Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1998/12.1TBMGR.C1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: SILVA SALAZAR
Descritores: EXECUÇÃO FISCAL
COMPRA E VENDA
COMPETÊNCIA MATERIAL
Data do Acordão: 02/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - TRIBUNAL / COMPETÊNCIA INTERNA / COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
DIREITO TRIBUTÁRIO - PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO.
ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA - ORGANIZAÇÃO E COMPETÊNCIA DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS / COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO (CPPT), APROVADO PELO DEC. – LEI N.º 433/99, DE 26 DE OUTUBRO: - ARTIGO 257.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGO 64.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 211.º, N.º1, 212.º, N.º3.
ESTATUTO DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS (ETAF), APROVADO PELA LEI N.º 13/2002, DE 19/02: - ARTIGOS 1º, 4.º, N.º 1, F), 49.º, N.º 1, AL. D).
ESTATUTO DOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS E FISCAIS (ETAF): - ARTIGOS 4.º, N.º 1, AL. F), 49.°, N.° 1, AL. D).
LEI ORGÂNICA DO FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS (LOFTJ): - ARTIGO 18.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DOS CONFLITOS:
-DE 21 DE MAIO DE 2008, N.º DE PROC. 01/08, EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
São materialmente competentes para conhecer da validade ou não de um contrato de compra e venda decorrente de uma execução fiscal, em que tal venda é forçada e concretizada pela entidade pública exequente, sendo comprador um particular, os tribunais do foro administrativo e tributário
Decisão Texto Integral:
            

              Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

             AA e mulher, BB, instauraram em 26/12/2012 ação declarativa, com processo comum e forma sumária, contra CC, DD, EE, e Ministério das Finanças (Serviço de Finanças da Marinha Grande), formulando o seguinte pedido:

              a) Condenarem-se os RR. a reconhecer que os AA. são donos e legítimos proprietários do prédio identificado no artigo 1º, o qual se encontra atravessado por um caminho que o dividiu em duas partes, conforme o art.º 14°, que é o art.º …, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o …/Marinha Grande;

             b) Declarar-se que o prédio rústico, que é o art.º …, não corresponde ao prédio dos AA., e que houve um lapso no processo executivo n.º …, ao identificarem o prédio penhorado como parte do prédio pertencente aos AA.

              c) Condenarem-se os RR., CC, DD e Ministério das Finanças, a pagarem aos AA., a título de indemnização pelos danos que lhes causaram, todas as despesas que eles já fizeram com os embargos e com esta ação, incluindo os honorários a pagar ao seu advogado, a liquidar em execução de sentença, por não estarem apurados;

             d) E, se o prédio rústico, com o art.º …, constitui uma duplicação de parte do prédio dos AA., declarar-se que tal prédio não existe e que houve uma venda de bens alheios, feita, aliás, de má fé e, sendo assim, tal venda é nula e de nenhum efeito para os AA.

              Alegaram para tanto, em síntese, que, por o haverem adquirido por usucapião e por beneficiarem da presunção de propriedade decorrente do registo a seu favor na Conservatória do Registo Predial, são donos e possuidores do prédio urbano com a superfície coberta de 49 m2, descoberta de 60 m2 e logradouro de 372 m2, sito em ..., na freguesia da Marinha Grande, que confronta do norte com FF, do sul com Herdeiros de GG, do nascente e poente com HH, inscrito na respectiva matriz sob o artigo … e descrito na Conservatória do Registo Predial da Marinha Grande sob o n° …; que esse prédio se encontra dividido em duas partes por um caminho; que o R. DD inscreveu na matriz Predial da Marinha Grande, como tratando-se de prédio autónomo seu, uma das partes daquele imóvel, tendo-lhe sido atribuído o artigo rústico …, vendendo-o mais tarde ao R. CC; que o Serviço de Finanças da Marinha Grande penhorou tal “prédio”, em processo movido contra o R. CC, e, apesar da oposição dos AA., procedeu à venda do mesmo ao R. EE; e que, mercê da atuação dos RR., sofreu danos, dos quais pretende ser indemnizado.

