Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1950/17.0T8VCT-C.G1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: HENRIQUE ARAÚJO
Descritores: INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
VERIFICAÇÃO
GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
IMPUGNAÇÃO
EMPREITADA
SUBEMPREITADA
DONO DA OBRA
DEFEITO DA OBRA
ÓNUS DA PROVA
CRÉDITOS
CONDIÇÃO SUSPENSIVA
Data do Acordão: 06/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR – DISPOSIÇÕES INTRODUTÓRIAS / APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – VERIFICAÇÃO DOS CRÉDITOS / IMPUGNAÇÃO DA LISTA DE CREDORES RECONHECIDOS / AUTUAÇÃO DAS IMPUGNAÇÕES E RESPOSTAS.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / RESOLUÇÃO DO CONTRATO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 17.º, 130.º, N.º 1 E 132.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 432.º, N.º 1.
Sumário :
I - As decisões proferidas em incidentes processados por apenso ao processo de insolvência, como acontece no presente incidente de verificação e graduação de créditos (art. 132.º do CIRE), são susceptíveis de recurso nos termos gerais, aplicando-se, para tanto, as regras do processo civil por efeito da remissão do artigo 17.º do CIRE.

II - A subempreitada é um contrato subordinado, assumindo o empreiteiro, na prática, a posição de dono da obra. Por isso, se forem detectados defeitos no âmbito da sua execução, o empreiteiro pode exigir do subempreiteiro a reparação ou os demais direitos que a lei reconhece ao dono da obra.

III - Segundo as respectivas despesas probatórias, é indiscutível que cabia à empreiteira insolvente, no que concerne à existência de defeitos na execução da subempreitada, alegá-los e prová-los, segundo a regra geral do ónus da prova (art. 342.º, n.º 1, do CC); também de harmonia com o art. 130.º, n.º 1, do CIRE, é ao impugnante que cabe alegar e provar os factos em que se consubstancia a indevida inclusão ou exclusão do crédito reconhecido, a incorrecção do respectivo montante, ou a sua qualificação.

IV - Para o efeito do referido em III não são suficientes, no plano real, as comunicações escritas que a insolvente dirigiu à credora para dar como verificadas situações reveladoras de desconformidades, patologias ou deficiências na execução da subempreitada; isto, só por si, não afasta a garantia, nem, consequentemente, a qualificação do crédito sob condição (suspensiva).

Decisão Texto Integral:


                    ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I. RELATÓRIO

"AA, S.A.", foi declarada insolvente por sentença de 20.06.2017 e, no âmbito do concurso de credores, a administradora de insolvência juntou a lista dos credores reconhecidos nos termos do artigo 129º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).

A devedora impugnou os créditos de “BB, Lda.”, “CC, Lda.”, “DD, S.A.”, “EE, Lda.”, “FF, Lda.”, e “GG, Lda.”.

No despacho de fls. 318 e seguintes foram julgadas improcedentes as impugnações deduzidas aos créditos da “BB, Lda.”, e “EE, Lda.”, e procedente a impugnação deduzida ao crédito do credor “GG, …, Lda.”.

Nos termos do artigo 136º, n.º 4, do CIRE, consideraram-se reconhecidos os créditos incluídos na lista constante de fls. 12 a 19 e não impugnados.

Os autos prosseguiram para apreciação das impugnações dos créditos dos credores "CC, Lda." e "FF, Lda.” e relativamente ao credor "DD, S.A.' foi determinada a junção aos autos de documentos em falta.

A sentença julgou parcialmente procedente a impugnação da devedora em relação ao credor “CC, Lda.”, reconhecendo, sob condição, o crédito constante da lista de fls. 12 a 19; julgou improcedente a impugnação da devedora “AA, S.A.”, quanto ao crédito da credora “DD, S.A.”; e julgou improcedente a impugnação da devedora "AA, S.A., quanto ao crédito da "FF, Lda.", à excepção do montante reclamado de € 306,00 (artigo 68° da reclamação de créditos), procedendo, apenas, quanto a este valor, face ao despacho de 15.09.2017 proferido no apenso A.

