Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
107/19.0PJAMD-A.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: NUNO GONÇALVES
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
ARGUIÇÃO DE NULIDADES
PARECER
RETRATAÇÃO
TESTEMUNHA
DIREITO DE AUDIÇÃO
RECUSA
Apenso:
Data do Acordão: 03/23/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE REVISÃO
Decisão: ACLARAÇÃO INDEFERIDA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - O recurso extraordinário de revisão comporta duas fases: a do juízo rescindente; e, se não for negada a revisão, a do juízo rescisório.

II - A fase rescindente tramita-se num procedimento simples e expedito, unicamente destinado à verificação dos pressupostos da revisão.

III - Na vista consagrada no art. 455.º, n.º 1, do CPP, o MP pode sugerir ou propor a realização de diligências probatórias, desde que não tenham sido recusadas por decisão judicial não tempestivamente impugnada.

IV - Se a decisão de recusa foi impugnada, poderá pronunciar-se pela sua manutenção ou revogação. Não tendo sido impugnada, não pode aproveitar-se da vista para promover que se revogue.

V - O recurso de revisão não é um novo ou complementar procedimento investigatório que possa comportar uma espiral de pedidos de diligências probatórias destinadas a repetir a (re)descoberta da verdade material prática. Não é um segundo inquérito destinado a investigar a (in)existência de um crime e determinar os seus agentes (dirigido pelo tribunal do julgamento ou por um juiz nomeado pelo STJ). Não é uma instrução destinada a comprovar o bem fundado da condenação judicial transitada em julgado. Não é um recurso ordinário que admita a reapreciação da valoração das provas que fundamentaram a condenação proferida pelo tribunal recorrido.

VI - O STJ, embora possa ordenar que se proceda a qualquer diligência, não tem de reapreciar e confirmar ou revogar a decisão judicial que recusou, sem ter sido impugnada, a realização de diligências requeridas pelo recorrente.

Decisão Texto Integral:

O Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção criminal, acorda: ------

I. RELATÓRIO:

1. a decisão:

Este Supremo Tribunal, por acórdão de 12.01.2022, proferido nos autos em epigrafe, em que é arguido: ------------------------------------

-  AA, com os demais sinais dos autos, -

julgando recurso extraordinário de revisão pelo mesmo interposto do acórdão de 18 de dezembro de 2020, confirmado pelo acórdão de 9 de setembro de 2021 do Tribunal da Relação ..., transitado em julgado em 13 de outubro de 2021, que o condenou pela prática, em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21°, n.º 1 do DL. n.º 15/93, de 22 de janeiro, com referência à tabela I-B, anexa ao mesmo diploma, na pena de 5 (cinco) anos de prisão, decidiu “negar a revisão da condenação do recorrente nestes autos”.

2. a arguição:

A Digna Procuradora-Geral Adjunta nestes Supremo Tribunal, notificada, veio arguir a nulidade do acórdão por alegada omissão de pronúncia, que consistiria em ter dito no respetivo Relatório que, na vista a que alude o art. 445º n.º 1 do CPP, se havia pronunciado pela negação da revisão, quando, o que realmente fez, foi promover a inquirição da testemunha indicada pelo recorrente.

Argumenta que: -------

na “vista” prevista no nº 1, do art. 455º, do CPP, não se pronunciou quanto ao mérito da revisão (…), promoveu se determinasse a inquirição da testemunha indicada pelo recorrente, nos termos do (…) nº 4, daquele artigo, por se lhe afigurar imprescindível à decisão (…), a inquirição (…) sobre os factos que agora revelou através da declaração que subscreveu, mas também sobre as razões pelos quais os omitiu na audiência de julgamento e (…) por que agora os revela.

O Tribunal de 1ª instância havia indeferido a inquirição (…) por não a considerar necessária”.

“Ao invés, consideramos imprescindível aquela inquirição, (…) porque:

- (…) na declaração que subscreveu, relata factos novos, porque desconhecidos do arguido e do Tribunal, relativos às circunstâncias em que a cocaína foi adquirida e colocada no bolso do casaco do arguido, bem como quanto à sua própria situação financeira;

- o depoimento da testemunha (…) foi «preponderante» para a convicção do Tribunal, (…) para dar como provado os factos constantes dos pontos 4 e 5, da decisão de facto;

- o próprio Tribunal o afirma, conferindo credibilidade total ao depoimento por aquela produzido em detrimento das declarações do arguido, invocando, designadamente, “a situação económica e financeira deficitária” da testemunha, para considerar inverosímil a versão do arguido;

- esta conclusão é agora posta em causa pela revelação da testemunha de que possuía, na data dos factos, alguns milhares de euros, provenientes da venda da casa e de outros bens e que haviam sobrado após a liquidação das dívidas de jogo;

- estes factos, desconhecidos do tribunal e do arguido à data da audiência, a serem verdadeiros, causam sérias dúvidas sobre a justiça da condenação, uma vez que levariam à absolvição do arguido (…).

(…) “O Ministério Público na vista que lhe é concedida, responde ao pedido de revisão, emitindo o seu parecer sobre o mérito. Porém, não está impedido de (…) promover a realização de qualquer diligência que entenda indispensável à decisão do recurso.”

O Tribunal é soberano e poderá considerar que a diligência promovida não é necessária, não pode é deixar de emitir pronúncia sobre o requerido.

(…) no acórdão não se fez qualquer juízo, nem (…) referência, sobre a decisão de indeferimento pelo tribunal de 1ª instância, da diligência requerida pelo recorrente, pelo que não pode considerar-se desnecessária, ou prejudicada, a pronúncia expressa sobre o promovido pelo Mº Pº.

Do exposto resulta que o Tribunal não se pronunciou sobre questão que devia ter apreciado, incorrendo, por isso, em omissão de pronúncia, nulidade prevista no art. 379º, nº 1, al. c), do CPP, aplicável ex vi art.425, nº 4, do mesmo código, que determina a nulidade do acórdão e que se argui para todos os efeitos.

O arguido, notificado, pugna pela procedência da arguição do Ministério Público.

«»

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

3. FUNDAMENTAÇÃO:

a) regime especial:

A Digna Procuradora-Geral Adjunta, não encontrando qualquer norma no regime especial do recurso de revisão em que pudesse amparar a arguição em apreço, invoca os artigos 425º n.º 4 e 379º n.º 1 al.ª c) do CPP, todavia, sem que justifique a aplicabilidade das mesmas ao vertente recurso extraordinário.

