Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | JSTJ00035738 | ||
| Relator: | NORONHA NASCIMENTO | ||
| Descritores: | DIREITO DE RETENÇÃO PROMESSA DE COMPRA E VENDA TRADIÇÃO DA COISA EXECUÇÃO ESPECÍFICA DIREITO À INDEMNIZAÇÃO DEFESA DA POSSE EMBARGOS DE TERCEIRO | ||
| Nº do Documento: | SJ199901200010622 | ||
| Data do Acordão: | 01/20/1999 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Referência de Publicação: | BMJ N483 ANO1999 PAG195 | ||
| Tribunal Recurso: | T REL PORTO | ||
| Processo no Tribunal Recurso: | 505/98 | ||
| Data: | 06/02/1998 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA. | ||
| Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA. | ||
| Área Temática: | DIR CIV - DIR OBG . DIR PROC CIV. | ||
| Legislação Nacional: | DL 236/80 DE 1980/07/18. DL 379/85 DE 1985/11/11. CPC67 ARTIGO 351. CCIV66 ARTIGO 428 ARTIGO 432 ARTIGO 442 N2 N3 ARTIGO 556 N1 ARTIGO 670 ARTIGO 759 ARTIGO 830 N3. | ||
| Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO RP DE 1993/04/27 IN CJ ANOXVIII TIII PAG225. ACÓRDÃO STJ DE 1998/02/17 IN CJSTJ ANOIV TI PAG70. ACÓRDÃO RE DE 1996/12/12 IN CJ ANOXXI TV PAG283. ACÓRDÃO STJ DE 1996/11/19 IN CJSTJ ANOIV TIII PAG109. ACÓRDÃO RL DE 1991/11/21 IN CJ ANOXVI TV PAG135. | ||
| Sumário : | I- O direito de retenção conferido ao promitente-comprador de prédio urbano com "traditio", introduzido pelo DL 236/80 de 18 de Julho, destina-se a garantir o crédito emergente do incumprimento por parte do promitente-vendedor. II- Tal crédito abrange, em primeira linha, o cumprimento do contrato em espécie (execução específica - crédito à prestação de facto) e, em segunda linha, o cumprimento em sucedâneo, implicando este a substituição da espécie combinada pelo valor indemnizatório correspondente, determinado este, em regra, pelo interesse contratual positivo do contraente fiel (crédito à indemnização). III- O retentor pode usar dos meios possessórios (v.g. os embargos de terceiro contra a penhora) relativamente à coisa retida e traditada quando se esteja perante um caso em que possa exigir o cumprimento contratual em espécie (execução específica) v.g. nos termos do n. 3 do artigo 830 do CCIV. IV- Assim, os embargos de terceiro constituem meio processual adequado - mormente após a nova redacção dada ao artigo 351 do CPC pela reforma de 95/96 - para que se viabilize o direito de retenção a quem assistir a faculdade de peticionar a execução específica, sem pois necessidade de reclamar o seu crédito em execução tendente à venda da coisa retida. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal Justiça: A e mulher B vieram deduzir embargos de terceiro contra o C, que na execução por si movida ao executado D e "E", nomeou à penhora três fracções autónomas (identificadas nos autos) prometidas vender pela executada "E" aos embargantes. Tais fracções, efectivamente penhoradas entretanto, foram entregues aos embargantes que têm, assim, a traditio e por extensão a posse tudo na sequência e com base no contrato-promessa. Após contestação do embargado, foi proferida sentença em 1ª instância que negou aos embargantes a qualidade de possuidores e, nessa medida, julgou improcedentes os embargos de terceiro, decisão esta que - em recurso de apelação - veio a ser confirmada na 2ª instância. Inconformados, os embargantes recorrem de revista, concluindo as suas alegações, em síntese, da forma seguinte: 1º) desde Abril/92 que os embargantes têm vivido na fracção habitacional que lhes foi prometida, pagando água, luz, telefone, bem como as demais despesas resultantes da normal utilização; 2º) mais de metade do preço convencionado para o contrato prometido está paga e, por isso, foi entregue aos recorrentes a fracção habitacional para aí habitarem e dela gozarem; 3º) aliás o promitente - comprador que goza de traditio tem a natural expectativa de que o contrato-promessa irá ser naturalmente cumprido, e acaba, nessa