            O Serviço de Finanças da Marinha Grande contestou por exceção e por impugnação. Por exceção, arguiu a sua falta de personalidade judiciária. Por impugnação, contrariou a factualidade alegada pelos AA.

            Também o R. EE contestou por exceção e por impugnação, deduzindo ainda pedido de condenação dos AA. por litigância de má fé. Por exceção, arguiu a ineptidão da petição inicial, a incompetência material do Tribunal, a irregularidade do mandato conferido pelos AA. ao seu advogado, e o abuso de direito. Por impugnação, contrariou a factualidade alegada pelos AA.

             Igualmente o R. DD contestou por exceção e por impugnação, deduziu reconvenção e pediu a condenação dos AA. por litigância de má fé. Por exceção, arguiu a sua ilegitimidade. Por impugnação, contrariou os factos alegados na petição inicial. Em reconvenção, pediu que seja “declarado procedente por provado o esbulho e posse indevida da propriedade do R., com recurso a justificação falsa, devendo a mesma ser anulada, na parte em que pretende usurpar a propriedade do R., este que tem posse, pública, de boa fé, titulada, há quase 40 anos” e que seja “ainda o A. condenado a pagar danos morais e condenado como litigante de má fé e abuso de direito“.

             Os AA. replicaram, concluindo como na petição inicial.

             Juntos pelas partes, a convite do tribunal, formulado nos termos do art.º 5º, n.º 4, da Lei n.º 41/2013, de 26/06, os requerimentos probatórios, foi, em 24/10/2013, proferido despacho convidando os AA. a sanarem a irregularidade do mandato conferido ao seu advogado, bem como a juntarem “certidão do processo de execução fiscal, designadamente da fase de venda do imóvel alegado, devendo constar da certidão a data da venda alegada.”

            Satisfeito o convite, foi, em 22/01/2014, proferido despacho julgando o Tribunal materialmente incompetente e absolvendo os RR. da instância.

             Inconformado, o A. apelou, com êxito, uma vez que a Relação, por acórdão de 16/09/2014, concedeu provimento ao recurso e, revogando a decisão da 1ª instância, declarou o Tribunal comum materialmente competente para os termos da presente ação.

            O réu DD interpôs a presente revista, como excecional, mas que, por decisão da formação de apreciação preliminar respetiva, foi admitida como revista normal, apresentando alegações que terminou com as seguintes conclusões:

            1º - O tribunal administrativo, como bem decidiu o tribunal de primeira instância, tem competência para esta matéria, já que a penhora e execução fiscal é a causa de pedir, por eventual erro decretada, e não o tribunal cível como aqui se diz porque este é também um dos pedidos subsidiários formulados; a atividade fiscal do ESTADO é uma competência definida na CRP nos poderes da AP; Com a autoridade do Estado e competência do Ministério das Finanças.

            2ª - É a anulação da penhora e venda do bem em execução fiscal a causa de pedir, porque alegadamente se penhorou e vendeu bem alheio, e não é a declaração do direito de propriedade, como diz este douto acórdão recorrido, esta só subsidiariamente é pedida a sua apreciação e como elemento necessário para que a anulação do ato seja decretada.

            3º - Para anular a penhora será necessário conhecer previamente a questão do direito de propriedade, mas a magna questão de saber o que tem o MF a ver com essa declaração de direito de propriedade, até porque o tribunal cível não pode, por falta de competência, anular a penhora realizada pelo MF.

            4º - Para a determinação da natureza, pública ou privada, da relação litigiosa, assim constituída entre Estado/Administração e o particular, e da consequente determinação do tribunal competente para dela conhecer, deve considerar-se a ação (pedido e causa de pedir), tal como foi proposta pelo particular/autor, tendo ainda em conta as demais circunstâncias disponíveis pelo Tribunal que possam relevar da exata configuração da causa proposta, e esta foi de que o R/MF penhorou e vendeu coisa alheia à dívida.

            5º - É o recorrido que o aceitou expressamente ao ter previamente colocado esta matéria no TAF, como ele próprio alegou e provou na PI e nas alegações de recurso admitir esta incompetência material do tribunal cível quanto ao ato praticado pelo R/MF.

