Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07A2752
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: URBANO DIAS
Descritores: RECUPERAÇÃO DE EMPRESA
Nº do Documento: SJ200709250027521
Data do Acordão: 09/25/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : À luz da redacção original do art. 30º, nº 2 do CPEREF, são nulos todos os negócios, quaisquer que eles sejam, inter vivos, celebrados posteriores ao despacho do prosseguimento da acção que envolvam alienação ou oneração das partes sociais da devedora.
Tendo a sociedade devedora tido conhecimento da cessão de créditos (da credora inicial para uma outra terceira) e não a tendo impugnado por qualquer forma, carece de fundamento a arguida excepção de ilegitimidade para a cessionária-credora arguir a nulidade do negócio através dos quais o seu património foi cedido a terceiros na tentativa de ocultar o seu património perante a credora. Na verdade, a cessionária passa a ser interessada directa na anulação do negócio que iria afectar a garantia da obrigação de que se tornou titular.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I
Relatório
Empresa-A Lª intentou, no Tribunal Judicial de Tomar, acção ordinária contra Empresa-B – Obras Públicas, S.A.,
Empresa-C, Comércio e Aluguer de Equipamentos, Lª, Empresa-D – Madeiras, Lª, Empresa-E – Serralharias, Lª, Empresa-F – Materiais de Construção, Lª, pedindo a condenação da R. Empresa-B – Obras Públicas, S.A. no pagamento da quantia de 89.756.541$10, acrescida dos juros moratórios vencidos desde a citação e vincendos até efectivo e integral pagamento, a restituição efectiva, material e jurídica dos prédios descritos nos artigos 41º, 44º, 47º e 50º da petição inicial e dos equipamentos aí descritos e, bem assim, o reconhecimento do direito de os executar e praticar os meios de conservação da garantia autorizados por lei de modo a obter o pagamento integral do seu crédito.

Foi, posteriormente, ordenada a apensação da acção ordinária que Empresa-G – Gestão Imobiliária, Lª intentou contra Empresa-B – Obras Públicas, SA., Empresa-C, Comércio e Aluguer de Equipamentos, Lª, Empresa-D – Madeiras, Lª, Empresa-E – Serralharias, Lª e Empresa-F – Materiais de Construção, Lª e ainda contra Empresa-H Ferragens e Ferramentas, Lª, na qual pediu a declaração de nulidade dos actos de transferência do património imobiliário e mobiliário da R. “Empresa-B” (os mesmos bens em causa na acção intentada pela “Empresa-A”) e do contrato de arrendamento celebrado com a R. Empresa-H Ferragens e Ferramentas Lª, e o cancelamento dos respectivos registos de aquisição; ou, subsidiariamente, a restituição efectiva, material e jurídica dos prédios descritos e restantes bens que discrimina, assim como o reconhecimento do direito de os executar e praticar os meios de conservação da garantia autorizados por lei de modo a obter o pagamento integral do seu crédito.

Em suma, alegaram ambas as AA. serem credoras da 1ª R. e que os representantes desta e da sociedade Empresa-I – Sociedade de Construções, Lª, para subtrair os bens da 1ª R. aos seus credores, procederam à constituição das sociedade ora RR. Empresa-C, Comércio e Aluguer de Equipamentos, Lª, Empresa-D – Madeiras, Lª, Empresa-E – Serralharias, Lª e Empresa-F – Materiais de Construção, Lª, para as quais procederam à transferência do património imobiliário e mobiliário daquela 1ª R. Empresa-B, sabendo e querendo que, com essa actuação, ela ficava impossibilitada de proceder à satisfação dos seus créditos, os quais eram anteriores a esse negócio e dos quais todas as RR. tinham conhecimento, e que, posteriormente, aquela Empresa-F, – Materiais de Construção, Lª deu de arrendamento à R. Empresa-H, e Ferramentas de Tomar, Lª as fracções A e B, do prédio sito em Tomar, na Travessa dos Arcos, n°1, que para ela havia sido transferido pela 1ª R..
Mais alegou a A. “Empresa-G” que os negócios ora em causa foram celebrados no período de gestão controlada da 1ª R. e que, por força do disposto no art. 30º nº 2 do D.-L. nº 132/93, são nulos.

Contestaram apenas as RR. “Empresas” e Empresa-H, Lª.
Esta última, para além de impugnar a factualidade vertida pela A. “Empresa-G”, argumentou que o contrato de arrendamento foi celebrado de boa fé e com a realização de benfeitorias, no valor total de 26 524 284$000, pretendendo, por via das mesmas, fazer valer o direito de retenção em relação às fracções locadas.
Por sua vez, as RR. “Empresas” pugnaram pela improcedência das acções, alegando nem sequer reconhecer em relação à “Empresa-G” a existência de qualquer crédito e terem actuado de boa fé, pretendendo continuar a actividade da 1ª R. e assumir os seus compromissos, nomeadamente com os trabalhadores e a conclusão de contratos, sendo válidos os contratos celebrados.