conformidade, por se comportar como um autêntico dono da coisa prometida; 4º) ademais, os recorrentes são possuidores da fracção em questão já que nos modernos conceitos de posse esta reporta-se a um poder de facto titulado por fundamentadas expectativas de se vir a tornar titular do direito; 5º) daí que se possa afirmar que o beneficiário da traditio é um verdadeiro possuidor em nome próprio; 6º) daí que é possível e admissível que o promitente-comprador com traditio possa usar os embargos de terceiro para defender a sua posse. Pedem, em conformidade, a procedência do presente recurso, revogando-se o acórdão recorrido e, consequentemente, restituindo-se os embargantes à posse das fracções penhoradas nos autos. Contra-alegou o recorrido, defendendo a bondade da decisão. Os factos provados que importa reter são os seguintes: a) a sociedade - executada "E" é proprietária de um prédio urbano composto de cave, rés-do-chão e 9 andares, destinados a escritórios, habitações, apartamentos, arrumos e logradouro, com a área coberta de 530 ms2 e descoberta de 2021 ms2, sito na R. de Real, nos 60 a 74, omisso na matriz e integrado pelas fracções autónomas de A e W, K, Y, AA a WW, AK, AY, BA a BW, BK, BY, e CA a CS;b) por contrato-promessa de compra e venda celebrado em 15/7/91, a executada prometeu vender aos embargantes Américo Rui e mulher Maria Isabel, e estes prometeram comprar uma fracção autónoma de tal prédio composta por habitação, lugar de garagem e arrumo; c) tal fracção foi entregue pela sociedade - executada aos embargantes em Abril/92; d) desde essa data que os embargantes aí têm vivido, tendo suportado todas as despesas inerentes ao imóvel, pagando o condomínio, água, electricidade; e) ainda não foi celebrada a escritura definitiva por haver divergência quanto ao valor contratado e ainda por a executada-sociedade não ter cumprido com aquilo que se comprometera cumprir; f) até ao momento os embargantes entregaram à executada uma quantia não inferior a metade do preço acordado. 1º) Os embargantes-recorrentes vêm pedir a sua restituição à posse da fracção habitacional que ocupam, que prometeram comprar - sem que a compra e venda prometida tivesse sido ainda efectivada - e que entretanto foi penhorada. O caso dos autos é frequente e paradigmático: após um contrato-promessa de compra e venda de fracção habitacional no qual o promitente-comprador paga uma parte substancial do preço, este recebe a fracção em traditio, ocupa-a, passa a residir nela (frequentemente com a família toda), mantém aí o seu trem diário de vida, o contrato prometido é adiado sucessivamente por razões várias, e entretanto um credor do promitente - vendedor obtém em execução a penhora da fracção com as consequências que essa nova situação jurídica implica. É perante um quadro destes que os embargantes-recorrentes lançaram mão dos embargos de terceiro, ou seja, usaram esta acção para defender a sua posse. A jurisprudência e doutrina tem tido olhares divergentes sobre esta questão. Há, desde logo, quem considere que o promitente-comprador com traditio pode usar dos meios possessórios nos termos exactos dos arts 759 e 670 do C. Civil (como todos os que se citarem sem indicação expressa de diploma). O promitente com traditio goza do direito de retenção - direito real de garantia - ao qual são aplicáveis as regras do penhor, quer a retenção incida sobre moveis quer sobre imóveis (arts 758 e 759). De entre a panóplia de faculdades legais que o credor pignoratício tem, conta-se o uso das acções possessórias para defesa da sua posse (art 670); daí que o promitente-comprador que goza do direito de retenção possa usar, nessa medida, das acções possessórias (paradigmáticos na defesa desta posição, temos os Acs. Rel. Lx, Colectânea Jurisprud., ano XVI, V, pág. 132 e 135; Ac. Rel. Porto Colectânea, ano XVIII, II, pág. 225; e ainda Calvão da Silva em "Sinal e contrato-promessa", edição de 1988, pág. 