Não indica porque inexiste.

Como é sabido, este recurso extraordinário comporta duas fases: a fase do juízo rescindente; e, se não for negada a revisão, a fase do juízo rescisório.

No caso, foi negada a revisão. Limitou-se, pois, à fase do juízo rescindente.

Conforme temos vindo a entender, esta fase tem um regime especial que, nos artigos 449º a 456º do CPP, regula completamente a respetiva tramitação, com total autonomia do regime do recurso ordinário e dos outros recursos extraordinários.

No regime do recurso de revisão não há norma alguma a remeter, nem expressa nem implicitamente, para o regime geral do recurso em processo penal, nem tão-pouco para o regime dos outros recursos extraordinários, distintamente do que sucede com o vertido no art.º 448º do CPP, que manda aplicar aos recursos para fixação de jurisprudência ou contra jurisprudência fixada, subsidiariamente, o regime geral do recurso ordinário.

Aquele preceito certifica que o legislador, sempre que entendeu necessário aplicar alguma norma do referido regime geral, remeteu, expressamente, para normas que logo concretamente identificou. Assim mesmo fez no art.º 455º n.º 6, mandando aplicar “o disposto no n.º 2 do artigo 418º e no artigo 435.º”.

Acresce que a fase rescindente se tramita num procedimento simples e expedito, unicamente destinado à verificação dos pressupostos da revisão da sentença, acórdão ou despacho que ponha fim ao processo.  Com prazos, especiais, legalmente estabelecidos. Que goza de preferência sobre o demais serviço, sempre que o condenado a favor de quem tenha sido pedida a revisão se encontrar preso à ordem dos autos.

É da mais elementar hermenêutica jurídica presumir que o legislador exprimiu o seu pensamento em termos adequados e consagrou a solução mais acertada.

Se o legislador, no regime de um recurso extraordinário adotou uma remissão que não adotou no outro, só pode interpretar-se que foi por ter entendido que não queria que ao recurso de revisão se aplicasse, subsidiariamente, o regime do recurso ordinário. Se tivesse querido remeter ou permitir a remissão para o regime geral tê-lo-ia dito expressis literis, tal como fez na norma do art.º 448º do CPP para os recursos para fixação de jurisprudência e contra jurisprudência fixada.

Deste modo, interpretar que ao recurso extraordinário se aplica subsidiariamente o regime geral dos recursos seria desvirtuar completamente a vontade do legislador.

Neste conspecto, não só não vêm explicadas como também não se encontram as razões convincentes que possam justificar, - sem a criação inovatória de uma norma remissiva que o legislador não quis consagrar – a aplicação do disposto no art.º 425º n.º 4 do CPP.

Ainda assim, conhece-se da arguição.

b) as posições divergentes do M.º P.º:

O Ministério Público assumiu, no vertente recurso, posições divergentes, se não mesmo opostas.

Na 1ª instância pronunciou-se pela negação da revisão, concluindo:

3 - Em síntese, o arguido apresentou como argumentação para fundamentar a revisão da decisão que veio requerer, que o depoimento da testemunha BB foi essencial para a formação da convicção do Tribunal a quo, tendo sido com base no mesmo que foi condenado, porquanto foi esta testemunha que lhe imputou a posse do produto estupefaciente. E que já após o trânsito em julgado da referida decisão, a 10/10/2021, esta testemunha lhe confessou que tinha sido ela própria quem adquiriu o produto estupefaciente e o colocou no bolso do seu casaco, de forma propositada, para o prejudicar, constituindo este facto um facto novo, que era desconhecido do Tribunal e do arguido e que no seu entender é passível de fundamentar o recurso de revisão.

6 - No caso concreto, o recorrente veio alegar que a testemunha BB, cujo depoimento foi essencial para a formação da convicção do Tribunal a quo e para a sua condenação, veio retratar-se, tendo admitido que “comprou o produto estupefaciente (cocaína) a um holandês, chamado «CC», pessoa com quem habitualmente se encontrava num Hotel, em ..., pelo preço de 5.000,00 €, tendo pago com dinheiro resultante da venda da casa e de outras coisas que também tinha vendido (..), que pegou no referido pacote e o colocou no bolso do casaco que o arguido tinha deixado na sua residência para o incriminar, pois estava «perdida» de raiva, lhe ter jurado vingança e por o arguido a ter deixado sozinha, depois de tudo o que «tinham passado juntos»”.

7 - Contudo, verificam-se cinco circunstâncias relevantes na análise deste novo facto trazido à luz pelo recorrente em sede de recurso.

8 - Assim, em primeiro lugar, aquando da prestação do seu depoimento, a testemunha BB explicou o motivo pelo qual denunciou o seu ex-companheiro e pai dos seus filhos, o qual se afigura plenamente verosímil, pois “Questionada sobre a motivação que a levou a efetuar tal denúncia, a testemunha DD referiu que uns anos antes a casa onde então residiam havia sido já alvo de buscas (certamente realizadas no âmbito do Processo Comum Coletivo n.º 36/15...., do Juízo Central Criminal ..., no qual o arguido foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade), o que, conjugadamente com o facto de ter um filho com 16 anos de idade, fez aumentar os seus receios.“

9 - Além disso, à data da audiência de julgamento, a testemunha BB não se encontrava em situação de conflito com o arguido, tendo ambos até regulado o exercício das responsabilidades dos filhos menores, de comum acordo. Conforme pode constatar o Tribunal quanto a este aspeto, ao referir que “a testemunha BB (que nos pareceu estar já apaziguada com o seu ex-companheiro, quiçá por se haverem entendido quanto à regulação das responsabilidades parentais dos filhos menores) (...)”.

10 - Por outro lado, ficou provado que a testemunha BB, à data dos factos, se debatia com problemas financeiros. Neste sentido, a testemunha EE esclareceu “a situação financeira da filha, motivada pelas dívidas contraídas com o jogo, que a levaram a vender a casa que possuía e a arrendar uma outra no mesmo prédio, arrendamento, no entanto, que foi celebrado em seu nome, referindo-se ainda à ajuda financeira que pessoalmente lhe prestou.” E o Tribunal considerou provado que “9. A denunciante teve sérios problemas com o jogo, que a levaram a contrair várias dívidas, algumas das quais foram pagas pelo arguido.”