As acções, depois de proferidos os saneadores e da selecção de factos, provados e a provar, seguiram para julgamento, após o que foi proferida sentença a absolver a A. “Empresa-G” da instância e no tocante ao pedido de reconhecimento do direito de retenção por parte da R. “Empresa-H”, e, na procedência do demais, a declarar nulas as transmissões da totalidade dos bens da R. Empresa-B – Obras Públicas, S.A. nos contratos de constituição de sociedade, celebrados em 16 de Abril de 1997, perante o Notário do 4º Cartório Notarial de Lisboa, constantes de fls. 115 a 122 do Livro de Escrituras Diversas nº 323-B, bem como o contrato de arrendamento celebrado entre as RR. Empresa-F, Materiais de Construção, Lª e Empresa-H – Ferragens e Ferramentas de Tomar, Lª celebrado a 23 de Julho de 1999, no 1º Cartório Notarial de Tomar constante do Livro de Escrituras Diversas, nº 537-B a fls. 81 vº a 83 vº, ordenando o cancelamento dos respectivos registos de aquisição e condenando a R. Empresa-B – Obras Públicas, S.A. no pagamento à A. Empresa-A, Lª da quantia de 89.756.541$10 acrescida dos juros moratórios vencidos desde a citação e vincendos até efectivo e integral pagamento.

Mediante apelações das RR. Empresa-H, Ferragens e Ferramentas de Tomar Lª, Empresa-C, Comércio e Aluguer de Equipamentos, Lª, Empresa-D – Madeiras, Lª, Empresa-E – Serralharias, Lª e Empresa-F – Materiais de Construção, Lª, o Tribunal da Relação de Coimbra apenas julgou procedente a apelação destas últimas RR. “na parte em que tinha sido decretada a nulidade da transmissão da totalidade dos bens da R. Empresa-B – Obras Públicas S. A. nos contratos de constituição da sociedade, celebrados em 16 de Abril de 1997, nulidade que deverá confinar-se aos bens imóveis”, julgando-a “ineficaz em relação às AA. a alienação dos móveis descriminados no documento complementar das escrituras dos mesmos contratos de constituição de sociedade com que foi realizada a entrada na dita sociedade Empresa-B – Obras Públicas S. A.”.

Irresignadas recorreram as RR. “Empresas”, pedindo revista do aresto da Relação de Coimbra, a coberto da seguinte síntese conclusiva:
- Na sua alegação de resposta à contra-alegação de apelação da recorrida Empresa-A, Lª, as recorrentes sustentaram a inadmissibilidade da ampliação do objecto do recurso requerida por esta, mas o acórdão recorrido não se pronunciou sobre essa questão suscitada pelas recorrentes, tendo conhecido da ampliação sem afirmar a sua admissibilidade e sem a fundamentar.
- Assim, esse acórdão é nulo, nos termos do disposto nos arts. 660°, nº 2, 668°, nº 1, d), e 716° do CPC.
- Subsidiariamente em relação à questão anterior, tendo uma das apeladas requerido a ampliação do objecto do recurso, era lícito às recorrentes, na sua resposta a essa ampliação do objecto do recurso, impugnar a decisão do Tribunal a quo quanto a pontos da matéria de facto relevantes para a decisão dessa questão.
- Ao rejeitar conhecer a impugnação das recorrentes deduzida na sua resposta à contra-alegação da recorrida, não conhecendo a impugnação da matéria de facto deduzida por aquelas, o Tribunal a quo violou expressamente o disposto no art. 698°, nº 5 e nº 6, e 3°, nº 3, todos do C.P.C., assim incorrendo em violação de lei ou, subsidiariamente, em nulidade por omissão de pronúncia;
- Esses preceitos, conjugados com os arts. 684°, nº 3, e 690°, nº 1, interpretados no sentido de não admitirem que, na sua pronúncia sobre a ampliação do objecto do recurso, o apelante impugne a decisão da matéria de facto, são inconstitucionais, por violação do disposto no art. 20° da CRP.
- O interesse da A. - recorrida em invocar a nulidade da realização da obrigação da entrada de uma das sócias na constituição das recorrentes, e bem assim a impugnação pauliana desse acto, baseia-se na sua qualidade de credora, que teria sido declarada por sentença transitada em julgado.
- A alegada sentença, todavia, não faz caso julgado quanto às recorrentes, por não terem sido partes nem terem intervindo nessa acção.
- Ao reconhecer à A. a posição de interessada no acto de «transmissão de bens», com base na mera declaração do crédito numa sentença proferida em acção na qual as recorrentes não intervieram, o acórdão recorrido admite que a sentença faça caso julgado em relação a terceiros, assim violando o disposto nos arts. 286° do C.C. e 498°, 671°, 673° e 674° do CPC.
- Ao reconhecer à A. a posição de interessada na declaração de nulidade com base num crédito adquirido por cessão de créditos, sem que tenha sido alegado e provado que essa cessão foi notificada à pretensa devedora, ou que esta a aceitou, a sentença viola o disposto nos arts. 286° e 583°, nº 1, do CC.
- Ao entender que o cumprimento da obrigação de entrada dos sócios no acto de constituição de uma sociedade por quotas é atingido pela nulidade prescrita no nº 2 do art. 30° do CPEREF, na redacção inicial, o acórdão recorrido incorreu em erro de interpretação e de aplicação desse preceito legal, e bem assim do art. 286° do CC.
- Naquele preceito legal, a expressão “que envolvam” refere-se apenas aos negócios jurídicos mencionados na primeira parte da norma, ou seja, aos negócios jurídicos que envolvam “alienação ou oneração de acções ou de partes sociais da sociedade devedora”, mas já não poderá ser aproveitada para a segunda parte do mesmo dispositivo, perfeitamente distinto da primeira parte pela expressão simplesmente “a alienação”.
- Os negócios jurídicos em causa nos autos não são meros negócios de alienação de bens imóveis mas antes contratos de constituição das sociedades recorrentes, que não podem ser qualificados como contratos de alienação de bens imóveis pois o seu objecto imediato é o exercício em conjunto de uma determinada actividade económica e não a transmissão do direito de propriedade sobre um bem, não se podendo reconduzir, assim, a um simples negócio de alienação de imóveis de uma sociedade.
- Como apenas são nulos os negócios jurídicos que a lei expressamente comina com essa sanção, os contratos de sociedade em causa não se integram no elenco taxativo do nº 2 do art. 30° do CPEREF, violando a decisão recorrida o art. 286° do C.C. e o referido preceito do CPEREF.
- Ainda que houvesse invalidade, o seu efeito não poderia ser a mera invalidação da transmissão de bens, pois num acto de constituição de uma sociedade, não é possível destacar o suposto acto de «transmissão de bens» pelo qual um sócio preenche a obrigação de entrada, fazendo restituir esses bens ao património do sócio, e deixar incólumes o contrato de sociedade e a participação desse sócio, não sendo aplicável ao caso o art. 25°, nº 3, do C.S.C., pois a hipótese da norma não se reporta a casos como os dos autos.
- Ao entender diversamente, o acórdão recorrido violou o princípio da intangibilidade do capital social, consagrado, nomeadamente, nos arts. 45° e ss. e 94° e ss. do CSC, e violou ainda o disposto nos arts. 285°, 289° e 292° do C.C.
- Consistindo o negócio em causa um acto pelo qual a suposta devedora viu trocar certos bens por quotas, no seu balanço, não se preencheu, em face da matéria provada, o pressuposto da impossibilidade ou agravamento da possibilidade de satisfação da obrigação para a impugnação pauliana.
- Em face da matéria provada, não é legítima a conclusão de que devedor e terceiro tivessem agido de má-fé, pelo que se não provou esse requisito da impugnação pauliana.
- Ao decretar assim a impugnação pauliana de certos actos, o acórdão recorrido violou o disposto nos arts. 610° e 612° do CC.
Em defesa do acórdão censurado, respondeu a recorrida Empresa-A Lª.
II
As instâncias fixaram o seguinte quadro factual:
1. A A. Empresa-A, Lª, reclamou o pagamento da quantia de 43.661.453$10, no âmbito da acção de recuperação de empresa, em que era devedora a R. Empresa-B – Obras Públicas, S.A., à data de 31 de Maio de 1994.