111-112). Temos, depois, uma posição diametralmente oposta. Segundo ela, o promitente-comprador com traditio não tem qualquer faculdade de defesa possessória, antes tendo o direito a ver reconhecido e graduado com prioridade o seu crédito no caso de incumprimento contratual. O contrato-promessa obrigacional confere ao contraente-cumpridor um mero direito de crédito. Daí que se esse contraente-cumpridor for o promitente-comprador e se tiver recebido a coisa em traditio, ele terá tão-só um direito de crédito garantido com a retenção que a traditio lhe confere. O direito de retenção é um mero direito real de garantia e nunca um direito real de gozo. Por isso mesmo, porque o gozo da coisa não lhe é fornecido pelo direito da retenção, é que o promitente-comprador jamais tem a posse e o gozo do prédio prometido vender; e porque os direitos reais de garantia garantem a precedência no pagamento do crédito beneficiado com eles mas não permitem nem garantem a execução "privada" do prédio prometido pelo credor titular do direito de retenção ( ou seja pelo promitente-comprador com traditio) é que este promitente não pode usar dos meios possessórios, tendo apenas uma prioridade no pagamento do seu crédito indemnizatório quando em confronto com os restantes credores do mesmo devedor (ou seja do mesmo promitente-devedor). Esta posição reconduz a situação do promitente-comprador com tradição da coisa a um simples titular de direito creditício com preferência no pagamento (cfr. Acs. S.T.J. - Colectânea, Acórdão S.T.J., ano IV, tomo I, pág. 70; Ac. Rel. Ev., Colectânea, ano XXI, V, p. 283). Por fim, uma terceira via pode ainda ser surpreendida. Admitindo, embora, que o promitente-comprador com traditio de prédio ou fracção para habitação é em regra mero detentor da coisa, ou possuidor em nome alheio, há quem entenda que, em certas situações, aquele promitente deve ser visto como um verdadeiro possuidor em nome próprio e, nessa medida, pode usar as acções possessórias como meio de defesa da sua posse. É o que sucede quando o promitente-comprador outorga o contrato-promessa passando a ocupar o prédio (ou fracção) com vista à outorga do contrato-prometido que lhe garantirá habitação própria, tendo já pago o preço na totalidade ou quase na totalidade. Nestes casos, o promitente-comprador considera a casa já como sua e a sua utilização e gozo configuram uma verdadeira posse (cfr. neste sentido o Ac. S.T.J. - Colectânea, Acórdão S.T.J., ano IV, III, pág. 109). No caso sub judice, qual a solução a adoptar? As instâncias inclinaram-se decididamente para a corrente que reconduz a situação jurídica do promitente-comprador com tradição da coisa a uma mera posição creditícia sublinhando o caracter de garantia real que o direito de retenção tem. Mas mesmo partindo destes pressupostos, quer-nos parecer que a solução correcta deste pleito é bem diferente da que as instâncias adoptaram. Vejamos porquê. 2º) O direito de retenção conferido ao promitente-comprador com tradição da coisa destina-se a garantir um direito obrigacional daquele. O direito de retenção é, assim, uma garantia real e foi introduzido, na nossa Ordem Jurídica para proteger o promitente-comprador, já que a vivência social foi mostrando que o incumprimento culposo dos contratos-promessa era imputável geralmente ao promitente-vendedor que com isso provocava, na esfera da contra-parte, efeitos muitas vezes devastadores. Na sequência dessa preocupação social do legislador, sucessivas alterações legislativas foram sendo introduzidas. Alteraram-se, em primeiro lugar, os efeitos do incumprimento contratual que deixou de estar limitado à restituição do sinal em dobro se aquele for imputável ao promitente-vendedor; estipulou-se uma modalidade mista de nulidade negocial favorável ao promitente-comprador; concedeu-se a este o direito de retenção se tiver a tradição da coisa; e, por último, impôs-se imperativamente a execução específica