A insolvente interpôs recurso no que concerne ao segmento da sentença que julgou improcedente a impugnação do crédito reclamado pela “FF”,

Distribuído o recurso na Relação de Guimarães, foi proferida decisão sumária nos termos do artigo 656º do CPC, na qual se revogou a sentença na parte impugnada e, consequentemente, reconheceu o crédito reclamado pela sociedade “FF-…, Lda.” sob condição – v. fls. 536 e seguintes.

A “FF-…, Lda.” reclamou para a conferência, mas sem sucesso, uma vez que o acórdão da conferência manteve a decisão sumária.

Apresentou, agora, recurso de revista, no qual formula 132 (!) conclusões, em que suscita, no essencial, duas questões:
- Não se tendo provado a existência de defeitos, não se justifica o accionamento da garantia da boa execução da subempreitada?
- Tendo decorrido mais de 5 anos sobre a data da recepção informal da subempreitada, o prazo de garantia mostra-se esgotado?

A recorrida contra-alegou, batendo-se pela confirmação do julgado.

*

II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

Os factos que interessam à decisão do recurso são os seguintes:

14.      Por acordo escrito datado de 29 de Março de 2010, a insolvente AA, S.A., na qualidade de empreiteira, adjudicou à credora FF, Lda. os trabalhos de serralharia da obra de construção da ..., em ..., nos termos constantes do documento junto a fls. 120-122 dos autos, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

15.      Nos termos da cláusula 7ª do aludido acordo: "Mensalmente serão elaborados autos de medição dos trabalhos executados. As facturas correspondentes a esses autos serão liquidadas a 60 dias da data de entrada das mesmas nos escritórios do primeiro outorgante."

16.      Nos termos da cláusula 8ª do aludido acordo: "Será apresentado para efeitos do contrato de qualidade dos trabalhos a executar um seguro caução ou uma garantia bancária no valor de 10% do valor contratual".

17.      Nos termos da cláusula 9ª do aludido acordo: "O segundo outorgante apresentará seguro caução ou a garantia bancária, atrás referidos até à data de entrada da primeira factura, no escritório do primeiro outorgante, podendo, em sua substituição, serem deduzidos em pagamento o valor correspondente a 10% do total da respectiva factura", o que veio a acontecer.

18.      A garantia bancária prevista na cláusula 9ª do aludido acordo não foi entregue para substituição do depósito de garantia.

19.       A credora FF dedica a sua actividade, com carácter permanente e intuito lucrativo, à serralharia civil, construção de barcos em chapa de ferro, construção e reparação de alfaias agrícolas, venda e reparação de motores de barcos fora de borda, venda de barcos em fibra.

20.       A sociedade comercial insolvente dedica a sua actividade, com carácter permanente e intuito lucrativo, à engenharia civil, construção de edifícios para venda, compra e venda de imóveis.

21.       No exercício dessa actividade, foi a reclamante contactada pela sociedade comercial insolvente que lhe solicitou os seus serviços, no âmbito da sua actividade profissional de serralharia civil.