2. Tal crédito foi reconhecido por sentença transitada em julgado a 13/07/1995.

3. No âmbito dessa acção de recuperação de empresa foi aprovado plano de recuperação de empresa nos termos certificados a fls. 22, dos autos 293/98 obrigando-se a R. Empresa-B – Obras Públicas, S.A., a pagar a dívida de capital em 18 prestações semestrais.

4. A 1ª R. – Empresa-B – Obras Públicas, S.A. – tinha por objecto principal o exercício das seguintes actividades: a execução de obras públicas e particulares de qualquer natureza; a construção civil, a indústria de serração de madeiras; a indústria de carpintaria; as indústrias de serralharia e metalização; o comércio de materiais de construção em geral, por grosso e a retalho.

5. Por sentença proferida nos autos de acção ordinária nº 110/98, a R. Empresa-B – Obras Públicas, S.A., foi condenada a pagar a Empresa-J – Materiais e Obras, S.A., a quantia de 66.000.000$00, acrescida de juros vencidos e vincendos desde a data da citação (17/06/98) até integral pagamento.

6. A R. Empresa-B – Obras Públicas, S.A., foi sujeita a acção de recuperação de empresa, tendo sido aprovada, por deliberação da assembleia de credores de 23/06/1995, a medida de gestão controlada, com a duração de dois anos.

7. AA e BB são filhos de CC e de DD.

8. Em Abril de 1997 eram ambos accionistas e administradores da 1ª R..

9. Em 16 de Abril de 1997, perante o Notário do 4º Cartório Notarial de Lisboa, foi constituída a sociedade Empresa-C, Comércio e Aluguer de Equipamentos, Lª, com sede em Lisboa, cujo objecto social é o exercício da actividade de transportes terrestres nacionais e internacionais e o comércio e aluguer de máquinas e equipamentos.

10. Os únicos sócios da referida sociedade são Empresa-I – Sociedade de Construções, Lª e Empresa-B – Obras Públicas, S.A..

11. A entrada da sócia Empresa-B – Obras Públicas, S.A. era realizada com a transferência que o seu administrador declarou fazer para a referida Empresa-C, Comércio e Aluguer de Equipamento, Lª dos seguintes bens:
- Fracção autónoma, designada pela letra C, correspondente ao 1º andar direito, do prédio urbano sito em Lisboa, na Rua de António Pedro, 42, descrito na 1ª Conservatória Registo Predial de Lisboa sob o nº 11.894, e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Arroios, sob o nº 144, com o valor patrimonial de 119.134$00, no valor de 10.100.000$00;
- Um camião Scania 111, matrícula IV, no valor de 350.000$00;
- Um camião Scania 112, matrícula EH, no valor de 455.000$00;
- Um camião Volvo F 829, matrícula ID, no valor de 295.000$00;
- Uma viatura ligeira de mercadorias, Toyota Dyna, matrícula RS, no valor de 140.000$00;
- Uma viatura ligeira mista Toyota Hilux, matrícula QP, no valor de 155.000$00;
- Uma viatura ligeira mista Toyota Hilux, matrícula QP, no valor de 205.000$00;

