Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
032749
Nº Convencional: JSTJ00004097
Relator: VERA JARDIM
Descritores: CONVERSÃO DA MULTA EM PRISÃO
PROCESSO DE TRANSGRESSÃO
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ196903190327493
Data do Acordão: 03/19/1969
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: DG IS 1969/04/03, PÁG. 367 - BMJ Nº 185, ANO 1969 PÁG. 165
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR CRIM - TEORIA GERAL.
Legislação Nacional: CPC67 ARTIGO 765 N3 ARTIGO 768 N3.
CPP29 ARTIGO 669 PARUNICO.
CP886 ARTIGO 56 ARTIGO 63 ARTIGO 98 ARTIGO 122 PAR2.
DL 39688 DE 1954/06/05.
DL 35978 DE 1946/11/13.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO RL DE 1968/03/20.
ACÓRDÃO RL DE 1955/06/03.
Sumário :
Não são convertiveis em prisão as multas de quantia inferior a referida no paragrafo 2 do artigo 122 do Codigo Penal, salvo se norma especial preceituar tal conversão.
Decisão Texto Integral:
O excelentissimo Procurador da Republica junto do Tribunal da Relação de Lisboa recorre, nos termos do disposto do n. 3 do artigo 765 do Codigo de Processo Civil, aplicavel por força do paragrafo unico do artigo 669 do Codigo de Processo Penal, para o Tribunal Pleno, do acordão daquela Relação, de 20 de Março de 1968, fundado em que o mesmo se encontra em flagrante oposição doutrinaria sobre a mesma questão juridica com o acordão do mesmo Tribunal, de 3 de Junho de 1955, pois enquanto o primeiro decidiu que são inconvertiveis em prisão as multas de quantia inferior a 20 escudos, o segundo decidiu o contrario.
Alega ainda que ambos os acordãos foram proferidos no dominio da mesma legislação (Codigo Penal, artigo 122, com as alterações dos Decretos-Leis ns. 35978, de 13 de Novembro de 1946, e 39688, de 5 de Junho de 1954) e em processo de transgressões, não admitindo, assim, recurso ordinario para o Supremo Tribunal de Justiça - verificando-se, pois, todos os requisitos de que a lei faz depender a admissibilidade do referido recurso.
Decidida pela secção a existencia da oposição e dos demais pressupostos formais para seguimento do recurso, apresentou o excelentissimo representante do Ministerio Publico a sua alegação, na qual termina por concluir que deve ser lavrado assento no sentido de que não são convertiveis em prisão as multas de quantia inferior a referida no paragrafo 2 do artigo 122 do Codigo Penal, a menos que norma especial preceitue tal conversão.
Não estando, porem, o Tribunal Pleno vinculado a decisão sobre a existencia da oposição, interessa, preliminarmente, a pronuncia sobre esta, pois da existencia ou verificação dos pressupostos depende o conhecimento do fundo, ou seja, sobre a posição a tomar em face das duas correntes em conflito.
Ora, como alega o recorrente e ja foi decidido pela secção, a oposição e flagrante - o que resulta da simples leitura dos acordãos mencionados, pois enquanto o primeiro decidiu negativamente a questão da conversão em prisão das multas de quantitativo inferior a 20 escudos, o segundo decidiu precisamente o contrario, ou seja, pronunciou-se no sentido da conversão.
Assim, e pois que se verificam os demais pressupostos legais, deve o Tribunal Pleno pronunciar-se sobre a questão de direito que lhe e posta.
Esta questão, como se diz na alegação do excelentissimo representante do Ministerio Publico não e nova, sendo certo que tem, de ha anos, obtido a solução preconizada na referida alegação, parecendo ate que, alem do acordão invocado em oposição, poucas decisões existem que tenham tomado posição diferente - o que, so por si, ja significa uma certa unidade de orientação na jurisprudencia.
Isto, porem, não tira legitimidade - e interesse - a interposição do recurso, pois havendo, como ha, decisões contraditorias, importa evitar as oscilações, o que se traduz em melhor certeza na aplicação das normas legais. E nem por a questão parecer, em principio, de pouco alcance, dada a sua medida, e isso suficiente para se lhe recusar aquele interesse, mesmo no aspecto pratico, pois não e indiferente que, por virtude daquelas ascilações, a norma legal seja aplicada diferentemente, muito especialmente, como e o caso, se se trata de saber se uma pena de multa e ou não convertivel em prisão.
Na nossa lei - artigo 56 do Codigo Penal - a pena de multa e uma pena correccional, apresentando duas modalidades: ou se traduz pela condenação em certo numero de dias a uma certa taxa ou consiste na aplicação de uma certa quantia fixada na lei - artigo 63 do Codigo Penal. Em qualquer caso a sua execução faz-se, em principio, como, alias, resulta da sua propria natureza, pelo pagamento.
Quando, porem, o condenado não efectue o pagamento e não tiver bens suficientes e desembaraçados, sera a pena de multa substituida pela de prisão, segundo os moldes indicados no artigo 122, paragrafo 2, do Codigo Penal, respeitando-se os limites fixados na lei.
