Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
18693/19.3T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: MANUEL AGUIAR PEREIRA
Descritores: MANDATO SEM REPRESENTAÇÃO
MANDATO COM REPRESENTAÇÃO
REPRESENTAÇÃO SEM PODERES
RATIFICAÇÃO DO NEGÓCIO
TERCEIRO
BOA -FÉ
EFICÁCIA DO NEGÓCIO
REQUISITOS
INEFICÁCIA
PRINCÍPIO DA CONFIANÇA
CONTRATO DE SEGURO
MEDIADOR
SEGURADORA
Data do Acordão: 02/27/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - Os negócios jurídicos celebrados em nome de outrem só produzem efeitos e são eficazes na esfera jurídica do representado se o representante dispuser de poderes conferidos por aquele e o negócio se contiver nos limites dos poderes de representação acordados;

II - Caso o representante não tenha poderes de representação ou os exceda, o negócio praticado só se torna eficaz em relação ao representado com a sua ratificação por este;

III - A tutela do interesse na eficácia da celebração do contrato pelo terceiro de boa-fé que desconhecia, sem culpa sua, a falta de poderes do representante para celebrar o contrato, não prescinde da avaliação casuística das circunstâncias que rodearam a sua celebração, nomeadamente, da atitude do representado que possa ter objectivamente reforçado a confiança do terceiro na atribuição de poderes ao representante, face ao conhecimento que possa ter tido de repetidas actuações anteriores e idênticas deste e a não oposição pública do representado a tal comportamento;

IV - A representação aparente a que alude o art. 30.º do RJCS, acolhe o princípio da ineficácia dos negócios praticados pelo mediador de seguros que excedam os seus específicos poderes de representação e que não sejam ratificados pela seguradora;

V - A inversão de tal regra só ocorre se, havendo razões ponderosas e objectivas que justifiquem a confiança do tomador de seguro de boa-fé na legitimidade do mediador, a seguradora aparentemente representada também tiver contribuído para fundamentar a confiança do terceiro tomador do seguro na atribuição dos respectivos poderes de representação.

VI - Os negócios celebrados e não ratificados por quem não tinha a qualidade de mediador de seguros - ainda que fraudulentamente tenha criado a aparência de o ser - e de que a seguradora não teve conhecimento não vinculam a seguradora em nome de quem foram realizados.

Decisão Texto Integral:

EM NOME DO POVO PORTUGUÊS, acordam os Juízes Conselheiros da 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:


֎

RELATÓRIO

Parte I – Introdução

1) AA propôs acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Liberty Seguros, S. A., CC 1 e BB, pedindo a sua condenação solidária nos seguintes termos:

- a devolver à autora a quantia de € 81.750,00 euros (oitenta e um mil e setecentos e cinquenta euros) entregue à segunda e terceiros réus para a celebração de dois contratos de seguro “Liberty Saúde Dentária” e “Liberty Acidentes Pessoais”;

- a indemnizar a autora pelos danos materiais por ela sofridos, a calcular posteriormente, relativos aos juros vencidos e vincendos à taxa legal desde 13 de maio de 2018 e até integral pagamento da referida quantia.

Alegou a autora, em síntese, que:

A 20 de Abril de 2007, a ré Liberty Seguros, S.A., celebrou com o réu BB, um contrato de mediação de seguros, mediante o qual este assumia, perante aquela seguradora, a qualidade de “Mediador de Seguros Ligado”. Contudo, o referido réu nunca exerceu de facto a actividade de mediador de seguros, limitando-se a assinar os formulários dos contratos de seguro no lugar destinado à assinatura do mediador, preparados e preenchidos integralmente pela segunda ré, sua mãe, sendo esta quem contactava os clientes, deles recebia os valores para subscrição dos seguros contratados, emitia o respetivo recibo provisórios e preenchia os formulários destinados a esses contratos.

Durante o ano de 2007 a segunda ré, sabendo que a autora dispunha de dinheiro depositado em contas bancárias e ainda dinheiro aplicado em outros contratos de seguro, contactou a autora aconselhando-a a aplicar a quantia de € 81.750,00 euros (oitenta e um mil e setecentos e cinquenta euros) em dois contratos de seguro “Liberty Saúde Dentária” e “Liberty Acidentes Pessoais”, ao que a autora acedeu, convencida de que a segunda ré era mediadora de seguros da Liberty Seguros, S.A., assinando os formulários respectivos e entregando-lhe o dinheiro.

Todavia a segunda ré apoderou-se e fez sua a quantia que a autora lhe entregou sem efectuar qualquer seguro.

2) A seguradora ré contestou a acção alegando não ter celebrado com a autora qualquer contrato de seguro nem recebido a quantia peticionada pela autora como contrapartida da respectiva celebração.

Contestou igualmente a acção o réu BB, alegando que não exercia a actividade de mediador de seguros, sendo a co-ré CC quem contactava os clientes e deles recebia os valores para a subscrição dos seguros.

3) Teve oportunamente lugar a audiência final, vindo a ser proferida sentença em primeira instância que decidiu julgar a acção parcialmente procedente e condenar solidariamente o primeiro e o terceiro réus a pagarem à autora a quantia de € 81.750,00 (oitenta e um mil setecentos e cinquenta euros), a que acrescem juros de mora cíveis contados desde a citação até efectivo e integral pagamento, julgando improcedente o restante pedido e dele absolvendo os réus.

4) Inconformados a seguradora ré, e bem assim o réu BB, interpuseram separadamente recursos de apelação, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por seu acórdão de 9 de fevereiro de 2023, decidido:

A. Julgar improcedente o recurso interposto pelo apelante BB, confirmando a sentença na parte em que o condenou a pagar à autora, a quantia de € 81.750,00 (oitenta e um mil setecentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora cíveis contados desde a citação até efectivo e integral pagamento;

B. Julgar procedente o recurso interposto pela apelante Liberty Seguros, S.A., revogando a sentença que a condenou, solidariamente com o réu BB, a pagar à apelada a referida quantia, acrescida de juros, absolvendo-a do pedido.


◌ ◌


Parte II – As Revistas

Inconformados com tal decisão dela interpuseram recursos de revista autónomos a autora AA e o réu BB.

5) São do seguinte teor das conclusões das alegações do recurso de revista interposto pela autora:

“I. Não se conformando a recorrente com a douta decisão proferida pelo Acórdão do Tribunal da Relação no seu PONTO B. em que: “Julgar procedente o recurso interposto pela apelada Liberty Seguros, S.A., revogando a sentença que a condenou, solidariamente com o Réu BB a pagar à apelada a referida quantia, acrescida de juros, absolvendo-a do pedido”.

II. Irresignada a recorrente e autora apresenta a presente revista em matéria de direito, devendo a douta decisão ser revertido e condenar solidariamente a Companhia de seguros Liberty, onde, esta defende que sim, por ter ocorrido uma representação aparente, que vincula a Companhia de Seguros aqui 1.ª ré, face ao disposto no DL 144/2006 de 31 de julho e artigo 23.º, n.º 1 do DL 178/86.

III. Invoca no essencial, e de acordo com as suas alegações e conclusões do presente recurso de revista, que: O referido DL 144/2006 admite a figura da representação aparente. O artigo 23.º, n.° 1 do DL 178/86 é de aplicar, porque a Companhia de Seguros demandada deu à mediadora CC poderes de cobrança. A seguradora criou a aparência de representação e por isso a lesada aqui autora / recorrente acreditou que os mediadores (ex. marido, a 2.ª ré e filho) tinham poderes de representação.

IV. A autora / recorrente tem a seu favor um contrato de seguro celebrado com a 1.ª ré Liberty que inclui todos os danos que aquela causar no exercício da sua atividade profissional de mediadora.

V. Enquanto a 1.ª instância concluiu que no caso ficou provado que entre a referida 2.ª ré tivesse sido estabelecida relação contratual (de mediação de seguros), através do ex. marido e com seu filho 3.º réu, por via do contrato celebrado a 20.04.2007 de mediador de seguros ligado à 1.ª ré.

VI. Significa que uma das primeiras questões a analisar na presente revista prende-se com a qualificação jurídica da atuação da identificada "mediadora de seguro".

VII. E, aqui, impõe-se fazer o confronto com a realidade material provada atinente tal a matéria. E para esse desiderato destaca-se a seguinte factualidade provada: Pontos 1.º ao 44.º / factos dados como provados.

VIII. Desta factualidade temos logo que relevar o relacionamento entre as RR. em concreto também com a 1a R. e a autora, clientes há mais de 25 anos.

IX. Sendo que, esse relacionamento da autora / recorrente se iniciou com a identificada 2.ª ré esta, como funcionária bancária ainda do BES. E a 1.ª ré sabia e beneficiou comercial e patrimonialmente daquele relacionamento.

X. E foi seguramente na base desse relacionamento que levou a 1.ª R. a celebrar antes com o ex. marido da 2.ª ré, e depois com o seu filho 3.º réu o contrato de mediação de seguros comprovado pelo facto dado como assente ponto 16.º e doc. de fls. junto aos autos.

XI. E, isto, porque a posição da 2.ª ré, como funcionária bancária do Banco BES, tinha uma posição privilegiada na angariação de clientes.

XII. E neste contexto não se pode dizer que a 1.ª ré era alheia, ou não sabia da angariação e clientes (veja-se as apólices de seguro contratualizadas até ao início do ano de 1980 até 31.01.2006 e constam dos pontos nºs 2.º, 6.º, 8.º, 9.º, 10.º e 11.º do elenco dos factos provados).

XIII. Também o citado Acórdão deste Supremo de 1.04.2014 concluiu:

"1 -Tem particular relevo no domínio do direito comercial justificada na tutela do dano da confiança do terceiro de boa fé (tomador de seguro) a relação designada por "representação aparente "em que um sujeito (segurador) desconhece, mas com o devido cuidado teria podido conhecer que outrem (mediador) pratique actos como seu representante;

2 -Nesse caso, ainda que se entenda que o acto não produz efeitos na esfera jurídica do representante (segurador) este será sempre responsável perante o terceiro lesado (tomador (segurador) pelo dano de confiança pelo acto do representante aparente (mediador);

3 - Se o tomador do seguro dada a relação continuada com o mediador confiou legitimamente na celebração e manutenção em vigor dos contratos de seguro e se a seguradora agiu negligentemente por, além do mais ter indagado junto do mediador da falta de pagamento dos prémios apenas decorrido mais de um ano depois de respectivo vencimento, impõe-se considerar vigentes ao momento do "sinistro" os contratos de seguros celebrados, sendo a seguradora a responsável pela indemnização peticionada."

XIV. Fazendo o confronto com a factualidade que vem provada, temos como mais adequado e ajustado qualificar a situação descrita como de representação aparente.

XV. Todos os pedidos de resgate subscritos pela autora foram pedidos à 1.ª ré como esta respondeu á autora conforme, pontos 24.º e 25.º da factualidade dada como provada.

XVI. Efetivamente, a factualidade descrita conjugada também com a referenciada nos pontos n°s 2.º, 6.º, 8.º, 9.º 10.º e 11.º e ainda 24°. 25° e 34° e 35° justifica a confiança dos tomadores do seguro na ação desenvolvida pela referida CC.

