| Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I
AA intentou, no dia 9 de Outubro de 2003, contra a Companhia de Seguros BB, SA, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, pedindo a sua condenação a pagar-lhe € 227 971,15 e juros de mora legais a contar da citação, e o que seja obrigado a despender para tratamento clínico do filho até à cura definitiva.
Fundamentou a sua pretensão em danos patrimoniais e não patrimoniais em virtude de lesões sofridas em acidente de viação ocorrido no dia 1 de Novembro de 2000 em Ílhavo, consubstanciado no embate com o seu veículo com a matrícula nº .......... no veículo pesado com a matrícula nº .........., quando o condutor deste efectuou uma manobra de marcha atrás, para entrar numa vacaria ali existente, atravessando-se na sua hemi-faixa de rodagem.
A ré, em contestação, referiu que também o autor contribuiu para o acidente, em virtude do excesso de velocidade a que circulava, patente nos rastos de travagem, e que desconhecia parte dos danos por ele invocados.
Citado o Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Aveiro, este pediu o reembolso de € 4 961, 63 e juros, em função do que afirmou ter pago ao autor durante o período de doença, consequência do acidente, pedido que a ré contestou por remissão para o primeiro referido instrumento de contestação, afirmando desconhecer os factos.
Proferido despacho saneador e elaborada a especificação e a base instrutória, e junto o relatório médico apresentado pelo Instituto Nacional de Medicina Legal, o autor requereu fosse considerada a ampliação do pedido para o montante global de € 270 363,69, o que foi admitido.
Realizado o julgamento, produzidas pelo autor alegações de direito, foi proferida sentença, no dia 19 de Janeiro de 2007, por via da qual a ré foi condenada pagar ao autor € 155 024,15 e juros de mora à taxa legal desde a citação, e ao Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social € 3 721,22 e juros de mora à taxa legal desde a notificação da ré.
Apelaram o autor e a ré, e a Relação, por acórdão proferido no dia 16 de Outubro de 2007, julgou o recurso de apelação da ré improcedente e parcialmente procedente o do autor, e condenou aquela a pagar a este € 206 698,86, e ao Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Aveiro € 4 961,63, mantendo o conteúdo da sentença quanto a juros.
Interpôs a apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- o recorrido violou o dever de cuidado e prudência no exercício da condução, por circular a velocidade superior a 50 quilómetros por hora em via marginada por edificações, pelo que violou o artigo 25º, nº 1, alínea c), do Código da Estrada.
- contribuiu para a verificação do evento em 25%, percentagem em que deve ser reduzida a indemnização, atento o disposto no artigo 570º do Código Civil;
- a compensação pelos danos não patrimoniais, atendendo ao disposto nos artigos 494º e 496º, nº 3, do Código Civil e à jurisprudência dominante, deve ser fixada em € 25 000, sujeita à redução de 25%;
- no cálculo do valor do dano futuro deve ser tido em conta que as sequelas não impedem a actividade profissional do recorrido, só implicando esforço acrescido em termos de rebate profissional, e o critério da diferença previsto no artigo 566º, nº 2, do Código Civil, devendo ser usados juízos de equidade;
- não podia ser aplicada pura e simplesmente uma das várias fórmulas de cálculo usadas nem ser considerada a incapacidade permanente de 27,5%, e devia ter-se atendido a juízos de equidade, não se centrando apenas numa fórmula matemática;
- tem que se distinguir entre a incapacidade permanente geral de 20% correspondente à diminuição actual do recorrido, que o acompanhará para o resto da vida, e a de 7,5% a título de dano futuro, que irá, com toda a previsibilidade, afectá-lo no futuro;
- o agravamento de 7,5% no futuro deve ser atendido conforme o disposto no artigo 564º n.º 2, do Código Civil, não pode ser adicionado ao dano presente, pelo que se violou o princípio da equidade, sob pena de constituir um locupletamento;
- afigura-se razoável considerar que, no período de vida útil activa considerada de 47 anos, esse agravamento se poderá concretizar no espaço de 10 a 15 anos;
- a consideração dos elementos apurados e da incapacidade geral de 20% implica o montante indemnizatório de € 55 008,95, e o referido agravamento futuro de 7,5%, dado o recebimento antecipado, deve ser fixado em montante não superior a € 15 000;
- corresponderia à globalidade do dano em análise uma indemnização de € 70 000, que, atendendo à graduação da culpa na produção do acidente, corresponderia a uma indemnização a atribuir ao recorrido no montante global de € 52 500.