nos contratos-promessa relativos à transmissão ou constituição de direitos reais sobre edifícios ou fracções autónomas mesmo tendo havido convenção em contrário. É, pois, neste condicionalismo que o direito de retenção do promitente-comprador deve e tem que ser lido. Este direito (introduzido pelo D.L. nº 236/80 de 18/7 e confirmado pelo D.L. nº 379/85 de 11/11) destina-se a garantir - seguindo a própria terminologia legal - o crédito resultante do incumprimento pelo promitente-vendedor. E mau grado a diferença de linguagem normativa entre os dois diplomas, constata-se que o âmbito do direito garantido pela retenção é o mesmo: o que se quer é garantir sempre o crédito emergente do incumprimento pelo promitente-vendedor. Qual é então a amplitude desse direito de crédito? O contrato-promessa é um contrato de prestação de facto (a outorga do contrato prometido). Daí que o crédito do promitente- comprador abranja, em primeira linha, o cumprimento em espécie do contrato e, em segunda linha, o cumprimento em sucedâneo. O cumprimento em espécie é precisamente a realização da prestação obrigacional a que as partes se vincularam, ou seja, a celebração do contrato definitivo a que se comprometeram. O cumprimento em sucedâneo implica a substituição da prestação acordada, a substituição da espécie combinada, pelo valor indemnizatório correspondente e determinado em regra pelo interesse contratual positivo do contraente fiel. No contrato-promessa, o cumprimento em espécie é sem mais a execução específica daquele, na linha, aliás, das normas civis que regulam situações similares (arts. 827 e segs); na verdade, aqui, o contraente fiel mais não faz senão requerer ao tribunal que emita uma declaração negocial substitutiva, de forma a que a prestação seja efectiva e exactamente cumprida tal como havia sido acordada. Por sua vez, o cumprimento em sucedâneo - no contrato-promessa - envolve a fixação de um montante indemnizatório segundo os vários critérios alternativos constantes do art. 442 nº 2. Repare-se, aliás, que a dicotomia cumprimento em espécie/cumprimento em sucedâneo é a regra no âmbito do direito contratual e até mesmo na esfera da responsabilidade extra-contratual. Se um negócio contratual é outorgado, o normal é as partes cumprirem-no; daí que fosse também normal que a lei impusesse o seu cumprimento coercivo em espécie se porventura uma das partes o incumprisse. Não é bem isso o que sucede; em regra, o contraente fiel - caso a contraparte não cumpra o negócio - pode optar entre resolve-lo (art. 432) ou entre exigir o seu cumprimento em sucedâneo, peticionando a indemnização, em função dos lucros e vantagens que teria se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido (interesse contratual positivo). Acessoriamente o contraente fiel pode lançar mão, ainda, da excepção de não cumprimento (art. 428), forma dilatória de protelar o cumprimento de negócio não cumprido. No meio desta panóplia de mecanismos o Código Civil de 1966 introduziu, porém, um meio típico de cumprimento contratual em espécie, por influência italiana, nos contratos-promessa. Aqui, o contraente fiel tem à sua disposição caminhos alternativos para satisfazer o seu direito de crédito obrigacional: ou executa a promessa exigindo a prestação que foi incumprida ou pede a indemnização como sucedâneo do cumprimento prestacional. Vale isto por dizer que, na esfera dos contratos-promessa, o legislador seguiu o mesmo caminho trilhado para a responsabilidade extra-contratual; nesta, a regra é também a da reconstituição material, ou seja, a da reintegração em espécie, funcionando a indemnização em dinheiro como o sucedâneo daquela (art. 556 nº 1). 