XVII. Sendo certo também que no caso a seguradora, também contribuiu e muito para fundar a confiança dos tomadores dos seguros, circunstancialismo táctico que faz com que no caso dos autos deve ser enquadrada como uma situação de representação aparente.

XVIII. Tudo conforme e apoio no douto Acórdão proferido pelo STJ Ac. Proc. 656/11.9... - sobre a mesma matéria de facto e de direito. Como também referem Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva in Temas de Direito dos Seguros 2a ed. pág. 183 a respeito do citado n.° 3 do art.° 30.° do DL 72/2008 de 16.04 "a preocupação essencial do legislador terá sido a de dar resposta de tutela ao candidato a tomador de seguros, para os casos em que o mediador de seguros, sem que lhe tenham sido conferidos poderes específicos para celebrar o contrato de seguro, em representação do segurador e atue como se tivesse poderes, criando a aparência de estar a contratar em nome do segurador e portanto de o estar a vincular na relação de seguro e perante o candidato a tomador de seguro",

XIX. Foi o que, aqui, se passou com a atuação da referida CC, sendo que a 1a R. contribuiu e muito pela sua atuação negligente e descuidada para fundamentar a confiança dos tomadores de seguro.

XX. Quando a referida CC aconselhou a autora AA a resgatar o saldo das diversas apólices de que eram titulares na 1.ª ré (factos provados nos pontos 34° e 35°), todo o capital que tinham investido.

XXI. E no quadro fáctico que vem provado, deve ser a 1a R., responsável perante os tomadores de seguro pelo dano de confiança pelo acto do representante aparente.

XXII. Deve ser condenada a 1a R. Liberty Companhia de Seguros S.A., nos pedidos civis deduzidos pela demandante.”

A recorrente remata pedindo a revogação do acórdão recorrido e determinado o pagamento solidário dos réus dos pedidos deduzidos pela recorrente.



6) A seguradora ré apresentou articulado de resposta às alegações do recurso interposto pela autora, as quais conclui como se segue:

“1 - Vem a A., Recorrente, colocar em crise o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no que respeita à revogação da decisão de primeira instância, que deu provimento ao recurso interposto pela aqui Recorrida, e correspondente absolvição da mesma quanto ao pedido formulado pela A..

2 - O Tribunal da Relação, e bem, perfilhou de entendimento diverso, ao plasmado em primeira instância que a Recorrente vem acolher, adoptando a interpretação defendida pela aqui Recorrida e pugnada, por esta, em sede recursória, a qual se deverá manter inalterada e que se propugna veemente pelas presentes contra-alegações.

3 - Entende a Recorrida que decidiu, e bem, o Tribunal da Relação ao ter decidido como decidiu, cujo Acórdão não merece qualquer censura nem reparo, devendo manter-se nos termos em que foi proferido.

4 - A Recorrente, persiste, erradamente, na circunstância da R. CC ser “mediadora de facto” concluindo pela responsabilidade da Seguradora aqui Recorrida, ao abrigo do disposto no Decreto-Lei 144/2006, de 31/7 e artigo 23.º n.º 1 do DL 178/86, dado estarmos perante uma representação aparente e tutela do princípio da confiança da Recorrente, terceira de boa-fé, não podendo a ora Recorrida concordar com a interpretação e aplicação do regime jurídico e das normas citadas ao caso em apreço nos presentes autos.

5 - Invoca a Recorrente que a seguradora criou a aparência de representação, e que por via disso, a mesma acreditou que a R. CC detinha tais poderes, de representação, tecendo várias considerações imprecisas e denominando a R. CC como se de uma mediadora de seguros se tratasse, quando decorreu amplamente da prova produzida, sendo mais do que consabido, que a R. CC não é, nem nunca foi, mediadora de seguros, não podendo ser ficcionada tal qualidade seja em que sentido for.

6 - Resultou manifesto que a R. CC não era mediadora de seguros, motivo pelo qual jamais poderia ser aplicado, in casu, o regime jurídico de mediação de seguros - tal como vem defender a Recorrente - dado os requisitos profissionais tão específicos para o exercício e registo de actividade de mediação de seguros (cfr. ponto 12 da factualidade dada como provada na sentença de primeira instância, confirmada pelo Tribunal da Relação).

7 - Citando-se o douto Ac. da Relação do Porto que ora vem posto em crise, note-se que, a R. CC (i) “foi funcionária do Banco Espírito Santo (BES) (…) (ii) “Enquanto funcionária da referida instituição bancária competia-lhe, entre outras funções atribuídas pelo BES, (…) (iii) “(…) a referida CC não tinha essa qualidade, limitando-se a cumprir as funções que lhe eram determinadas pela sua entidade empregadora – o Banco Espírito Santo -, (…) (iv) “(…) não o fazia esta como mediadora de seguros, actividade que, de resto, não podia exercer, por não estar para tal habilitada, não se achando inscrita no Instituto de Seguros de Portugal.” (…) “(…) nunca a referida CC foi mediadora de seguros da Liberty Seguros, quer enquanto exerceu funções no BES, quer posteriormente, após a sua reforma, (…) não dispondo de poderes específicos para, nessa qualidade, intervir na celebração de contratos de seguros.”.

8 - Contrariamente ao que a Recorrente vem alegar, no ponto 2.º das suas alegações de recurso, a primeira instância não considerou provado que a R. CC tenha estabelecido qualquer relação contratual de mediação de seguros com a aqui Recorrida através do seu filho R. BB, por via do contrato celebrado com este em 20.04.2007 (de mediador de seguros ligado); a única relação contratual existente foi estabelecida entre a Recorrida e o R. BB, este sim, enquanto mediador de seguros ligado, mediante contrato de 20 de Abril de 2007, inexistindo qualquer relação contratual entre a aqui Recorrida e a R. CC.

9 - Diametralmente, aquilo que, efectivamente, o Tribunal de primeira instância veio a entender, rediga-se, erradamente, e a final, rebatido pelo Tribunal da Relação, foi no sentido de existir uma aparência do exercício regular de mediação pela R. CC (actuação esta que se encontrava coberta por um verdadeiro contrato de mediação existente entre o R. BB e a Recorrida), concluindo, por conseguinte, ser de aplicar o regime jurídico da actividade de mediação de seguros no que concerne à responsabilidade da aqui Recorrida (representada aparente).

10 - Acresce, ainda, para o que se alerta, que a Recorrente vem pelas presentes alegações adulterar a factualidade dada como provada: repare-se no ponto 8 a que a Recorrente faz referência na página 5 das suas alegações que não correspondente ao ponto 8 dos factos provados (sentença e acórdão recorrido), assim como no ponto 11 (página 5) das suas alegações de recurso que não tem a mínima correspondência ao ponto 11 dos factos provados (sentença e acórdão recorrido), mais constando o oposto na alínea a) da factualidade dada como não provada.

11 - Perante as normas legais em evidência, aplicadas ao caso concreto, e da matéria de facto dada como provada nos presentes autos, torna-se clarividente que a R. CC não podia desenvolver a actividade de mediação de seguros sob a categoria de mediador de seguros ligado; a R. CC não reunia as condições legais necessárias para exercer a profissão de mediadora de seguros, ou seja, não estava inscrita no registo de mediadores existentes no ISP.

12 - De facto, provado ficou que entre a Recorrida e a mencionada R. CC não foi estabelecido qualquer vínculo contratual, mas apenas com o seu filho R. BB, por via do contrato celebrado a 20.4.2007, de mediador de seguros ligado, nos termos que dele constam, pelo que, jamais poderia ser aplicado o regime jurídico da mediação de seguros à R. CC quando esta não o era, nunca o foi e nem nunca será mediadora de seguros.

13 - A Recorrente quer fazer crer, a todo o custo, pelas alegações de recurso apresentadas, que a aqui Recorrida é responsável pela conduta lesiva e ilícita praticada pela R. CC, socorrendo-se (erroneamente) da existência de um contrato de mediação celebrado com o mediador de seguros, R. BB, para legitimar a aplicação do regime jurídico da mediação de seguros no caso sub judice, o que não se poderá aceitar.

14 - Reitere-se que não poderá de modo algum ficcionar-se a existência de um contrato de mediação alegadamente existente entre a Recorrida e a R. CC para condenar a Seguradora pelos actos levados a cabo pela mesma enquanto alegadamente mediadora.

15 - Não se poderá, de forma alguma, desvirtuar o contrato de mediação, ampliando os poderes de representação devidamente especificados, conferidos tão-só ao R. BB, transpondo-os para a actuação da R. CC, a qual agiu apenas e somente em nome e proveito próprio.

16 - Nestes termos, os actos praticados pela R. CC não podem produzir efeitos na esfera jurídica da aqui Recorrida, pois que não foram a ela atribuídos quaisquer poderes de representação.

17 - Mais, bem refere o douto Acórdão recorrido, que “…não resultou comprovado nos autos factualidade necessária para se poder concluir pela eficácia, em relação à Ré Liberty Seguros, dos contratos de seguros celebrados pela Autora, aqui Recorrida, com a intervenção de CC, sem poderes específicos para tal, os quais não foram ratificados pela Ré seguradora…”.

18 - Por outra parte, tal como expressamente se dispõe no artigo 8º, alínea a), ponto i) da Lei da Mediação de Seguros (Decreto-Lei n.º 144/2006 de 31/07), está vedado ao mediador ligado o recebimento de prémios ou somas destinados aos tomadores de seguros, segurados ou beneficiários.

19 - Ou seja, permitir-se-ia à R. CC, que nem sequer era mediadora, mais do que se permitiria a um mediador de seguros ligado, i.e, celebrar contratos para os quais não detinha poderes de representação e receber valores monetários, para o que estava legal e expressamente proibido/vedado.

20 - Assim, estando a referida tarefa excluída da actividade de mediação de seguros, pois que absolutamente proibida por lei expressa, não poderá a seguradora ser pela mesma responsabilizada, por cair fora do âmbito da actividade sobre a qual se estipulou a responsabilidade da seguradora.

21 - A Recorrente vem chamar à colação o facto da R. CC enquanto funcionária bancária ter uma posição privilegiada na angariação de clientes, o que não se poderá misturar ou confundir com a prática não autorizada da alegada actividade de mediação que a aqui Recorrida desconhecia, feita à sua revelia.

22 - Neste conspecto, decidiu em conformidade o Tribunal da Relação, ao referir que “A CC não era mediadora de seguros, embora, de facto, actuasse como tal, angariando clientes e subscrevendo propostas de seguro, usando, para o efeito, os formulários e os carimbos facultados pela Liberty Seguros ao marido e ao filho, enquanto mediadores de seguros da referida seguradora. Não dispunha de quaisquer poderes de representação outorgados pela Ré Liberty, Seguros, designadamente para efeitos de celebração de contratos de seguros e, especificamente, para celebrar os contratos de seguros com a aqui Autora. Nada nos autos permite concluir, antes pelo contrário, que a Ré seguradora tinha conhecimento da actuação da CC e tolerava tal actuação.”.

23 - Neste sentido, cairá por terra a alegação da Recorrente, ao afirmar que (i) a Recorrida beneficiou comercial e patrimonialmente do relacionamento com a R. CC e que (ii) não se poderia dizer que a Recorrida era alheia ou não sabia da angariação de clientes, o que não poderá servir como presunção, ou conclusão pela responsabilidade que a Recorrente quer, a todo o custo, reforçar e fazer imputar à Seguradora.