Sendo assim, não se compreende como teria sido possível a testemunha pagar 5000,00 € pelo produto estupefaciente unicamente para se vingar do ex-companheiro.

11 - Além disso, da fundamentação da matéria de facto, verifica-se que o Tribunal não fundou a sua convicção somente com base no depoimento da testemunha BB. Com efeito, “a testemunha EE confirmou, outrossim, que a filha lhe entregou o saco contendo o produto estupefaciente, para que o guardasse até à respetiva entrega às autoridades policiais no dia seguinte, conforme sucedeu, relatando ainda, de forma relevante, ter encontrado o arguido AA no mesmo dia, que lhe disse “ela já me tramou”.

12 - Por último, também (…) foi apreendida uma balança digital, que pertencia ao arguido e que normalmente está associada à atividade de tráfico de estupefacientes, embora por vezes também ao mero consumo, sendo certo que, quanto ao arguido, conforme é referido no douto acórdão recorrido, “nem sequer é consumidor da referida substância (tendo sido consumidor de haxixe até ao ano de 2016)”.

13 -  os factos agora invocados pelo recorrente são efetivamente factos novos nos termos e para os efeitos do artigo 449.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal, sendo supervenientes à condenação e de que, nem o Tribunal, nem o arguido, tinham conhecimento.

14 - Todavia, não parece que sejam suscetíveis de revogar a condenação, porquanto a sua credibilidade não é de molde a por em causa a justiça da decisão, não constituindo motivo para porem em crise a fundamentação da condenação, de forma isenta de dúvida.

15 - Assim, embora formalmente pareça ser admissível a pretendida revisão, não se afigura que os factos invocados pelo recorrente tenham credibilidade suficiente para por em causa o mérito da decisão recorrida e de assim suscitarem dúvidas sobre a justiça da condenação, não sendo fundamento suficiente para a revisão da decisão.

16 - Pelo exposto, sou de parecer não ser de admitir a pretendida revisão do acórdão, devendo o mesmo manter-se, porquanto os novos factos não colocam em causa a justiça da condenação, mantendo-se plenamente válidos os fundamentos de facto e de direito no qual a condenação do Tribuna a quo se baseou.

O Ministério Público na 1ª instância não só não se pronunciou pela audição da testemunha BB ou de qualquer outra diligência como, deduz-se, lhe pareceu desnecessárias. Coerentemente, quando notificado da decisão do Juiz de recusar, por a considerar desnecessárias a audição da referida testemunha, não impugnou essa decisão.

Também o arguido recorrente, igualmente notificado, não impugnou a recusa de audição daquela testemunha.

Se qualquer dos sujeitos processuais tivesse impugnado, tempestivamente, a decisão judicial que recusou a audição da testemunha indicada pelo recorrente, sem a mínima dúvida que o Supremo Tribunal de Justiça, teria, como se lhe exigiria, apreciado e decidido essa impugnação. Como não vinha impugnada a decisão de recusa, a questão ficou decidida para os sujeitos processuais, entre os quais, evidentemente, também o Ministério Público.

Contrariando a posição assumida nos autos pelo Ministério Público em 1ª instância, a Digna Procuradora-Geral Adjunta junto do Supremo Tribunal de Justiça, se é certo que não se pronunciou pela negação da revisão, impugnou, diretamente (a expressão que utilizou - “ao invés” [do decidido e da fundamentação] – é tão explicita que não admite outra leitura) a decisão judicial que, no tribunal recorrido, recusou a audição da testemunha BB.

Impugnação que surge fora de lugar e de tempo, adianta-se já.

Se o Ministério Público junto do Tribunal ad quem pode emitir parecer em sentido divergente da posição adotada pelo representante do mesmo órgão de justiça no tribunal a quo, contudo, não pode utilizar a vista na fase de recurso para, nesse ato processual, em vez de emitir parecer, impugnar a decisão judicial que os sujeitos processuais não impugnaram (no caso, concreto, a decisão de não audição da testemunha BB) quando notificados da mesma e dela tiveram conhecimento.

Foi assim que se interpretou a posição assumida pelo Ministério Público junto deste Supremo Tribunal. Que quis impugnar, tardiamente, no visto a que alude o art. 455º n.º 1 do CPP, a decisão do Juiz de 1ª instância que, em despacho prévio à informação, recusou a adição da testemunha indicada pelo arguido recorrente.

A Digna Procuradora-Geral Adjunta cita em defesa da sua argumentação o comentário de Pereira Madeira ao preceito referido, segundo o qual “o Ministério Público na vista que lhe é concedida, responde ao pedido de revisão, emitindo o seu parecer sobre o mérito. Porém, não está impedido de, antes de o fazer, promover a realização da qualquer diligência que entenda indispensável à decisão do recurso”.

Desconsiderou que Pereira Madeira, no comentário ao art. 453º do CPP, sustenta que “o juiz, se tiver a inquirição por impertinente não está impedido de indeferir o pedido de depoimento destas testemunhas, (…). Ponto é que justifique e fundamente devidamente a recusa, como será o caso de ostensiva inutilidade da diligência.

Por seu lado, o requerente pode impugnar a recusa do juiz. Porém, como estamos no domínio de um procedimento específico – recurso extraordinário – não tem cabimento a interposição de recurso ordinário para o efeito. Apresentada a impugnação do despacho do juiz, esta seguirá abrangida pelo recurso ordinário e será apreciada pelo Supremo no âmbito abrangente do recurso de revisão”.

A lei não estabeleceu prazo especial para a referida impugnação.

De todo o modo, essa, como qualquer impugnação (ou recurso), deve ser apresentada perante o tribunal que proferiu a decisão visada. Que sempre a poderá reparar (contanto o respetivo poder jurisdicional se não tenha esgotado). Não pode impugnar-se no ato processual do visto, nem a correspondente impugnação pode ser apresentada no Tribunal ad quem.

Da leitura conjugada dos dois comentários, interpretamos que, no citado pela Digna arguente, o seu Autor quis dizer – como entendemos – que no parecer previsto no art.º 455º n.º 1 do CPP, o Ministério Público pode sugerir ou propor a realização de diligências probatórias, desde que não tenham sido recusadas por decisão judicial não tempestivamente impugnada. E, querendo, deve ao mesmo tempo pronunciar-se sobre o mérito do recurso, porque não terá outra oportunidade para emitir (segundo) parecer.