             6º - Esta competência decorre ainda da CRP, art.º 212º, n.º 3, e art.º 22º, consagra o princípio da responsabilidade patrimonial direta das entidades públicas por danos causados aos cidadãos resultantes do exercício das funções política, legislativa, administrativa e jurisdicional; e abrange quer a responsabilidade do Estado por atos ilícitos, quer por atos lícitos, quer pelo risco, conforme ainda art.º 1º e 49º do ETAF, e 97º, 257º do CPPT.

             7º - Estão pois violados os art.ºs 22º, 212º, da CRP; art.º 1° e 49º do ETAF; art.º 97º e 257º do CPPT, já que sendo o ato da AF o lesivo dos interesses do cidadão, é este que cabe anular, e que, uma vez anulado, repõe o direito que pretende acautelar, pese embora o Recorrido e bem entenda que deve colocar questões prévias e necessárias para a realização do seu direito, que alega violado pela AF esta por força de outros atos que o recorrido alega terem ocorrido. A simples confirmação de tais atos praticados eventualmente por terceiros não repõe o direito que a AF terá violado, no dizer do A.

            Termina pedindo que seja anulado o acórdão recorrido e que seja mantida a sentença do Tribunal da 1ª instância, declarando-se a caducidade desta ação por ter decorrido mais de um ano, após a pretensa prática dos factos que diz terem causado o ERRO da AF, e porque quer a caducidade quer a prescrição são do conhecimento oficioso, condenando o recorrido como litigante de má fé e abuso de direito (a um tempo considera o TAF competente, a outro tempo considera o cível).

            Não houve contra alegações. 

            Colhidos os vistos legais, cabe decidir, tendo em conta que os factos relevantes para a decisão do recurso são as que decorrem do antecedente relatório.

            A única questão objeto da presente revista é a de saber qual o tribunal materialmente competente para a causa: se o Tribunal Comum, se o Tribunal Administrativo. Isto é, saber se são os Tribunais do foro administrativo ou os do foro comum os materialmente competentes para conhecer da validade ou não de um contrato de compra e venda decorrente de uma execução fiscal, em que tal venda é forçada e concretizada pela entidade pública exequente, sendo comprador um particular.

           A 1ª instância considerou competente a esse título o Tribunal Administrativo, invocando no essencial que “o que os AA. pretendem com a presente ação e o que peticionam na mesma, é que se anule a venda realizada em sede de execução fiscal com base no facto de ter sido vendida coisa alheia por erro quanto ao objeto (imóvel) da referida venda. Os demais pedidos são, pois, por assim dizer, instrumentais e dependentes deste pedido, já que para se dizer que se vendeu coisa alheia é necessário declarar que os AA. dela são proprietários, e que, por isso, o prédio dos mesmos não é o prédio referido em sede de execução fiscal, peticionando ainda que os RR. sejam assim condenados no pagamento das despesas dos AA. com os embargos e com a presente ação, bem como honorários do seu il. Mandatário nos referidos autos “.

            Mais entendeu que “estamos perante um pedido de apreciação da validade de um contrato de compra e venda celebrado no âmbito de um processo de execução fiscal em que o Estado/Fazenda Nacional é o vendedor e II, como particular, é comprador, validade esta que vem posta em causa pelos AA. por, em termos de causa de pedir, entenderem ter sido alienado em execução fiscal um prédio que lhes pertence (e portanto bem alheio relativamente ao vendedor) ou, no limite, um bem que não tem existência física autónoma“.

            Consequentemente, apoiando-se no preceituado nos art.ºs 4º, n.º 1, al. f), e 49°, n° 1, al. d), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e nos art.ºs 248° e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), concluiu-se na decisão daquela instância, como se disse, pela incompetência absoluta do Tribunal da Marinha Grande para preparar e decidir a ação e, consequentemente, pela absolvição dos RR. da instância, por tal competência caber aos tribunais fiscais.