- Uma viatura ligeira mista Bedford Setter, matrícula JL, no valor de 90.000$00;
- Uma viatura ligeira de passageiros, 9 lugares, Renault Traffic, matrícula FX, no valor de 60.000$00;
- Uma viatura ligeira mista Renault Express, matrícula OB, no valor de 195.000$00;
- Uma viatura ligeira de mercadorias Mercedes Benz, matrícula OM, no valor de 175.000$00;
- Uma viatura ligeira de mercadorias Renault 5 TD, matrícula RF, no valor de 85.000$00;
- Uma viatura ligeira de passageiros Mercedes Benz 300 D, matrícula HP, no valor 225.000$00;
- Um atrelado galera lisa, oito rodados, matrícula L-, no valor de 190.000$00;
- Um atrelado porta-máquinas, matrícula P-, no valor de 385.000$00;
- Uma retro-escavadora Case 580, no valor de 155.000$00;
- Uma retro-escavadora Case 580, no valor de 155.000$00;
- Uma retro-escavadora Ford, no valor de 90.000$00;
- Um dumper Bedford, no valor 210.000$00;
- Um dumper Twaytes, no valor de 175.000$00;
- Um dumper Twaytes, no valor 180.000$00;
- Um dumper Twaytes, no valor 180.000$00;
- Um dumper Crauller, no valor de 95.000$00;
- Um empilhador Manitou diesel, no valor de 295.000$00;
- Uma autobetoneira Fiori 3500, 2 m3, no valor de 100.000$00;
- Uma autobetoneira Fiori 3500, 2 m3, no valor de 100.000$00;
- Uma grua sobre rodas PH Omega 14t, no valor de 1.500.000$00;
- Uma grua sobre rodas Colles 14t, no valor de 1.250.000$00;
- Uma grua torre, 36m, no valor de 800.000$00;
- Uma grua torre, 25m, no valor de 700.000$00;
- Uma grua torre, 20m, no valor de 600.000$00;
- Uma betoneira 500 I, no valor de 70.000$00;
- Uma betoneira 500 I, no valor de 70.000$00;
- Um compressor Ingersol, no valor de 10.000$00;
- Um compressor Atlas Copco, no valor de 80.000$00;
- Um compressor Atlas Copco, no valor de 80.000$00.

12. No mesmo dia, 16 de Abril de 1997, perante o Notário do 4º Cartório Notarial de Lisboa, foi constituída a sociedade Empresa-D – Madeiras, Lª com sede em Lisboa, cujo objecto social é a serração e carpintaria transformação e comercialização de madeiras por grosso ou a retalho.

13. Os únicos sócios da referida sociedade são Empresa-I – Sociedade de Construções, Lda. e Empresa-B – Obras Públicas, SA..

14. A entrada da sócia Empresa-B – Obras Públicas, S.A. era realizada com a transferência que o seu administrador declarou fazer para a referida Empresa-D, Madeiras, Lª dos seguintes bens:
- Prédio urbano sito em Tomar, na Av. General Tamagnini de Abreu ... a ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o nº 1.386 e descrito na matriz predial urbana da freguesia de S. João Baptista sob o artigo 173, com o valor patrimonial de 1.187.892$00, no valor de 14.000.000$00;

- Uma afagadeira Sandya, no valor de 37.500$00;
- Uma plaina de 4 faces Mida, no valor de 45.000$00;
- Duas tupias Universal, no valor de 120.000$00;
- Uma respigadeira Rotor Rabor, no valor de 37.000$00;
- Uma serra circular de bancada Mrozer, no valor de 97.500$00;
- Uma serra de fita Milor, no valor de 60.000$00;
- Duas serras de fita, no valor de 75.000$00;
- Uma serra de fita com Charriot, no valor de 150.000$00;
- Uma serra de fita com Charriot s/automática, no valor de 177.500$00;
- Uma descascadeira Cabral, no valor de 200.500$00.

15. No mesmo dia, 16 de Abril de 1997, perante o Notário do 4º Cartório Notarial de Lisboa, foi constituída a sociedade Empresa-E – Serralharias, Lª, com sede em Lisboa, cujo objecto social é a indústria e comercialização de serralharia de alumínio, serralharia civil, decapagem, metalização e transformação de alumínios e vidros.

16. Os únicos sócios da referida sociedade são Empresa-I – Sociedade de Construções, Lda. e Empresa-B – Obras Públicas, S.A..

17. A entrada da sócia Empresa-B – Obras Públicas, S.A. era realizada com a transferência que o seu administrador declarou fazer para a referida Empresa-E – Serralharias Lª dos seguintes bens:
- Prédio urbano sito no Porto, na Rua Pedro Hispano, 1.050, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o nº 1.062 e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Ramalde sob o art. 2.672, com o valor patrimonial de 93.506$00, no valor de 15.000.000$00.

18. No mesmo dia, 16 de Abril de 1997, perante o Notário do 4º Cartório Notarial de Lisboa, foi constituída a sociedade Empresa-F – Materiais de Construção, Lª, com sede em Lisboa, cujo objecto social é a fabricação e comercialização de materiais de construção.

19. Os únicos sócios da referida sociedade são Empresa-I – Sociedade de Construções, Lda. e Empresa-B – Obras Públicas, S.A..

20. E nomearam sócio gerente das Empresa-C, Comércio e Aluguer de Equipamentos, Lda., Empresa-D – Madeiras, Lda., Empresa-E – Serralharias, Lda., e Empresa-F – Materiais de Construção Lª, AA.