24 - Qualquer benefício da angariação de negócios era por via da assinatura de contratos válidos e dentro dos poderes conferidos ao Mediador de Seguros R. BB e não outros.

25 - Ficou amplamente demonstrado a Recorrida nada tinha a ganhar com a actuação da R. CC, a qual recebeu valores pecuniários que sempre deveriam ter sido entregues à seguradora, mas dos quais aquela se apoderou ilegitimamente, contribuindo ainda essa actuação para denegrir junto dos consumidores a imagem da Seguradora.

26 - Relativamente, à figura de representação aparente que a Recorrente defende ter aplicação no caso vertente e que foi, e bem, peremptoriamente afastada pelo Tribunal a quo, não pode a Recorrida sufragar de tal entendimento, pois que na representação aparente tutela-se a confiança, de terceiro de boa-fé, desde que para essa mesma confiança tenha sido dado contributo do representado aparente, o que não sucedeu.

27 – Neste campo, desconhece-se o alcance do alegado pela Recorrente na página 3 das alegações de recurso que dirige à aqui Recorrida, quando refere ser de aplicar o artigo 23.º n.º 1 do DL 178/86 porque a Companhia de Seguros demandada deu à mediadora CC poderes de cobrança.

28 - Pasme-se com referida invocação que, não só não corresponde à verdade, como tal nunca foi suscitado nem objecto de discussão no âmbito da presente demanda, não derivando do acervo factual da matéria provada/não provada, nem tão-pouco do contrato de mediação (junto aos autos) celebrado entre a Recorrida e o R. BB a concessão de tais poderes, muito menos à R. CC com a qual inexistia qualquer contrato de mediação, pelo que não se vislumbra o que pretende a Recorrente com a referida alegação.

29 - No caso em apreço falham os elementos essenciais ao reconhecimento deste tipo de representação: i. não existia qualquer poder de representação da Recorrida à CC; ii. não foram outorgados quaisquer poderes específicos para efeitos da celebração dos contratos em apreço nos presentes autos; iii. ainda por reporte ao contrato de mediação celebrado com o Mediador de Seguros ligado, R. BB, foi excedido formalmente os poderes que lhe foram conferidos. iv. Inexistência de ratificação por parte da Seguradora Recorrida.

30 - É manifesto que os contratos de seguro alegadamente celebrados com a Recorrente sem poderes específicos por parte da R. CC não produzem quaisquer efeitos e nessa medida são ineficazes em relação à aqui Recorrida, dado que os mesmos não foram por esta esta ratificados.

31 - Dispõe o número 3 do artigo 30.º da Lei do Contrato de Seguro que tal contrato de seguro produzirá efeitos desde que o Segurador tenha contribuído para fundar a confiança do tomador do seguro.

32 - É entendimento da Recorrida que não se verificam os pressupostos do mencionado artigo para se concluir (como a Recorrente quer fazer crer) estarmos perante uma representação aparente.

33 - A Recorrente não merece beneficiar da tutela da confiança, pois não agiu com a devida diligência ao entregar à R. CC aquela elevada verba monetária, para alegadamente subscrição de contratos de seguro, sendo certo que não desconhecia que a Recorrida não recebia pagamentos em numerário de quantias superiores a €1.000.00., bem como não solicitou a exibição de documento escrito a conferir poderes à R. CC para tal recepção das quantias.

34 - Ressalve-se que, a postura da seguradora não criou na Recorrente uma expectativa e confiança que seja merecedora de tutela jurídica, até porque somente com a interpelação da Recorrente teve a Recorrida conhecimento de que aquela entregou quantias à R. CC que alegadamente seriam encaminhadas para a Liberty e que nunca chegaram a dar entrada na Seguradora.

35 – E ainda, depois de ter sido interpelada pela Recorrente, a Seguradora resolveu o contrato de mediação com o mediador de seguros tendo inclusive remetido missiva por correio registado a todos os seus clientes que integravam a carteira de clientes mediada pelo R. BB, reportando a referida cessação do contrato, pelo que, não poderá a postura da Seguradora ser interpretada como a assunção entre ela e a R. CC de uma relação de representação, em que esta actuava em nome e por conta dela.

36 - O Representado, in casu a ora Recorrida não contribuiu para fundar a confiança do terceiro, Recorrente, não bastando, para o efeito, um comportamento isolado perante a Recorrente credora da confiança, é necessário que o comportamento perdure no tempo e que seja devidamente sedimentado, uma vez que um comportamento isolado, por si só, não gera confiança, diversamente ao que vem expendido no artigo 25.º das alegações de recurso a que ora se respondem.

37 - Face à matéria dada como provada nos autos não se pode concluir, como conclui a Recorrente, visto que a Recorrida desconhecia a actuação da R. CC e não devia, nem podia conhecer, não tendo sequer forma de conhecer ou impedir.

38 - Neste segmento, uma hipotética responsabilidade a existir, só se justificaria se da necessidade da especial tutela de confiança do tomador do seguro, relacionada com a situação concreta e de um comportamento negligente do segurador, o que in casu não se verificou.

39 - Cita-se, nesta parte, o que plasmou o Tribunal da Relação no seu douto Acórdão proferido, “Para tanto, sempre seria necessário que da matéria recolhida nos autos resultasse demonstrada factualidade da qual se pudesse extrair qualquer falha imputável à seguradora quanto à forma como organiza, gere e fiscaliza os meios que utiliza para desenvolver a sua actividade comercial, e que tenha sido essa falha que haja proporcionado a utilização pela CC da documentação recebida pelo marido e filho, enquanto mediadores, para aquela formalizar os contratos celebrados com a Autora. Tal factualidade não só não se acha comprovada nos autos, como nem sequer se mostra alegada na petição inicial.”.

40 - Vem a Recorrente alicerçar a sua tese nas atribuições da R. CC que lhe haviam sido conferidas pelo BES, no facto desta ser considerada pela generalidade das pessoas com quem contactava como mediadora de seguros, facto que a própria afirmava, no acesso que esta tinha à documentação para a celebração de contratos de seguro (fornecidos ao seu marido e filho), para concluir que a seguradora contribuiu, e muito, para fundar a confiança do tomador de seguro (Recorrente), com a sua actuação negligente e descuidada, motivo pelo qual deverá ser responsabilizada pelo dano de confiança provocado pelo acto de representante aparente.

41 - Diga-se que, relativamente a esta questão, assim como as demais que acima se aduziram, o Acórdão da Relação do Porto posto em crise pela Recorrente sufragou entendimento diverso do que aqui vem trazido pela mesma em sede recurso, a saber: “…nada indicia nos autos que a Ré Liberty tenha contribuído para fundar a confiança daquela: a CC limitava-se, enquanto funcionária bancária do BES e por incumbência desta instituição bancária, (…), nada resultando dos autos que, fora desse âmbito, houvesse entre ambas qualquer acordo, ainda que não formal.”

42 - Quanto à ausência de contributo por parte da Recorrida que tenha concorrido para o dano sofrido pela Recorrente, para a criação de expectativa ou convicção, por parte desta, de uma aparência de representação, bem como quanto ao grau de diligência exigido e adoptado pela Seguradora, prossegue o Acórdão recorrido do seguinte modo “não era exigível à referida seguradora que tivesse conhecimento, ou sequer que pudesse prever como possível, que a CC tinha acesso àquele material (…) não resulta demonstrado nos autos que a Ré seguradora tivesse conhecimento, ou devesse tê-lo, agindo com a necessária diligência, que o estabelecimento referido no ponto 15.º dos factos provados tivesse sido aberto pelo Réu BB juntamente com a sua mãe.”.

43 - Aqui chegados, não poderia o Tribunal a quo ter decidido de forma diversa, na medida em que inexistem fundamentos para responsabilizar, seja a que título for a Recorrida pelos prejuízos sofridos pela Recorrente, o que comportará, inevitavelmente, que o recurso interposto pela mesma terá que, invariavelmente, improceder para todos os efeitos e com todas as consequências legais.

44- É entendimento da ora Recorrida que o Tribunal recorrido fez uma correcta interpretação e aplicação das normas jurídicas em apreço aplicáveis ao caso concreto, tendo concluído pela desresponsabilização da Recorrida pelos actos praticados pela R. CC, devendo a presente decisão manter-se cristalizada nos termos em que foi proferida, não sendo susceptível de qualquer censura, mantendo-se inalterada a absolvição da Recorrida do pedido formulado pela Recorrente, devendo o recurso soçobrar.

45 - Em suma, entende a aqui Recorrida que, atendendo aos factos invocados pela Recorrente e, bem assim, atenta a manifesta insustentabilidade dos mesmos, quer por falta de fundamentação legal, quer por falta de fundamentação fáctica, sempre terão de improceder as alegações de recurso por esta interpostas.”


◌ ◌


7) Na revista interposta pelo réu BB, este, por sua vez, conclui as suas alegações de recurso pela forma seguinte:

“A. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão proferido no que diz respeito à responsabilidade imputada ao Recorrente, que o condenou a pagar à apelada AA, a quantia de € 81.750,00 (oitenta e um mil setecentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora cíveis contados desde a citação até efetivo e integral pagamento.

B. O Tribunal da Relação andou mal ao concluir pela responsabilidade do ora recorrente, ao abrigo do disposto nos artigos 5º, nº 1, e), 8º, a) § i), 16º, nº 1 e artigo 29º, do D.L. 144/2006 de 31/07, em conjugação com os artigos 483º, 562º e 566º do Código Civil,

C. Tendo por base a matéria de facto dada como provada e não provada, decidiu o douto Tribunal da Relação manter o decidido pelo tribunal a quo no que diz respeito à condenação do ora Recorrente, BB a pagar à Autora, AA, a quantia de € 81.750,00, diga-se que, concluindo do modo como o fez o Tribunal recorrido fê-lo ao arrepio da Lei aplicável no caso.

D. A Recorrente pugna veementemente pelo entendimento de que a decisão em apreço nos autos configura uma incorreta interpretação e aplicação das normas legais constantes dos artigos 5º, nº 1, e), 8º, a) §i), 16º, nº 1 e art. 29º, do D.L. 144/2006 de 31/07 (Regime Jurídico do Contrato de Seguro), em conjugação com os artºs 483º, 562º e 566º do Código Civil.

E. O Tribunal da Relação do Porto, aliás, na mesma linha do Tribunal “a quo”, como premissa do acórdão proferido posta em crise e aqui em análise, refere, em síntese, que “ (...) a circunstância de não exercer, de facto, a actividade de mediação de seguros não o desresponsabiliza do dever de indemnizar a Autora, aqui recorrida.

a.(...)A partir desse registo fica vinculado aos deveres específicos legalmente fixados para os mediadores de seguros, designadamente os previstos no artigo 29.º do citado diploma, sendo-lhe directamente aplicáveis as disposições do RJMS, independentemente de exercer de facto a actividade de mediação de seguros, como sublinha a sentença proferida no processo n.º 92/13.2..., do ....º Juízo do Tribunal de ..., Regulação e Supervisão, que, por via de recurso, confirmou a decisão condenatória contra ele proferida pelo Instituto de Seguros de Portugal.

b. Incluem-se nesses deveres, entre outros:

c. “Cumprir as disposições legais e regulamentares aplicáveis à actividade seguradora e à actividade de mediação de seguros e não intervir na celebração de contratos que as violem; e

d. “Diligenciar no sentido da prevenção de declarações inexactas ou incompletas pelo tomador do seguro e de situações que violem ou constituam fraude à lei [...].

e. não estar habilitada para o exercício de mediação de seguros, formulários de propostas de contratos de seguros, formulários de recibos provisórios, carimbos e demais documentos pertencentes que recebia seguradora para a celebração de contratos de seguros, permitindo que esta os utilizasse, preenchendo os formulários, apondo o Réu BB a sua assinatura no lugar destinado à assinatura do mediador de seguros.