3º) É neste enquadramento que deve ser lido o direito de retenção conferido ao promitente-comprador. O direito é concedido para garantia do crédito daquele contraente; mas o seu crédito abrange quer a prestação que não foi cumprida e que ele pode exigir através da execução específica quer a indemnização monetária que ele pode preferir e que funciona como o sucedâneo daquele outra. Isto mesmo resulta de forma expressiva da redacção actual do art. 755. Efectivamente enquanto o D.L. nº 236/80 esclarecia que o direito de retenção sobre a coisa traditada garantia o crédito pelo incumprimento do promitente-vendedor (cfr. art. 442 nº 3), o D.L. nº 379/86, na nova redacção dada a várias normas, diz expressamente que a retenção garante o crédito resultante do não cumprimento da contra-parte nos termos do art-442 (art. 755 nº 1 - f)). Ora, o crédito do promitente-comprador que o art. 442 expressamente prevê é não só o indemnizatório (nº 2 da norma) como também o crédito à prestação do facto (nº 3 da norma); o que significa, por conseguinte, que o direito de retenção nos contratos-promessa visa salvaguardar e garantir não só o cumprimento em espécie como também o cumprimento em sucedâneo. 4º) Assim sendo um corolário se impõe de imediato: o promitente-comprador, retentor do prédio, pode usar e retê-lo até que se decida se procede ou não a eventual execução específica que ele possa ou queira exercitar. Na verdade, se a retenção engloba todo o crédito prestacional do promitente-comprador (e neste ponto divergimos da posição defendida no Ac. S.T.J., Colectânea, Ac. S.T.J., ano IV, I, 70) não faz sentido que ele abra mão da retenção e do prédio retido quando afinal pretende executar especificamente a promessa de molde a ficar com o prédio. Se a retenção é uma garantia real que garante acessoriamente um crédito prestacional, ela ter-se-á que manter referenciada a toda a amplitude desse crédito; não faria sentido que - sendo a retenção ainda um resíduo ténue de modalidades próximas de justiça privada - ela desaparecesse quando afinal o credor pretende o cumprimento em espécie da promessa. Do exposto resulta uma consequência importante: é admissível e defensável que o retentor não possa impedir a penhora e venda da coisa retida, devendo entrar na graduação de créditos que sobre ela se faça, quando está em jogo tão - só um crédito monetário e/ou indemnizatório, mas já não é admissível que o retentor não possa reter a coisa (com todas as consequências) quando ela se destina a garantir uma prestação que tem por objecto (ainda que mediato) a própria coisa. É que aqui o seu crédito não se reduz ao recebimento de dinheiro, coisa genérica, mas inversamente incide sobre uma prestação de facto que envolve a coisa retida. Faz, por isso, todo o sentido que o credor com direito de retenção possa usar nestas condições dos meios possessórios e possa usar os embargos de terceiro. Os meios possessórios não são conformados, na nossa lei, para defesa exclusiva da posse. Embora a posse seja a matriz genética para a utilização desses instrumentos processuais, o certo é que os meios possessórios foram alargados a situações de mera detenção legítima(arrendatário, parceiro, comodatário, depositário). A conexão que o art. 670 permite fazer com esses meios é, assim, plenamente justificada e compreensível (cfr. art. 670 e 759): o retentor pode usar os meios possessórios em relação à coisa retida e traditada quando se está perante em caso em que ele pode exigir o cumprimento contratual em espécie. Ademais, no caso vertente, o contrato-promessa é daqueles em que a lei impõe imperativamente a faculdade de execução específica e proíbe expressamente o seu afastamento consensual (art. 830 nº 3). Mas também faz sentido que, nesta situação, o retentor possa usar por outros motivos os embargos de terceiro. Estes deixaram de ser, hoje em dia, um meio processual possessório conforme se constata dos arts. 351 e segs do C. Processo Civil. Os embargos de terceiro não se destinam somente a defender a posse do embargante, ofendida por qualquer acto ordenado judicialmente; destinam-se também a defender qualquer direito do embargante incompatível com a