- o acórdão recorrido violou o artigo 25º, nº 1, alínea c), do Código da Estrada, não fez correcta subsunção dos factos ao direito aplicável, violando o disposto nos artigos 494º, 496º, 562º, 563º, 566º nºs 2 e 3, e 564º, todos do Código Civil;
- deve ser reconhecido que o recorrido contribui para o acidente e o agravamento dos danos em 25%;
- deve ser fixada em € 25 000 a compensação pelos danos não patrimoniais sofridos pelo recorrido, e em € 70 000 a indemnização a título de lucro cessante pela incapacidade geral de 20% mais 7,5% a título de dano futuro;
- devem os referidos montantes e o que foi arbitrado ao recorrido por incapacidade total para o trabalho, reembolso de despesas e valor do veículo, bem como a indemnização atribuída ao Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social, ser reduzidos de 25%.
Respondeu o recorrido, em síntese de conclusão de alegação:
- o limite de velocidade para o local era de noventa quilómetros por hora e seguia com velocidade adequada para o local;
- não era obrigado a prever a falta de prudência do condutor do veículo pesado;
- o condutor do veículo pesado desenvolveu sem sinalizar as manobras perigosas de marcha atrás e de mudança de direcção, aquela proibida face às condições da via, que foram a causa adequada do embate por grave distracção e grosseira negligência;
- não podia o recorrido prever que o condutor do veículo pesado, parado na metade esquerda da via, sem luzes, junto à berma, de noite, quase cerrada, estivesse tripulado e lhe obstruísse a linha de trânsito em manobra duplamente perigosa;
- a velocidade a que seguia não foi quantificada, não se podendo considerar não moderada;
- ainda que assim não fosse, não contribuiu para a produção do acidente ou agravamento dos danos, porque a sua conduta não foi dele causal;
- o dano não patrimonial está correctamente fixado;
- não pode dissociar-se quanto à incapacidade permanente o dano vencido e o dano vincendo, tanto mais que sendo o recorrido um jovem, é no longo futuro penoso que tem à sua frente que tal incapacidade se fará sentir.
II
É a seguinte a factualidade considerada assente no acórdão recorrido:
1. Representantes da ré e de Lacticínios do Paiva, SA declararam por escrito, consubstanciado na apólice n.° ............, antes de 1 de Novembro de 2000, assumir a primeira, mediante prémio a pagar pela última, a responsabilidade civil por danos caus.........
2. O autor, que nasceu no dia 6 de Dezembro de 1979, era beneficiário do Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Aveiro, adquiriu a CC, no dia 17 de Junho de 2000, uma quota de 37,5% na sociedade .......... - Padaria, Ldª, cujo objecto social era o fabrico e comércio de pão, padaria, charcutaria e café, tendo sido nessa data nomeado gerente, do que auferia, como remuneração, a quantia de € 318,23.
3. À data de 1 de Novembro de 2000, o autor era uma pessoa robusta, saudável e alegre, com grande entusiasmo pela vida em todos os seus planos de realização pessoal e profissional, tendo acabado de cumprir o serviço militar obrigatório em Dezembro de 1999 e, em Janeiro de 2000, começou uma intensa actividade profissional, tendo-se estabelecido, por conta própria, como pintor da construção civil, ao mesmo tempo que desempenhava as funções de gerente mencionadas sob 2.
4. Logo no ano de 2000, o autor realizou vários trabalhos no domínio da pintura na construção civil, em Aveiro, Vagos e Ílhavo, actividade da qual auferiu rendimentos liquidos superiores a € 598,56 mensais.
5. No dia 1 de Novembro de 2000, cerca das 06.25 horas, com tempo chuvoso, na Rua Tomé Barros Queirós, em Íhavo, cuja faixa de rodagem media 5,8 metros de largura, com a configuração de recta com cerca de 400 metros de comprimento, ocorreu o embate entre veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula nº ........., conduzido pelo autor, e o veículo pesado de mercadorias com a matrícula nº .........., pertencente a Lacticínios do Paiva, SA”, conduzido pelo motorista desta, DD, com conhecimento autorização, no interesse, ao serviço e sob direcção daquela.
6. No local do embate, a faixa de rodagem tem piso em asfalto, dividido a meio com linha descontinua, e a recta referida sob 5, considerando o sentido de marcha do veículo .........., é ladeada, em ambos os lados e desde o seu início, por casas de habitação, as quais se prolongam até à vacaria mencionada sob 7, existindo, depois desta e do lado esquerdo da via, considerando esse mesmo sentido, mais duas outras casas de habitação, estas afastadas cerca de 30 metros da estrada.
7. O veículo automóvel com a matrícula nº .........., conduzido pelo autor, seguia no sentido Quintãs - Ervosas, pela metade direita da faixa de rodagem, atento o sentido de marcha, e, em sentido contrário, parado na metade direita da via, considerando o sentido Ervosas - Quintãs, encontrava-se o veículo automóvel com a matrícula nº .........., que ia recolher leite a uma vacaria situada na margem esquerda da via, tendo em atenção aquele mesmo sentido, que posteriormente transportaria para as instalações da empresa, onde seria transformado em produtos lácteos.
8. Ao entrar na recta acima referida, o autor viu, a sensivelmente 300 metros de distância, o veículo automóvel com a matrícula nº .........., que se encontrava parado e sem qualquer indicação luminosa, com a frente virada para Quintãs.