Vejamos:

F. Importa sublinhar que a atividade ilícita desenvolvida pela CC é estranha ao Recorrente, bem como a poderes de representação da Seguradora, que nem esta nem aquele, nunca concederam.

G. Como não podia deixar de ser, a responsabilidade derivada da atividade profissional do mediador exige em primeiro lugar que os danos resultem da atividade do mediador enquanto tal, e não, como no caso dos autos, de uma atividade criminosa protagonizada por terceiro (a ré CC), que se serviu das qualidades do Recorrente como instrumento da prática de crimes de burla, e que na verdade nunca quis propor, preparar ou dar assistência a contratos a realizar, ou realizados de facto, entre a Autora/Recorrida e a Seguradora.

H. Quanto à questão da responsabilidade do Recorrente pelos danos sofridos pela Autora, considerou o Tribunal a quo estarmos perante responsabilidade civil contratual, pois que a atividade do mediador de seguros, no que tange às situações como a em apreço, deve-se qualificar como no domínio da atividade contratual, embora aqui apenas preparatória da celebração de um contrato de seguro;

I. Conforme decorre do disposto no artigo 798.º, os pressupostos da responsabilidade civil contratual em pouco ou nada diferem dos da responsabilidade extracontratual (art. 483º).

São eles:

a) o facto voluntário do agente a que a lei (artigo 798.º) faz menção quando na estatuição se refere ao "devedor que", ou seja, quando estabelece que o incumprimento é consequência de um comportamento do obrigado;

b) a ilicitude traduzida na utilização do verbo faltar como sinónimo de violar não o direito absoluto de outrem, mas um direito de crédito ou relativo: "falta ao cumprimento da obrigação";

c) a imputação subjetiva, ou seja, a culpa a que o artigo 798.º se refere expressamente quando utiliza o advérbio de modo "culposamente";

d) o dano, uma vez que a lei fala em responsabilidade pelos prejuízos; e

e) a imputação objetiva, isto é, o nexo de causalidade entre o facto e o dano, que no texto do artigo 798.º decorre da fórmula " que causa ao credor".

J. As diferenças residem essencialmente no facto de na responsabilidade contratual, a culpa do lesante se presumir – v. nº1, do artigo 799.º.

Vejamos o caso concreto,

K. Por muito ampla que se considere ser a atividade de mediação, por muito abrangente que seja a noção que se queira ter de atividade de mediação, aquilo que a CC fez, não cabe nessa mesma noção tal como delimitada pela sua finalidade típica: desenvolveu uma atividade cujo único objetivo residia na obtenção de benefício pecuniário próprio

L. Questiona-se, aliás, que tipo de controlo – impossível - é que poderia ser exigido ao aqui Recorrente por comportamentos, alheios, que jamais poderiam passar pelo seu crivo, aliás, tal como decorre, e bem, do ponto 7) dos factos provados da sentença, nos termos do qual “7) Em virtude dessa atividade, a 2ª R. CC estabeleceu relacionamentos comerciais com diversos clientes do BES, que pretendiam aplicar consideráveis quantias em dinheiro em poupanças ou investimentos que eram aplicados nos produtos financeiros da 1ª R. Liberty Seguros, S.A.,

M. Acresce que, resulta dos factos provados da sentença o seguinte:

“4) Por sua vez, a 2ª R., CC foi... do Banco Espírito Santo (BES) desde ... de Maio de 1980 até ... de Janeiro de 2006, encontrando-se na situação de reforma desde ... de Fevereiro de 2006.

6) No âmbito das funções que lhe estavam atribuídas pelo BES, competia a essa 2ª R., além do mais, aconselhar os clientes e proceder às aplicações financeiras disponibilizadas pela Companhia de Seguros Europeia, atualmente designada por Liberty Seguros, S.A..

N. 25) Possuindo, inclusive, estabelecimento comercial aberto ao público com o logótipo “Liberty Seguros” e a 2ª R., CC sempre, enquanto ... do BES celebrara contratos com clientes desse banco com aquela companhia seguradora e também com esta, a A. decidiu-se a assinar esses formulários.”

O. Note-se, aliás, no caso concreto, a própria Seguradora conhecia a atuação da Ré CC e tolerava – porque beneficiava da angariação de negócios – esse modo de atuar. Só assim se percebe, designadamente, que, passado um ano, depois de uma conversa telefónica com o mediador, aceite o reenvio de um fax como justificação para considerar suspensos os contratos de seguro, que deveriam ter-se por resolvidos.

P. Daqui apenas se poderá concluir que a confiança e a credibilidade gerada pela R. CC no público em geral deriva do facto de esta ter sido funcionária do BES – onde estabeleceu diversos relacionamentos comerciais - e não por ser considerada mediadora da Liberty, facto que é completamente alheio ao aqui Recorrente e que não cai no âmbito da sua esfera de controlo.

Q. Mas, mais do que o choque de se ver o Recorrente numa situação em que possa ser responsabilizada pela atividade criminosa de terceiro com a qual nada tem a ver, veja-se o arraso que constitui a circunstância de não se ter atentado no modo como a CC enganou a Autora/Recorrida.

R. Não pondo em causa a boa fé da Autora/Recorrida, nada indicia nos autos, pelo contrário, que o Recorrente tenha contribuído para fundar a confiança daquela, tanto mais que, reconheceu a Autora, em sede de declarações de parte, a mesma nunca contratou com o filho da ré CC/Recorrente: a CC limitava-se, enquanto... bancária do BES e por incumbência desta instituição bancária, a aconselhar os clientes e a realizar as aplicações financeiras disponibilizadas pela Companhia de Seguros Europeia, atualmente designada por Liberty Seguros, S.A., nada resultando dos autos que, fora desse âmbito, houvesse entre ambas qualquer acordo, ainda que não formal.

S. A Autora/Recorrida conhecia (muito bem) a ré CC desde 2007 e não desconhecia (sabendo-o há várias décadas!), que a Seguradora não recebia pagamentos em numerário de quantias superiores a €1.000.00., e, ainda assim entregou à CC (para que esta disponha do modo que entende), a quantia de € 81.750,00 euros com intuito de proceder a aplicação financeira de dois contratos de seguro “Liberty Saúde Dentária” e “Liberty Acidentes Pessoais”.

T. Atenta toda esta realidade, sempre se deverá concluir que inexistiram quaisquer razões ponderosas, objetivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança cega do tomador de seguro de boa fé (Autora/Recorrida), sem culpa própria, na legitimidade da ré CC, para celebrar contratos de seguro como os dos autos, através de recebimento de significativos valores em numerário.

U. De facto, tudo se concretizou, com base numa incompreensível e negligente confiança na ré CC, que a Autora sabia não ser mediadora, assente num relacionamento pessoal de vários anos.

V. Não podendo ser, pois, imputável ao ora recorrente, qualquer contribuição concreta e específica, para a (incompreensível) situação de confiança criada, na existência de poderes para celebrar contratos financeiros.

W. Fosse pela existência de elementos externos de identificação (inconsequentes para tal finalidade), fosse por qualquer acto ou omissão, que não se verificou, face a uma conduta criminosa, detetável, tanto mais que vem dado como provada que a ré CC foi condenada por diversos crimes de burla e falsificação de documentos em situações similares à do caso em análise.

X. Ou seja, o Recorrente não conhecia a conduta da ré CC, e nem com o devido cuidado, que sempre teve, teria podido conhecer e impedir, até porque o benefício da angariação de negócios sempre, mas sempre, operou por via da assinatura de contratos válidos e dentro dos poderes conferidos ao Recorrente/Mediador de Seguros BB e nunca por qualquer outro modo.

Y. Pelo contrário, o Autora/Recorrida, experiente nos meandros dos produtos financeiros, que contratualizava desde 2005, com o mínimo de cuidado e diligência, poderia (e deveria, de acordo com o escrutínio de um homem médio), sem dificuldade, ter obtido informações que, certamente, teriam impedido a concretização dos negócios.

Z. A Autora/Recorrida, como ele própria reconheceu, não celebrou com o Recorrente qualquer um dos contratos dos autos, e nenhum montante disponibilizado sob qualquer outra forma, ao Recorrente, relativo aos alegados contratos de seguro dos autos.

AA. Assim, no que toca à conduta da Autora/Recorrida, de harmonia com os factos provados, seria de exigir que esse eventual desconhecimento se verifique sem culpa sua, o que sempre pressuporia, por parte da Autor/Recorrente, uma atitude prudencial de indagação, que lhe permitisse concluir se, efetivamente, a ré CC tinha poderes para celebrar os contratos em questão. Logo demitindo-se o Autora de qualquer averiguação cautelar mínima, não se poderá afirmar que o desconhecimento de poderes do mediador, não lhe é imputável.

BB. Desde logo, porque «os poderes específicos que estão em causa, são os poderes para contratar produtos financeiros e não o reconhecimento de alguém como mediador, em termos gerais», sendo, por isso, de exigir à Autora/recorrida um escrutínio mais cuidadoso.

CC. E não se ignorem outras circunstâncias tais como entrega de valores, vultuosos, em numerário; ausência de recebimento de qualquer documentação ou validação, expressa ou tácita, por parte da Liberty, (antes ou) após a Autora/Recorrida ter efetuado os contratos, e que conduzem à conclusão de que, no caso concreto, não se verificam razões ponderosas que, de forma objetiva, indiciassem a existência de poderes por parte da ré CC para celebrar os contratos em causa.

DD. Não se vislumbra também que o facto do Recorrente ter aceite ceder a CC, sua mãe, que sabia não estar habilitada para o exercício de mediação de seguros, formulários de propostas de contratos de seguros, possa ser interpretado, por uma qualquer pessoa com conhecimento médio, no sentido de que o Recorrente contribuiu de forma específica para fundar a confiança da Autora/Recorrida de que a CC tinha recebido quaisquer poderes de representação da sua parte ou por parte da Seguradora para agir por ela e em nome dela, sendo certo que o que ressalta da factualidade dada como assente é que a atuação da Autora encontra o seu fundamento na relação de extrema e temerária confiança na pessoa da CC.

EE. Em face da matéria dada como provada, e salvo o devido respeito, não se encontram reunidos os pressupostos do n.º 1 do artigo 483.º do Código Civil, que permitiriam responsabilizar o Recorrente BB (dever de indemnizara Autora), nos termos dos artigos 562.ºe 566.ºdo mesmo diploma legal, desde logo, a imputação objetiva, isto é, o nexo de causalidade entre o facto e o dano, tanto mais que, no caso concreto, a própria Segurador conhecia e tolerava a atuação da Ré CC– porque beneficiava da angariação de negócios – esse modo de atuar.

