perfilhada pelo ilustre tribunal "a quo", defende, no essencial, que na suposta ausência de prova a propósito de um dado facto (o que não é de todo verdade e não concedemos), pode-se, ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova, inferir um outro facto tipicamente hipotético, como seria, a continuação da atribuição ao trabalhador, por parte da entidade patronal, dos prémios em causa. 11 .Q — Tal desajuste por parte do tribunal "a quo" resulta de duas razões. 12.° - Primeira porque tais importâncias não cumprem os requisitos próprios da retribuição, independentemente daquilo que se possa dizer quanto à natureza da indemnização. 13.a - Segunda, porque esta indemnização baseia-se em critérios de justiça e equidade, é certo, mas estes mesmos não permitem extender a letra da lei de forma a aproximar determinados conceitos, consoante a conveniência. 14.a -Isto é, a ponderação relativa à ausência de prova do recebimento destes montantes em período anterior aos últimos três meses antes do sinistro, não pode ser um "cheque em branco", para a sua inclusão no montante indemnizatório, entendendo-se que na falta de prova, se considera que o trabalhador os recebeu, só porque em data posterior a eles teve direito, como se de uma presunção se tratasse. 15.a - Se existisse, uma tal presunção, esta arriscava-se a colidir com um forte princípio do direito civil, aqui ignorado e que é a da proibição do enriquecimento sem causa. 16.a - E não se diga como veio defender o ilustre tribunal "a quo" que resultou provado que o lesado era um homem robusto e saudável antes do sinistro e que o facto dele ter desempenhado as suas tarefas de forma exemplar pudesse vir a constituir uma legítima expectativa de receber, não fosse o sinistro, os montantes relativos a prémios. 17.a - Pois tais considerandos em nada sustentam a pretensão do trabalhador aos montantes a título de prémio por assiduidade e productividade, dado que foram atribuídos sempre com carácter pontual e esporádico, ou seja, todos os meses, o trabalhador poderia acalentar a vontade e a ideia de receber tais montantes, mas sem saber com certeza se os receberia. 20." - E o Autor, simplesmente não provou que, antes do acidente, fosse em todos os meses que obtinha aqueles prémios de produtividade e de assiduidade e que eles se teriam mantido, desse modo, durante aquele período se ta! evento trágico não tivesse ocorrido. 21.a - Tendo quer alegação, quer a prova ficado vazias neste processo, não podemos considerar tais subvenções como efectivos acréscimos salariais, sob pena de considerarmos um injustificado enriquecimento na esfera jurídica do lesado, conforme se alegou supra e consequentemente dos recorridos. 22.a - Assim, deveria ter a sentença recorrida considerado para efeitos de determinação da indemnização a título de ITA apenas o vencimento mensal de € 358,34. 23.a - O douto acórdão ora recorrido, ofende a lei de processo e a lei substantiva nos seus pricípios básicos, nomeadamente os art.s 342° n° 1, 473.°, 483°, 487° n° 2, 503°, 570°, todos do do Código Civil. Termos em que deverá ser dado provimento ao recurso interposto pela R., revoqando-se em conformidade o douto acórdão recorrido, com o que se fará a costumada JUSTIÇA! |