21. A entrada da sócia Empresa-B – Obras Públicas, S.A., era realizada com a transferência que o seu administrador declarou fazer para a referida Empresa-F – Materiais de Construção, Lª, dos seguintes bens:
- Duas fracções autónomas designadas pelas letras A e B do prédio urbano sito em Tomar, na Travessa dos Arcos, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o nº 53.621 e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. João Baptista sob o artigo 2.321, a primeira fracção correspondente ao rés do chão esquerdo e cave, com o valor patrimonial de 4.454.093$00 e a segunda correspondente ao rés-do-chão direito, com o valor patrimonial de 2.227.046$00, pelo valor global de 30.000.000$00.

22. A R. Empresa-B – Obras Públicas, S.A. tinha em 12/05/1995 um passivo de 2.039.951 contos, conforme relatório do Gestor Judicial junto a fls. 135.

23. A A. Empresa-A é uma sociedade que tem por objecto a indústria e comércio de artefactos de cimento e materiais de construção civil.

24. No exercício dessa actividade forneceu, de 1 de Junho de 1994 a 7 de Março de 1997, à Empresa-B – Obras Públicas, S.A., diversos produtos.

25. E amortizou letras aceites pela R. Empresa-B – Obras Públicas, S.A..

26. A conta-corrente entre a A. Empresa-A, Lª e a R. Empresa-B, S.A., apresentava em 07/03/1997 o saldo favorável à A. de 75.699.143$10.

27. Além desta verba a A. “Empresa-A” é credora, naquela data – 7 de Abril de 1997 – de mais 14.057.398$00, referente a fornecimento de artefactos de cimento e outros materiais de construção, encargos bancários e amortizações de letras, que a primeira R. pretendeu liquidar através de cheques sacados por BB, administrador de Empresa-B – Obras Públicas, S.A..

28. Por contrato de cessão de crédito celebrado em 29.02.2000 a A. Empresa-G – Gestão Imobiliária, Lª, adquiriu a Empresa-J – Materiais e Obras, S.A., o crédito acima referido.

29. AA e BB sabiam que a Ré Empresa-B – Obras Públicas S.A., era devedora dos créditos actualmente titulados pelas AA. “Empresa-G” e “Empresa-A” e de centenas de milhar de contos a outros credores e ao Estado.

30. Então, para subtrair os bens de Empresa-B – Obras Públicas, SA à acção das A. e demais credores, como representantes de Empresa-I – Sociedade de Construções Lª e de Empresa-B - Obras Públicas, S.A., começaram por constituir quatro sociedades:
- Empresa-C, Comércio e Aluguer de Equipamentos, Lª;
- Empresa-D – Madeiras, Lª;
- Empresa-E – Serralharias, Lª;
- Empresa-F – Materiais de Construção, Lª,
todas tendo como sócios “Empresa-I - Sociedade de Construções, Lda.” e “Empresa-B - Obras Públicas, S.A.”.

31. O representante da primeira R., o representante da Empresa-I – Sociedade de Construções, Lª e o representante das Empresa-C, Comércio e Aluguer de Equipamentos, Lª, Empresa-D – Madeiras, Lª, Empresa-E – Serralharias, Lª e Empresa-F – Materiais de Construção, Lª, agiram com intenção de prejudicar os credores de Empresa-B - Obras Públicas, S.A..

32. Empresa-B – Obras Públicas, S.A., transferiu, no mesmo dia 16 de Abril de 1997, para Empresa-D – Madeiras, Lª, mediante a escritura pública, o prédio urbano sito em Tomar, na Av. General Tamagnini de Abreu, ... a ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o n.º 1.386 e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. João Baptista sob o artigo 173, com o valor patrimonial de 1.187.892$00, pelo valor atribuído de 14.000.000$00, quando seu valor no mercado era de, pelo menos, 104.860 euros e se arrendado o último andar.

33. Empresa-B – Obras Públicas, S.A., transferiu também, no mesmo dia 16 de Abril de 1997, para Empresa-F – Materiais de Construção, Lda., mediante a escritura pública, duas fracções autónomas, designadas pelas letras A e B do prédio urbano sito em Tomar, na Travessa dos Arcos, ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar, sob o nº 53.621 e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de S. João Batista sob o art. 2.321; a primeira fracção a que corresponde o rés-do-chão esquerdo e cave com o valor patrimonial de 4.454.093$00, inscrita sob o art. 2.321-A, e a segunda fracção a que corresponde o rés-do-chão ...-..., pelo valor global de 30.000.000$00, quando o seu valor de mercado era de, pelo menos, 50.000.000$00.

34. No início de 1997, a R. Empresa-B, S.A., em virtude de dificuldades económicas e financeiras com que se debatia e da sua má imagem comercial, não tinha crédito junto do sistema financeiro e dos fornecedores, e a sua actividade era reduzida.

35. As RR. sabiam que, com a transferência dos bens da R. Empresa-B - Obras Públicas, S.A., esta ficaria quase impossibilitada de pagar as dívidas à A. e aos demais credores, porque o património era insuficiente, estava dado de garantia e por ter uma actividade reduzida.

36. Empresa-B, S.A. até 26.07.1999 era proprietária de um prédio urbano sito na Rua da Saboaria, nº ...a ..., em Tomar, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o nº 00171/261285, hipotecada a favor do Centro Regional de Segurança Social de Santarém, desde 15.10.1991.