Se a decisão de recusa tivesse sido impugnada, poderia igualmente pronunciar-se pela sua manutenção ou revogação. Não tendo sido impugnada por qualquer dos sujeitos processuais, não pode o Ministério Público converter o seu parecer no tribunal de recurso, em impugnação da decisão judicial da 1ª instância que indeferiu a audição da testemunha indicada pelo arguido recorrente. É o que se extrai do primeiro comentário acima citado.

E, de certo modo, também assim do sumário do Acórdão de 14.03.2013 deste Supremo Tribunal, no qual se decidiu que “I. A produção de prova que vise a revisão de sentença está sujeita aos critérios de necessidade, sendo de recusar aquelas que se mostrem irrelevantes, supérfulas, inadequadas, de obtenção impossível ou muito duvidosa ou não tenham carácter meramente dilatório. II. A decisão que recuse a realização de diligências instrutórias de recurso extraordinário de revisão deve ser fundamentada e está sujeita a reclamação para o STJ, não sendo admissível recurso ordinário da mesma.

A norma do artigo art.º 455º n.º 4 do CPP não regula, evidentemente, o parecer do Ministério Público. Respeita direta e exclusivamente à atividade do Tribunal. O Supremo Tribunal de Justiça pode, oficiosamente, se considerar indispensáveis para decidir o recurso de revisão, realizar ou ordenar a realização de diligências concretas, neste caso logo indicando o juiz que as deve presidir. Realizadas que sejam, o processo, sem nova informação sem contraditório e sem vista ao Ministério Público, volta ao Supremo que, sem mais, tem de decidir se autoriza ou nega a peticionada revisão.

O recurso de revisão não é, propriamente, um novo ou um complementar procedimento investigatório que possa comportar uma espiral de pedidos de diligências probatórias destinadas a repetir a (re)descoberta da verdade material prática. Não é um segundo inquérito destinado a investigar a (in)existência de um crime e determinar os seus agentes (ademais com a particularidade de então ser dirigido pelo tribunal do julgamento ou por um juiz nomeado pelo Supremo Tribunal de Justiça). Não é uma instrução destinada a comprovar o bem fundado da condenação judicial transitada em julgado. Não é um recurso ordinário que admita a reapreciação da valoração das provas que fundamentaram a condenação proferida pelo tribunal recorrido. Não é, conforme se realçou no acórdão visado com a arguição, um substitutivo do recurso ordinário. Que, ademais – como exemplarmente ilustra o caso -, não poder servir para impugnar, em mais um grau de recurso, a decisão condenatória em matéria de facto, submetendo-a ao reexame pelo Supremo Tribunal de Justiça, contornando a limitação dos seus poderes de cognição a questões de direito.

Pela sua inegável pertinência para o caso, rememoramos o que bem se percebeu e decidiu no Acórdão de 6-06-2018, proferido no processo 24/14.0GCMMN-B.S1 deste Supremo Tribunal “I - a reanalise da mesma prova produzida no acórdão revidendo não constitui nova prova para fundamento do recurso de revisão previsto no art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP. II - O recurso de revisão não é o meio apropriado para se atacar o mérito da decisão. O recorrente tem à sua disposição, para o efeito, os recursos ordinários (meio que pretendeu utilizar, mas que, como vimos, foi rejeitado por extemporaneidade). III - Não se pode através de um recurso de revisão, que é um recurso extraordinário, tentar obter aquilo que não se logrou através do meio próprio, que é o recurso ordinário.”

A discordância do Ministério Público relativamente à decisão judicial que recusou a audição da testemunha e das razões em que se fundamenta está, pois, fora de tempo e de lugar. Somente teria sentido e oportunidade se tivesse sido impugna em 1ª instância, quando lhe foi notificada. Se em vez de antecipar a sua concordância, tivesse contestado a recusa de audição em referência, então sim, este Supremo Tribunal estava obrigado a apreciar essa impugnação. Outro tanto haveria que apreciar se a impugnação tivesse sido apresentada pelo arguido recorrente. Nenhuma das situações se verificou no caso. Pelo que a impugnação que a Digna Procuradora-Geral Adjunto veio a deduzir apenas na vista a que alude o art.º 455º n.º 1, ademais de deslocada – na instância ad quem -, apresentava-se extemporânea.

Repete-se - para que fique bem claro - que o Ministério Público pode, no referido parecer, sugerir ou propor as diligências probatórias que lhe parecerem úteis. Mas não pode, como sucedeu no caso, utilizar essa faculdade para impugnar a decisão judicial da 1ª instância, com que os sujeitos processuais, incluindo, evidentemente, ele próprio, se conformaram, não a impugnando.

Entender de outro modo transformaria aquela decisão judicial em ato processual inútil, porque suscetível de impugnação a qualquer tempo e perante qualquer tribunal, fosse no parecer do Ministério Público ou em requerimento posterior do recorrente, como necessariamente se haveria de conceder por respeito ao princípio da igualdade dos sujeitos processuais. Se assim pudesse ser, bem mais útil seria para a celeridade e harmonia processual que o Juiz perguntasse previamente ao Supremo Tribunal se as diligências que lhe haviam sido requeridas e que entendia ser de recusar, haveriam ou não de realizar-se. E que no STJ se abrisse vista ao Ministério Público para promover, então, querendo as diligências que tivesse por necessárias.  

Como a Digna Magistrada arguente haverá de conceder a decisão judicial de recusa da audição da testemunha, impõe-se aos sujeitos processuais que a não impugnaram perante o tribunal a quo. Judicialmente recusada sem que tenha sido impugnada, não mais pode repetir-se, a requerimento dos sujeitos processuais, seja através de requerimento ou de promoção. O Supremo Tribunal é que pode, ex officio, proceder a qualquer diligência que entenda ser necessária - art.º 455º n.º 4 do CPP. Evidentemente que os sujeitos processuais podem sugerir diligências. Diferentemente dos requerimentos ou das promoções processualmente admissíveis, as meras sugestões ou simples propostas, seja qual for a etiqueta com que se apresentem, não obrigam o Tribunal a sobre elas decidir. Apenas tem de apreciar e decidir as questões que os recorrentes, legítima e adequadamente, apresentem.

a) da arguida omissão de pronúncia:

Esclarecida a leitura que o Supremo Tribunal de Justiça fez do parecer da Digna Procuradora-Geral Adjunta, vejamos se ainda assim a proposta de audição da testemunha BB deveria ter sido apreciada e, expressamente, decidida.

