Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ00000447 | ||
Relator: | DIOGO FERNANDES | ||
Descritores: | INVENTÁRIO CONFERÊNCIA DE INTERESSADOS ACTAS VALOR PROBATÓRIO SIMULAÇÃO PROVA TESTEMUNHAL CAUSA DE PEDIR | ||
Nº do Documento: | SJ200205280012997 | ||
Data do Acordão: | 05/28/2002 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | T REL PORTO | ||
Processo no Tribunal Recurso: | 1678/01 | ||
Data: | 11/29/2001 | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA. | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
Área Temática: | DIR CIV - TEORIA GERAL. | ||
Legislação Nacional: | DIR PROC CIV. | ||
Legislação Comunitária: | CCIV66 ART371 ART394 N1. CPC95 ART264 N3. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO STJ DE 1993/07/06 IN BMJ N429 PAG761. ACÓRDÃO STJ PROC4083/01 DE 2002/01/31. | ||
Sumário : | I - O valor probatório pleno da acta de conferência de interessados em inventário judicial respeita apenas aos factos que se referem como praticados pela autoridade judicial e aos que no documento são referidos com base nas percepções da entidade documentadora. II - Nada impede que, mais tarde, se prove que houve simulação e que o valor do preço declarado não corresponde ao efectivamente querido e acordado entre as partes. III - A causa de pedir é o facto jurídico gerador do direito, não se confunde com os factos materiais alegados, pelo autor, nem com as razões jurídicas por ele invocadas e deve definir-se em função da qualificação jurídica desses factos. IV - Nada obsta a que a causa de pedir seja objecto de conversão, desde que com ela se não agrave ilegitimamente a situação do demandado. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I - Relatório: 1º - A, e mulher, com os sinais dos autos, recorreram para este Supremo Tribunal, do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 25-11-01 (fls 153 e seguintes), que julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença de 1ª instância que havia absolvido os réus - B, e mulher do pedido de condenação solidária dos mesmos na quantia de dez mil contos, tendo produzido alegações e formulado as seguintes conclusões-: a) Sendo a acta de conferência um documento em que o Tribunal recebe as declarações e dá conta do exacto sentido com que foram proferidas, estamos perante documento autêntico; b) Sendo a conferência de interessados, no caso de adjudicação, um acto plurilateral, a arguição exige "iniciativa processual" - art.º 547 n.º 1 do C. P. Civ. - e a intervenção de todos os interessados, o que no caso não ocorreu; Violou-se, pois, o disposto nos art.ºs 363, n.º 1 e 372, n.º 1 do Código Civil, bem como artigo 547, n.º 1 do C. P. Civ. c) A simulação pressupõe vontade de enganar terceiros - art.º 240, n.1 do Código Civil - e o apelado não refere quem se pretendeu enganar, para além de que só existe simulação quando, além do mais, se pretende enganar um sujeito de direito privado e não o Estado enquanto titular do poder legislativo; d) O artigo 394º do Código Civil considera "inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico, quer sejam anteriores ou posteriores"; e) Em consequência, no caso de, como ocorre, o Tribunal haver declarado provados, com base em prova testemunhal ou em presunções factos contrários ou adicionais a documento autêntico, eles não podem relevar para o efeito, devendo as respostas ser consideradas ineficazes; Violou-se, pois, o disposto no artigo 393º do Código Civil. f) Quanto ao documento junto em audiência, não estando assinado, não se pode sequer verificar a sua qualificação como documento particular - artigo 373º, n.º 1 e 374º, n.º 1 do Código Civil - quanto mais a sua eficácia probatória e g) Não tendo sido produzida prova da assinatura, a autoria do documento não pode ser atribuída ao A; Violou-se, pois, o disposto nos artigos 373º, n.º1 e 374º n.