FF. Por outro lado, a imputação subjetiva que é feita à atuação do Recorrente, ou seja, a culpa a que o artigo 798.º se refere expressamente quando utiliza o advérbio de modo "culposamente", é muito ténue na medida em que a própria Autora/Recorrida, contribuiu para o dano que reclama e não agiu com a devida diligência, a partir do momento em que entregou a CC, pois quem entrega dinheiro a outra pessoa, podendo esta pessoa disponibilizá-lo a seu proveito (numerário, cheque ao portador ou em benefício da pessoa a quem se está a entregar) está a criar um risco enorme de dissipação desses mesmos valores, o qual, só pode correr por conta de quem assim agiu, e nunca por conta daquele que se possa assumir como o destinatário final dos valores pecuniários (quando este seja pessoa distinta). Isto, é particularmente chocante quando, havendo histórico nesse sentido, bem se sabe que essa pessoa nunca recebeu dinheiro mas apenas cheques passados em nome da Seguradora.

GG. Por outro lado, a imputação subjetiva que é feita à atuação do Recorrente, ou seja, a culpa a que o artigo 798.º se refere expressamente quando utiliza o advérbio de modo "culposamente", é muito ténue na medida em que a própria Autora/Recorrida, contribuiu para o dano que reclama e não agiu com a devida diligência, a partir do momento em que entregou a CC, pois quem entrega dinheiro a outra pessoa, podendo esta pessoa disponibilizá-lo a seu proveito (numerário, cheque ao portador ou em benefício da pessoa a quem se está a entregar) está a criar um risco enorme de dissipação desses mesmos valores, o qual, só pode correr por conta de quem assim agiu, e nunca por conta daquele que se possa assumir como o destinatário final dos valores pecuniários (quando este seja pessoa distinta). Isto, é particularmente chocante quando, havendo histórico nesse sentido, bem se sabe que essa pessoa nunca recebeu dinheiro mas apenas cheques passados em nome da Seguradora.

HH. Como acabado de expor, salvo o devido respeito pela opinião contrária, no caso em análise, não se verificam todos os pressupostos da responsabilidade civil contratual que em pouco ou nada diferem dos da responsabilidade extracontratual (art. 483º): ainda que se equacione a existência de um facto voluntário a ilicitude traduzida na utilização do verbo faltar como sinónimo de violar não o direito absoluto de outrem, mas um direito de crédito ou relativo "falta ao cumprimento da obrigação", e o dano; na verdade não se verificam quer a imputação subjetiva, ou seja, a culpa a que o artigo798.ºse refere expressamente quando utiliza o advérbio de modo "culposamente", nem a imputação objetiva, isto é, o nexo de causalidade entre o facto e o dano, que no texto do artigo 798.º decorre da fórmula " que causa ao credor".

II. Tanto mais, que, a Arguida/Recorrente não agiu com a devida diligência, a partir do momento em que entregou a CC, pois quem entrega dinheiro a outra pessoa, podendo esta pessoa disponibilizá-lo a seu proveito (numerário, cheque ao portador ou em benefício da pessoa a quem se está a entregar) está a criar um risco enorme de dissipação desses mesmos valores, o qual, só pode correr por conta de quem assim agiu, e nunca por conta daquele que se possa assumir como o destinatário final dos valores pecuniários (quando este seja pessoa distinta). Isto, é particularmente chocante quando, havendo histórico nesse sentido, bem se sabe que essa pessoa nunca recebeu dinheiro mas apenas cheques passados em nome da Seguradora.

JJ. Estes factos assentes só permitem concluir que o recorrente não violou, nem poderia violar, os deveres a que estava obrigado no âmbito dos artºs 29º e ss do citado DL 144/2006 de 31/07, uma vez que o contrato dos autos foi realizado pela 2ª ré CC, que desenvolveu uma atividade consistente no (alegado) recebimento por parte da autora de quantias em dinheiro que, justamente por terem sido entregues diretamente à CC e não ao Seguradora, não se destinava à subscrição de qualquer espécie de produto de seguros. Trata-se como se viu, de um negócio privado que, entre a autora e a 2ª ré

KK. O Tribunal “a quo” errou o julgamento na aplicação do direito aos factos, nomeadamente na interpretação que foi feita do disposto nos artigos 5º, nº 1, e), 8º, a) §i), 16º, nº 1 e art. 29º, do D.L. 144/2006 de 31/07, em conjugação com os artºs 483º, 562º e 566º do CC

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, revogado o douto acórdão recorrido e substituída por outro que julgue a ação totalmente improcedente.



8) A seguradora ré apresentou articulado de resposta às alegações do recurso de revista do réu BB, em que conclui como se segue:

“1 - Vem o R., Recorrente, colocar em crise o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no que respeita à confirmação da decisão de primeira instância, que negou provimento ao recurso por si interposto, e decidiu pela sua condenação quanto ao pedido formulado pela A..

2 - O aqui Recorrente não defende a revogação do acórdão concluindo pela condenação da Seguradora, aqui recorrida, apenas propugnando pela sua absolvição sem que daí advenha a responsabilidade da Companhia de Seguros,

3 – No entanto, acaba por tecer considerações ao longo das alegações de recurso apresentadas, as quais poderão suscitar e induzir o Tribunal ad quem a interpretações erróneas e falaciosas, as quais não poderão proceder, pelo que, entende a aqui Recorrida que não poderá deixar de exercer o contraditório relativamente às questões levantadas pelo Recorrente que afectam a posição da Seguradora.

4 – Vem a Recorrida, no exercício do seu direito de resposta, pronunciar-se relativamente às matérias suscitadas pelo Recorrente que poderão melindrar a posição da Recorrida, e bem assim, o decidido pelo douto Tribunal da Relação no tocante à inexistência de responsabilidade da Seguradora pela actuação da Ré CC, reiterando-se, a este propósito, tudo quanto foi expendido pelas contra-alegações de recurso já apresentadas em relação ao recurso de revista interposto pela Autora AA, para as quais se remetem, dando as mesmas por integralmente reproduzidas para todos os devidos e legais efeitos.

5 - O Recorrente em sede recursória faz alusão a excertos, transcrevendo passagens do Acórdão, os quais não têm aplicação ao caso vertente e que não poderão merecer qualquer acolhimento, porquanto se afiguram completamente descontextualizados, não tendo o mínimo de correspondência com a verdade dos factos.

6 - Veja-se: “Note-se, alias, no caso concreto, a própria Segurador conhecia a atuação da Ré CC e tolerava – porque beneficiava da angariação de negócios – esse modo de atuar. Só assim se percebe, designadamente, que, passado um ano, depois de uma conversa telefónica com o mediador, aceite o reenvio de um fax como justificação para considerar suspensos os contratos de seguro, que deveriam ter-se por resolvidos.”. 10

7 - Na verdade, o Acórdão da Relação do Porto acaba por citar o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1.04.2014, Processo 4739/03.0TVLSB.L2.S1, no que concerne à figura de representação tolerada, fazendo referência a uma situação que não é transponível, nem tem aplicabilidade para o caso em discussão na presente demanda, na medida em que a mesma não se verifica na situação dos presentes autos, em virtude da factualidade dada como provada/não provada, sendo, por conseguinte, afastada.

8 - Para estarmos perante uma representação tolerada a Seguradora (representado) teria que admitir, repetidamente, que outrem (mediador) praticasse actos como seu representante, exigindo-se que o representado tolerasse a conduta, dele conhecida, do representante.

9 - Resultou clarividente da matéria de facto provada/não provada que não foi isso que sucedeu, concluindo o Tribunal de primeira instância – ainda que erradamente, o que não mereceu, e bem, acolhimento por parte do Tribunal da Relação -, pela aplicabilidade da figura denominada “representação aparente”, nos termos da qual, não conhecendo o representado a conduta do representante, com o devido cuidado teria podido conhecê-la e impedido a mesma.

10 - Repete a mesma argumentação, rotundamente falsa, nas páginas 22 e 23 das suas alegações de recurso, o que não se poderá, de todo, aceitar, desvirtuando a realidade dos factos, uma vez que concluiu “(…) tanto mais que, no caso concreto, a própria Segurador conhecia e tolerava a atuação da Ré CC– porque beneficiava da angariação de negócios – esse modo de atuar.”.

11 - A este propósito, saliente-se o que decorreu do entendimento pugnado pelo Tribunal da Relação do Porto, donde “Nada nos autos permite concluir, antes pelo contrário, que a Ré seguradora tinha conhecimento da actuação da CC e tolerava tal actuação.” (…) “A Ré Liberty Seguros nada tinha a ganhar com essa actuação, recebendo a CC os valores pecuniários destinados, no próprio âmbito do exercício da mediação de seguros, a serem entregues à seguradora, mas dos quais aquela se apoderava, contribuindo ainda essa actuação para denegrir junto dos consumidores a imagem da referida seguradora; cfr. ainda ponto 41.º dos factos provados.”.

12 - Nunca se poderia concluir que a Recorrida conhecia a actuação da CC (que não era mediadora, não detendo poderes para o exercício de tal actividade) e a tolerava, até porque o benefício da angariação de negócios sempre operou por via da assinatura de contratos válidos e dentro dos poderes conferidos ao Mediador de Seguros e aqui Recorrente BB, e nunca por qualquer outro modo.

13 - Decidiu, irrepreensivelmente, o acórdão proferido no sentido de “(…) não era exigível à referida seguradora que tivesse conhecimento, ou sequer que pudesse prever como possível, que a CC tinha acesso àquele material (…) não resulta demonstrado nos autos que a Ré seguradora tivesse conhecimento, ou devesse tê-lo, agindo com a necessária diligência (…) sempre seria necessário que da matéria recolhida nos autos resultasse demonstrada factualidade da qual se pudesse extrair qualquer falha imputável à seguradora quanto à forma como organiza, gere e fiscaliza os meios que utiliza para desenvolver a sua actividade comercial, e que tenha sido essa falha que haja proporcionado a utilização pela CC da documentação recebida pelo marido e filho, enquanto mediadores (…) Tal factualidade não só não se acha comprovada nos autos, como nem sequer se mostra alegada na petição inicial.”.

14 - O Recorrente jamais poderá confundir o facto da R. CC enquanto funcionária bancária ter uma posição privilegiada na angariação de clientes, com a prática não autorizada, ilícita, da alegada actividade de mediação por parte desta, em seu único e exclusivo proveito, que a aqui Recorrida desconhecia, a qual era feita à sua revelia e da qual não retirava qualquer benefício.

15 - Não pode a ora Recorrida perfilhar as considerações aduzidas nas Alegações de recurso apresentadas a que ora se respondem, que conduzem a uma percepção manifestamente distorcida, adulterando-se aquilo que, efectivamente, ocorreu no que concerne à conduta da Seguradora, o que não se admite.

16 - De igual modo, vem o Recorrente chamar à colação o ponto 10 dos factos dados como provados, porém, refira-se que a Recorrida nunca desmentiu até à referida data em que começaram a aparecer publicamente as queixas dos clientes, porquanto a Recorrida não sabia nem tinha como saber da actuação da R. CC, nunca tendo desmentido, porquanto não tinha como desmentir o que desconhecia, no entanto também nunca o confirmou ou tolerou!