9. O condutor do veículo automóvel com a matrícula nº ......... efectuou uma manobra de marcha atrás, obliquado para a meia faixa esquerda, no sentido Ervosas - Quintãs, e com a traseira direccionada para o portão da entrada na vacaria, sem ter sinalizado tal manobra.
10. O condutor do veículo automóvel com a matrícula nº .............. efectuou a manobra referida em 9 a uma velocidade não superior a 10 km/hora, e o veículo automóvel com a matrícula nº .............. a velocidade não concretamente determinada, mas superior a 50 quilómetros por hora, deixou marcados no pavimento rastos de travagem com a extensão de 25,50 metros, localizados imediatamente antes da colisão.
11. O veículo automóvel com a matrícula nº.......... embateu com a sua parte esquerda da frente na parte lateral traseira do veículo automovel com o nº ..........., mais precisamente na sua roda esquerda traseira, na metade direita da via, considerando o sentido de marcha do primeiro.
12. DD, antes de iniciar a manobra de marcha atrás, não viu o autor a circular para com ele se cruzar, e este último não conseguiu evitar o embate, apesar de ter accionado os travões e desviado o seu veiculo para a direita.
13. O embate ocorreu quando o veículo automóvel com a matrícula nº .............. tinha transposto o eixo da via com a retaguarda esquerda, e o autor podia avistá-lo quando dele estava distante não menos de 75 a 100 metros.
14. Como consequência necessária e directa do embate, sofreu o autor fractura exposta do fémur esquerdo, foi então transportado para o Hospital de Aveiro, onde no próprio dia foi submetido a intervenção cirúrgica e ali ficou internado.
15. No dia 4 de Maio de 2001, o autor recorreu ao serviço de urgência do Hospital de Aveiro para desmontagem da osteosintese, ficando internado para tratamento adequado, findo o internamento, foi seguido, mensalmente, em consulta de ortopedia para vigilância clínica e imagiológica, e, posteriormente, assinou termo de responsabilidade e exigiu alta hospitalar.
16. O autor esteve de baixa médica entre o dia 1 de Novembro de 2000 e o dia 28 de Abril de 2003, em consequência das lesões por ele sofridas no acidente, e sofreu dores com as lesões, intervenções cirúrgicas e tratamentos.
17. Para além da lesão referida sob 10, o autor, em consequência do acidente, sofreu ferimentos nos joelhos, na coxa esquerda e na perna desse mesmo lado, e o internamento referido prolongou-se por uma semana.
18. Após este período, o autor passou a estar acamado em casa, com consultas regulares ao Hospital de Aveiro, durante seis meses, e a fractura que sofreu foi estabilizada com placa no serviço de urgência do Hospital de Aveiro e veio posteriormente a partir, o que o obrigou a ser submetido a encavilhamento da referida fractura.
19. Passado algum tempo de tratamento clínico contínuo, por não ter verificado as melhoras almejadas, o autor procedeu ao seu próprio internamento na “..... - Clínica Médica de Aveiro”, onde, em 7 de Maio de 2001, foi submetido a intervenção cirúrgica para retirar o material cirúrgico e aplicar o encavilhamento referido.
20. Dada a gravidade clínica do seu caso, foi o autor remetido para os serviços do Hospital Privado do Porto, onde ficou internado durante os meses de Junho e Julho de 2001.
21. Nesta altura, a situação clínica apresentada pelo autor foi qualificada como fractura do fémur encavilhada e em pseudo artose, em consequência do que foi submetido a nova intervenção cirúrgica, a qual consistiu na colocação de enxerto do ilíaco.
22. Em virtude da não consolidação da fractura, tornou-se necessária a colocação de enxerto em mais duas sessões cirúrgicas realizadas em 8 de Abril de 2002 e 7 de Julho de 2003, e, nesta última cirurgia teve de lhe ser colocada placa e parafusos antirodatórios.
23. Como consequência necessária e directa de todos os ferimentos sofridos, o autor ficou definitivamente impossibilitado de reatar a sua vida normal, como fazia antes do acidente ocorrer, e com incapacidades funcionais permanentes graves, que lhe acarretam graves limitações na sua locomoção e no desenvolvimento da sua actividade.
24. Com os ferimentos sofridos e os prolongados tratamentos médicos, sofreu o autor dores e padecimentos tormentosos, padecimentos que se prolongaram ao longo dos tratamentos médicos contínuos durante três anos consecutivos, de que aliás ainda padece.
25. Actualmente, o autor está impossibilitado de permanecer em pé mais de 20 a 30 minutos e de realizar marchas prolongadas ou desenvolver esforços fisicos, e, em consequência do acidente, ficou a padecer de uma incapacidade permanente geral de 20%, à qual acresce, a título de dano futuro, mais 7,5%, perfazendo 27,5%.
