Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
59/18.4YFLSB
Nº Convencional: SECÇÃO DO CONTENCIOSO
Relator: GRAÇA AMARAL
Descritores: CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA
DELIBERAÇÃO
SANÇÃO DISCIPLINAR
SUSPENSÃO DO EXERCÍCIO DE FUNÇÕES
SUSPENSÃO DE EFICÁCIA
REQUISITOS
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 09/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: SUSPENSÃO DA EFICÁCIA
Decisão: INDEFERIR A PROVIDÊNCIA REQUERIDA
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO – PROCESSOS CAUTELARES / CRITÉRIOS DE DECISÃO.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Volume I, Almedina, p. 129;
- Antunes Varela, RLJ Ano 121.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS (CPTA): - ARTIGO 120.º, N.º 1.
ESTATUTO DE MAGISTRADOS JUDICIAIS (EMJ): - ARTIGOS 89.º, N.º 1 E 170.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 29-04-2003, PROCESSO N.º 03B1392, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 27-05-2003, PROCESSO N.º 03S1637, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 07-07-2009, PROCESSO N.º 418/09.3YFLSB;
- DE 24-02-2010, PROCESSO N.º 28/10.2YFLSB, SUMÁRIO IN WWW.STJ.PT;
- DE 08-09-2011, PROCESSO N.º 407/04.4TBCDR.P2.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 05-06-2012, PROCESSO N.º42/12.3YFLSB, SUMÁRIO IN WWW.STJ.PT;
- DE 18-10-2012, PROCESSO N.º 79/12.4YFLSB, SUMÁRIO IN WWW.STJ.PT;
- DE 27-01-2016, PROCESSO N.º151/15.7YFLSB, SUMÁRIO IN WWW.STJ.PT;
- DE 14-07-2017, PROCESSO N.º 37/17.0YFLSB, SUMÁRIO IN WWW.STJ.PT;
- DE 14-07-2017, PROCESSO N.º 35/17.4YFLSB, SUMÁRIO IN WWW.STJ.PT;
- DE 14-07-2017, PROCESSO N.º 34/17.6YFLSB, SUMÁRIO IN WWW.STJ.PT;
- DE 16-05-2018, PROCESSO N.º 26/12.4YFLSB;
- DE 22-08-2018, PROCESSO N.º 40/18.3YFLSB.
Sumário :

1. A impugnação judicial das deliberações do Plenário do Conselho Superior da Magistratura não suspende a eficácia do ato recorrido, mas esta suspensão pode ser solicitada quando se considere que a execução imediata do ato é suscetível de causar ao recorrente prejuízo irreparável ou de difícil reparação.
2. A assinalada providência cautelar poderá ser adotada, desde que a situação fáctica apurada evidencie um fundado receio de que o ato impugnado seja passível de dar causa, na pendência do processo principal, a uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora), e que se verifique uma probabilidade séria da existência do direito cuja violação se invoca, isto é, que seja provável que a pretensão deduzida na ação venha a ser julgada procedente (fumus boni iuris).
3. Segundo a deliberação suspendenda, o requerente incorreu em infração disciplinar por violação de diversos deveres profissionais, tendo-lhe sido aplicada a sanção disciplinar de suspensão do exercício de funções pelo período de 150 dias, donde a peticionada suspensão de eficácia não pode abranger o afastamento do exercício de funções que, como decorre do n.º 1 do artigo 89.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, constitui o núcleo essencial da sanção disciplinar que foi imposta.
4. Por outro lado, não tendo o requerente indicado qualquer prejuízo real e efetivo passível de ser qualificado como irreparável ou de difícil reparação, tem-se por não verificado o pressuposto de decretamento da providência requerida exigido no n.º 1 do artigo 120.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e no n.º 1 do artigo 170.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, o que torna despiciendo indagar se ocorre o requisito atinente à aparência do direito, impondo-se, em consonância, o indeferimento da providência cautelar requerida.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (Secção de Contencioso)

I – RELATÓRIO

1. AA, Juiz ..., colocado no Juízo de Execução do Tribunal Judicial da Comarca de ... vem requerer a suspensão da eficácia da deliberação do Plenário do Conselho Superior da Magistratura de 11 de Julho de 2018, que lhe aplicou a sanção disciplinar de “150 (cento e cinquenta) dias de suspensão de exercício que implicará ainda a sua transferência para tribunal diferente daquele em que o magistrado exercia funções na data da prática da infração.”