º1 do Código Civil. h) Não se pode, pois, concluir pela existência de um qualquer princípio de prova documental que pudesse admitir qualquer outra prova e muito menos pôr em causa o documento autêntico junto - certidão judicial da conferência de interessados, mapa de partilha e declarações do cabeça-de-casal; i) Condenaram-se os RR a não pagar 12500000 escudos com base num acordo de tornas, mas com base num dado acordo, em "certa altura", e que não se sabe a que respeita, uma vez que a matéria dada como assente nada esclarece; j) Ao dar-se como provada uma obrigação não assente em contrato, ou assente em causa de pedir diferente da invocada pelo apelado, ou sem que se saiba qual a causa de pedir, violou-se o disposto nos artigos 264º e 268º do C. P. Civ.; l) E nem se diga que "cabendo a autoria do documento aos AA, o que dele consta e o seu conteúdo não pode pelos mesmos ser ignorado, pelo que "o que contem, nos seus direitos e deveres dele advenientes, para si jamais constituirão surpresa alguma"; m) Se o crédito do R. não provém das "tornas", conforme alegou, mas outrossim do referido documento, onde a alegação do mesmo e consequente discussão? n) A actividade do Tribunal está vinculada, ou seja, só pode servir-se dos factos constitutivos, impeditivos ou extintivos das pretensões, formuladas na acção, alegados pelas partes; o) Se se pretendia alargar o objecto da discussão tornava-se necessário que o R. alegasse tais factos, em articulado superveniente (artigos 506º e 507º do C.P.C.), se se tratassem de factos supervenientes, o que não acontece; p) O poder atribuído ao Juiz no artigo 664º, do C. P. Civil, estende-se á qualificação jurídica do próprio pedido e de causa de pedir, desde que deduzida de factos alegados; q) Não se apontando coincidência ou conexão temporal entre a causa de pedir invocada e a "encontrada" e condenado em coisa diversa de pedido, há NULIDADE; r) Nem pode, por seu lado o Juiz substituir-se às partes e interpretar e atribuir a eficácia a documento, neste caso, nem sequer alegada, nomeadamente por quem do mesmo se pretendeu valer, no caso sub judice, o R; s) Tal entendimento, do tribunal a quo, sobre o sentido que vincula as partes, perante o facto concretamente averiguado, ou seja, o documento junto em sede de audiência é sindicável pelo tribunal de revista; t) Matéria de que o Supremo Tribunal de Justiça, em sede de recurso de revista pode e deve conhecer, uma vez entendida a incorrecta aplicação dos critérios fixados nos artigos 236º a 239º do Código Civil; Violou-se, pois, o disposto nos artigos 236º. 237º, 238º e 239º do C. Civil. Termos em que, revogando o douto acórdão e absolvendo-se os AA. do pedido reconvencional, se fará justiça. 2º - A parte contrária contra-alegou pugnando pela manutenção da decisão recorrida. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir-: II - Apreciando e decidindo-: 1º - Como ressalta dos autos, as instâncias deram como provados os seguintes factos com relevância para a decisão-: a) Em Setembro de 1996, o A entregou ao R. a quantia de 10000000 escudos através de cheque sacado sobre o Banco .... (hoje ....), valor que o R. levantou, directamente, em balcão do Banco sacado; b) Por óbito de C, por da mulher do A. e do R. marido, foi instaurado processo de inventário facultativo, que correu termos no 3º Juízo Civil do Porto, 1ª Secção; c) No inventário, os bens relacionados foram adjudicados ao A. e respectivo cônjuge; d) No decurso do inventário referido em b), o A. e a mulher acordaram com os demais interessados, pagarem-lhes as tornas, por fora do processo; e) A certa altura, o A. e a mulher acordaram com o R., pagarem-lhe 12500000 escudos; f) O cheque referido em a) destinou-se ao pagamento de parte desse valor. 2.º Perante tal quadro fáctico foi a acção julgada improcedente e os réus absolvidos do pedido, ao mesmo tempo que foi julgada parcialmente procedente a reconvenção e os A.A. condenados a pagarem aos réus a quantia de 2500000 escudos, acrescida de juros de mora á taxa legal. Dessa decisão recorreram os A.A., mas somente no tocante ao pedido reconvencional, tendo o Tribunal da Relação, como atrás se disse, negado provimento ao recurso, daí advindo a presente revista. 