26. Desde a data do acidente e, pelo menos, até 18 de Agosto de 2003, o autor ficou completamente incapacitado de desenvolver qualquer actividade ou de granjear o seu sustento.
27. Em consequência do embate, o veículo do autor, Peugeot 106, sofreu estragos que o tornaram sem concerto, valendo então € 8.479,56, e ele pagou de despesas em hospitais privados e clinicas médicas € 9 342,83, em honorários médicos a quantia de € 10.927,15; em medicamentos € 109,76; em taxas moderadoras € 73,15, e em transportes de ambulâncias € 72,96.
28. O autor renunciou à gerência mencionada sob 2 no dia 2 de Outubro de 2002, data em que cedeu a quota que possuía na sociedade, correspondente a 37,5 % do capital social, por virtude da incapacidade com que ficou após o acidente, e deixou, também, de poder exercer os trabalhos de pintura da construção civil.
29. O Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Aveiro pagou ao autor, nesse período, a quantia de € 4 961,63, a título de subsídio de doença, em consequência das lesões pelo último sofridas no acidente.
30. Na pendência da acção, o autor foi submetido a extracção de placa, parafusos e vareta do fémur, no que despendeu € 2 392,54.
III
A questão essencial decidenda é a de saber se ao recorrido deve ou não ser atribuída a culpa na eclosão do acidente na proporção de vinte e cinco por cento e qual o montante indemnizatório que lhe deve ser atribuído.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação da recorrente e do recorrido, a resposta às referidas questões pressupõe a análise da seguinte problemática:
- delimitação do objecto do recurso;
- medida da imputabilidade do evento a título de culpa;
- quantum do dano futuro sofrido pelo recorrido;
- quantum do dano não patrimonial sofrido pelo recorrido;
Vejamos, de per se, cada uma das referidas questões ou subquestões.
1.
Comecemos pela delimitação negatuva do objecto do recurso.
O objecto dos recursos é delimitado pelo conteúdo das alegações do recorrente (artigos 664º, nº 3, e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil).
A recorrente não põe em causa nas alegações do recurso a quantificação do dano relativo à perda de rendimento pelo recorrido durante o período da sua incapacidade temporária absoluta, ao dispêndio com serviços médicos, aquisição de medicamentos, transportes, à destruição do veículo automóvel e ao quantitativo pedido pelo Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social a título de sub-rogação do último no confronto da primeira.
Ademais, ela também não põe em causa ter assumido a responsabilidade envolvente dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo recorrido em virtude do contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel que celebrou com Lacticínios do Paiva, SA, nos termos dos artigos 427º do Código Comercial e 5º, alínea a) e 8º, nº 1, do Decreto-Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro.
Assim, o que está em causa no recurso de revista em causa são as questões da imputação da culpa, da quantificação da compensação por danos não patrimoniais e da indemnização pelo dano futuro decorrente da incapacidade geral permanente de que o recorrido ficou afectado.
2.
Continuemos agora com a análise da medida da imputabilidade do evento a título de culpa.
Uma das fontes da obrigação de indemnizar é a que decorre da responsabilidade civil extracontratual.
O quadro de base da responsabilidade civil baseada na culpa consta no artigo 483º, nº 1, do Código Civil, segundo o qual, aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
No tribunal da primeira instância considerou-se ter o recorrido contribuído para a eclosão do acidente na proporção de vinte e cinco por cento; na Relação foi decidido ser o evento exclusivamente imputável a DD, condutor do veículo automóvel pesado.
A recorrente entende que o recorrido contribuiu para a eclosão do acidente na proporção de vinte e cinco por cento, e o último atribui a exclusiva culpabilidade na produção do acidente a DD.
A culpa lato sensu exprime um juízo de reprovação pessoal da acção ou da omissão do agente que podia e devia ter agido de outro modo e é susceptível de assumir as vertentes de dolo ou de negligência.
A culpa stricto sensu ou mera negligência traduz-se, grosso modo, na omissão pelo agente da diligência ou do cuidado que lhe era exigível, envolvendo, por seu turno, as vertentes de consciente ou inconsciente.
No primeiro caso, o agente prevê a realização do facto ilícito como possível, mas, por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria, crê na sua não verificação; no segundo, o agente, embora o pudesse e devesse prever, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, não o previu.
Na falta de outro critério legal, a culpa é apreciada pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (artigo 487º, nº 2, do Código Civil).
O critério legal de apreciação da culpa é, pois, abstracto, ou seja, tendo em conta as concretas circunstâncias da dinâmica do acidente de viação em causa, por referência a um condutor normal.
O ónus de prova dos factos integrantes da culpa no quadro da responsabilidade civil extracontratual, se não houver presunção legal da sua existência, cabe a quem com base nela faz valer o seu direito, designadamente o de crédito indemnizatório (artigos 342º, n.º 1 e 487º, n.º 1, do Código Civil).