37. Era proprietária de um prédio urbano sito na Rua Dr. Oliveira Casquilho, nº ... – norte, em Tomar, até 12.07.1999, hipotecada a favor do Centro Regional de Segurança Social de Santarém desde 05.02.1998.

38. É proprietária de um prédio sito na Venda Nova, concelho de Tomar, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar sob o nº 730/110283, hipotecado a favor do Banco de “Fomento Nacional”, desde 08.05.1987 e do Centro Regional de Segurança Social de Lisboa e Vale do Tejo desde 05.02.1998.

39. Era proprietária de dois prédios, sitos em Vila-Maria, concelho de Setúbal, até 31.01.2000 hipotecados, desde 17.07.1991 até à data de registo da venda -31.01.2000.

40. A Empresa-I – Sociedade de Construções, Lª contratou alguns trabalhadores da Empresa-B, S.A., tendo assumido a obrigação de pagamento dos salários em atraso que a “Empresa-B” tinha para com eles.

41. À data da celebração das escrituras (16/04/1997) a R. Empresa-B – Obras Públicas, S.A, estava sujeita à medida de gestão controlada.

42. Os representantes das 1ª e 2ª RR. e, por consequência estas, sabiam que, com as transferências dos bens referidos, Empresa-B - Obras Públicas S.A., ficaria sem aquele património para pagar às AA. e aos demais credores.

43. Os representantes dessas RR. sabiam que as participações sociais de Empresa-B nas sociedades Empresa-C, Comércio e Aluguer de Equipamentos, Lª, Empresa-D - Madeiras, Lª, Empresa-E - Serralharias, Lª e Empresa-F - Materiais de Construção, Lª não tem valor correspondente ao valor dos bens cuja transferência foi declarada, mas muito inferior.

44. Por escritura outorgada no dia 23 de Julho de 1999, na Secretaria Notarial de Tomar, o gerente da R. Empresa-F – Materiais de Construção Lª e o gerente da R. Empresa-H Ferragens e Ferramentas de Tomar, Lª, outorgaram o contrato denominado de arrendamento, cuja cópia se encontra a fls. 93 a 97.

45. Entre o mais, declararam que a R. Empresa-F – Materiais de Construção Lª dava de arrendamento à R. Empresa-H e Ferramentas de Tomar, Lª as fracções denominadas pelas letras A e B, do prédio sito em Tomar, na Travessa dos Arcos, n°..., inscrito na matriz sob o art. 2321, pela renda de cento e oitenta contos, sendo cento e quarenta contos pelas fracções autónomas e quarenta pelos móveis.

46. E que as obras a efectuar pela R Empresa-H – Ferragens e Ferramentas de Tomar, Lª ficarão a pertencer ao prédio, não podendo o inquilino demoli-las, nem sobre elas exercer o direito de indemnização ou invocar o direito de retenção.

47. A R. Empresa-H – Ferragens e Ferramentas de Tomar, Lª gastou 14.593.008$00 nas fracções em obras, e

48. Em equipamentos gastou o montante de 11.931.276$00.

49. Na contabilidade da Empresa-B, S.A., todos os bens móveis em questão se encontravam totalmente amortizados, e os imóveis encontravam-se avaliados nos seguintes valores: a fracção autónoma referida no art. 56º da contestação, em 2.111.079$00; as fracções autónomas referidas no art. 63º, em 15.940.800$00, conjuntamente; o prédio referido no art. 62º, em 6.789.600$00; o prédio aludido no art. 60º, em 14.634.782$00.
50. Em todas as escrituras públicas de constituição de sociedade acima referidas intervieram sempre e exclusivamente, em representação de Empresa-I – Sociedade de Construções Lª, o seu sócio e único gerente AA e em representação da aqui 1ª R. Empresa-B – Obras Públicas, S.A. o seu presidente do Conselho de Administração, BB.

III
Quid iuris?
Analisadas as conclusões com que as recorrentes fecharam a sua minuta de recurso, podemos dizer que as mesmas encerram as questões que passaremos a enunciar e resolver.
Assim:

1ª – Da pretensa nulidade do acórdão recorrido.
2ª – Saber se, tendo uma das apeladas ampliado o conhecimento do objecto do recurso, era ou não lícito às recorrentes, na respectiva resposta, impugnarem a matéria de facto dada como provada na 1ª instância. Consequências da eventual inconstitucionalidade dos arts. 698º, nºs 3, 5 e 6 e 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do CPC.
3ª – Determinar se a 2ª A. é, in casu, parte legítima para arguir a nulidade dos negócios ajuizados.
4ª – Dizer se está provado o requisito “má fé” para que se possa concluir pela procedência da pauliana.