realização de diligência ordenada judicialmente. A posse deixou de ser a pedra de toque exclusiva para aferir da viabilidade dos embargos de terceiro; e no caso vertente os embargos de terceiro foram deduzidos já na vigência do novo Cód. Proc. Civil, estando destarte sujeitos à sua tramitação. Daí que sejam, processualmente, um meio adjectivo viável ; os recorrentes usam-nos como forma de defesa de um direito ameaçado com a penhora entretanto efectivada. A posse, aqui, não é já um pressuposto indispensável; o direito prestacional à execução específica está, por si, ameaçado com a realização daquela diligência. 5º) Do que se deixou dito podemos sinteticamente concluir que: a) no contrato-promessa dos autos, os recorrentes têm incluído no seu crédito o direito ao cumprimento em espécie, isto é, à execução específica; b) o direito de retenção de que dispõem tanto se reporta ao cumprimento em espécie (crédito à prestação de facto) como ao cumprimento em sucedâneo (crédito à indemnização); c) os embargos de terceiro - hoje desligados necessariamente da posse - são meio adequado para que se viabilize o direito de retenção do promitente - comprador que tem a faculdade de peticionar a execução específica da promessa. Mas, para além disso, tudo nos indica que os embargantes exercem já sobre a fracção em causa uma verdadeira posse numa situação, não igual, mas similar à que nos aparece descrita no Ac. S.T.J., Colectânea Ac. S.T.J., ano IV, III, p. 109. Repare-se que a fracção habitacional foi prometida vender aos recorrentes em meados 91, estipulando-se que a venda prometida seria outorgada até ao fim desse mesmo ano e que até 15 de Outubro 91 a fracção seria entregue aos promitentes-compradores que a poderiam, obviamente, reter a partir daí. O que emerge desta rápida sequência temporal é que o cumprimento da promessa seria célere, já que entre ela e a venda final mediava pouco tempo, e ainda que os embargantes, candidatos à compra, passariam a ocupar a fracção mais rapidamente até do que o normal; repare-se que três meses depois da celebração da promessa a fracção é dada para ocupação dos embargantes. O ónus para a marcação da venda cabia aos vendedores, conforme emerge do clausulado (4º cláusula), o que nos poderá indiciar que a culpa no incumprimento contratual recai sobre a promitente-vendedora, indícios reforçados, aliás, pela própria matéria de facto provada (cfr. alínea e) da descrição feita acima). Incumprida a promessa, ou seja, não outorgada a compra e venda definitiva, a fracção é, mesmo assim, entregue aos embargantes, quatro meses depois (Abril 92) que aí situam todo o trem da sua vida diária e familiar: suportam o condomínio, todos as despesas relativas ao imóvel, água, luz. O que este conjunto factual nos dá, com amplitude, é precisamente a intenção dos contraentes da promessa: a fracção é dada e entregue aos recorrentes porque, querendo aí viver, o tempo de espera até à outorga do contrato definitivo era curto. E transcorrido o dia 31/12/91, a situação não se altera já que - depois disso - os promitentes-compradores recebem-na mesmo, ocupando-a, e passando a suportar despesas que cabe ao proprietário suportar (o condomínio e aquelas que se conexionam com o imóvel). A ocupação da fracção nestas condições, e a assunção de despesas que só o proprietário suporta, mostram bem o animus da posse dos embargantes: estes passam a possuir, desde 1992, a fracção penhorada. Posse que contem em si os requisitos típicos deste direito real: o corpus e o animus, ou seja, a intenção possessória como titular próprio do corpus exercido. Daí que, também por aqui, os embargos deduzidos deverão proceder. Termos em que se concede a revista e, consequentemente, se restitui aos embargantes a fracção identificada nos autos, levantando-se a penhora que sobre ela recai. Custas pela recorrida. Lisboa, 20 de Janeiro de 1999. Noronha Nascimento, Ferreira de Almeida, Moura Cruz. |