Em primeiro lugar, importa salientar que omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre questões ou matérias, de direito substantivo ou processual, que conformam o objeto da concreta pretensão de justiça penal.

A omissão de pronúncia causadora de nulidade de sentença ou acórdão, prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP, preenche-se com a falta de pronúncia sobre questão ou questões que, validamente suscitadas pelos sujeitos processuais ou que sendo de conhecimento oficioso, o tribunal devia ter apreciado.

Omitir pronúncia sobre determinada questão suscitada é, simplesmente, nada dizer sobre a mesma, não tomar sobre essa concreta questão, substantiva ou processual, qualquer posição, expressa ou implícita, mas claramente entendível.

Em segundo lugar deve reafirmar-se que o recurso extraordinário de revisão se cinge às situações taxativamente enunciadas no art.º 449º do CPP. Não é, repete-se, um recurso destinado a nova sindicância da decisão definitiva da matéria de facto. Mesmo nas situações tipificadas na alínea d), não permite que, na fase rescindente, se reapreciem e investiguem, outra vez, os mesmos ou novos factos ou se proceda ao reexame da valoração das provas em que assentou a decisão condenatória. Aprecia-se somente se os novos factos ou as novas provas apresentadas pelo recorrente são de tal entidade que justifiquem a “desconstituição” da sentença ou acórdão e a realização de novo julgamento, no qual o tribunal competente haverá de julgar provados ou não provados os factos pelos quais o arguido está condenado e valorar as novas provas em si e, mormente, no confronto com aquelas em que se fundou a decisão revidenda.   

Daquela taxatividade decorre que a concreta pretensão revisória, independentemente do nomen juris com que o recorrente ou outro sujeito processual, a apresentem, terá de ser enquadra pelo Tribunal e tratar-se à luz da previsão normativa que efetivamente lhe corresponder.

Assim mesmo se expendeu, motivadamente, no acórdão visado pela Digna arguente.

Para que dúvidas não restem reproduz-se a apreciação ali feita sobre a situação concreta (com sublinhados agora acrescentados para realçar):

O recorrente ampara a pretensão rescindente alegando, em suma, que a testemunha BB, sua ex-companheira, mentiu ao tribunal de julgamento, relatando-lhe falsamente que o estupefaciente apreendido pelo órgão de polícia criminal, encontrado num saco transparente guardado no bolso de um casaco do arguido, existente em casa daquela, era deste. Alega que veio a saber posteriormente, em 10 de outubro de 2021, pela própria ter sido esta que comprou aquela quantidade de cocaína e a colocou num bolso do casado do seu ex-companheiro, para, incriminando-o, se vingar do mesmo.

Para prova do assim alegado junta declaração manuscrita que diz ter sido emitida pela referida testemunha, mostrando-se a respetiva assinatura reconhecida notarialmente.

Verifica-se que a questão da falsidade da “denúncia” efetuada e da versão dos factos, relatada pela testemunha BB, foi suscitada pelo arguido na sua contestação, debatida na audiência, apreciada e decidida no acórdão revidendo.

Uma vez que a questão daencenaçãoda denúncia e da falsidade do depoimento da testemunha BB, não sendo nova no processo, foi já apreciada e dilucidada no acórdão condenatório e no acórdão confirmatório, impõe-se salientar que da respetiva decisão em matéria de facto, com relevância para o vertente recurso extraordinário, consta como não provado (da contestação) que (e) a denúncia dos factos foi desencadeada pelo sentimento de raiva e vingança que BB nutre pelo arguido, ao ponto de assim proceder bem sabendo que aqueles não tinham qualquer correspondência com a realidade.

Na motivação daquela decisão enuncia-se que o arguido, nas declarações prestadas na audiência, perante o tribunal, atribuiua denúncia efetuada pela ex-companheira BB apenas aos declarados sentimentos de raiva e vingança que a mesma nutria por si, por não ter aceitado o fim do relacionamento. E, para alicerçar esta sua versão/convicção, referiu o arguido os problemas de adição ao jogo da denunciante, que a levaram a contrair várias dívidas, algumas pagas por si, conforme documentos juntos a fls. 157 e 158 dos autos, e a “perder” a casa onde anteriormente viviam, sita no ... andar do mesmo prédio, que era propriedade daquela. Por fim, e de modo a corroborar o anteriormente descrito, relatou ainda toda a problemática existente entre ambos, relativa à regulação das responsabilidades parentais dos filhos menores, recentemente ultrapassada com a celebração do acordo que igualmente juntou aos autos”.

Enuncia-se ainda quequestionada sobre a motivação que a levou a efetuar tal denúncia, a testemunha DD referiu que uns anos antes a casa onde então residiam havia sido já alvo de buscas (…), o que, conjugadamente com o facto de ter um filho com 16 anos de idade, fez aumentar os seus receios.”

No acórdão revidendo, explicitando o exame crítico das provas produzidas na audiência de julgamento, fundamenta-se que,no que concerne à ora denunciante BB, importa também referir que sem prejuízo do clima de tensão à data existente com o arguido, seu ex-companheiro, que havia deixado a casa de morada de família após uma vida em comum de cerca de 16/17 anos, não nos pareceu que a sua atitude tenha sido motivada por sentimentos de raiva ou de vingança, conforme por aquele sustentado, mas antes pelo receio que sentiu ao encontrar um saco contendo produto estupefaciente (maxime, cocaína), ciente das consequências que para si poderiam advir se nada fizesse.

Mas mesmo admitindo-se que tal denúncia possa ter sido impulsionada pela dor e sofrimento do momento (e bem assim que caso ainda vivessem juntos, mesmo sabendo da existência daquele produto, não o teria feito), é completamente inverosímil, no entanto, a tese igualmente sustentada pelo arguido AA, no sentido de que a referida cocaína não lhe pertence e que ali foi colocada com o único propósito de o incriminar.