3.º Como é sabido, são as conclusões das alegações que delimitam o objecto do recurso. No caso, os recorrentes para além de defenderem que é sindicável pelo Tribunal de revista, a permissão de juntada do documento feita em audiência de discussão e julgamento, insurgem-se contra a decisão recorrida, havendo que apreciar as seguintes questões-: a) Apurar, se a acta de conferência de interessados no inventário de partilha por óbito de C, ratificada por sentença de adjudicação, pode ser infirmada por prova testemunhal, quando é alegada simulação, por um dos simuladores; b) Apurar, se o documento junto aos autos em audiência de discussão e julgamento, não assinado, mas manuscrito, vale como principio de prova; c) Apurar, se houve condenação em coisa diversa do pedido. Vejamos-: Convém frisar desde já que, de harmonia com a jurisprudência corrente neste Supremo Tribunal, o mesmo tem de acatar as decisões das instâncias relativamente à interpretação das declarações negociais, desde que não tenha sido feita uma incorrecta aplicação dos critérios nos art.ºs 236 e 238 do C. Civil (vide, entre vários, os Acórdãos deste S.T.J, de 10-12-85, 28-03-95 e 03-03-98, respectivamente, no B.M. J. 352 pág. 317; Col. Jur. (Ac. S.T.J.), Ano III, Tomo 1º, pág. 287 e Col. Jur. (Ac. S.T.J.), Ano VI, Tomo 1º, pág. 103). Não tendo sido feridos os critérios fixados naqueles normativos, há que dar como assente a interpretações feitas pelas instâncias. Ora, no caso, não se vislumbra qualquer violação daqueles critérios não podendo este Supremo Tribunal imiscuir-se na determinação da vontade real das partes. Dito isto, apreciamos, então, as questões atrás ventiladas; Como dos autos ressalta, o presente recurso assenta fundamentalmente no disposto n.º 1do art.º 394 do C. Civil que proíbe a prova testemunhal «se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico...». A razão de ser de tal proibição é a defesa da "autoridade e estabilidade dos documentos contra a falibilidade da prova testemunhal, em conformidade com a regra "lettres passent témoins". "(vide Prof. Mota Pinto, in Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª ed. Pág. 434). Porém, se existir um começo ou princípio de prova por escrito, justifica-se a restrição àquela proibição, pois o perigo próprio desse meio de prova encontra-se, em grande parte arredado, dado a convicção do Tribunal se formar também com base num documento, estando reservado à prova testemunhal, ou por presunções uma função meramente adjuvante (vide o Prof. Vaz Serra, in R.L.J. ano 101, pág. 271/2 e ano 107, pág. 310 e sgs. e Carvalho Fernandes, in - O Direito - ano 124 (1992) IV, pág. 593 e segs.). Semelhante entendimento é defendido pelos Profs. Pires de Lima e A. Varela (in Cód. Civil Anotado, 4ª ed., Vol. I, pág. 343), ao afirmarem que aquele normativo não exclui a possibilidade de se provar por testemunhas qualquer elemento, - «com o fim ou motivo porque a dívida documentada foi contraída... que nem é contrário ao conteúdo do documento, nem constitui uma cláusula adicional à declaração». Igualmente, esse entendimento, tem obtido adesão na jurisprudência, como se pode ver entre vários, nos Acórdãos deste S.T.J., de 06-07-93, in B.M.J. -429 pág. 761 e segs. e de 31 /01/ 02, proferido no recurso n.º 4083/01. Na verdade, nele se refere que não deve afastar-se a possibilidade de recurso à prova testemunhal, quando existam documentos susceptíveis de funcionarem como meios complementares de prova. Porque perfilhamos tal entendimento, vejamos, pois, se o documento junto em audiência de discussão e julgamento (fls. 81) vale como começo ou princípio de prova. Entendemos ser afirmativa a resposta a dar. Com efeito, como da respectiva acta consta, o mandatário dos réus, ora recorridos, requereu a junção aos autos - para prova dos factos controvertidos constantes dos n.