Vejamos.
A) – Nos termos do disposto na al. d) do nº 1 do art. 668º do CPC, aqui aplicável ex vi arts. 726º e 716º, a decisão é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões que não podia tomar conhecimento.
O que interessa ao “nosso” caso é a interpretação devida à 2ª parte do 1º preceito legal citado.
Como assim, a pergunta que ocorre é esta: terá a Relação de Coimbra cometido nulidade ao não emitir pronúncia sobre questão que concretamente lhe foi colocada?
Queixam-se as recorrentes do facto de, tendo alertado o ora tribunal recorrido para o facto de não poder conhecer da matéria ampliada pela recorrida na peça de resposta às alegações, sobre isso nada ter sido dito.
Se fosse como apregoam as recorrentes, sem dúvida alguma que a nulidade arguida estava perfeitamente desenhada, pois, lendo o aresto censurado, nem uma palavra se encontra sobre tal assunto.
Mas as cousas não podem ser vistas à luz da primeira aparência.
Apesar de nada dizer o acórdão sobre a pretensão das recorrentes, o certo é que a questão substancial foi apreciada e tanto assim que foi decidida.
Dizer, deste modo, que não houve pronúncia é ligar apenas às aparências e não às realidades concretas.
A Relação de Coimbra acabou por apreciar a dita ampliação, o que, iniludivelmente significa que, no seu entender, a questão suscitada pelas recorrentes não tinha apoio legal.
Saber se a Relação decidiu bem ou não é, como facilmente se compreende, uma outra questão.
Entendemos por bem lembrar que a A.-apelada tinha peticionado a condenação da R. Empresa-B – Obras Públicas S. A. no pagamento de 89.756.541$10 e juros e bem assim a restituição efectiva dos prédios descritos na petição inicial com o reconhecimento do direito a vê-los executados e a poder “praticar todos os meios de conservação da garantia” de modo a obter o pagamento do seu crédito.
É um facto que a sentença proferida pelo Mº Juiz de Círculo de Tomar apenas se pronunciou sobre o primeiro de todos os pedidos formulados, mas é certo que a Relação não estava impedida de decidir sobre os outros pedidos atenta a regra do nº 2 do art. 715º do CPC.
Desnecessária seria, até por isso, o recurso à faculdade do art. 684º-A do mesmo diploma legal.
Mas, uma cousa é certa: não foi cometida pela Relação de Coimbra a nulidade apontada pelos recorrentes.

B) – O facto de a apelada Empresa-A Lª ter accionado o dispositivo do art. 684º-A do CPC não permitia que as recorrentes pedissem, por isso mesmo, a apreciação do juízo probatório levado a cabo pela 1ª instância na resposta.
A decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser apreciada pela Relação nos limites do art.712º do CPC.
Ora bem.
O art. 684º-A já citado permite que o recorrido (sublinha-se: recorrido), no caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, implore ao tribunal da Relação a apreciação das questões em que sai vencida, ainda que a título subsidiário, “prevenindo a necessidade da sua apreciação”.
E o nº 2 deste mesmo preceito assinala:
“Pode ainda o recorrido, na respectiva alegação e a título subsidiário, arguir a nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas”.
Compreende-se que assim seja.
Tendo o A. obtido ganho de causa, não pode recorrer. Mas prevendo a hipótese de o recurso obter provimento, ganha consistência a ideia de que está certo que a parte que peticionou e acabou por perder possa ver, por via disso mesmo, tais segmentos decisórios reapreciados por parte do tribunal superior (Relação)
A razão é esta: perante a inépcia do recorrente em atacar, nos termos do supra citado art. 712º do CPC, certos pontos da matéria de facto (“não impugnados pelo recorrente”, como é salientado no nº 2 do art. 684º-A) é justo que, nesta abertura concedida pelo legislador de 95, na linha da lição de Castro Mendes (cfr. Recursos, pág. 14), o recorrido possa ver ajustado o julgamento da questão-de-facto com vista a obter a justa solução da questão-de-direito.
É claro que tal faculdade (a de impugnar pontos de factos não criticados pela parte recorrente) tem toda a lógica a partir do momento em que o legislador consagrou a possibilidade de o recorrido-apelado pedir a ampliação do objecto do recurso no caso de vir a ser julgado procedente o recurso interposto pelo recorrente.
Naturalmente que este, com vista a obter o reconhecimento da sua tese, pode adoptar uma de duas posições em relação ao juízo probatório firmado pela 1ª instância: ou acolhe-lo pura e simplesmente ou atacá-lo nos pontos que entender e de acordo com as regras próprias (arts. 712º e 690ºA do CPC).
Resolvida a questão-de-facto por via da posição crítica do recorrente, não fazia sentido que a mesma viesse a ser reaberta precisamente por este.
Só excepcionalmente a matéria de facto poderá ser revista (pela Relação, como é evidente) nos apertados limites sublinhados: nos pontos não impugnados pelo recorrente.
A consagração desta faculdade à parte recorrida em nada briga com violação do princípio da igualdade das partes perante o processo, antes, pelo contrário, permite às mesmas um debate muito mais leal e aberto sobre toda a panóplia de argumentos apresentados ao tribunal.
Muito menos sai violado o art. 20º da Constituição, ao contrário do que avançaram as recorrentes.
Não vemos, com efeito, como é que as recorrentes podem agora vir aqui dizer, em sede de recurso de revista, que não lhes foi garantido o acesso ao direito…
Definitivamente, também neste ponto a razão não está do lado das recorrentes.