Na verdade, e conforme resulta do teor do relatório de exame toxicológico elaborado pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, constante de fls. 125 e 126, trata-se de cocaína, com o peso líquido de 201,564 gramas e com o grau de pureza de 93,1%, correspondendo a 938 doses médias diárias individuais. Consabido que o preço de mercado desta substância estupefaciente é de cerca de €50/grama, a quantidade apreendida valeria, pelo menos, a quantia de €10.000. Ora, tendo a testemunha BB uma situação económica e financeira deficitária (conforme, aliás, alegado pelo arguido e confirmado pela própria, não esquecendo que teve de vender a casa para pagar as dívidas resultantes do jogo e de beneficiar da ajuda, além do mais, dos pais), seria credível, ou verosímil, que a mesma tivesse despendido a quantia de €10.000 (que certamente não tinha) apenas para comprar cocaína com o fito de se vingar do ex-companheiro?! Cremos, sem quaisquer dúvidas, que não, o que resulta, além do mais, das regras da vida e da experiência comum”.

Destarte, tanto a falsidade da denúncia como a falsidade do depoimento em que o recorrente insiste, não têm qualquer novidade no processo, nem para os sujeitos processuais, nem para o tribunal.

Como também não constitui qualquer novidade a reiterada alegação de ter sido a sua ex-companheira BB quem adquiriu a cocaína apreendida e a colocou no bolso do casado do arguido. Tudo isto com o escopo de o incriminar.

No acórdão revidendo, versando especificadamente sobre essa mesma facticidade alegada pela defesa, motivou-se que a dita BB, - além do mais sobre a autenticidade do seu depoimento -, que não tinha capacidade nem disponibilidade económica para adquirir aquela quantidade de cocaína (201,564 gramas com elevadíssimo grau de pureza, cujo valor de mercado seria de cerca de €10.000,00/dez mil euros).

Conforme acima se referiu,novos factos”, para efeito de revisão de acórdão condenatório, são aqueles que sendo completamente desconhecidos à data, não foram suscitados e apreciados no processo e que não tendo sido debatidos na audiência, o tribunal nunca examinou criticamente nem decidiu sobre a sua prova ou não prova. Não são, evidentementenovos factos, para tal efeito, aqueles que o arguido alegou em sua defesa, nomeadamente na contestação e depois em recurso, mas que os tribunais decidiram julgar provados.

Ciente disso mesmo, o recorrente, trocando as etiquetas, de novo acrescenta, somente a retratação daquela testemunha, a sua ex-companheira, visando sustentá-la probatoriamente com a junção de declaração manuscrita, com assinatura notarial reconhecida presencialmente, na qual a própria BB confessaria, pormenorizando, ter cometido três crimes:

- tráfico de estupefacientes previsto no art.º 21º n.º 1 do DL n.º 15/93 de 22 de janeiro, punido com pena de 4 a 12 anos de prisão) (na primeira ação confessa ter adquirido, transportado e guardado fora das condições legais e sem permissão das autoridades competentes, uma quantidade de cocaína com o peso líquido de 201,564 gramas, com o grau de pureza de 93,1%, correspondendo a 938 doses médias diárias individuais, sem que fosse para o seu próprio consumo);

- denúncia caluniosa agravada previsto no art.º 365º n.ºs 1 e 4 do Cód. Penal, punido com pena de 1 a 8 anos de prisão (na segunda ação confessa ter denunciado a órgão de polícia criminal a prática, pelo arguido, do crime de tráfico pelo qual veio a ser investigado e acusado nos autos, estando bem ciente da falsidade dessa denúncia e da imputação dela constante);

- falsidade de depoimento agravado, previsto nos art.ºs 360º n.º 1, 361º n.º 2, punido com pena de 1 a 8 anos de prisão (na terceira ação, confessa ter prestado na audiência, perante o tribunal de julgamento, depoimento falso).

No nosso regime de recurso extraordinário de revisão, a falsidade de um meio de prova que tenha sido determinante para a decisão, designadamente a retratação na qual uma testemunha nuclear vem dizer que prestou depoimento falso perante o tribunal de julgamento, está especificamente prevista e regulada na alínea a) do n.º 1 da art.º 449º do CPP, estatuindo que somente pode autorizar-se a revisão da sentença / acórdão definitivo quandouma outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsoesse mesmo meio de prova.

Evidentemente que uma decisão judicial não pode ter a pretensão de convencer do seu acerto e mérito se estiver motivada, determinantemente, em meios de prova que outra decisão judicial definitiva julgou serem falsos. Em tal caso, a revisão da sentença /acórdão, tanto pro reo como pro societate, decorre da comprovação judicial da falsidade de meios de prova que foram determinantes para a decisão revidenda.

Manifestamente não é este o fundamento do vertente recurso. Não só o recorrente não invoca tal motivo – não obstante alegar que a sua ex-companheira prestou depoimento falso que foi determinante para julgar a matéria de facto provada -, como também não se comprava – nem sequer vem alegado - que a testemunha BB tenha sido judicialmente condenada, com trânsito em julgado, por falsidade do depoimento prestado na audiência de julgamento realizada nos autos. Dito de outra maneira, com esse fundamento, poderia autorizar-se a revisão da condenação do arguido se a falsidade do depoimento daquela testemunha estivesse certificado por outra sentença transitada em julgado – art.º 449.º n.º 1 al.ª a) CPP. Como bem se compreenderá, a falsidade do depoimento da testemunha, a existir, terá de ser declarada pelo meio próprio, numa sentença judicial transitada em julgado. Inexistindo tal sentença o vertente recurso de revisão está votado ao insucesso.

Quanto ao argumento de não ter sido o arguido, mas sim a sua ex-companheira BB a ter adquirido, transportado e guardado a cocaína e, por conseguinte, ter sido ela – e não o recorrente - quem cometeu o crime de tráfico de estupefacientes pelo qual este está condenado nos autos, também o nosso sistema tem uma norma, a da alínea c) do n.º 1 do art.º 449º do CPP, que prevê especificamente a autorização da abertura da fase rescisória da decisão condenatória, sempre e quando os factos que a fundamentam forem inconciliáveis com os julgados provados em outra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Também não é este o motivo invocado pelo recorrente e, embora utilize o termo «arguida» para se referir à testemunha BB, sua ex-companheira, não diz, nem sequer consta que contra a mesma tenha sido instaurado procedimento criminal.