             Por sua vez, o acórdão recorrido entendeu, diversamente, que a competência a esse título cabia ao Tribunal Judicial da Marinha Grande, por no essencial o pedido principal ser o de condenação dos réus a reconhecerem que os autores são donos e legítimos proprietários de determinado prédio, por o haverem adquirido por usucapião e por beneficiarem de presunção de registo a seu favor, sendo instrumentais e dependentes os demais pedidos formulados, nomeadamente os de declaração de que o prédio vendido em execução fiscal não corresponde ao prédio dos autores, tendo havido lapso no processo executivo ao ser identificado o prédio penhorado como parte do prédio pertencente aos autores, e de que, para o caso de ser entendido que o prédio vendido na execução fiscal constitui uma duplicação de parte do prédio dos autores, tal prédio não existe, tendo havido uma venda de bens alheios, feita de má fé e nula e de nenhum efeito para os autores.

         Importa ter em conta que, nesta ação, proposta por quem se arroga a qualidade de proprietário do imóvel vendido em execução fiscal interposta contra terceiro que, segundo afirma, não era proprietário de tal imóvel, - que consequentemente não respondia pelas dívidas fiscais do executado -, o pedido não consiste apenas no reconhecimento do direito de propriedade dos autores sobre tal imóvel com base em usucapião e em presunção derivada do respetivo registo a seu favor na CRP, mas também na declaração de nulidade do contrato de compra e venda por esta ter por objeto bem alheio ou então sem existência jurídica autónoma. Começam efetivamente os autores por invocar a presunção resultante do registo a seu favor, para continuarem com a articulação de factos integrantes da aquisição, por eles, do direito de propriedade sobre o imóvel vendido na execução fiscal por via de usucapião; e, com base nisso, ou seja, na circunstância de terem adquirido, eles autores, o aludido imóvel, é que pretendem finalmente a declaração de nulidade da venda em causa, seja por se tratar de venda de bens alheios seja por se tratar de bem inexistente juridicamente de forma autónoma. Isto é, o objetivo final da presente ação é mesmo a pedida declaração de nulidade, sendo a invocação de factos demonstrativos da propriedade dos autores o meio para conseguirem essa declaração. Donde que se conclua pela razão que assiste à sentença da 1ª instância quanto a tal aspeto.                 

            Como é sabido, a competência do Tribunal em razão da matéria é determinada pela natureza da relação jurídica tal como apresentada pelo autor na petição inicial, confrontando-se o respetivo pedido com a causa de pedir e sendo tal questão, da competência ou incompetência em razão da matéria do Tribunal para o conhecimento de determinado litígio, independente, quer de outras exceções eventualmente existentes, quer do mérito ou demérito da pretensão deduzida pelas partes, não havendo aqui, em consequência, que apurar se existe por exemplo algum obstáculo à coligação de réus, ou se se verifica falta de personalidade judiciária de algum deles, ou se a eventual nulidade da compra e venda em causa respeita apenas às respetivas partes outorgantes, em que os autores não se incluem, sendo, quanto a eles, se efetivamente forem donos do bem vendido, porventura ineficaz. Acresce que a competência dos Tribunais da ordem judicial obedece ao princípio da residualidade, ou seja, são da sua competência material as causas que não sejam por lei atribuídas à competência dos Tribunais de outra ordem jurisdicional, conforme dispõem os art.ºs 64º do NCPC e 18º, n.º 1, da LOFTJ, em harmonia com o disposto no art.º 211º, n.º 1, da Constituição da República.

         Assim, como na hipótese presente o conflito é delineado entre Tribunais da ordem judicial e Tribunais da ordem administrativa, há que averiguar qual o âmbito da competência material dos Tribunais desta última ordem.

         A Constituição, no n.º 3 do art.º 212º, ao falar da jurisdição administrativa, delimita-a pelo objetivo de dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.