º 4,5 e 6 da base instrutória - de um documento produzido pelo punho do A marido, que não está assinado, mas através do qual o mesmo efectuou as contas com o R. - B e demais irmãos, na sequência do inventário por morte de C. Ouvido o mandatário dos A. A., por ele foi dito - "nada ter a opor à junção do referido documento e prescindir do prazo de vista". Ressalta, assim, dos autos que os A. A. não se opuseram à junção daquele documento e que o não impugnaram, quer relativamente ao seu teor, quer no tocante à autoria que os réus lhe atribuíram. Como tal, entendemos, que esse documento, porque manuscrito, embora não assinado, mas cuja autoria foi apontada pelos réus ao A marido, sem que este a tivesse impugnado no seu conteúdo ou negado a sua autoria, vale como princípio de prova - art.º 374 n.º 1 e 2 e 376 do C.Civil. De resto, o dito documento, apesar de associar nas contas que apresenta vários aspectos patrimoniais, que extravasam o inventário propriamente dito, não oferece dúvidas acerca da existência de um acordo firmado e, como produto dele, o compromisso do pagamento da quantia de 12500000 escudos. Logo, é forçoso ter de concluir que nos encontramos perante um começo de prova relativamente à eventual simulação de um certo negócio jurídico, motivo pelo qual é legítimo o recurso ao depoimento de testemunhas sobre factos constantes da base instrutória e relativo a essa matéria, com a finalidade de confirmar ou infirmar essa convicção. Consequentemente, no caso, não merece censura a admissão da prova testemunhal, já que não constitui o meio de prova exclusivo de prova articulada, mas tão somente um meio de prova complementar. Acresce que o valor probatório pleno da acta de conferência de interessados em inventário judicial de partilhas, respeita apenas aos factos que se referem como praticados pela autoridade judicial e aos que são referidos no documento com base nas percepções da entidade documentadora (art.º 371 do C. C.), nada impedindo que, mais tarde, se prove que houve simulação e que o valor do preço declarado não corresponde ao efectivamente querido e acordado entre as partes (ver, por todos, o Prof. Vaz Serra in obra e local citados). Nem se diga que houve condenação em coisa diversa do pedido, ou, que se conhecem de causa de pedir que não havia sido previamente suscitada. Na verdade, a causa de pedir é o título ou o "facto jurídico" gerador do direito invocado, não se confundindo com os factos materiais alegados pelo autor, nem com as razões jurídicas por ele invocadas e deve definir-se em função da qualificação jurídica desses factos. Certo que a causa de pedir se destina a impedir que seja o demandado compelido a defender-se de toda e qualquer possível causa de pedir, apenas tendo de se defender da concretamente invocada pelo autor. Porém, nada obsta a que a causa jurídica invocada pelo A. seja objecto de conversão, desde que com ela, se não agrave ilegitimamente a situação do demandado (veja-se o Prof. Vaz Serra, in obra e local citados). No caso, atento o constante dos autos, entendemos que não houve agravamento ilegítimo da situação do mesmo. Acresce, que tal entendimento tem hoje completo apoio legal através da nova redacção dada ao n.º 3 do art.º 264 do C.P.C., pelo Dec. Lei 329-A/95 de 12 de Dezembro e da filosofia inerente a tal diploma, como ressalta do respectivo preâmbulo. Como tal, jamais se pode falar em condenação diversa do pedido, dado ser inquestionável, atenta a matéria fáctica dada como provada e o princípio salutar da aproximação da verdade material (e não apenas a formal), o débito dos A.A. perante os R.R. Improcedem, assim, desta forma e modo, as conclusões das alegações dos recorrentes, não merecendo censura a decisão recorrida. III - Decisão-: Face ao exposto decide-se negar revista. Custas pelos recorrentes Lisboa, 28 de Maio de 2002. Diogo Fernandes, Miranda Gusmão, Sousa Inês. |