A irrelevância, para este efeito, do valor probatório da declaração com a retratação de testemunha ou declarante ou coarguido é incontornavelmente certificado pelas normas adjetivas citadas. Se assim não fosse, o legislador teria criado uma norma própria que, prescindindo de qualquer decisão judicial, conferiria à retratação documentada do falsário valor bastante para fundamentar a rescisão de uma decisão judicial (condenatória ou absolutória). Ao invés e conforme referido, a falsidade de depoimento só tem relevância jurídica neste domínio extraordinário depois de contrastada e declarada por outra decisão judicial definitiva.

Também a confissão por outrem de ter sido ele o único agente do um crime pelo qual um arguido foi acusado, julgado e condenado por sentença / acórdão definitivo, não tem o efeito imediato de, só por si, fundamentar a rescisão da condenação. O legislador entendeu, justamente, ser exigível que a facticidade confessada, constitutiva do crime pelo qual o arguido foi condenado por decisão judicial transitada em julgado, obtenha comprovação em outra sentença / acórdão e da oposição entre os factos provados em uma e os factos provados na outra decisão judicial resultem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.

Deve notar-se que a confissão auto-incriminatória, mesmo que vertida em documento escrito com assinatura reconhecida presencialmente em cartório notarial, não mais é que um mero documento particular apreciado livremente pelo tribunal. Não tem, no processo penal a mesma densidade valorativa e o mesmo efeito preclusivo na produção de outras provas que a confissão integral e sem reservas do arguido prestada na audiência de julgamento. Além de que sempre o referido documento poderá ser arguido de falsidade quanto ao respetivo conteúdo.

Ora, inexistindo sentença / acórdão que tenha julgado provado que foi a testemunha BB quem, agindo sozinha, adquiriu, comprando-a, aquela quantidade de cocaína, a transportou para a sua casa e aí a guardou até que a entregou ao seu pai que, por sua vez, a entregou ao órgão de policia criminal e, assim, que a arguida é a única agente do crime de tráfico pelo qual o arguido está condenado no acórdão revivendo,  não se verifica fundamento bastante para que pudesse autorizar-se a revisão da condenação, nestes autos, do arguido ora recorrente.

Neste conspecto, não se verificando o requisito invocado – novos factos - ou qualquer outro legalmente previsto, conclui-se pela manifesta inexistência de fundamento para que pudesse autorizar-se a peticionada revisão da condenação do recorrente.

Da simplicidade e completude da motivação transcrita, não se alcança qual seja o fundamento daquela decisão que a Digna arguente não compreendeu. Se não percebeu que ali se decidiu, circunstanciadamente, que os factos alegados pelo recorrente não são novos, nem para o arguido nem para o tribunal. Se não entendeu que a testemunha BB não é um novo meio de prova, nem para o arguido, nem para o Ministério Publico, nem para o tribunal  Se não compreendeu que no acórdão visado, apreciando a argumentação do recorrente se decidiu, fundamentadamente, que a retratação da testemunha somente poderá vir a fundamentar recurso extraordinário de revisão se vier a ser condenada por sentença transitada em julgado por falsidade de testemunho ou se vier a ser julgada e condenada pelo crime de tráfico nos termos acima sumariamente enunciados.

Sem beliscar minimamente a sua autonomia funcional, não se vislumbram motivos para que não tenha indicado na sua arguição, o NUIPC do inquérito que, certamente, logo terá mandado instaurar à referida testemunha para que sejam investigados e, se suficientemente indiciados, também perseguida por ter cometido os apontados crimes públicos que, parece querer dizer, a mesma teria confessado naquela declaração escrita de retratação. Apesar de a Reclamante nada dizer a tal respeito, este Supremo Tribunal tem por seguro que a Digna Procuradora-Geral Adjunta, atenta a sua interpretação daquela retratação, não descurou o disposto no art.º 241º do CPP e, consequentemente, determinou já a instauração do correspondente inquérito ou, pelo menos, endereçou a respetiva participação ao Ministério Público competente para dirigir o referido inquérito.

Em face do motivado no acórdão visado e do que vem de dizer-se, abundante seria ter de esmiuçar ainda mais as razões pelas quais se entendeu que não havia que ouvir a testemunha indicada pelo recorrente. Como ali se entendeu e aqui se reafirma, a sua audição no âmbito do vertente recurso era irrelevante. Conforme ali se realçou, a retratação só terá efeito para a revisão da condenação do arguido se vier a ser condenada definitivamente por falsidade de testemunho.

O entendimento que a retratação de uma testemunha inquirida na audiência de julgamento não é um novo meio de prova e que apenas poderá fundamentar a rescisão da decisão condenatória, tem sido uniformemente sustentado pelo Supremo Tribunal de Justiça, como certificam os seguintes arestos (sublinha-se para realçar): ------

No Acórdão de 30-06-2010 decidiu-se que “I. o fundamento plausível do recurso de revisão tem de assentar na existência de novos factos ou meios de prova, no sentido de que à data do julgamento deles o arguido não tivesse conhecimento ou não pudesse apresentá-los. II. A alteração do depoimento prestado por uma testemunha no julgamento não preenche tal exigência de novos factos ou novos meios de prova. III. A eventual falsidade do depoimento só poderia consubstanciar o fundamento previsto na al.a) do artº 449º do CPP depois de uma sentença transitada em julgado ter considerado falso tal meio de prova.

No Acórdão de 29-03-2012 decidiu-se que “I. A novidade dos meios de prova, como fundamento do recurso de revisão de sentença, exige, pelo menos que não tenham sido apreciados no processo em que foi proferida a decisão. II. Quando está em causa prova testemunhal, meios de prova são as testemunhas e não cada uma das versões que elas apresentam sobre os factos.”

