Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03A1907
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: NUNO CAMEIRA
Descritores: ACÓRDÃO POR REMISSÃO
FUNDAMENTOS
DECISÃO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Nº do Documento: SJ200310280019076
Data do Acordão: 10/28/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 7074/02
Data: 02/06/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Relatório
1 - "A" e B propuseram uma acção ordinária contra a "Empresa Turística C, Lda.", pedindo a sua condenação no pagamento de 100.000.000$00, quantia que alegadamente perderam por culpa da Ré: 80.000.000$00 relativos à unidade predial identificada no processo (terreno e moradia ali construída), e 20.000.000$00 de danos morais, tudo acrescido de juros legais desde a citação.
Alegaram, no essencial, que concluíram com a ré dois contratos: um contrato promessa de compra e venda relativo a um talhão de terreno para construção urbana e, na mesma data, um contrato de empreitada relativo à construção de uma moradia naquele talhão; que, na sequência dos contratos, foi celebrada em 11.4.79 a escritura pública de compra e venda, registando-se a aquisição, quer do talhão de terreno, quer do prédio urbano aí construído pela ré no âmbito do contrato de empreitada, que, após os registos, o Conservador do Registo Predial de Loulé verificou que os efectuara indevidamente a título definitivo, uma vez que estava registada anteriormente uma inscrição de acção cujo pedido era a obtenção de sentença, nos termos do artº. 830º do Código Civil; isto sucedeu porque a ré prometera vender em Agosto de 1977 a D, cidadão de nacionalidade suíça, o mesmo prédio que em 11.04.1979 vendeu aos autores, facto de que estes só tomaram conhecimento quando foram citados na acção especial de registo e, na sequência desta, na acção de execução específica intentada por D; que a ré, não obstante, edificou a moradia para os autores, referindo sempre não haver qualquer problema; por decisão que o pleno do STJ confirmou, D ganhou a acção intentada, sendo-lhe reconhecida a propriedade do lote de terreno vendido pela ré (também) aos autores; por isso, intentou depois contra eles uma acção especial de posse judicial, pedindo a entrega do terreno, acção que foi também julgada procedente.
A situação assim criada levou a que os autores - que empenharam as suas economias no terreno e moradia em causa - se sintam no direito de ser indemnizados:
Em primeiro lugar, pelos prejuízos materiais correspondentes à perda total do prédio urbano (terreno e moradia), prejuízos esses que computam em 80 mil contos, considerando os materiais utilizados e a localização privilegiada (em zona tranquila de Vale de Lobo, junto a campos de golfe, próxima do mar);
Em segundo lugar, pelos danos morais, que computam em 20 mil contos, atendendo ao "desgosto de uma vida" sofrido com a perda do que tinham construído com tanto sacrifício, facto que lhes originou amargura, revolta e tristeza, tudo agravado pelo desconhecimento do anteriormente ocorrido com a venda a D.
A ré contestou, por excepção e por impugnação.
Seguiram-se os demais articulados, o saneamento e a instrução da causa.
Realizado o julgamento foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, absolveu a ré do pedido formulado pelo autor B, mas condenou-a a pagar à autora "A" 8.222.500$00, acrescidos de juros à taxa legal.

2 - A Relação anulou a sentença (fls. 830), ordenando à 1ª instância que elencasse a matéria de facto apurada e proferisse, depois, nova decisão de mérito.
Acatando o determinado, a 1ª instância proferiu em 28.2.02 nova sentença (fls. 824 a 982), decidindo a causa em sentido precisamente idêntico ao da sentença anteriormente anulada.

3 - Os autores apelaram.
Fecharam a sua alegação (fls. 1018) formulando o seguinte pedido:
"Nestes termos, a sentença a quo deve ser alterada, sendo a ré condenada (para alem do que já foi) também a pagar aos autores a quantia de 30. 000.000$00 - 149.639,37 € - respeitante ao valor da moradia à data de Novembro de 1987, acrescida de juros legais contados desde a citação até integral pagamento, e bem assim da quantia de 20.000.000$00 - 99.759,58 € - a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos".
Por acórdão de fls. 1069 e seguintes a Relação, julgando parcialmente procedente a apelação, alterou a sentença, condenando a ré a pagar aos autores a quantia de 30 mil contos. E acrescentou (fls. 1081): "Quanto ao restante subsiste a decisão por não merecer censura, sendo assim o total da condenação de 38.222.500$00 convertidos em euros".
Este acórdão foi aclarado em 6.2.03 (fls. 1131), ficando então esclarecido que à condenação sofrida pela ré em 1ª instância, e respectivos juros, a Relação acrescentou o montante de 30 mil contos, com juros a idênticas taxas.

4 - Do acórdão da Relação recorreram para o Supremo Tribunal os autores e a ré.
Os autores interpuseram um recurso de agravo, concluindo essencialmente que o acórdão recorrido é nulo, nos termos do artº. 668º, nº 1, d), do CPC, visto que não se pronunciou sobre o pedido de indemnização por danos não patrimoniais e sua correlativa causa de pedir.
A ré, por seu turno, pede revista, sustentando que decisão impugnada deve ser revogada na parte em que a condenou a pagar aos autores a quantia de 30 mil contos, ficando a subsistir a da 1ª instância.
Ambas as partes apresentaram contra alegações no recurso da parte adversa, sustentando a sua improcedência.
Cumpre decidir.