22.       Na sequência das relações comerciais mantidas entre ambas as partes, foram emitidas diversas facturas, cujos fornecimentos de bens e de serviços acordados e contratados constam das seguintes facturas:
- factura n.º ..., com data de emissão e vencimento em 01.04.2010, do montante de € 19.177,79 (dezanove mil cento e setenta e sete euros e setenta e nove cêntimos);
- factura n.º …, com data de emissão e vencimento em 05.05.2010, do montante de € 17.097,80 (dezassete mil e noventa e sete euros e oitenta cêntimos);
- factura n.º …, com data de emissão e vencimento em 14.06.2010, do montante de € 4.274,44 (quatro mil duzentos e setenta e quatro euros e quarenta e quatro cêntimos);
- factura n.º …, com data de emissão e vencimento em 19.07.2010, do montante de € 17.378,73 (dezassete mil trezentos e setenta e oito euros e setenta e três cêntimos);
- factura n.º …, com data de emissão e vencimento em 28.09.2010, do montante de € 6.323,17 (seis mil trezentos e vinte e três euros e dezassete cêntimos);
- factura n.º …, com data de emissão e vencimento em 28.09.2010, do montante de € 4.344,69 (quatro mil trezentos e quarenta e quatro euros e sessenta e nove cêntimos);
- factura n.º …, com data de emissão e vencimento em 15.12.2010, do montante de € 5.093,83 (cinco mil e noventa e três euros e oitenta e três cêntimos);
- factura n.º …, com data de emissão e vencimento em 04.10.2011, do montante de € 139,00 (cento e trinta e nove euros);
- factura nº …, com data de emissão e vencimento em 06.01.2012, do montante de € 7.519,74 (sete mil quinhentos e dezanove euros e setenta e quatro cêntimos);
- factura nº …, com data de emissão e vencimento em 24.01.2012, do montante de € 1.510,48 (mil quinhentos e dez euros e quarenta e oito cêntimos);
- factura n.º …, com data de emissão e vencimento em 12.03.2012, do montante de € 3.723,75 (três mil setecentos e vinte e três euros e setenta e cinco cêntimos);
- factura n.º …, com data de emissão e vencimento em 14.03.2012, do montante de € 2.633,72 (dois mil seiscentos e trinta e três euros e setenta e dois cêntimos);
- factura n…., com data de emissão e vencimento em 25.05.2012, do montante de € 2.136,12 (dois mil cento e trinta e seis euros e doze cêntimos);
- factura n.º …, com data de emissão e vencimento em 14.06.2012, do montante de € 9.615 15 (nove mil seiscentos e quinze euros e quinze cêntimos);
- factura n. º …, com data de emissão e vencimento em 03.07.2012, do montante de € 1.622,73 (mil seiscentos e vinte e dois euros e setenta e três cêntimos);
- factura n.º …, com data de emissão e vencimento em 18.07.2012, do montante de € 579,51 (quinhentos e setenta e nove e cinquenta e um cêntimos);
- factura n.º …, com data de emissão e vencimento em 27.07.2012, do montante de € 576,20 (quinhentos e setenta e seis euros e vinte cêntimos);
- factura n.º …. com data de emissão e vencimento em 02.08.2012, do montante de € 283,53 (duzentos e oitenta e três euros e cinquenta e três cêntimos);
- factura n.º … com data de emissão e vencimento em 02.08.2012, do montante de € 8.761,60 (oito mil setecentos e sessenta e um euros e sessenta cêntimos);
- factura n.º … com data de emissão e vencimento em 02.08.2012, do montante de € 660,88 (seiscentos e sessenta euros e oitenta e oito cêntimos);
- factura n.º …, com data de emissão e vencimento em 02.08.2012, do montante de € 924,00 (novecentos e vinte e quatro euros);
- factura n.º …, com data de emissão e vencimento em 07.08.2012 do montante de € 377,00 (trezentos e setenta e sete euros);
- factura n.º …, com data de emissão e vencimento em 13.08.2012 do montante de € 388,00 (trezentos e oitenta e oito euros);
- factura n.º …. com data de emissão e vencimento em 09.12.2013 do montante de € 4.422,77 (quatro mil quatrocentos e vinte e dois euros e setenta e sete cêntimos), que ora se juntam e cujo teor, por economia e brevidade processual, se dão por integralmente reproduzidos para os devidos e legais efeitos.

23.      A reclamante aceitou prestá-los pelo preço total de € 119.564,63 (cento e dezanove mil quinhentos e sessenta e quatro euros e sessenta e três cêntimos), IVA - autoliquidação.

26.      As referidas facturas foram enviadas à sociedade comercial insolvente, que as recebeu, não tendo apresentado qualquer reclamação em relação às mesmas.