17 - A postura da seguradora não é merecedora de qualquer repreensão, até porque somente, e não antes por indubitável desconhecimento, com a interpelação da Recorrente AA teve a Recorrida conhecimento de que esta entregou quantias à R. CC que alegadamente seriam encaminhadas para a Liberty e que nunca chegaram a dar entrada na Seguradora, tendo resolvido o contrato de mediação com o mediador de seguros tendo remetido missiva por correio registado a todos os seus clientes que integravam a carteira de clientes mediada pelo Recorrente BB, reportando a referida cessação do contrato.

18 - Não se pode concluir, como conclui o Recorrente, visto que a Recorrida desconhecia a actuação da R. CC e não devia, nem podia conhecer, não tendo sequer forma de conhecer ou impedir.

19 - Em suma, entende a aqui Recorrida que, atendendo aos factos imprecisos invocados pelo Recorrente e, bem assim, atenta a manifesta insustentabilidade dos mesmos, quer por falta de fundamentação legal, quer por falta de fundamentação fáctica, sempre terão de improceder as alegações de recurso por este interpostas no que às matérias aqui em referência diz respeito.”


◌ ◌


9) São as seguintes as questões colocadas a este Supremo Tribunal de Justiça:

a) Na revista interposta pela autora AA:

Se a seguradora ré deve ser condenada solidariamente com o réu BB no pagamento da quantia entregue pela autora para subscrição de contratos de seguro com base na eficácia de tais negócios celebrados pelo seu representante aparente;

b) Na revista interposta pelo terceiro réu BB:

Se o réu recorrente é, em todo o caso, responsável perante a autora pelo pagamento da quantia por ela entregue no pressuposto da validade e eficácia da celebração dos contratos de seguro.

Vejamos em primeiro lugar a matéria de facto que foi dada como provada pelas instâncias.


֎ ֎

֎


FUNDAMENTAÇÃO
Parte I – Os Factos

São estes os factos considerados provados, e não provados, tal como descritos no acórdão recorrido:

a) Factos Provados

1) A primeira ré, Liberty Seguros, S.A., é uma sociedade comercial que tem como objecto social a indústria de seguros.

2) Esta ré, anteriormente, designada por Europeia Seguros, tem/tinha, como ponto de venda dos seus produtos, entre outros, a agência do Banco Espírito Santo (BES), diversos mediadores de seguros e respetivos colaboradores.

3) No exercício da sua atividade, disponibiliza ao público diversos produtos financeiros, destinados a investimentos e poupanças, semelhantes a contas bancárias de depósitos a prazo, formalizados mediante um contrato de seguro e respetiva apólice.

4) Por sua vez, a segunda ré, CC foi ... do Banco Espírito Santo (BES) desde ... de maio de 1980 até ... de janeiro de 2006, encontrando-se na situação de reforma desde ... de fevereiro de 2006.

5) Nesse Banco exercia as suas funções na Agência de ..., na cidade e comarca do ..., conforme cópias certificadas dos documentos juntos.

6) No âmbito das funções que lhe estavam atribuídas pelo BES, competia a essa segunda ré, além do mais, aconselhar os clientes e proceder às aplicações financeiras disponibilizadas pela Companhia de Seguros Europeia, atualmente designada por Liberty Seguros, S.A..

7) Em virtude dessa atividade, a segunda ré CC estabeleceu relacionamentos comerciais com diversos clientes do BES, que pretendiam aplicar consideráveis quantias em dinheiro em poupanças ou investimentos que eram aplicados nos produtos financeiros da primeira ré Liberty Seguros, S.A., formalizados através da celebração de contratos de seguros com esta companhia seguradora.

8) No ano de 2005, prevendo que ia deixar de trabalhar no BES, a segunda ré, CC passou a colaborar na actividade do ramo de seguros, beneficiando do facto do marido e posteriormente o filho e aqui réu BB serem mediadores de seguros por conta da 1ª R., Liberty Seguros, S.A..

9) E, por toda gente com quem ela contactava ou que entrava em contacto com ela, era considerada mediadora de seguros, por conta da ré, Liberty Seguros, S.A., facto, aliás, que ela própria afirmava perante essas pessoas.

10) A primeira ré, Liberty Seguros, S.A., até fins de agosto de 2009, nunca desmentiu que a segunda ré, CC, trabalhava para a primeira ré na indústria de seguros, data em que começaram a aparecer publicamente as reclamações e queixas dos clientes, contra essa seguradora e contra os outros dois réus.

11) Para a generalidade do público, tal correspondia à realidade, dado que a primeira ré, Liberty Seguros, S.A., fornecendo ao marido da segunda ré e posteriormente ao filho e aqui réu BB, designadamente, formulários de propostas de contratos de seguros, formulários de recibos provisórios, carimbos e demais documentos pertencentes a essa seguradora para a celebração de contratos de seguros, a qual tinha acesso e utilizava, pelo que era considerada pelo público como mediadora de seguros dessa primeira ré seguradora.

12) Contudo, a segunda ré CC não estava inscrita no Instituto de Seguros de Portugal e, por isso, não reunia as condições legais necessárias para exercer as funções de mediadora de seguros.

13) O terceiro réu, BB, frequentou um curso para se habilitar à sua inscrição como mediador de seguros no referido Instituto e que após essa inscrição seria contratado como mediador de seguros por conta dessa seguradora, sendo certo que, quem exerceria essa atividade de facto seria essa segunda ré, que detinha os contactos dos clientes e a experiência no ramo adquirida há vários anos.

14) Nessa altura, o terceiro réu, BB era estudante e tinha apenas 17 anos de idade.

15) Após a frequência desse curso, o terceiro réu, BB inscreveu-se como mediador de seguros no Instituto de Seguros de Portugal, tendo aberto, com a sua mãe, um estabelecimento comercial de agência de seguros na Rua..., na cidade do ..., no qual constava o logótipo de Liberty Seguros, S.A..

16) Em 20 de Abril de 2007, a primeira ré, Liberty Seguros, S.A., celebrou com o terceiro réu, BB um contrato de mediação de seguros, mediante o qual este assumia, perante aquela seguradora, a qualidade de “Mediador de Seguros Ligado”, que lhe permitia exercer a atividade de mediação de seguros para os “Ramos de Vida e Não Vida”.

17) Contudo, o terceiro réu, BB, apesar de estar legalmente habilitado a tal, e de ter celebrado esse contrato com a primeira ré, Liberty Seguros, S.A., nunca exerceu de facto a atividade de mediador de seguros, apenas se limitava a assinar os formulários dos contratos de seguro no lugar destinado à assinatura do mediador, que eram preparados e preenchidos integralmente por sua mãe, a segunda ré, CC.

18) Deste modo, este terceiro réu, apenas figurava como mediador de seguros da Liberty Seguros, S.A., servindo como “testa de ferro” da sua mãe, a segunda ré, CC, que era quem contactava os clientes, deles recebia os valores para subscrição dos seguros contratados, emitindo-lhes o respetivo recibo provisório, preenchendo os formulários destinados a esses contratos,

19) Ficando, perante os clientes, de os entregar à primeira ré, Liberty Seguros, S.A..

20) Efectuadas tais operações, o terceiro réu, BB limitava-se a assinar tais contratos no local destinado à assinatura do mediador.

21) Durante o ano de 2007, a segunda ré, CC, que conhecia a autora, sabendo que ela dispunha de dinheiro depositado em contas bancárias e ainda dinheiro aplicado em outros contratos de seguro.

22) Aproveitando-se desse facto, e de ter em sua posse os documentos necessários à celebração de contratos de seguros com a primeira ré, Liberty Seguros, S.A., a segunda ré, CC contactou a autora, aconselhando-a a aplicar a quantia de € 81.750,00 euros (oitenta e um mil e setecentos e cinquenta euros) em dois contratos de seguro “Liberty Saúde Dentária” e “Liberty Acidentes Pessoais”, conforme cópias dos documentos juntos.

23) No dia 13 de maio de 2008, a segunda ré, CC, munida dos formulários da Liberty Seguros S.A., destinados a propostas de seguro “Liberty Saúde Dentária” e “Liberty Acidentes Pessoais”, preencheu os formulários com a identidade da autora e com aquela data, entregando-o a esta para que o assinasse.

24) Convencida, como muitas pessoas o foram, que a segunda ré, CC era mediadora de seguros da primeira ré, Liberty Seguros, S.A., até porque os documentos apresentados eram desta.

25) Possuindo, inclusive, estabelecimento comercial aberto ao público com o logótipo “Liberty Seguros” e a segunda ré, CC sempre, enquanto funcionária do BES celebrara contratos com clientes desse banco com aquela companhia seguradora e também com esta, a autora decidiu-se a assinar esses formulários.

26) Assim, a autora para a celebração de dois contratos de seguro “Liberty Saúde Dentária” e “Liberty Acidentes Pessoais” emitiu e entregou à segunda ré, CC o valor de € 81.750,00 euros em duas tranches uma de € 2.500,00 euros em 17 de setembro de 2008, e outra de € 79.250,00 euros em 13 de maio de 2009, que era o valores das poupanças que queria investir nesses seguros, cheque sacado sobre a sua conta Bancária n.º ...20, sedeada na Agência de ..., na cidade do ..., do Banco Santander Totta, S.A..

27) A segunda ré, CC recebeu o quantitativo supra referido dizendo que havia sido aplicado nos seguros “Liberty Saúde Dentária” e “Liberty Acidentes Pessoais” a quantia de € 81.750,00 euros, conforme cópia dos documentos juntos.

28) Mas, a verdade, é que a segunda ré, CC não havia efetuado qualquer seguro na Companhia Liberty Seguros, tendo-se apoderado, fazendo sua e gastando em proveito próprio a quantia de € 81.750,00 euros, que dizia ter entregue àquela seguradora para a celebração daquele contrato.

29) Como não recebia qualquer rendimento de seguro, que lhe havia sido prometido por aquela segunda ré, em nome da primeira ré, Liberty Seguros, S.A., a autora dirigiu-se, nos princípios do ano de 2010, a esta companhia seguradora, procurando saber o que se passava.

30) Por essa seguradora foi-lhe dito que nos seus ficheiros e arquivos não constava qualquer seguro de que a autora fosse titular, nomeadamente, qualquer seguro “Liberty Saúde Dentária” e “Liberty Acidentes Pessoais”.

31) Por isso, por diversas vezes, a autora interpelara a segunda ré, CC e o terceiro réu, BB, pedindo-lhe o pagamento dos montantes acordados relativos às quantias entregues para serem aplicadas nos contratos de seguros celebrados, e que haviam sido entregues àquela, para celebração dos dois contratos de seguro supra descritos, e que de facto, haviam sido contratados, mas não haviam sido efetuados.

32) Nem o terceiro réu, BB ou a segunda ré, CC, apesar das interpelações que lhes foram dirigidas e por eles recebidas, nunca entregaram qualquer quantia à autora,

33) Nem a autora tem conhecimento se algum quantitativo das reais quantias fora alguma vez aplicado em algum contrato de seguro em nome da autora,

34) A autora interpelou, quer o terceiro réu, BB como a segunda ré, CC, e a primeira ré, Liberty Seguros, S.A., do resgaste com entrega dos valores peticionados nestes autos dos já referidos contratos de seguro “Liberty Saúde Dentária” e “Liberty Acidentes Pessoais”.

35) Aliás, nesse sentido a primeira ré, Liberty Seguros, S.A., informou a aqui autora da cessão do contrato de mediador de seguros.