Alega para o efeito e essencialmente:

- ter interposto recurso de tal deliberação, mostrando-se evidente a probabilidade do mesmo vir a ser julgado procedente face aos vícios de que padece – violação do princípio da imparcialidade, erro manifesto na apreciação da prova e erro nos pressupostos jurídico-factuais – que são conducentes à respectiva anulação;

- causar-lhe prejuízos irreparáveis a execução da deliberação, uma vez que sempre viveu e exerceu funções na área de Lisboa, correndo o risco de ser colocado num tribunal cujas instalações distem dessa zona, acarretando o afastamento da sua família, despesas e uma diminuição do seu escalão salarial, implicando ainda a transferência um cariz punitivo.

Considera ainda o Requerente que a ponderação global dos interesses em presença permite concluir no sentido de que o não decretamento da providência acarretaria mais prejuízos para os seus interesses e para o sistema judicial que o decretamento traria para os interesses do Requerido.

2. Em resposta o Conselho Superior da Magistratura arguiu a ineptidão do requerimento (por contradição entre a causa de pedir e o pedido a final formulado), a impossibilidade da lide (por a aplicação da sanção disciplinar de suspensão do exercício de funções não poder ser objecto do presente procedimento cautelar por expressa determinação legal) e a excepção dilatória da litispendência (a considerar-se serem congruentes a causa de pedir e o pedido, por se encontrar pendente um outro processo em que o aqui Requerente formula igual pedido de suspensão da eficácia da deliberação).

Invocando inexistir qualquer fundamento para apreciar o mérito do requerimento suspensivo apresentado, concluiu pela absolvição da instância.

3. Pese embora o Requerido ter aduzido excepções dilatórias eventualmente conducentes à absolvição da instância, tendo em conta o cariz cautelar do presente procedimento, o teor das invocações e a simplicidade da decisão a proferir, tornam despiciendo facultar ao Requerente a oportunidade para sobre elas se pronunciar (n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil[1] ex vi artigo 1.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos[2] e artigo 178.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais[3]).

4. Cumpre apreciar e decidir.

II – SANEAMENTO

1. INEPTIDÃO DO REQUERIMENTO DA PROVIDÊNCIA

Invoca o Requerido que o requerimento da providência é inepto por contradição insanável entre o pedido e a causa de pedir.

Ao requerimento do procedimento cautelar mostram-se aplicáveis as normas referentes à petição inicial de uma qualquer acção, porquanto na formulação da sua pretensão o Requerente terá de cumprir os requisitos gerais necessários na expressão da respectiva vontade e, bem assim, os requisitos legais específicos decorrentes do que dispõem as alíneas a), b) e c) do n.º 2 do artigo 186.º do CPC[4].

Em causa está a situação configurada na alínea b) do supra citado preceito.

A procedência de tal excepção, como aliás pugna o Requerido, determinaria a nulidade de todo o processado com a subsequente absolvição do mesmo da instância, (cfr. artigos 186.º, n.º 1, 278.º, n.º 1, alínea b) e 577.º, alínea b), todos do CPC).

A contradição entre o pedido e a causa de pedir constitui uma quebra do nexo lógico entre as premissas – a causa de pedir - e a conclusão – o pedido -, traduzida na numa negação recíproca, ou seja, de uma conclusão que pressupõe a premissa oposta àquela de que se partiu.[5]

No seu requerimento o Requerente refere:

Termos em que deve o presente requerimento ser considerado provado e procedente e, em consequência, suspender-se a decisão que atribuiu ao Requerente a classificação de "Suficiente" pela sua prestação funcional no período compreendido de 01.01.2017 a 31.08.2017 e de 01.09.2017 a 12.12.2017, com as legais consequências.”.

Todavia, quer no intróito do respectivo articulado, quer no artigo 1.º do mesmo, o Requerente identifica, claramente, a deliberação cuja eficácia pretende que venha a ser suspensa, ou seja, a que lhe aplicou a sanção disciplinar de 150 (cento e cinquenta) dias de suspensão de exercício que implicará ainda a sua transferência para tribunal diferente daquele em que o magistrado exercia funções na data da prática da infração.

Tal pretensão encontra-se assim inteligivelmente expressa no articulado (cfr. teor dos artigos 9.º a 25.º)[6], alcançando-se o sentido efectivo da mesma sem qualquer acrescido esforço interpretativo à luz das regras contidas nos artigos 236.º e 238.º, ambos do Código Civil.