Importa agora considerar o direito especificamente aplicável à circulação rodoviária, que é, dada a data do evento, nos termos do artigo 12º, nº 1, do Código Civil, o constante da versão do Código da Estrada, aprovada pelo Decreto-Lei nº 114/94, de 3 de Maio, com as alterações decorrentes do Decreto-Lei nº 2/98, de 13 de Janeiro.
O princípio básico da lei estradal, aplicável à condução automóvel e aos peões, é no sentido de as pessoas deverem abster-se de actos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança ou a comodidade dos utentes das vias (artigo 3º, nº 2).
Uma das regras essenciais do trânsito é no sentido de que ele se deve fazer pelo lado direito da faixa de rodagem o mais próximo possível das bermas ou passeios, conservando destes uma distância que permita evitar acidentes e, quando necessário, poder ser utilizado o lado esquerdo da faixa de rodagem para ultrapassar ou mudar de direcção (artigo 13º, nºs 1 e 2).
Os condutores não podem iniciar ou retomar a marcha sem assinalarem com a necessária antecedência a sua intenção e sem adoptarem as precauções necessárias para evitar qualquer acidente (artigo 12º, nº 1, do Código da Estrada).
O condutor só pode efectuar as manobras de ultrapassagem, mudança de direcção, inversão de sentido e marcha atrás em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito (artigo 35º, nº 1).
Quanto à marcha atrás, só é permitida como manobra auxiliar ou de recurso e deverá ser efectuada lentamente e no menor trajecto possível (artigo 46º, nº 1).
No que concerne às mudanças de direcção, o condutor que o pretenda fazer para a esquerda deve aproximar-se, com a necessária antecedência, o mais possível, do limite esquerdo da faixa de rodagem ou do eixo desta, consoante a via esteja afecta a um ou a ambos sentidos de trânsito, e efectuar a manobra de modo a entrar na via que pretende tomar pelo lado destinado ao seu sentido de circulação (artigo 44º, nº 1, do Código da Estrada).
Se tanto na via que vai abandonar como naquela em que vai entrar o trânsito se processar nos dois sentidos, o condutor deve efectuar a manobra de modo a dar a esquerda ao centro de intersecção das duas vias (artigo 44º, nº 2, do Código da Estrada).
Acresce que os condutores devem regular a velocidade de modo que, além do mais, atendendo às características e ao estado da via e do veículo e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possam, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, e moderá-la especialmente nas localidades ou vias marginadas por edificações (artigos 24º, nº 1, e 25º, nº 1, alínea c)).
Em relação ao veículo automóvel ligeiro de passageiros, a velocidade máxima permitida em quilómetros por hora é de 50 dentro das localidades; 120 nas auto-estradas; 100 nas vias reservadas a automóveis e motociclos e 90 nas restantes vias públicas (artigo 27º).
Trata-se de velocidade instantânea máxima, que não representa valores absolutos, certo que a lei estabelece situações em que a velocidade deve ser inferior, designadamente em razão de sinalização específica ou de normas legais que o imponham.
Relevam nesta matéria os factos mencionados sob II 5 a 13. Tratava-se de uma estrada de asfalto com 5,8 metros de largura, de traçado rectilíneo de cerca de 400 metros, dividida a meio por linha descontinua, ladeada de casas de habitação, eram 6.25 horas da manhã escura e chuvosa de um dia de Novembro.
Inicialmente, DD, no desempenho de uma comissão, conduzia o veículo pesado num sentido, enquanto o recorrido conduzia um veículo ligeiro no sentido contrário
DD, cerca do enfiamento do local para que se dirigia, imobilizou, na sua meia faixa de rodagem, o veículo pesado, sem qualquer sinalização dessa paragem, e assim foi avistado pelo recorrido ao entrar na referida recta da estrada.
Sem qualquer sinalização, DD procede, a não mais de dez quilómetros por hora, a manobra de marcha atrás em marcha oblíqua e progredindo para a meia faixa de rodagem de sentido contrário.
O recorrido, que fazia rodar o seu veículo automóvel a mais de 50 quilómetros por hora, travou, deixando um rasto de travagem com 22,5 metros de comprimento, desviou o veículo para a direita, mas não consguiu evitar o embate com a frente esquerda do veículo na roda traseira do veículo pesado, quando este havia transposto o eixo da via com a rectaguarda esquerda, na meia faixa de rodagem se sentido contrário.
O recorrido podia avistar o veículo pesado quando dele estava distante entre setenta e cinco a cem metros.
Quanto à velocidade, sabe-se que o recorrido circulava, numa recta da estrada, ladeada de casas de habitação, a mais de cinquenta quilómetros por hora, ou seja, não pode ser exactamente quantificada a referida velocidade.
Tendo o recorrido avistado o veículo pesado imobilizado, sem sinalização, na meia faixa de rodagem contrária, não lhe era razoavelmente exigível configurar ou prever que DD ia empreender a manobra que empreendeu em termos de obstrução da meia faixa de rodagem em que seguia.