Fundamentação
É pelo agravo, logicamente, que tem de começar-se a apreciação dos recursos.
Julgando os pedidos dos autores, a sentença da 1ª instância foi clara na separação das coisas, não dando lugar a nenhuma dúvida.
Assim, relativamente ao pedido de 80 mil contos por danos materiais, a condenação proferida circunscreveu-se ao montante de 8.222.500$00, correspondente, segundo o tribunal, ao valor do terreno entregue a D em Novembro de 1987; isto porque, quanto à moradia ali edificada, o tribunal considerou que não ficou provado que a autora tivesse adquirido a respectiva propriedade, e decidiu, por essa razão, não lhe assistir direito a qualquer indemnização (os danos, a existirem, respeitam aos pais da autora, que foram os compradores da casa).
No que toca aos prejuízos morais o magistrado entendeu "que os autores não lograram provar quaisquer danos, o que implica que nenhum possa ser relevado" (fls. 980).
Ora, não há qualquer dúvida de que ambos os segmentos da sentença foram objecto da apelação que os autores levaram à Relação, como se verifica lendo com atenção as conclusões 50ª a 54ª da minuta (fls. 1017/1018), e ainda, e sobretudo, o pedido que a remata, acima reproduzido.
Que posição tomou a Relação sobre as questões - os pedidos - postos à sua consideração?
Sobre a questão dos prejuízos materiais decidiu explicitamente que "o valor real e justo com que os autores devem ser indemnizados" é o de 30 mil contos. Segundo nos é dado perceber, o fundamento para semelhante julgamento estará na resposta ao quesito 31º da base instrutória: "o valor que em Julho de 1987 era praticado para conjuntos semelhantes naquela zona, pela ré, era de 30.000.000$00". Não obstante, também se considerou, se bem interpretamos o acórdão recorrido, que a autora não podia beneficiar de qualquer indemnização no que concerne ao contrato de empreitada que originou a construção da moradia, por isso que não foi parte nesse contrato. Subsistem dúvidas, perante isto, acerca da coerência lógica e jurídica desta parte do acórdão, tanto mais que a indemnização fixada englobou a que já tinha sido concedida na sentença; ora esta, como se viu, reportou-se tão somente aos prejuízos decorrentes para os autores da perda do terreno, não da moradia. De qualquer modo, bem ou mal - por ora, isso não está em causa - a questão dos danos materiais foi apreciada e decidida, como tinha que ser.
O mesmo não pode dizer-se, porém, no que concerne à questão dos danos morais. Os autores apresentaram ao tribunal um pedido de condenação da ré em 20 mil contos assente em danos daquela natureza. A pretensão foi-lhes recusada. Apelaram, visando a correcção do erro de julgamento em que, na sua perspectiva, se incorrera. Contudo, lendo o acórdão recorrido, verifica-se que a Relação, contra o que determinam os artºs. 660º, nº. 2, e 690º, nº. 1, do CPC, omitiu pronunciar-se sobre o problema: nada, absolutamente nada disse sobre o invocado direito dos apelantes, em concreto, a uma indemnização por danos não patrimoniais; e é certo que, nesta matéria, não há lugar a decisões implícitas: o juiz tem de, ex professo, dizer: 1º) se o pedido formulado procede ou não procede, e em que medida; 2º) indicar os fundamentos de facto e de direito da decisão a que chegar. Sem dúvida, pelo artº. 713º, nº. 5, do CPC, pode o acórdão limitar-se a negar provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão recorrida, sempre que a Relação confirmar inteiramente e sem qualquer declaração de voto o julgado em 1ª instância, quer quanto à decisão, quer quanto aos respectivos fundamentos. No caso em exame, porém, não pode afirmar-se com segurança que a Relação, quanto à questão em apreço, tenha feito uso da referida norma adjectiva (que, aliás, não invocou). Com efeito, limitou-se a dizer que "quanto ao resto das questões suscitadas e resolvidas no processo parecem-nos bem resolvidas pelo juiz da primeira instância, não obstante o exagero e profusão de documentos lançados nos autos e não tratados pessoalmente na segunda decisão após a primeira ter sido anulada. Dá-se por integralmente reproduzida toda a restante argumentação e matéria de facto junta à decisão ora sob recurso que aqui se reproduz" (fls. 1081). Não é possível inferir daqui que os juízes da Relação confirmaram o julgamento da 1ª instância quanto ao pedido de indemnização por danos morais; se foi isso o que pretenderam expressar, tinham que dizê-lo clara e inequivocamente; não basta a adesão genérica à fundamentação da decisão recorrida; o artigo impõe que o tribunal de recurso, se entender que é esse o caso, confirme o julgamento da instância inferior, e não apenas os respectivos fundamentos (como parece ter sido a hipótese, em parte). De resto, e decisivamente, o acórdão impugnado apenas quanto à decisão obteve unanimidade: ambos os juízes adjuntos declararam tê-la votado, o que significa, logicamente, que a sua concordância não abrangeu os fundamentos. Para além de que tal facto suscita um problema de nulidade (de que não se conhece por não ter sido suscitado), ele inviabiliza, desde logo, a utilização da norma do artº. 713º, nº. 5: como já se referiu, a decisão por remissão implica que haja unanimidade dos juízes do tribunal de recurso quanto à decisão propriamente dita e quanto aos fundamentos.
Ocorre, deste modo, a nulidade do acórdão recorrido, por violação do artº. 668º, nº. 1, d), 1ª parte, do CPC - omissão de pronúncia - o que implica a procedência do agravo e prejudica o conhecimento da revista, visto o disposto nos artºs. 718º e 731º, nºs. 1 e 2, do mesmo diploma.

Decisão
Nos temos expostos, concede-se provimento ao agravo dos autores e considera-se prejudicada a apreciação da revista da ré. Assim, anula-se o acórdão recorrido e ordena-se a baixa do processo à Relação para que, se possível pelos mesmos juízes, se faça a reforma da decisão, conhecendo-se da questão não apreciada.
Custas a final.

Lisboa, 28 de Outubro de 2003
Nuno Cameira
Afonso de Melo
Fernandes Magalhães