Nesta medida, a referência no pedido a final formulado a uma outra deliberação do recorrido não pode deixar de ser entendido enquanto mero lapso material, o qual, por ser distintamente patenteado no contexto da peça processual em causa, é passível de rectificação (artigo 146.º, n.º 1, do CPC).

Por conseguinte, evidenciando-se que o teor do pedido formulado não pode ser entendido apenas por reporte à sua letra, sendo facilmente percepcionada a pretensão atenta a globalidade do sentido e ao conteúdo do articulado, torna-se claro que não ocorre qualquer contradição entre o pedido e a causa de pedir.

A circunstância do pedido se mostrar afectado por erro de escrita de modo algum determina que o mesmo seja incongruente ou oposto aos fundamentos em que o Requerente alicerçou a sua pretensão, sublinhe-se, claramente expressa ao longo da peça processual em causa.

Não se verifica, por isso, a excepção dilatória arguida.

2. LISTISPENDÊNCIA

Invoca o Requerido a excepção dilatória da litispendência sustentando que no processo que neste Supremo Tribunal de Justiça corre termos sob o n.º 52/18.7YFLSB, o Requerente formulou, contra o Requerido, um pedido de suspensão de eficácia da deliberação que lhe atribuiu a notação de “Suficiente”, que repete no presente procedimento.

Preceitua o n.º 1 do artigo 580.º do CPC: “As excepções de litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa, se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar a litispendência; (…)”, estatuindo o seu n.º 2 que a referida excepção visa evitar que o Tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou reproduzir uma decisão anterior.

Como refere o acórdão do STJ de 08-09-2011, a excepção de litispendência tem na sua base essencialmente razões de economia processual, visando evitar que corram termos paralelamente, entre as mesmas partes, acções objectivamente idênticas, com a consequente duplicação e dispêndio de actividade processual[7].

No caso, na sequência do supra assinalado, o pedido formulado no presente procedimento cautelar não pode deixar de ser entendido como sendo reportado à deliberação do Requerido que aplicou ao Requerente a sanção disciplinar de suspensão do exercício de funções, uma vez que a referência feita à deliberação que lhe atribuiu a notação de “Suficiente” se apresenta como um mero lapso de escrita.

Deste modo, não se verifica o requisito elementar da procedência da referida excepção: pendência de duas causas em que se verifique identidade petitória.

Improcede, por isso, a excepção.

3. Impossibilidade da lide

Sustenta, ainda, o Requerido que a previsão do n.º 5 do artigo 170.º do EMJ inviabiliza o sucesso da pretensão do Requerente, determinando a impossibilidade da lide prevista na alínea e) do artigo 277.º do CPC; como tal, a extinção da instância.

A impossibilidade superveniente da lide a que alude o citado preceito ocorre quando, em momento posterior à propositura da acção, a pretensão nela aduzida deixa de ser viável por se verificar: a extinção do(s) sujeito(s) (nos casos em que a relação jurídica é subjectivamente infungível); a extinção do objecto da relação jurídica sob litígio.  

De acordo com o posicionamento do Requerido, a questão suscitada respeita ao mérito da causa, sendo que não se mostra invocado qualquer facto superveniente que possa ser reconduzível ao conceito de impossibilidade da lide.

Cabe por fim salientar que, a considerar-se que o preceito estatuário em causa constituía motivo da impossibilidade da lide, o certo é que já existia à data da instauração do presente procedimento; como tal, a impossibilidade gerada seria necessariamente originária, carecendo, por isso, de total cabimento legal a pretendida aplicabilidade da alínea e) do artigo 277.º do CPC.

Não cabe, pois, decretar a extinção da instância por impossibilidade superveniente da lide.

*

Não se vislumbram quaisquer outras questões que inviabilizem o conhecimento do mérito da providência.

III – Do mérito

1. OS factoS

Com relevo para a decisão consigna-se a seguinte factualidade:
1. O Requerente exerce funções Juiz ... no Juízo de Execução do Tribunal Judicial da Comarca de ...;
2. O Requerente vive e exerce funções como Juiz na área ...;
3. O Plenário do Conselho Superior da Magistratura, por deliberação de 11 de Julho de 2018, decidiu «(...) que o Exmo. Juiz ... AA cometeu uma infracção disciplinar, com execução plural, consubstanciada na violação dos deveres de zelo e de correcção (…)» tendo-lhe aplicado «(…) a sanção de 150 (cento e cinquenta) dias de suspensão de exercício que implicará ainda a sua transferência para tribunal diferente daquele em que o magistrado exercia funções na data da prática da infração  (…)», mais consignando «(…) que a sanção ora aplicada, não será descontada relativamente ao tempo em que o mesmo esteve suspenso preventivamente (…)».