Sabe-se que o limite máximo de velocidade no local era de noventa quilómetros por hora, e o circunstancialismo de facto rodoviário que ficou provado, acima referido, não revela a inadequação da aludida velocidade àquele circunstancialismo.
O dever objectivo de cuidado na condução automóvel não exige a previsão da condução alheia imprudente, negligente, com imperícia ou violadora do direito da circulação rodoviária.
O critério da culpa em abstracto a que se reporta o nº 2 do artigo 487º do Código Civil não envolve o cuidado assente na antecipação preventiva dos riscos excepcionais, ou seja, só exige o que nas condições concretas em causa é necessário para evitar os acidentes.
Ao proceder como procedeu, isto é, retomando a marcha após imobilização, realizando a manobra de mudança de direcção de marcha atrás, sem sinalização, nem se assegurar que o fazia sem perigo para o trânsito, DD infringiu o disposto nos artigos 12º, nº 1, 35º, nº 1, 44º, nº 1, 46º, nº 1, todos do Código da Estrada e agiu com culpa, isto é, de modo censurável do ponto de vista ético-jurídico.
O quadro de facto provado não revela que o acto de condução automóvel do recorrido, incluindo a velocidade a que rodava, tenha sido causal da eclosão do acidente em causa, ou que lhe seja censurável do ponto de vista ético-jurídico.
Ao invés, foi o acto de condução automóvel empreendido por DD, envolvido por uma pluralidade de infracções ao direito rodoviário e por grave negligência, que desencadeou o evento infortunístico em causa.
Assim, a Relação, ao concluir, face aos factos provados e ao direito aplicável, que DD foi o exclusivo causador, a título de culpa, da eclosão do acidente de viação em análise, limitou-se a cumprir a lei.
3.
Atentemos agora no cálculo do quantum indemnizatório devido ao recorrido por virtude da incapacidade permanente de que ficou afectado.
As instâncias consideraram que a incapacidade permanente de que o recorrido ficou afectado lhe determinava um dano futuro quantificável no montante de € 114 000.
A recorrente, aplicando autonomamente as percentagens de incapacidade permanente do recorrido, calculou a de vinte por cento em cerca de € 55 000 e a de sete e meio por cento no montante de € 15 000, ou seja, tendo em conta o recebimento antecipado da indemnização, no montante global de € 70 000.
O ressarcimento dos danos futuros, como é o caso vertente, por cálculo imediato, depende da sua previsibilidade e determinabilidade (artigo 564º, n.º 2, 1ª parte, do Código Civil).
Os conceitos de determinabilidade e de indeterminabilidade reportam-se aos danos certos, ou seja, àqueles em que os factos permitam ou não de imediato a precisão do seu montante.
No caso de não serem imediatamente determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior (artigo 564º, nº 2, 2ª parte, do Código Civil).
Assim, na fixação da indemnização devem ser atendidos os danos futuros – danos emergentes ou lucros cessantes – desde que previsíveis, isto é, razoavelmente prognosticáveis, naturalmente em quadro de antecipação do tempo em que irão ocorrer.
Entre os danos futuros previsíveis demarcam-se os certos, razoavelmente prognosticáveis, e os que são meramente eventuais, isto é, os que comportam maior ou menor grau de certeza de ocorrência.
A referência da lei à previsibilidade do dano implica que não sejam susceptíveis de indemnização os danos futuros imprevisíveis, ou seja, quando, face aos factos provados, não sejam razoavelmente prognosticáveis, aos quais são assimilados os eventuais com intenso grau de incerteza de verificação.
Os danos futuros previsíveis, a que a lei se reporta, são essencialmente os certos ou suficientemente prováveis, como é o caso, por exemplo, da perda ou diminuição da capacidade produtiva de quem trabalha e, consequentemente, de auferir o rendimento inerente, por virtude de lesão corporal.
A regra é no sentido de que quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que se verificaria se não tivesse ocorrido o evento que obriga à reparação, a fixar em dinheiro no caso de inviabilidade de reconstituição em espécie (artigos 562º e 566º, n.º 1, do Código Civil).
A indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que ele teria então se não tivesse ocorrido o dano, e, não podendo ser determinado o seu valor exacto, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (artigo 566º, nºs 2 e 3, do Código Civil).
A incapacidade permanente é susceptível de afectar e diminuir a potencialidade de ganho por via da perda ou diminuição da remuneração ou da implicação para o lesado de um esforço acrescido para manter os mesmos níveis de ganho ou para exercer as várias tarefas e actividades gerais quotidianas.
No primeiro caso, procurando atingir a justiça do caso, têm os tribunais vindo a acolher a solução de a indemnização do lesado por danos futuros dever representar um capital que se extinga ao fim da sua vida activa e seja susceptível de lhe garantir, durante ela, as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho.