27.      Foram elaborados três autos de vistoria (recepção provisória e recepção provisória parcial) nos termos constantes de fls. 331 a 337 dos presentes autos, datados, respectivamente, de 12 de Março de 2014, 30 de Outubro de 2012 e 24 de Agosto de 2012.

29.       No dia 11 de Julho de 2016 a insolvente enviou à credora FF a missiva constante de fls. 200 dos autos.

30.      A credora reclamante exigiu o pagamento do seu crédito no início do ano de 2016.

31.      No dia 23.02.2016, a sociedade comercial insolvente aceitou uma letra, sacada pela credora reclamante, para pagamento da quantia em dívida supra referida, no valor de € 11.864,89, com vencimento no dia 15.07.2016.

32.      Com a emissão e com a operação de desconto do título de crédito, a credora reclamante incorreu em despesas bancárias, de juros de mora, de comissão de cobrança e de imposto de selo, no valor total de € 387,96.

33.      A sociedade comercial insolvente exigiu à credora reclamante a prestação de garantia autónoma (bancária) a seu favor, para garantia de boa e integral execução e exacto e pontual cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de subempreitada, celebrado entre a beneficiária da garantia (insolvente) e a dadora de ordem (reclamante), no dia 29.03.2010, à primeira solicitação (“on first demand").

34.       Por via disso, incorreu em despesas bancárias, de comissão e de imposto de selo, no valor total de € 399,04.

35.      No início do mês de Junho de 2016, antes da instauração do PER, a credora reclamante devolveu o documento original da garantia autónoma (bancária) supra mencionada, tendo a instituição bancária, por isso, procedido ao seu cancelamento.

36.       A insolvente AA, S.A. enviou à credora uma missiva, datada de 8 de Maio de 2017, nos termos constantes do documento junto a fls. 125 e seguintes e cujo teor aqui se dá integralmente reproduzida.

37.      A insolvente remeteu à credora a missiva, datada de 26 de Janeiro de 2017, constante de fls. 123, cujo teor se dá por reproduzido.

            O DIREITO

           Há um esclarecimento prévio que se justifica no que respeita ao regime recursório aplicável ao caso concreto.
            A recorrente firma-se no disposto no artigo 14º, n.º 1, do CIRE e acena com o acórdão-fundamento de 18.12.2012 do Tribunal da Relação de Lisboa para identificar o conflito jurisprudencial que legitima a possibilidade de recurso à luz daquela norma.
            Contudo, não é esse regime especial que aqui se aplica.
           Com efeito, tal regime apenas abrange os recursos de decisões proferidas em processo de insolvência, nos incidentes neste processados, e nos embargos opostos à sentença que declara a insolvência. Já quanto às decisões proferidas em incidentes processados por apenso ao processo de insolvência, as mesmas são susceptíveis de recurso nos termos gerais, aplicando-se as regras do processo civil por efeito da remissão do artigo 17º do CIRE.
            Encaixa nesta última categoria a situação dos autos, uma vez que o incidente de verificação e graduação de créditos corre por apenso ao processo de insolvência (artigo 132º do CIRE).
           Ora, sendo assim, e detectando-se desconformidade decisória entre a sentença da 1ª instância e o acórdão da Relação de Guimarães (que revogou aquela na parte que ora interessa), o recurso de revista normal encontra aceitação no disposto no artigo 671º, n.º 3, a contrario, do CPC.
            Decorre do exposto a desnecessidade de invocação de qualquer acórdão-         -fundamento como base para a admissão do recurso, o que não significa que não se deva ter em consideração toda a jurisprudência que possa trazer contributos para a boa decisão da causa.

           Passemos, então, à análise da substância, recordando que a fulcralidade da questão jurídica a dilucidar é saber se o crédito reclamado pela sociedade "FF-            …, Lda.", relativo à retenção de 10% do valor dos trabalhos inscrito em cada factura como garantia da boa execução dos trabalhos, deve ser reconhecido como crédito sob condição.
Foi esta a qualificação adoptada pelo acórdão recorrido, com o fundamento de que a obra de subempreitada realizada pela credora não foi recebida pela empreiteira, nem provisória nem definitivamente, acrescentando que esta havia denunciado àquela vários defeitos na execução da subempreitada e que não ficou demonstrado que estes tenham sido objecto de reparação. Nessa medida, considerou o acórdão recorrido que “enquanto não forem recebidos definitivamente os trabalhos ou demonstrado que as obrigações contratuais que impendiam sobre a subempreteira, aqui credora, foram cumpridas, é que esta tem direito ao recebimento das quantias retidas pela insolvente, a título de garantia”.