2. O direito

2.1 A questão a resolver neste âmbito consiste em determinar se, no caso, se mostram verificados os pressupostos para a pretendida suspensão de eficácia da deliberação indicada em 3. da factualidade tida por assente.

O Requerente visa, através deste meio processual, obstar a possibilidade de imediata execução da sanção disciplinar que lhe foi aplicada atenta a não atribuição do efeito suspensivo ao recurso que interpôs.

Está em causa providência cautelar dependente de um meio de tutela definitiva[8], a impugnação judicial das deliberações do Plenário do Conselho Superior da Magistratura, acção que, de acordo com o n.º 1 do artigo 170.º do EMJ, não suspende a eficácia do acto recorrido. Todavia, pode ser solicitada tal suspensão quando se considere que a execução imediata do acto é susceptível de causar ao recorrente prejuízo irreparável ou de difícil reparação (cfr. artigo 170.º, n.º 1, parte final do citado preceito).

Conforme dispõe o artigo 178.º, do EMJ, a tais procedimentos é subsidiariamente aplicável o regime processual do contencioso administrativo para o Supremo Tribunal Administrativo (as normas do CPTA)[9].

Nos artigos 120.º, n.º 1 e 131.º, n.º 1, do CPTA, mostram-se consignados os critérios de que depende o decretamento da providência em causa:

- fundado receio de que o acto impugnado seja passível de, na pendência do processo principal, dar causa a uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal (periculum in mora);

- probabilidade séria da existência do direito cuja violação se invoca, isto é, que seja provável que a pretensão deduzida na acção venha a ser julgada procedente (fumus bonis iuris).

A alegação e prova destes requisitos, de verificação cumulativa, constituem ónus do requerente.

Prevê ainda o n.º 2 do artigo 120.º do CPTA, que o decretamento da providência seja recusado sempre que “devidamente ponderados os interesses públicos e privados em presença, os danos que resultariam da sua concessão se mostrem superiores àqueles que podem resultar da sua recusa, sem que possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências”. Trata-se do requisito negativo de proporcionalidade e salvaguarda do interesse público, traduzindo-se numa circunstância impeditiva cujo ónus de alegação e prova pertence à entidade requerida (cfr. artigo 120.º, n.º 5, do CPTA).

Na sequência do referido, a pretensão do Requerente visa impedir a produção de alterações causadoras de prejuízo decorrente da execução da sanção que lhe foi aplicada. E também como resulta evidenciado da lei, na caracterização do requisito prejuízo, exige-se um mais, que o mesmo seja irreparável ou de difícil reparabilidade.      

Na indagação deste requisito, que se prende com a morosidade processual da impugnação contenciosa interposta, cabe emitir um juízo de prognose em termos de avaliar se “a não concessão da providência cautelar possa conduzir não apenas a uma situação de irreversibilidade (traduzida na impossibilidade da reconstituição natural da situação existente antes da actuação ilegal - situação de facto consumado), mas também naqueles casos em que, sendo a reconstituição natural, em abstracto, possível, esta se revele muito difícil, em especial por não ser determinável a verdadeira extensão dos prejuízos causados (produção de prejuízo de difícil reparação)[10].

Na relevância deste requisito importa atentar tão só aos prejuízos efectivos, reais e concretos, que se identifiquem como consequência directa do acto a suspender, sendo de desconsiderar os prejuízos aleatórios ou conjecturais e os indirectos.[11]     

2.2.1 No caso sob apreciação importa ter em conta que, nos termos da deliberação suspendenda, o Requerente incorreu em infracção disciplinar por violação de diversos deveres profissionais, tendo-lhe sido aplicada a sanção disciplinar de suspensão do exercício de funções[12] pelo período de 150 dias.

A imposição dessa medida disciplinar acarreta o afastamento do serviço pelo período de tempo durante o qual perdure a suspensão, podendo este ser fixado entre 20 e 240 dias (n.ºs 1 e 2 do artigo 89.º do mesmo diploma). Mais implica a perda do tempo correspondente à sua duração para efeitos de remuneração, antiguidade e aposentação (n.º 1 do artigo 104.º daquele diploma), podendo também, nas hipóteses prevenidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do mesmo preceito, conduzir à “transferência para cargo idêntico em tribunal ou serviço diferente daquele em que o magistrado exercia funções na data da prática da infracção.”.