No Acórdão de 14-02-2013 decidiu-se que “I. O fundamento invocado pelo recorrente para requerer a revisão da sentença condenatória é o da referida alínea d) do n.º 1 do art.º 449.º, isto é, a descoberta de novos factos ou meios de prova que, por si só, ou conjugados com os já existentes nos autos, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação. II. O recorrente, portanto, não apelou à falsidade dos meios de prova (apesar de invocar a existência de um falso depoimento por parte das duas menores vítimas dos abusos sexuais, as quais tinham sido testemunhas fundamentais para a produção da prova no julgamento), pois sabe que, por essa via, só haveria lugar a revisão da sentença se a falsidade resultasse de uma outra sentença transitada em julgado (al. a do n.º 1 do art.º 449.º do CPP) e, portanto, como tal sentença não existe, seria um pedido de antemão votado ao fracasso. III. Todavia, no fundo, o seu pedido, embora mascarado pelo manto da invocação de «novos factos», resume-se à alegação de que as menores terão mentido em julgamento e que, agora, «arrependidas», vêm pedir perdão pelo erro que cometeram. Isto é, o que o recorrente está a fazer, na verdade, é a invocar a falsidade dos meios de prova produzidos no julgamento, mas fá-lo por via ínvia, sem juntar certidão da sentença onde tal falsidade tenha sido declarada. IV. Em circunstância alguma o depoimento em processo penal, de quem quer que seja, faz prova plena dos factos relatados pela testemunha, pois está sempre sujeito ao princípio da livre apreciação das provas (art.º 127.º do CPP). De resto, a prova testemunhal tem de ser prestada com observância das regras processuais que constam dos art.ºs 128.º e segs. do CPP e perante a entidade competente, a qual, na fase atual, só pode ser o juiz do processo ou o juiz que o STJ determinar, pelo que as declarações prestadas perante um notário não têm valor de prova testemunhal neste processo quanto às afirmações que as menores fizeram e, nesse aspeto, são apreciadas como se tratasse de um documento particular redigido por pessoa devidamente identificada (por exemplo, uma carta com a assinatura do remetente reconhecida notarialmente). (…) VII. Na situação em apreço, o recorrente apresentou para deporem como testemunhas no recurso de revisão duas pessoas já inquiridas no julgamento, pelo que os seus depoimentos só seriam admissíveis se viessem depor sobre novos factos. VIII. Todavia, o «facto novo», para efeito de revisão de sentença, é aquele que nunca foi ponderado anteriormente no julgamento e não o que, tendo aí sido escalpelizado, foi julgado de uma determinada maneira e, posteriormente, com base nos mesmos meios de prova, se pretende que venha a ser julgado em sentido diverso. IX. As menores vêm agora, supostamente, «confirmar» a tese que o recorrente defendeu no julgamento e, portanto, o que o recorrente pretendia com um novo depoimento das mesmas era voltar a discutir factos que já foram escalpelizados e que nada têm de «novo», pois o facto é o mesmo, a testemunha é que mudou a sua versão. Por isso, foi indeferida a inquirição de acordo com o art.º 453.º do CPP, já que se reportava a depoimentos de testemunhas já inquiridas no julgamento e sobre factos já aí escrutinados. X. A «novidade», portanto, é a alegada falsidade dos meios de prova, mas a falsidade, a existir, tem de ser declarada por sentença transitada em julgado e não por um novo depoimento da testemunha que alega ter «mentido».

No Acórdão de 18-10-2017, processo n.º 47/03.5IDAVR-L.S114-03-2013 decidiu-se que “a alteração posterior de depoimentos de intervenientes no julgamento (ofendidos, testemunhas, arguidos) não integra a noção de factos ou de meios de prova novos”.

No Acórdão de 11-09-2019, processo 355/14.0GBCHV-E.S1, decidiu-se que “III -   As novas declarações da ofendida vertidas em escrito apresentado pelo recorrente não configuram facto ou meio de prova novo susceptível de constituir fundamento para a pretendida revisão pois tais declarações, cujas circunstâncias que antecederam a sua prestação se ignoram, tal como a motivação a elas subjacente, mais não são que uma nova versão daquela ofendida, diferente das declarações que oportunamente prestou na audiência de julgamento no processo em que foi ditada a condenação do agora recorrente, desdizendo o que antes haviam dito sobre a conduta do arguido. IV -    Como vem sendo entendido, a alteração por uma testemunha, nomeadamente através de uma declaração escrita, de um depoimento prestado na audiência de julgamento, modificando a versão anteriormente apresentada quanto aos factos sobre os quais aí respondera, não representa um «facto novo», antes uma narrativa diferente dos mesmos factos. (…) VII - Quanto à eventual falsidade do depoimento da ofendida em julgamento, (…) cabe dizer que a falsidade de meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão, o mesmo é dizer que tenham decisivamente conformado e fundamentado a convicção do tribunal, inquinando no mais essencial a decisão, constitui motivo de revisão, conforme art. 449.º, n.º 1, al. a), do CPP, sobrepondo-se ao caso julgado. VIII -  No entanto, essa falsidade só pode ser usada como fundamento do recurso de revisão se os meios de prova falsos tiverem sido determinantes para a decisão condenatória e se tal falsidade tiver sido declarada por sentença transitada em julgado, circunstância que não se verifica no caso presente.

Como bem refere a Digna Procuradora Geral Adjunta, reafirmando o texto legal, o tribunal recorrido pode considerar necessária - ou não - a realização de diligência probatórias. Diferentemente do que parece implícito à arguição deduzida, o Supremo Tribunal de Justiça não tem de reapreciar e confirmar ou revogar a decisão judicial que recusou a realização de diligências requeridas pelo recorrente.  Nem tem de dizer que não considera necessária a realização de diligências que tenham sido recusadas pelo tribunal a quo. Pode, mas tão-somente ex officio, determinar as diligências que considerar necessárias.

Do acórdão recorrido resultam bem explicitas as razões da inutilidade da audição da testemunha indicada pelo recorrente. A sua retratação não teria nem pode ter aqui qualquer relevância enquanto não for – se algum dia vier a ser – condenada por sentença transitada em julgado, por ter prestado falso testemunho na audiência de julgamento.

É, pois, manifestamente infundada a arguida nulidade, sem prejuízo de aqui se deixar constância que a Digna Procuradora-Geral Adjunta, na vista a que alude o art.º 455º n.º 1 do CPP, efetivamente, não pronunciou pela negação da revisão.


III. DECISÃO:

Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça -3ª secção criminal, decide indeferir por falta de fundamento legal a arguida nulidade.


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Sem custas porque o Ministério Público goza de isenção – art. 522º do CPP e art. 4º n.º 1 al.ª a) do Regulamento das Custas Judiciais).

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Supremo Tribunal de Justiça, 23 de março de 2022.


Nuno Gonçalves (Juiz Conselheiro relator)

Paulo Ferreira da Cunha (Juiz Conselheiro adjunto)

António Pires da Graça (Presidente da secção)