           A lei insolvencial qualifica crédito sob condição do seguinte modo (artigo 50º do CIRE):
1 - Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respetivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico.
2 - São havidos, designadamente, como créditos sob condição suspensiva:
a) Os resultantes da recusa de execução ou denúncia antecipada, por parte do administrador da insolvência, de contratos bilaterais em curso à data da declaração da insolvência, ou da resolução de actos em benefício da massa insolvente, enquanto não se verificar essa denúncia, recusa ou resolução;
b) Os créditos que não possam ser exercidos contra o insolvente sem prévia excussão do património de outrem, enquanto não se verificar tal excussão;
c) Os créditos sobre a insolvência pelos quais o insolvente não responda pessoalmente, enquanto a dívida não for exigível.
Os créditos sob condição obedecem a um regime próprio na fase de pagamento, consoante sejam créditos sob condição suspensiva ou créditos sob condição resolutiva (cfr. artigos 181º e 94º, respectivamente, do CIRE).
Em nosso entender, a qualificação do crédito sob condição, operada pelo acórdão da Relação de Guimarães, não merece reparo, embora seja necessário introduzir algumas alterações ao modo como tal qualificação foi realizada.

O acordo negocial estabelecido entre a empreiteira insolvente “AA, S.A.” e a credora subempreiteira “FF – …, Lda.” prevê, na cláusula 12ª, que “a empreitada (…) reger-se-á pelo Decreto-Lei n.º 18/2008, de 29 de Janeiro, que estabelece o Código dos Contratos Públicos. Fica acordado que o segundo outorgante assume perante o primeiro outorgante todos os direitos e deveres que ele, primeiro outorgante, por força do citado Decreto-Lei assume perante o dono da obra” – cfr. “Contrato de Subempreitada”, a fls. 120-122.
Sobre a recepção provisória e definitiva da obra regem os artigos 394º a 398º desse diploma.
Assim, de acordo com o n.º 1 do artigo 394º, a recepção provisória da obra depende da realização de vistoria, que deve ser efectuada logo que a obra esteja concluída no todo ou em parte, mediante solicitação do empreiteiro ou por iniciativa do dono da obra, tendo em conta o termo final do prazo total ou dos prazos parciais de execução da obra.
O n.º 2 do mesmo artigo dispõe que a vistoria é feita pelo dono da obra, com a colaboração do empreiteiro, e tem como finalidade, em relação à obra a receber, designadamente:
a) Verificar se todas as obrigações contratuais e legais do empreiteiro estão cumpridas de forma integral e perfeita;
b) Atestar a correcta execução do plano de prevenção e gestão de resíduos de construção e demolição, nos termos da legislação aplicável.
Da vistoria é lavrado auto, assinado pelos intervenientes, do qual deve constar se a obra está, no todo ou em parte, em condições de ser recebida e deve ainda conter informação sobre o modo como se encontram cumpridas as obrigações contratuais e legais do empreiteiro, identificando, nomeadamente, os defeitos da obra – artigo 395º, n.º 1 e n.º 2, alínea a).
No caso de serem identificados defeitos da obra que impeçam, no todo ou em parte, a recepção provisória da mesma, a especificação de tais defeitos no auto, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2, é acrescida da declaração de não recepção da obra ou da parte da mesma que não estiver em condições de ser recebida e dos respectivos fundamentos – n.º 5.
No entanto, ainda que tais formalidades não sejam observadas, a obra considera-se tacitamente recebida sempre que a mesma seja afecta pelo dono da obra aos fins a que se destina, sem prejuízo da obrigação de garantia regulada no artigo 397º, sendo que, segundo este artigo, o prazo de garantia inicia-se na data da assinatura de recepção provisória, estando o empreiteiro obrigado a corrigir todos os defeitos da obra nesse mesmo prazo, que é de 5 anos para os defeitos relativos a elementos construtivos não estruturais ou a instalações técnicas (como será o caso dos trabalhos de serralharia) – artigos 395º, n.º 8 e 397º, n.º 1 e n.º 2, alínea b).
O empreiteiro tem a obrigação de corrigir, a expensas suas, todos os defeitos da obra e dos equipamentos nela integrados que sejam identificados até ao termo do prazo de garantia, entendendo-se como tais, designadamente, quaisquer desconformidades entre a obra executada e os equipamentos fornecidos ou integrados e o previsto no contrato – artigo 397º, n.º 5.