Como salienta o Requerido, o n.º 5 do artigo 170.º do EMJ preceitua que: “A suspensão da eficácia do acto não abrange a suspensão do exercício de funções.”.

Trata-se de uma imposição legal, de funcionamento automático, que é consonante com o que se preceitua na alínea b) do artigo 71.º do mesmo diploma, segundo o qual “Os magistrados judiciais suspendem as respectivas funções:

b) No dia em que lhes for notificada suspensão preventiva por motivo de procedimento disciplinar ou aplicação de pena que importe afastamento do serviço;”.

Refere-se no Acórdão do STJ de 29-04-2003 que a racionalidade da solução legal assenta na consideração de “(…) que, se uma medida disciplinar, ela própria, consiste no afastamento do magistrado do exercício da função (ainda que se trate de um afastamento temporário) não teria sentido que a mesma lei permitisse a continuação do exercício, abrindo a possibilidade judiciária, ainda que excepcional, de suspensão da eficácia executiva do acto sancionatório, quando está em causa exactamente o afastamento do exercício de funções. (…)”.[13]

Uma tal solução, refere ainda o mesmo aresto “ (…) é visivelmente suportada por razões objectivas, de interesse e ordem pública da função judiciária (…) e, principalmente, do prestigio e da credibilidade do exercício judicativo, que é, como se sabe, uma das funções clássicas de Estado - a função judicial de soberania (…) Pelo que acaba de ponderar-se - e não é tudo - não é difícil concluir que, neste enquadramento de filosofia de direito e de Estado, se alguém que dá rosto à função judicativa, vier a ser temporariamente afastado por medida disciplinar, não pode, por lei, beneficiar da suspensão de execução da medida, de tal maneira que continuasse no exercício efectivo das funções em causa, como se medida disciplinar não tivesse havido! Seria estranho aos olhos do próprio cidadão comum que confia na Justiça! (…)”.

Assim, é de concluir que a peticionada suspensão da eficácia da deliberação em questão não pode abranger o afastamento do exercício de funções que, como decorre do n.º 1 do artigo 89.º do EMJ, constitui o núcleo essencial da sanção disciplinar que foi imposta ao Requerente.

Nesse sentido, não poderia deixar de se concluir pela improcedência da pretensão do Requerente neste aspecto.

2.2.2 Todavia, por imposição do direito de acesso aos tribunais constitucionalmente consagrado, há que considerar que a determinação legal ínsita no n.º 5 do artigo 170.º do EMJ não abarca os efeitos laterais da referida sanção disciplinar, ou seja, aqueles que mostram estipulados nos n.ºs 1 a 3 do artigo 104.º do citado EMJ, nos termos acima expostos[14].

No caso, apesar da amplitude do pedido formulado pelo Requerente, parece ser claro que a sua pretensão se circunscreve à transferência para outro tribunal que lhe foi imposta em decorrência da sanção disciplinar aplicada.

Traçado este limite à verificação dos pressupostos de que depende o decretamento da providência, cabe desde logo sublinhar que, ao contrário do que alega o Requerente, a transferência para outro tribunal não implicará a diminuição do vencimento.

Com efeito, conforme emerge da alínea b) do n.º 3 do artigo 104.º do EMJ, o Requerente será forçosamente transferido para “cargo idêntico”, o que, no que aqui releva, deve ser entendido como reportando-se à manutenção das condições remuneratórias actuais.

2.3 Na caracterização do requisito prejuízo impõe-se realçar que o Requerente não indica qual a colocação para a qual foi ou será transferido.

Na verdade, a tal respeito, as suas alegações constituem afirmações genéricas e vagas sobre a distância que mediará entre a sua residência e a comarca onde virá a exercer funções, sobre as despesas em que incorrerá com deslocações e com a instalação numa nova residência (artigos 12.º e 13.º do requerimento), sobre o afastamento da sua família (artigo 14.º do mesmo articulado) e sobre as dificuldades que enfrentará na nova colocação (primeira parte do artigo 22.º desse articulado).

Nessa medida, os prejuízos invocados assumem índole meramente conjectural ou eventual e não podem ser considerados como directamente emergentes da deliberação suspendenda, uma vez que a sua verificação não é certa e nem sequer previsível, pois que se desconhece a colocação para onde o Requerente foi ou será transferido.

Nesse sentido, o que se mostra alegado a tal respeito não é apto a preencher o conceito legal de prejuízo irreparável ou dificilmente reparável.[15]

Acresce que as eventuais despesas em que o Requerente incorra com a transferência para outro tribunal, bem como os alegados danos morais decorrentes da mudança forçada para outra colocação são passíveis de serem ressarcidos caso venha a ser invalidada a deliberação suspendenda. 