C) – Insistem as recorrentes na argumentação já avançada em sede de apelação e na ânsia de verem afastada a 2ª A. da lide, dizendo que “ao reconhecer à A. a posição de interessada na declaração de nulidade com base num crédito adquirido por cessão, sem que tenha sido alegado e provado que essa cessão foi notificada à pretensa devedora, ou que esta a aceitou”.
O art. 30º, nº 2 do CPEREF (redacção original) comina com nulidade todos os negócios entre vivos posteriores ao despacho do prosseguimento da acção que envolvam alienação ou oneração de acções ou partes sociais da sociedade devedora, …”.
E o problema aqui equacionado é simplesmente este: terá a A. “Empresa-G” legitimidade para arguição da referida nulidade?
Por outras palavras: está demonstrada nos autos a qualidade de credora?
É neste ponto que as recorrentes insistem.
A A. “Empresa-G” apresentou-se na acção como cessionária de “Empresa-J” por força do contrato entre elas outorgado em 29 de Fevereiro de 2000, sendo esta credora da 1ª R..
As RR.-recorrentes depressa contestaram a legitimidade da A. “Empresa-G”, argumentando não conhecerem os créditos.
O certo é que ficaram provados não só os créditos da “Empresa-J” sobre a 1ª R. como também a cessão que esta fez à A. “Empresa-G”.
A partir daqui o que se podia questionar era a “notificação” a que alude o nº 1 do art. 583º do CC e da qual depende a eficácia do contrato de transmissão da dívida em relação ao devedor.
É que em relação às partes, a lei não põe condições algumas na concretização deste tipo de negócios (“contando que a cessão não seja interdita por determinação de lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligada à pessoa do credor”, ut parte final do nº 1 do art. 577º do CC).
Mas, já em relação ao devedor, a lei faz depender a eficácia do negócio da notificação ou da aceitação do devedor (cfr. sobre este ponto Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, Volume I – 4ª edição -, pág. 599).
Ora este ponto da aceitação (ou notificação: o que interessa é o conhecimento) está por demais demonstrado, como lucidamente o enfatizou a Relação de Coimbra: a acção foi também intentada contra a devedora (1ª R.) e esta nem sequer a contestou.
Do facto de não ter contestado, podendo fazê-lo, a conclusão a tirar é somente esta em relação a este ponto: tendo-lhe sido dado conhecimento, a devedora aceitou pacificamente a cessão, não a impugnou, não a pôs em crise por qualquer meio, sendo que o legislador, de forma bem clara, colocou ao seu dispor “todos os meios de defesa”, nas palavras consagradas no art. 585º do CC.
Por isto – e apenas por isto – fica inutilizado todo o arsenal de argumentação de que as recorrentes se serviram para obstar à legitimidade da 2ª A. não só para arguir a nulidade referida mas também para tudo o mais peticionado (este “tudo” no âmbito da pauliana, como está claro).
Assente que houve créditos cedidos à A. “Empresa-G” e que a devedora teve conhecimento da cessão desses mesmos créditos, forçoso é concluir pela sua legitimidade para arguir a nulidade, tal como o fez; na verdade, a sua situação está perfeitamente encaixada na noção adoptada pela doutrina a este respeito, seguindo Manuel de Andrade (qualquer interessado é “o sujeito de qualquer relação jurídica que de algum modo possa ser afectada pelos efeitos que o negócio tendia a produzir (…) na sua consistência jurídica” (in Teoria Geral da Relação Jurídica, II, pág. 417).

D) – Sobre a prova dos requisitos da acção pauliana já as instâncias se pronunciaram de forma eloquente.
E também quanto à má fé.
Ex abundanti fez-se prova da verificação deste requisito.
O nº 1 do art. 612º do CC. prescreve que “o acto oneroso só está sujeito a impugnação pauliana se o devedor e o terceiro tiverem agido de má fé”, entendida esta como “a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor” (nº 2 do mesmo preceito).
Está escrito no aresto sob censura:
“Ora, não há dúvida, em face do acervo apurado, concretamente nos nºs 2,5,27,28, 31, 35 a 42 supra, que se mostram satisfeitos todos os requisitos acima enumerados, inclusive a má fé das sociedades recorrentes, em face do estatuído no art. 259º, nº 1 do C. Civil, porque a má fé da devedora Empresa-B – Obras Públicas, S. A., essa é iniludível”.
Mais claro e explicativo não se pode ser!

Resta fazer alusão a um ponto.
O que está aqui em causa, num segundo plano, é a frustração do património das AA., credoras da R. Empresa-B – Obras Públicas, S. A..
Com os negócios realizados e concretizados o património daqueles seria gravemente afectado.
Com efeito, elas viram o património da sua credora ser desviado para o dos outras RR..
A aceitar-se como boa a tese das recorrentes – a de que não houve transmissão de património, mas tão só afectação de património a sociedades – estava encontrada a fórmula (simples e fácil) de nunca os credores poderem fazer valer os seus direitos perante os devedores.
Esquecem, porém, as recorrentes o instituto da fraude à lei que sempre acabaria por inviabilizar, por nulidade (ex vi art. 294º do CC) tais negócios: estaríamos perante negócios que, nas palavras sábias de Manuel de Andrade, tinham como finalidade “contornar ou circunvir uma disposição legal, tentando chegar ao mesmo resultado por caminhos diversos dos que a lei designadamente previu e proibiu – aqueles que por essa forma pretendem burlar a lei” (in Teoria Geral da Relação Jurídica, Vol. II, pág. 337).
Mas nem é preciso tanto: mais do que a letra, o espírito do estatuído no art. 30º, nº 2 do CPEREF não permite tal interpretação.
Outrossim vale aqui a invocação do disposto no art. 984º, al. a) do CC por parte da Relação.
Assim tem de ser: a isso obriga a ideia de Direito, a que nos obrigamos todos. Os comprometidos com a realização do id quod iustum est.

Aqui chegados, só nos resta concluir pela total improcedência da tese apresentada pelas recorrentes.
IVDecisão
Nega-se a revista e condenam-se as recorrentes no pagamento das custas devidas.

Lisboa, 25 de Setembro de 2007
Urbano Dias
Paulo Sá
Mário Cruz