Dito isto, é um dado perfeitamente assente que entre a insolvente e a credora foi celebrado um contrato de subempreitada, que é aquele pelo qual um terceiro se obriga para com o empreiteiro a realizar a obra a que este se encontra vinculado, ou uma parte dela – cfr. artigo 1213º, n.º 1, do CC.
A subempreitada é um contrato subordinado, assumindo o empreiteiro, na prática, a posição de dono da obra. Por isso, se forem detectados defeitos no âmbito da sua execução, o empreiteiro pode exigir do subempreiteiro a reparação ou os demais direitos que a lei reconhece ao dono da obra.
No entanto, uma vez que o dono da obra é alheio ao contrato de subempreitada, a responsabilidade do subempreiteiro mantém-se enquanto persistir, perante o dono da obra, a responsabilidade do empreiteiro.
Havendo denúncia ao empreiteiro de defeitos, por parte do dono da obra, deverá ele transmiti-la ao subempreiteiro no prazo de 30 dias para se poderem efectivar os direitos que decorrem dos artigos 1221º e seguintes do CC – artigo 1226º do CC.
Importa, todavia, atentar na disposição do n.º 2 do artigo 1220º do CC, segundo a qual equivale à denúncia o reconhecimento, por parte do empreiteiro da existência dos defeitos. E importa ainda destacar o que vem disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 1219º: o empreiteiro não responde pelos defeitos da obra, se o dono a aceitou sem reserva, com conhecimento deles, presumindo-se conhecidos os defeitos aparentes, tenha ou não havido verificação da obra.
Pois bem:
Os três autos de recepção provisória da obra, constam de fls. 331 (12.03.2014), 332 (30.10.2012) e 337 (24.08.2012) e em nenhum deles é identificado qualquer defeito ou desconformidade em relação à obra de serralharia a cargo da FF. 
Vejamos com mais pormenor cada um desses autos, sendo que em todos eles apenas participaram, como se impunha, o dono da obra (Fábrica Paroquial da Igreja de...), a empresa de fiscalização (HH, Lda.) e a empresa adjudicatária (AA, …, S.A.).
O auto de vistoria de recepção provisória de 24.08.2012 refere-se à empreitada de execução dos arranjos exteriores e do espaço de estacionamento da igreja, tendo-se concluído pela recepção provisória condicionada à realização dos seguintes trabalhos, até ao dia 31.08.2012: ligação das árvores aos tutores, substituição de espécies arbustivas deterioradas, remate com pedra junto à coluna de iluminação pública, substituição das pedras partidas no lajeado da passadeira, ligação definitiva da iluminação pública, tamponamento do orifício da caleira no fim das escadas e dos tubos na entrada do PT, reforço das drenagem das águas pluviais na praceta do lajeado em frente à escadaria.
No segundo auto de vistoria, de recepção provisória parcial (3ª Fase da obra), datado de 30.10.2012, foram exceptuados da recepção cinco elementos dos compartimentos 13, 6, 7 e 8 (bar) do piso 1 (‘cerbran’ na parede da zona baixa do bar, colocação da chaminé, substituição de quatro pedras de mármore ‘...’ na entrada da nave junto ao vão V33, rectificação da pedra do altar e rectificação dos danos existentes na parede acústica na zona do coro) e dois elementos do espaço exterior (acabamento e impermeabilização nos poços Ingleses e adequada conformidade das caleiras na cobertura).
Finalmente, no último auto de recepção provisória (3ª Fase – Acabamentos – Licença de Utilização), concluiu-se pela recepção provisõria condicionada à realização dos seguintes trabalhos de reparação: fornecimento e aplicação da porta corta-fogo de 2 folhas, reparação das juntas nos rodapés, substituição de duas luminárias na caixa de escadas, execução de claraboia de desenfumagem na laje da caixa de escadas, limpeza geral da obra, formação aos utilizadores, apresentação das telas finais das especialidades previstas e tratamento das infiltrações junto à entrada principal. Estabeleceu-se como prazo para a conclusão destes trabalhos, com excepção do último, o dia 04.04.2014.