36) E, pela participação ao ISP Instituto de Seguros de Portugal o mediador foi condenado.

37) Por isso, e por outros factos de índole semelhante, correu termos na ...ª Secção dos Juízos Criminais do ... o Processo-Crime 1835/09.4..., no qual esses dois réus foram condenados.

38) E mantida a decisão judicial com decisão com trânsito em julgado pelo Venerando Tribunal da Relação.

39) Ainda no âmbito de conduta idêntica à dos presentes autos foi a aqui a R. Liberty Seguros, S. A, relativamente a um processo deste Juízo Central – J..., condenada por acórdão do TRP, de 14/06/2016, Processo nº 656/11.9..., confirmado por ac. do STJ de 26/01/2017.

40) (Eliminado do elenco dos factos provados em segunda instância) 2

41) No período compreendido entre os anos de 2005 e 2009 a segunda ré CC, sem o conhecimento e sem o consentimento da aqui primeira ré Liberty, usou de forma reiterada, sistemática e habitual, o nome, imagem, reputação e credibilidade desta para se apossar de montantes pecuniários de terceiros, que bem sabia não lhe pertencerem.

42) Para difundir aos seus clientes e ao público em geral a prática dos factos envolvendo a aqui segunda ré CC bem como o terceiro réu BB, a Ré fez publicar num jornal de referência do ..., no dia 7 de novembro de 2009, um alerta a todos os clientes, amigos e população em geral para a tentativa de burla envolvendo o nome da Liberty, ora Ré.

43) Da mesma forma, a Ré deu conhecimento ao Instituto de Seguros de Portugal dos factos supra referidos, através de exposição datada de 6 de novembro de 2009.

44) A autora não celebrou com a primeira ré qualquer espécie de operação ou contrato de seguro nem nunca recebeu a quantia de € 81.750,00.

b) Factos Não Provados

Foram considerados não provados os seguintes factos:

a) A ré Liberty Seguros, S. A. fornecesse directamente à ré CC formulários de propostas de contratos de seguros, formulários de recibos provisórios, carimbos e demais documentos pertencentes a essa seguradora para a celebração de contratos de seguros.

b) Tivesse sido a ré Liberty Seguros, S. A. a aconselhar e a propor à ré CC que o filho BB fizesse o curso de mediador de seguros.


֎

Parte II – O Direito

Em apreciação estão os recursos de revista interpostos pela autora AA e pelo réu BB.

A) A revista interposta pela autora e a responsabilidade da ré Liberty Seguros, S.A.

1) Conforme decorre do antecedente Relatório divergiram as instâncias acerca da existência dos pressupostos da responsabilidade civil da seguradora ré perante a autora: ao passo que a sentença proferida em primeira instância considerou a seguradora responsável, em regime de solidariedade com o mediador e co-réu BB pelo pagamento à autora da quantia de € 81.750,00 (oitenta e um mil setecentos e cinquenta euros) acrescida dos respectivos juros a partir da citação, o acórdão recorrido absolveu a seguradora ré do pedido.

2) Na sentença de primeira instância a condenação da seguradora ré assentou, no essencial, na circunstância de a actuação da ré CC ter tido lugar a coberto do contrato de mediação de seguros celebrado entre a seguradora ré e o seu filho e também réu BB, tendo aquela seguradora criado na autora, e no público em geral, a aparência de legalidade do exercício da actividade de mediação de seguros por sua conta, incutindo na autora uma tal confiança nesse facto que a levou a subscrever os dois produtos comercializados por aquela ré e a entregar-lhe a quantia agora reclamada.

Na aludida sentença foi ainda chamado a justificar a decisão o regime da representação aparente do mediador de seguros especificamente previsto no artigo 30.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo Decreto-Lei 72/2008 de 16 de abril 3 em especial do seu n.º 3.

Reconhecendo embora a dificuldade de enquadramento dada a circunstância de a ré CC não ser mediadora de seguros por conta da Liberty Seguros, S A, e depois de se referir às modalidades de actuação do representado que a doutrina tem considerado susceptíveis de despoletar a sua responsabilidade civil perante a contraparte por actuação do representante sem poder de representação, a sentença proferida em primeira instância acaba por concluir estar perante “uma actividade aparente de exercício de mediação de seguros pela ré CC, utilizando a inscrição como mediador do filho e aqui réu BB, para desta forma realizar contratos de seguros, (…)”, enquadrando juridicamente a responsabilidade civil da seguradora “no próprio regime legal da mediação de seguros, assente no princípio geral de tutela do dano de confiança de terceiro de boa fé, perante uma situação de representação aparente de mediadora de seguros da ré CC, a qual foi mantida por esta ré desde a sua saída do Banco e até à rescisão do contrato de mediação da ré Liberty Seguros, S.A. com o réu BB.”

3) Por sua vez o acórdão recorrido, conhecendo da apelação interposta pela seguradora ré, concluiu não haver fundamento para responsabilizar a apelante pelos prejuízos sofridos pela autora.

Para chegar a tal conclusão o acórdão recorrido extraiu dos factos apurados que:

- CC não era medidora de seguros por conta da ré Liberty Seguros, S.A, embora actuasse como tal angariando clientes usando formulários e carimbos e preenchendo propostas de seguros disponibilizados pela seguradora ré ao filho e co-réu BB, enquanto mediadores de seguros por conta da ré Liberty Seguros, S.A.;

- CC não dispunha de quaisquer poderes de representação outorgados pela Ré Liberty, Seguros, S.A., designadamente para efeitos de celebração de contratos de seguros e, especificamente, para celebrar os contratos de seguros com a autora;

- Nada nos factos provados permite concluir que a seguradora ré tinha tido conhecimento da actuação de CC e que a tolerava, não lhe sendo, por outro lado, exigível que soubesse ou que tivesse razões para sequer como possível que ela utilizava o material fornecido ao mediador de seguros seu filho;

- Nada nos autos indicia que a seguradora ré tenha contribuído para fundar a confiança da autora na existência de qualquer acordo, ainda que não formalizado, entre a referida CC e a seguradora ré no sentido ela ter poderes conferidos pela seguradora para celebrar contratos de seguro em seu nome e por sua conta.

- Tal como não resulta demonstrado nos autos que a seguradora ré tivesse conhecimento, ou devesse tê-lo, agindo com a necessária diligência, que “o estabelecimento referido no ponto 15.º dos factos provados tivesse sido aberto pelo réu BB juntamente com a sua mãe”.

E por ser assim, e não resultar dos factos apurados, e nem sequer ter sido alegada, qualquer falha imputável à seguradora quanto à forma como organiza, gere e fiscaliza os meios que utiliza para desenvolver a sua actividade comercial, e que tenha sido essa falha que haja proporcionado a utilização pela CC da documentação recebida pelo filho, enquanto mediador, para aquela formalizar os contratos celebrados com a Autora.

4) A autora pugna agora pela revogação do acórdão recorrido e pela responsabilidade da seguradora ré pelo pagamento das quantias peticionadas por ela entregues a CC no contexto da celebração de dois contratos de seguro de saúde “Liberty Saúde Dentária” e “Liberty Acidentes Pessoais”.

Vejamos se lhe assiste razão.

5) É seguro no caso dos autos que CC nunca dispôs de quaisquer poderes de representação conferidos pela seguradora ré, actuando aquela como “testa de ferro” do verdadeiro mediador (conforme facto provado 18).

No âmbito da generalidade das situações a enquadrar nas regras relativas ao direito civil, de acordo com o artigo 258.º do Código Civil qualquer negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado dentro dos limites dos poderes conferidos produz efeitos na esfera jurídica deste.

Este é o princípio geral acerca dos efeitos da representação que comporta a verificação de dois requisitos essenciais:

- para que a representação produza o seu efeito típico o representante tem de actuar em nome do representado e não, nomeadamente, no contexto de uma relação de comissão;

- o acto realizado tem de caber dentro dos limites conferidos pelo representado ao representante, ficando, caso assim não seja, a eficácia do acto em relação ao representado condicionada pela ratificação do acto a realizar nos termos do artigo 268.º n.º 1 do Código Civil.

Da singela consideração dos factos apurados face à norma citada resultaria inequívoco que os “contratos de seguro” celebrados entre CC e a autora não chegaram a produzir quaisquer efeitos na esfera jurídica da seguradora ré, que não os ratificou.

6) Em todos os casos de celebração de negócios jurídicos por representante sem poderes de representação importa, no entanto, atentar na tutela dos interesses da contraparte que, agindo de boa-fé e sem culpa, desconhecia a falta de poderes do “representante” para realizar o negócio.

O que convoca a ponderação atenta das mais variadas circunstâncias de facto de cada caso já que no âmbito da representação sem poderes cabe um conjunto de situações múltiplas, originárias umas, supervenientes outras, a que corresponde a mesma classificação de “representação aparente” e que podem ser merecedoras de tratamento diferenciado.

Há, no entanto, um denominador comum à responsabilização do representado “aparente” que justifica a protecção da contraparte de boa-fé que desconheça a falta de poderes do “representante” e a tutela da sua confiança na eficácia do negócio na esfera jurídica do “representado”: este tem de conhecer a conduta do “representante” no momento da celebração do negócio e não lhe manifestar objectivamente qualquer oposição.

O que, mais uma vez, nos conduz à avaliação casuística das circunstâncias que rodearam a prática dos actos de representação sem poderes.

7) É neste contexto do conhecimento pelo representado da conduta do representante sem poderes de representação que surgem os casos da chamada “representação tolerada”.

Tal expressão, cuja regulamentação se situa, em rigor, fora do regime da representação voluntária, traduz as situações em que o representante sabe, e admite, repetidamente, que outrem pratique actos em seu nome sem lhe ter conferido poderes para o efeito.

Independentemente de se considerar que existe nessas situações uma “representação implícita” ou de analisar a conduta do representado à luz da boa-fé e dos usos do tráfico jurídico para legitimar a interpretação feita de boa-fé pela contraparte acerca da realidade da transmissão de poderes ao representante, o certo é que a tutela dos interesses jurídicos da contraparte reclama nesses casos que se aceite a eficácia do negócio praticado pelo representado na esfera jurídica do representante.

8) Sumáriamente exposto o regime da eficácia dos negócios praticados pelo representado sem poderes de representação em geral, válido para os casos de total ausência de poderes de representação como de actuação do representante excedendo os poderes que lhe competem, vejamos como surgem regulados os efeitos da representação aparente no Regime Jurídico de contrato de seguro, uma vez que é no âmbito da actividade de aparente mediação de seguros por quem não tem poderes de representação da seguradora que o pedido da autora se inscreve.

9) O já atrás citado artigo 30.º do Regime Jurídico do contrato de seguro, reporta-se inequivocamente aos negócios celebrados por que sendo mediador de seguros por conta de uma determinada empresa seguradora e agindo em seu nome celebre contratos de seguro sem ter poderes específicos para intervir no concreto contrato de seguro acordado com o tomador.

Apesar de haver nestes casos circunstâncias que, em princípio, levam o tomador do seguro a acreditar na eficácia do contrato celebrado através do mediador representante, o contrato é, em princípio, ineficaz em relação à seguradora quando o mediador de seguro exorbitar as competências acordadas entre ele e a seguradora representada.