Refira-se, também, que a percepção comunitária quanto ao cariz punitivo da transferência em causa é passível de ser modificada mediante a divulgação e conhecimento da decisão que invalide a deliberação suspendenda. Por isso e em si mesmo, tal facto não pode constituir um prejuízo irreparável ou dificilmente reparável, tanto mais que a mudança do local de exercício de funções e os inerentes inconvenientes pessoais estão intrinsecamente associados ao desempenho do magistério judicial e à carreira profissional de juiz[16].

Concluiu-se pois que o Requerente não indicou qualquer prejuízo real e efectivo passível de ser qualificado como irreparável ou de difícil reparação; como tal, tem-se por inverificado o pressuposto de decretamento da providência requerida exigido no n.º 1 do artigo 120.º do CPTA e no n.º 1 do artigo 170.º do EMJ.

Sendo de verificação cumulativa os requisitos de que depende a concessão da requerida providência cautelar, torna-se despiciendo determinar se, no caso, se verificaria o requisito atinente à aparência do direito, carecendo ainda de cabimento, efectuar a ponderação a que se refere o n.º 2 do artigo 120.º do CPTA.

IV - Decisão

Nestes termos, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal de Justiça (Secção de Contencioso) em indeferir a providência requerida.

Custas pelo Requerente, fixando-se em 3 UC’s a taxa de justiça.

       Lisboa, 18 de Setembro de 2018

Graça Amaral (Relator)

Alexandre Reis
Tomé Gomes
Manuel Augusto de Matos
Ferreira Pinto
Helena Moniz
Sousa Lameira
Pinto Hespanhol

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[1] Doravante CPC.
[2] Doravante CPTA.
[3] Doravante EMJ

[4]  É inepta a petição (requerimento) em três hipóteses:

- falta ou ininteligibilidade da indicação do pedido ou da causa de pedir;

- contradição entre o pedido e a causa de pedir;

- cumulação de causas de pedir ou pedidos substancialmente incompatíveis.
[5] Cfr. Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil”, volume I, Almedina, p. 129, citando Antunes Varela, RLJ ano 121.
[6] No artigo 11.º do Requerente refere “A ser levada a cabo a aplicação da pena disciplinar aplicada” e no artigo 16.º “(…) a aplicação da pena de suspensão de funções (…)”.
[7] Processo n.º 407/04.4TBCDR.P2.S1, acessível através das Bases Documentais do ITIJ.
[8] Prevista nos artigos 168.º e seguintes do EMJ. 
[9] Os artigos 112.º, n.º 2, alínea a) e 113, n.º 1, do CPTA, estabelecem a relação de dependência da providência relativamente à acção de impugnação.  
[10] Acórdão do STJ de 16-05-2018, proferido no Processo n.º 26/12.4YFLSB também citado no Acórdão de 22-08-2018, Processo n.º 40/18.3YFLSB.   
[11] Acórdão do STJ de 07-07-2009, proferido no Processo n.º 418/09.3YFLSB.
[12] Trata-se da sanção disciplinar a que se reportam os artigos 85.º, n.º 1, alínea d), 89.º, n.ºs 1 e 2 e 104.º, todos do EMJ.
[13] Processo n.º 03B1392, acessível através das Bases Documentais do IGEJ. No mesmo sentido e entre outros, Acórdãos do STJ de 27-05-2003, Processo n.º 03S1637, igualmente acessível através das Bases Documentais do IGEJ e de 24-02-2010, Processo n.º28/10.2YFLSB, a cujo sumário se pode aceder em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/06/sum_cont_1980-2011.pdf.
[14] Cfr. Acórdão do STJ de 05-06-2012, Processo n.º42/12.3YFLSB, a cujo sumário se pode aceder através de https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/06/sum_cont_2012.pdf.  

[15] Cfr. entre outros, Acórdãos do STJ de 18-10-2012, Processo n.º 79/12.4YFLSB, de 27-01-2016, Processo n.º151/15.7YFLSB, a cujos sumários se pode aceder em https://www.stj.pt.
[16] Cfr. entre outros, Acórdãos do STJ de 14-07- 2017, Processos n.ºs 34/17.6YFLSB, 35/17.4YFLSB e 37/17.0YFLSB, a cujos sumários se pode aceder em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/06/sum_cont_2017.pdf.