Têm sido utilizadas para o efeito pela jurisprudência fórmulas e tabelas financeiras várias, na tentativa de se conseguir um critério tanto quanto possível uniforme. Mas as referidas fórmulas não se conformam com a própria realidade das coisas, avessa a operações matemáticas, certo que não é possível determinar o tempo de vida útil, a evolução dos rendimentos, da taxa de juro e do custo de vida.
Acresce não existir uma relação proporcional entre a incapacidade funcional e o vencimento auferido pelo exercício de uma profissão em termos de se poder afirmar que ocorre sempre uma diminuição dos proventos na medida exactamente proporcional à da incapacidade funcional em causa.
Assim, nesse caso, as mencionadas tabelas só podem ser utilizadas como meramente orientadoras e explicativas do juízo de equidade a que a lei se reporta.
Como se trata de dano futuro no âmbito de um longo período de previsão, a solução mais ajustada é a de conseguir a sua quantificação imediata, embora, face à inerente dificuldade de cálculo, com ampla utilização de juízos de equidade.
Assim, a partir dos pertinentes elementos de facto apurados, independentemente do seu desenvolvimento no quadro das referidas fórmulas de cariz instrumental, deve calcular-se o montante da indemnização em termos de equidade, no quadro de juízos de verosimilhança e de probabilidade, tendo em conta o curso normal das coisas e as particulares circunstâncias do caso.
E apesar do longo período de funcionamento da previsão, a quantificação deve ser imediata, sob a atenuação da fluidez do cálculo no confronto da referida previsibilidade, no âmbito da variável inatingível da trajectória futura do lesado, quanto ao tempo de vida e de trabalho e à espécie deste, por via dos referidos juízos de equidade.
Devem, pois, utilizar-se juízos lógicos de probabilidade ou de verosimilhança, segundo o princípio id quod plerumque accidit, com a equidade a impor a correcção, em regra por defeito, dos valores resultantes do cálculo baseado nas referidas fórmulas de cariz instrumental.
No fundo, a indemnização por dano patrimonial futuro deve corresponder à quantificação da vantagem que, segundo o curso normal das coisas ou de harmonia com as circunstâncias especiais do caso, o lesado teria obtido não fora a acção e ou a omissão lesiva em causa.
Todavia, importa considerar que a mera afectação da pessoa do ponto de vista funcional, isto é, sem se traduzir em perda de rendimento de trabalho, releva para efeitos indemnizatórios, como dano biológico, porque determinante de consequências negativas a nível da actividade geral do lesado.
O referido dano biológico, de cariz patrimonial, justifica, com efeito, a indemnização, para além da valoração que se imponha a título de dano não patrimonial. Mas as regras de cálculo da indemnização por via das mencionadas tabelas não se ajustam, como é natural, a essa situação.
As instâncias quantificaram o dano patrimonial futuro no montante de € 114 000, utilizando uma forma aritmética em que incluíram as variáveis de vida activa até aos setenta anos de idade, a incapacidade permanente unitária de vinte e sete e meio por cento, o rendimento anual médio de € 11 001, 48, a taxa de juro anual de quatro por cento e a taxa de inflação média anual de três por cento.
Importa, porém, considerar que os factos provados não revelam se a incapacidade geral permanente actual de vinte por cento e futura de sete e meio por cento de que o recorrido ficou a sofrer lhe vai ou não implicar redução de rendimento de trabalho.
Com efeito, não estamos perante uma situação de incapacidade para o trabalho em geral, nem para o exercício da profissão do recorrido, porque do que se trata é de uma incapacidade funcional geral, embora com repercussões na sua actividade profissional, na medida em que lhe vai exigir maior esforço do que aquele que lhe seria exigido se não fosse essa incapacidade.
Acresce que os factos provados não revelam que o recorrido exerça a sua actividade profissional para além da idade normal geral de reforma em Portugal que é a de sessenta e cinco anos, ou seja, considerando a data da alta clínica, por mais de 42 anos.
Além disso, face aos mencionados elementos de facto, nada permite concluir que o recorrido trabalhará regularmente, durante o longo período de tempo acima considerado.
Ademais, no rendimento do trabalho a considerar como base do cálculo indemnizatório em causa não pode deixar de relevar a sua vertente líquida de impostos, em termos de equidade.
Finalmente, como só no futuro ocorrerá o agravamento da incapacidade de sete e meio por cento, não pode considerar-se, como se considerou, a percentagem de vinte e sete e meio por cento como se ela se verificasse durante o período de tempo considerado.
Assim, considerando a situação de incapacidade geral de que o recorrido ficou afectado, a sua idade, a profissão, o rendimento de trabalho que aufere e as regras da probabilidade normal do devir das coisas, a conclusão deve ser no sentido de que, na espécie, se está apenas perante um dano futuro previsível em razão do maior esforço que lhe vai ser exigido no exercício da sua profissão.