A seguradora pode, porém, ratificar o negócio praticado pelo mediador, tal como sucede, em geral, quanto aos negócios praticados pelo representante sem poderes de representação (artigo 268.º do Código Civil).

A especificidade da tutela do tomador de seguro, terceiro de boa-fé contratante reside, para além da comunicação num curto período após o conhecimento da celebração do contrato a que se refere o n.º 2 do artigo 30.º do mencionado regime, e que aqui não importa considerar, na inversão da regra geral da ineficácia do negócio jurídico na esfera da seguradora representada se ocorrerem as circunstâncias explicitadas no n.º 3, isto é, “se tiverem existido razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do tomador do seguro de boa-fé na legitimidade do mediador de seguros, desde que o segurador tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do tomador do seguro”.

Também neste regime particular da eficácia da celebração do contrato de seguro pelo mediador sem poderes de representação se surpreende, como condição positiva da imediata eficácia do negócio na esfera jurídica do representado, a participação/responsabilidade da seguradora na formação da confiança da contraparte terceiro, no caso do tomador do seguro.

10) São cumulativamente condicionantes da eficácia do negócio na esfera jurídica do representado os seguintes requisitos da representação voluntária aparente quando esteja em causa a celebração de um contrato de seguro:

- que este seja celebrado por quem tenha com a seguradora uma relação contratual de delegação comercial que lhe permita celebrar contratos de seguro por conta da seguradora;

- que ao celebrar o concreto negócio em nome da seguradora o mediador tenha excedido os poderes que lhe competiam;

- que a seguradora ratifique, expressa ou tacitamente, o concreto contrato de seguro celebrado pelo mediador;

- que, caso a seguradora não ratifique o concreto negócio celebrado elo mediador, existam “razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do tomador do seguro de boa-fé na legitimidade do mediador de seguros”, mas neste caso apenas se a seguradora tiver igualmente contribuído para fundar a confiança do tomador do seguro de que o mediador actuou dentro dos poderes que lhe competiam.

11) O que sucede então no caso que ora nos ocupa?

Face ao regime jurídico da representação em geral previsto no Código Civil não é minimamente defensável que os contratos de seguro “celebrados” através de CC produzam efeitos na esfera jurídica da seguradora Liberty Seguros, S.A., ora ré.

Os negócios não foram celebrados por quem se podia obrigar.

Na verdade, a actividade de mediação de seguros só pode ser desenvolvida por pessoas que, tendo sido habilitadas ao exercício dessa actividade, estejam registadas no organismo central que supervisiona a actividade seguradora.

A pessoa que, através do artifício do preenchimento de formulários da ré, induziu a autora à entrega do valor correspondente ao prémio dos seguros no contexto dos hipotéticos contratos, não dispunha de qualquer poder de representação para celebrar contrato de seguro em nome da ré.

Ainda que a autora desconhecesse, de boa fé, que CC não era mediadora de seguros por conta da Liberty Seguros, S.A., não decorre dos factos apurados que esta tivesse conhecimento da actividade de “mediação de facto” que aquela aparentava desenvolver, nem que tenha admitido ou consentido em tal prática.

A Liberty Seguros, S.A. não ratificou os actos praticados por CC nem os negócios por ela celebrados.

Liminarmente se conclui, portanto, que à luz do regime da representação voluntária constante do Código Civil, os factos ilícitos praticados por CC não configuram a celebração de qualquer negócio que deva produzir efeito imediato, vinculando-a, na esfera jurídica da seguradora ré.

12) O mesmo se dirá se se quiser operar o enquadramento jurídico dos factos no sentido de assegurar a tutela da autora, contraparte de boa-fé, à luz do específico regime jurídico do contrato de seguro, o qual, sublinhe-se em qualquer caso, não tem aplicação no caso presente uma vez que CC não estava, de todo, autorizada a exercer a actividade de mediação de seguros.

Se assim não se entendesse, porém, e apesar de se poder aceitar a existência de “razões ponderosas, objectivamente apreciadas (…) que justifiquem a confiança” da autora na legitimidade de CC para celebrar contratos de seguro, não se vislumbra nos factos provados qualquer participação da seguradora ré na criação ou manutenção da confiança da autora nessa condição de mediadora de seguros (em primeiro lugar) com poderes para celebrar aqueles concretos contratos de seguros que motivaram a entrega pela autora das quantias de que se encontra desapossada.

13) Como se pondera no acórdão recorrido, para a existência de responsabilidade da seguradora ré “sempre seria necessário que da matéria recolhida nos autos resultasse demonstrada factualidade da qual se pudesse extrair qualquer falha imputável à seguradora quanto à forma como organiza, gere e fiscaliza os meios que utiliza para desenvolver a sua actividade comercial, e que tenha sido essa falha que haja proporcionado a utilização pela CC da documentação recebida pelo marido e filho, enquanto mediadores, para aquela formalizar os contratos celebrados com a Autora.

Tal factualidade não só não se acha comprovada nos autos, como nem sequer se mostra alegada na petição inicial.”

14) Em conclusão, do elenco dos factos provados não se extraem elementos necessários para se poder concluir pela eficácia, em relação à seguradora ré Liberty Seguros, S.A., dos negócios celebrados pela autora, com a intervenção de CC, sem poderes atribuídos para tal e que não foram por ela ratificados e que, de resto, tendo tomado conhecimento da actuação da mencionada CC e do seu filho e co-réu BB, procedeu de acordo com a factualidade descrita nos pontos 42.º e 43.º dos factos provados.

Bem andou o acórdão recorrido ao considerar que o pedido formulado pela autora contra a seguradora ré não tinha fundamento legal.


◌ ◌


B) A revista interposta pelo réu BB

15) Dir-se-á como nota prévia em relação ao recurso de revista interposto pelo réu BB que os pressupostos em que assentou a sua condenação em primeira instância foram aceites por unanimidade pelo acórdão recorrido, que, à excepção do regime de solidariedade da obrigação decorrente da absolvição da seguradora ré do pedido, confirmou – e com o mesmo núcleo essencial de argumentação assente na violação dos deveres legais do mediador de seguros ligado – estar ele obrigado a indemnizar a autora no montante dos valores por esta entregues a CC na pressuposição da validade dos contratos de seguro que ela aparentava celebrar com a colaboração do réu ora recorrente.

16) Alegou o réu ora recorrente que, como vem provado, ele não exercia, de facto, a actividade de mediação de seguros, sendo a mencionada CC quem angariava os clientes, não tendo causado á autora o prejuízo patrimonial cuja reparação ela reclama, não obstante ter celebrado com a seguradora Liberty Seguros, S.A., um contrato de medidor ligado e estar como tal registado no Instituto de Seguros de Portugal.

17) Não assiste, porém, razão ao ora recorrente BB.

Como consta do acórdão recorrido, só o réu BB estava legalmente autorizado a exercer a actividade de mediação de seguros estando ciente das normas que regem essa actividade e dos deveres que impendem sobre o mediador ligado.

Em função dessa ligação contratual à Liberty Seguros, S.A., ainda que, em tese, se pudesse socorrer de colaboradores sob a sua orientação, só a ele enquanto mediador ligado era permitida a utilização de formulários e a apresentação de propostas de contratos em nome da seguradora.

No entanto, permitiu o réu BB a utilização sem qualquer controle desses elementos necessários a criar a aparência de regularidade dos actos praticados por CC, limitando-se a apor nos formulários a sua assinatura, no lugar destinado à assinatura do mediador de seguros.

Sem essa omissão de controlo da utilização dos elementos que permitiam fundar a confiança da autora na regularidade da representação da Liberty Seguros, S.A. e da eficácia do contrato na esfera jurídica da pessoa aparentemente representada não teria sido possível levar a autora a fazer a entrega das quantias de que está desapossada na pressuposição da validade e eficácia dos contratos aparentemente celebrados em nome da Liberty Seguros, S.A..

18) Acolhe-se nesta sede o que consta do acórdão recorrido: “Foi essa actuação, conjugada e ilícita, que concorreu para o dano sofrido pela autora, que subscreveu os seguros propostos por CC na convicção de que esta estava a agir como mediadora da Ré Liberty Seguros, S.A., tendo ficado desapossada das quantias entregues para esse efeito, por delas se ter apoderado a CC.”.

Em suma, o ora recorrente, enquanto mediador ligado, por violação dos inerentes deveres legais elencados nos artigos 29.º e seguintes do Decreto-Lei 144/2006, de 31 de julho, proporcionou a conduta de sua mãe CC que, aparentando publicamente estar munida de poderes de representação da seguradora à qual o recorrente estava ligado, para realizar negócios em seu nome, acabou por causar na autora, terceiro de boa-fé que desconhecia a inexistência de tais poderes, o avultado prejuízo patrimonial cujo ressarcimento esta agora reclama.

Estando reunidos os requisitos da responsabilidade civil por factos ilícitos constantes do artigo 483.º n.º 1 do Código Civil (no caso a imputação a título de negligência de um facto ilícita por contrário aos deveres legais que sobre ele impendiam e se mostram estabelecidos em norma destinada a proteger interesses alheios – artigo 29.º do Decreto Lei 144/2006 de 31 de julho ao caso aplicável, o dano e o nexo causal entre o facto ilícito e o dano), recai sobre o réu ora recorrente, tal como de modo uniforme e fundamentado concluíram as instâncias, a obrigação de ressarcir a autora dos prejuízos patrimoniais decorrentes da sua conduta omissiva.


◌ ◌


19) Improcedem em conformidade os recursos de revista interpostos nestes autos, confirmando-se nesta instância o acórdão recorrido.

A autora AA e o réu BB, na medida em que não obtiveram vencimento nos recursos por cada um deles interpostos suportarão as respectivas custas de acordo com as regras gerais em matéria de tributação processual


֎ ֎

DECISÃO

Termos em que acordam em julgar improcedentes a revista interposta pela autora AA e a revista interposta pelo réu BB, confirmando integralmente o acórdão recorrido.

As custas de cada uma das revistas interpostas serão suportadas por quem os instaurou.

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 27 de fevereiro de 2024

Manuel José Aguiar Pereira (relator)

Maria João Carreiro Vaz Tomé

António Pedro de Lima Gonçalves




____________________________________________

1. A qual foi declarada insolvente, vindo a ser julgada extinta a instância em relação a ela, por inutilidade superveniente da lide.↩︎

2. O facto eliminado era do seguinte teor: “40) No âmbito da sua actividade profissional, o referido mediador de seguro R. BB, era assessorado pela sua mãe, a 2ª ré, CC.”↩︎

3. Dispõe o mencionado preceito sob a epígrafe Representação Aparente:

“1 - O contrato de seguro que o mediador de seguros, agindo em nome do segurador, celebre sem poderes específicos para o efeito é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado, sem prejuízo do disposto no n.º 3.

2 - Considera-se o contrato de seguro ratificado se o segurador, logo que tenha conhecimento da sua celebração e do conteúdo do mesmo, não manifestar ao tomador do seguro de boa-fé, no prazo de cinco dias a contar daquele conhecimento, a respectiva oposição.

3 - O contrato de seguro que o mediador de seguros, agindo em nome do segurador, celebre sem poderes específicos para o efeito é eficaz em relação a este se tiverem existido razões ponderosas, objectivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do tomador do seguro de boa-fé na legitimidade do mediador de seguros, desde que o segurador tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do tomador do seguro”.↩︎