Por carta que expediu em 26.01.2017 à FF, a insolvente informou aquela de que tinham sido detectadas, na subempreitada, “patologias, deficiências e inconformidades”, conforme estudo/peritagem que fez anexar, solicitando que a FF apresentasse, em 8 dias, um plano detalhado de intervenção – documento de fls. 123.
Como a FF nada disse, a insolvente através da carta de 08.05.2017, comunicou-lhe que reverteria “definitivamente a favor das reparações necessárias” a totalidade das retenções efetuadas, no montante de 11.864,89 €”, considerando que o valor total dessas reparações está orçado em 103.596,62 € - documento de fls. 125.
Já em 11.07.2016 a insolvente tinha enviado uma missiva à FF, na qual lhe dava conta da reclamação feita pela dona da obra em 23.06.2016, na qual esta indicava os seguintes defeitos: aparecimento de ferrugem em vários módulos por má galvanização, falência dos puxadores das portas interiores e exteriores, má impermeabilização dos vitrais/janelas em termos de humidade – cfr. carta de fls. 200 e verso, conforme ponto 29. dos factos provados.
Diz a recorrente que a alegação e correspondente prova da existência de defeitos tinha de ser feita pela insolvente nestes autos, e sublinha que não é pelo facto de a insolvente provar que enviou determinadas comunicações a denunciar alegados defeitos ou que comunicou que vai accionar determinada garantia que fica demonstrado que aqueles efectivamente existiam –conclusões 3ª a 27ª.
Na versão da recorrente, tudo se resumiria ao seguinte: não se provando a existência de defeitos na execução da subempreitada, não havia razão para accionar a garantia da sua boa execução consubstanciada na retenção de 10% do valor facturado.
É verdade que no elenco dos factos provados não existe a mínima referência à existência de defeitos na execução da subempreitada, sendo também indiscutível que cabia à empreiteira insolvente alegá-los e prová-los, segundo a regra geral do ónus da prova, ínsita no artigo 342º, n.º 1, do CC. Também de harmonia com o artigo 130º, n.º 1, do CIRE, é ao impugnante que cabe alegar e provar os factos em que se consubstancia a indevida inclusão ou exclusão do crédito reconhecido, a incorrecção do respectivo montante, ou a sua qualificação.
Ora, as comunicações escritas que a insolvente dirigiu à credora FF, referidas nos pontos 29., 36. e 37. dos factos provados, não são suficientes para, no plano do real, dar como verificadas situações reveladoras de desconformidades, patologias ou deficiências na execução da subempreitada.
Insiste-se na afirmação de que nenhum auto de vistoria de recepção provisória apontou qualquer defeito à obra de que a subempreiteira foi encarregada pela insolvente.
Mas isto, só por si, não afasta a garantia nem, consequentemente, a qualificação de crédito sob condição.
A retenção, pela empreiteira, de 10% do valor de cada factura da subempreiteira funciona como caução, na justa medida em que garante o exacto e pontual cumprimento de todas as obrigações legais e contratuais assumidas com a celebração do contrato, conforme resulta claramente do artigo 88º, n.º 3, do DL 18/2018.
A característica principal da garantia prestada é a sua autonomia e independência em relação à obrigação garantida.