O cálculo da indemnização devida pelo referido dano funcional que afecta o recorrente terá que ser essencialmente determinado à luz dos referidos factos e com base nos juízos de equidade a que se reporta o artigo 566º, nº 3, do Código Civil.
Perante este quadro de facto, em que se ignora o devir das coisas, e na envolvência de um juízo de equidade, julga-se adequado fixar esta vertente de indemnização no montante de € 90 000.
4.
Vejamos agora o cálculo da compensação devida à recorrente por danos não patrimoniais.
As instâncias fixaram o montante compensatório devido ao recorrido no montante de € 35 000; a recorrente, por seu turno, pretende que ele seja fixado no quantitativo de € 25 000.
Os danos não patrimoniais não são avaliáveis em dinheiro, certo que não atingem bens integrantes do património do lesado, antes incidindo em bens como a vida, a saúde, a liberdade, a honra, o bom nome e a beleza.
O seu ressarcimento assume, por isso, uma função essencialmente compensatória, embora sob a envolvência de uma certa vertente sancionatória.
Expressa a lei que na fixação da indemnização se deve atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, aferida em termos objectivos, mereçam a tutela do direito (artigo 496º, n.º 1, do Código Civil).
O montante pecuniário da compensação deve fixar-se equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias a que se reporta o artigo 494º do Código Civil (artigo 496º, n.º 3, 1ª parte, do Código Civil).
No caso de a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e a do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem (artigo 494º do Código Civil).
Assim, as circunstâncias a que, em qualquer caso, o artigo 496º, nº 3, do Código Civil manda atender são o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
A apreciação da gravidade do referido dano, embora tenha de assentar no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objectivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjectividade inerente a alguma particular sensibilidade humana.
Os factos provados revelam ter o recorrido sofrido fractura exposta do fémur esquerdo, ferimentos nos joelhos, na coxa e perna esquerdas, foi submetido a intervenções cirúrgicas e internamentos vários.
Quebrou-se-lhe a placa de estabilização da fractura, esta teve de ser encavilhada, foi-lhe colocado enxerto do ilíaco com placa e parafusos, sofreu dores significativas e prolongadas com as lesões, intervenções cirúrgicas e tratamentos durante três anos.
Esteve acamado, recorreu a consultas hospitalares regulares durante seis meses e ficou com a incapacidade geral acima referida - já valoriada para efeitos de determinação do dano futuro - não pôde exercer qualquer actividade durante quase três anos.
Ficou com limitações na sua locomoção e no desenvolvimento da sua actividade, e está impossibilitado de permanecer em pé mais de meia hora de realizar marchas prolongadas ou desenvolver esforços fisicos.
Não se conhece a situação económica do recorrido nem a de DD, esta não releva porque se interpõe contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, mas a culpa do segundo é intensa.
Perante este quadro de facto na envolvência de juízos de equidade a que alude o artigo 496º, nº 3, primeira parte, julga-se adequada fixação da compensação por danos não patrimoniais a que o recorrido tem direito no montante de € 30 000.
5.
Atentemos, finalmente, na síntese da solução para o caso-espécie decorrente dos factos provados e da lei.
O evento danoso que afectou o recorrido é exclusivamente imputável a DD, condutor do veículo automóvel pesado, que empreendeu ilegal e imprudentemente a mudança de direcção por via de marcha atrás, a título de culpa.
O dano biológico derivado de incapacidade geral permanente, independentemente de se repercutir na vertente do rendimento salarial, de cariz patrimonial, justifica a indemnização por danos patrimoniais futuros.
É adequada aos factos assentes, à luz de juízos de equidade, a indemnização pelo dano biológico no montante de € 90 000 e a compensação por danos não patrimoniais no montante de € 30 000.
O recorrido tem ainda direito a exigir da recorrente a indemnização correspondente à destruição do veículo automóvel e ao que despendeu com serviços médicos, medicamentos e transportes, tudo no montante de € 29 005,41.
O Centro Distrital de Solidariedade Social de Aveiro tem, por seu turno, direito a exigir da recorrente, em quadro de sub-rogação no direito de recorrido, o pagamento de € 4 961, 63.
Além disso, o recorrido tem direito a juros de mora calculados desde a data da citação da recorrente, à taxa legal, nos termos considerados pelas instâncias.
Assim, procede parcialmente o recurso.
Vencidos parcialmente, são o recorrido e a recorrente responsáveis pelo pagamento das custas respectivas na proporção do vencimento (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
IV
Pelo exposto, dando parcial provimento ao recurso, fixa-se a compensação devida ao recorrido por danos não patrimoniais no montante de trinta mil euros e a indemnização por danos futuros no montante de noventa mil euros, mantendo-se em tudo o mais o decidido pelo Tribunal da Relação, e condenam-se a recorrida e o recorrente no pagamento das custas respectivas, na proporção do vencimento.
Supremo Tribunal de Justiça, 27 de Março de 2008
Salvador da Costa (Relator)
Ferreira de Sousa
Armindo Luis
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