Trata-se, pois, de um sistema de substituição, ou de conversão, que, naturalmente, se funda, ou tem por base, a consideração de que se o condenado não tem possibilidade de efectuar, voluntaria ou coercivamente, o pagamento nem por isso deve deixar de sofrer os efeitos da condenação, pois o contrario traduziria uma desigualdade relativamente aqueles que possuem bens suficientes e desembaraçados e que, portanto, estão sempre sujeitos ao pagamento.
Nos casos, ja referidos, em que a condenação se traduz na fixação de um certo lapso de tempo a que corresponde, diariamente, uma certa importancia, nenhuma dificuldade pode surgir quanto a conversão na hipotese de não pagamento. O mesmo sucedera, em regra, nos casos em que a multa seja de certa quantia, taxada pela lei, pois o citado paragrafo 2 do artigo 122 do Codigo Penal prescreve a forma de substituição.
Como, porem, esta se faz a 20 escudos por dia, pode, na verdade, põr-se o problema de saber - e e esse que esta em causa - se, sendo o quantitativo da multa inferior aquela quantia, ainda nesse caso a pena de multa deve, uma vez não efectuado o pagamento, substituir-se por prisão.
Desde logo, como decorre do disposto no artigo 98 do Codigo Penal, a equivalencia entre a pena de multa e a de prisão faz-se, quando aquela não corresponda a certo tempo de duração, tendo em atenção o criterio estabelecido no paragrafo 2 do artigo 122 para conversão da multa em prisão, donde resulta que a cada fracção da multa daquela quantia corresponde um dia de prisão, não podendo, pois, substituir-se a multa relativamente a quantia inferior aquela, no caso de existencia de multiplas fracções, ou seja, quando a multa for superior a 20 escudos.
Se e assim para esse caso, isto e, se tem de desprezar-se qualquer fracção inferior a 20 escudos, parece nada justificar a conversão quando se trate de multa de quantia menor do que aquela.
Efectivamente, se pelos termos da lei se chega a conclusão que a equivalencia e, portanto, a substituição se faz naqueles termos, ou seja, desprezando a fracção da importancia inferior a 20 escudos, parece que sendo a multa inferior a esta importancia, não pode haver substituição. Contra isto pode, no entanto, dizer-se, o que e, alias, o argumento do acordão da Relação de Lisboa, de 3 de Junho de 1955, invocado em oposição com o acordão recorrido, que a não fazer-se a substituição, no caso de não pagamento, se e conduzido directamente a impunidade do infractor - o que ofende o espirito e o sentimento de justiça dos individuos.
Não cremos, porem, que tal argumentação seja procedente.
Em primeiro lugar, não se ve que possa falar-se em impunidade, pois, na verdade, ainda que não se de a substituição, sempre a condenação subsiste, acarretando para o condenado, pelo menos, a possibilidade de, no futuro, e pela pratica de nova infracção da mesma natureza, vir a ser considerado reincidente.
Em segundo lugar, não se alcança em que e a não conversão possa ofender o espirito da lei e o sentimento de justiça dos individuos no caso da a multa ser inferior a
20 escudos e ja não seja de considerar a mesma situação na hipotese de não conversão de fracção de multa superior aquela quantia, que o mesmo acordão admite.
E não se alcança por, precisamente, nos parecer que tais situações são identicas: se a lei não exige a conversão da fracção inferior a 20 escudos no caso de se tratar de multa superior aquela importancia, traduz-se isso em um beneficio para o condenado, como, de resto, reconhece o dito acordão, beneficio que tambem existe para o condenado em multa de montante inferior a 20 escudos, e que não pode ser excluido por nenhuma consideração, sendo, alias, certo que, para este, se não ha conversão em prisão, fica sempre salvo, e respeitados os prazos indicados na lei, a cobrança coerciva - o que se não da com o primeiro, pois a execução da pena termina com o cumprimento da prisão em que a multa foi substituida - e desprezada a fracção referida.
Se se despreza tal fracção, e porque ela não tem equivalencia relativamente a pena de prisão. E se não tem, não pode ser substituida, quer em um caso quer no outro.
Pelo que vem de ser exposto, acordam, em conferencia, no Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e para os efeitos no n. 3 do artigo 768 do Codigo de Processo Civil, em decidir que:
Não são convertiveis em prisão as multas de quantia inferior a referida no paragrafo 2 do artigo 122 do Codigo Penal, salvo se norma especial preceituar tal conversão.
Não e devido imposto de justiça.

Lisboa, 19 de Março de 1969

Adriano Vera Jardim (Relator) - J. Santos Carvalho Junior
- Eduardo Correia Guedes - Adriano de Campos de Carvalho -
- Jose Manuel da Cunha Ferreira - Lopes Cardoso - Albuquerque Rocha - Torres Paulo - Ludovico da Costa -
- Joaquim de Melo - H. Dias Freire - Fernando Bernardes de Miranda - Oliveira Carvalho - Rui Guimarães.