          Em observância desse dispositivo constitucional, no quadro da administração da justiça, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19/02, dispõe no seu art.º 1º que os Tribunais da ordem administrativa e fiscal são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo nos litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais. E, no seu art.º 4º, n.º 1, enuncia os critérios de determinação da competência dos Tribunais administrativos e fiscais a partir de litígios que tenham nomeadamente por objeto (entre outros que não relevam para o presente conflito), questões relativas à interpretação, validade e execução de contratos de objeto passível de ato administrativo, de contratos especificamente a respeito dos quais existam normas de direito público que regulem aspetos do respetivo regime substantivo, ou em que uma das partes seja uma entidade pública ou um concessionário que atue no âmbito da concessão e que as partes tenham expressamente submetido a um regime substantivo de direito público (al. f).

          Por outro lado, o Código de Procedimento e de Processo Tributário – C.P.P.T. – (Dec. – Lei n.º 433/99, de 26 de Outubro), regulamenta no seu Título IV a execução fiscal, respeitando os art.ºs 248º e seguintes precisamente à venda de bens penhorados, e no seu art.º 257º, n.º 1, estipula prazos e causas específicas de anulação da venda, indicando nomeadamente os casos que se fundem na existência de algum ónus real que não tenha sido tomado em consideração e não tenha caducado, ou um erro sobre o objeto transmitido ou sobre as suas qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado, ou nos restantes casos previstos no Código de Processo Civil.

          Acresce que o art.º 49º, n.º 1, al. d), do E.T.A.F., atribui aos tribunais fiscais a competência para conhecer da anulação da venda, ou seja, dos vícios contemplados no citado art.º 257º, dispondo além do mais que compete aos tribunais tributários conhecer “dos incidentes, embargos de terceiro, reclamação da verificação e graduação dos créditos, anulação da venda, oposições e impugnação de atos lesivos, …”.

            Subsiste, assim, como questão, saber se o pedido de declaração de nulidade da venda concretizada no processo de execução fiscal referido nos autos, com os fundamentos invocados, mesmo para além do contemplado no dito art.º 257º, não deverá ser conhecido também pelo Tribunal Tributário competente. E, da mesma forma que se entendeu no acórdão do Tribunal dos Conflitos de 21 de Maio de 2008, detetável na Internet sob o n.º de Proc. 01/08, entende-se que a resposta deve ser afirmativa, uma vez que existe uma norma atributiva de competência aos Tribunais Administrativos e Fiscais, que é a que se mostra consagrada no citado art.º 4º, n.º1, al. f), do E.T.A.F., na parte em que refere a validade dos contratos especificamente a respeitos dos quais existam normas de direito público que regulem aspetos do respetivo regime substantivo. E entende-se ser inegável que os indicados art.ºs 248º e seguintes, e 257º, citados, contêm preceitos de direito substantivo e que têm mesmo como consequência colocar o Estado/Fazenda Nacional em posição de supremacia por força dos poderes de soberania que lhe competem. De notar, por exemplo, que a norma do art.º 250º do C.P.P.T., que estabelece o valor base dos bens para venda, é de manifestos interesse e ordem públicos e tem caráter substantivo.

            Ou seja, como naquele acórdão se diz, “a venda executiva, em processo de execução fiscal, está regulamentada, também, por normas de direito público e incidência substantiva. A compra e venda, que em princípio tem uma natureza de contrato de direito privado, transmuta-se na sua natureza quando surge na sequência de um processo de execução fiscal, todo ele imbuído de preocupações de interesse público, de proteção dos interesses financeiros do Estado.”

            Do que resulta ter de se reconhecer que o Tribunal materialmente competente para conhecer da ação é o Tribunal do fora administrativo e tributário, o que implica ter de se recusar competência, a esse título, aos Tribunais comuns.

            ***                                        ***                                        ***

            Pelo exposto, acorda-se em conceder a revista, revogando-se o acórdão recorrido e, repondo-se o decidido na 1ª instância, em julgar o Tribunal Judicial da Marinha Grande materialmente incompetente para conhecer do peticionado na presente ação, absolvendo-se em consequência os réus da instância.

            Custas pelos autores.

            ***                                        ***                                        ***

                                   Lisboa,    24 de Fevereiro de 2015

Silva Salazar (Relator)

Nuno Cameira

Salreta Pereira