Ora, como acima se disse, o prazo de garantia inicia-se com a recepção provisória da obra, sendo que, no respectivo auto, apenas intervêm o dono da obra e o empreiteiro, porquanto é apenas este que responde perante aquele por eventuais defeitos ou anomalias. Neste particular, não se subscreve o que se escreveu na seguinte passagem do acórdão recorrido: “Os autos de recepção provisória juntos aos autos não tiveram qualquer intervenção da credora, subempreiteira, razão pela qual não têm, sob o ponto de vista legal, qualquer utilidade para a contagem do prazo de garantia da boa execução dos trabalhos”.
Também já se referiu que para os trabalhos desenvolvidos pela subempreiteira o prazo de garantia é de 5 (cinco) anos.
Resta apurar qual o efectivo início desse prazo, uma vez que nos autos existem três autos de recepção provisória.
Destas contas facilmente se exclui o auto de 24.08.2012, que apenas se reportou à fase de execução dos arranjos exteriores da Igreja. Igualmente nos parece de excluir o auto de recepção provisória parcial de 30.10.2012, em que apenas foi aceite “parte dos trabalhos que constituem a empreitada”, conforme melhor explicitado a fls. 332.
Tal como ponderado no acórdão recorrido, será o último dos autos (12.03.2014) aquele que deverá servir de referência para o início do prazo de garantia. A alusão, logo no preâmbulo do auto, à licença de utilização (que, como é consabido, se destina à verificação, pela autoridade administrativa competente, da conformidade do imóvel com as condições exigidas por lei), a menção de que se procedeu “à vistoria de todos os trabalhos que constituem a referida empreitada”, e o condicionamento da recepção provisória, entre o mais, à “limpeza geral da obra” e à “formação dos utilizadores”, sedimentam a percepção de que a obra se encontrava concluída.
Isto equivale a dizer que todos os outros defeitos que eventualmente surgissem após essa data, na obra executada, ou seriam defeitos ocultos, que embora existindo ainda não se manifestavam à data da recepção provisória, ou seriam defeitos supervenientes, que se manifestariam depois dessa recepção.
A retenção de 10% do valor garante, precisamente, o eventual aparecimento de defeitos ao longo do prazo de garantia, prazo este que apenas se esgotou em 12.03.2019, ou seja, já depois de deduzida a impugnação da insolvente (01.09.2017 – v. fls. 135) e de proferido o acórdão recorrido (04.10.2018 – v fls. 710).
Avançando com o fundamento de que a Igreja foi inaugurada em 07.09.2012, defende a recorrente que a obra por si realizada foi tacitamente recebida, pelo que, tendo já decorrido mais de 5 anos sobre esse acontecimento, o prazo de garantia mostra-se exaurido.
Além de nada haver que, factualmente, confirme esta afirmação da recorrente, o certo é que, como bem se afirma no acórdão recorrido, “a inauguração da igreja não consubstancia um facto suficiente para se concluir que a obra está totalmente apta aos fins a que se destina, pelo que não se pode concluir pelo seu recebimento tácito (…)”, podendo ainda aduzir-se que, mesmo que tal fosse assumido, isso não era impeditivo da manutenção da garantia, como expressamente previsto no .º 8 do artigo 395º.
Deste modo, mantendo-se o prazo de garantia até ao dia 12.03.2019, o crédito da recorrente só podia ser qualificado como crédito sob condição (suspensiva).

                                                                       *

III. DECISÃO

Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido nos termos acima expostos.

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Custas pela recorrente.

                                                           *

                                                          
LISBOA, 27 de Junho de 2019

Henrique Araújo (Relator)
Maria Olinda Garcia
Ricardo Queirós

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[1] Relator:        Henrique Araújo
 Adjuntos:      Maria Olinda Garcia
                         Raimundo Queirós