Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
| Relator: | FERNANDA ISABEL PEREIRA | ||
| Descritores: | DIVÓRCIO DIREITO A ALIMENTOS EX-CÔNJUGE DEVER DE SOLIDARIEDADE EQUIDADE PRESSUPOSTOS CULPA | ||
| Data do Acordão: | 03/03/2016 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
| Área Temática: | DIREITO CIVIL - DIREITO DA FAMÍLIA / ALIMENTOS. | ||
| Doutrina: | - Galvão Telles, Introdução ao Estudo do Direito, vol. I, 11ª ed., Refundida e Actualizada, Coimbra Editora, p.150. - Maria João Tomé, “Algumas reflexões sobre a obrigação de compensação e a obrigação de alimentos entre ex-cônjuges”, em Estudos em Homenagem ao Prof. Heinrich Hörster, 2012, Almedina, p. 445. - Rita Lobo Xavier, Recentes Alterações ao regime Jurídico do Divórcio e das Responsabilidades Parentais, 2009, Almedina, p. 44. | ||
| Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 4.º, 2003.º, N.º1, 2004.º, 2016.º, 2016.º-A | ||
| Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 23.10.2012, PROC. N.º 320/10.6TBTMR.C1.S1, IN WWW.DGSI.PT | ||
| Sumário : | I - A Lei n.º 61/2008, de 31-10 – que introduziu alterações significativas no regime dos alimentos entre ex-cônjuges no seguimento do divórcio – aderiu ao chamado princípio da auto-suficiência, conferindo, em regra, ao direito a alimentos entre cônjuges carácter temporário e natureza subsidiária (art. 2016.º do CC). II - Neste novo modelo, desligado do conceito de culpa, o direito a alimentos entre ex-cônjuges depende apenas da verificação dos pressupostos gerais da necessidade e da possibilidade enunciados no art. 2004.º do CC, cingindo-se a obrigação de os prestar ao indispensável para o sustento, habitação e vestuário do cônjuge economicamente carenciado de forma a assegurar-lhe uma existência condigna depois da ruptura do vínculo do casamento, sem ter, porém, por finalidade proporcionar-lhe um nível de vida equiparado ou sequer aproximado ao que tinha na vigência da comunhão conjugal (arts. 2003.º, n.º 1, e 2016.º-A, n.º 3, do CC). III - Não se verificará o dever de solidariedade pós-conjugal na vertente do direito a alimentos se «razões manifestas de equidade» o levarem a negar – o que acontecerá se for chocante onerar o outro com a obrigação correspondente (art. 2016.º, n.º 3, do CC). IV - Embora se tivesse procurado eliminar a apreciação da culpa como factor relevante da atribuição de alimentos, por se querer reduzir a questão ao seu núcleo essencial – a assistência de quem precisa por quem tem possibilidades –, a ideia de culpa não será totalmente alheia à densificação da referida cláusula geral ou conceito indeterminado. V - Um juízo equitativo, que assenta na procura da solução mais justa para o caso concreto, não pode esquecer o passado comum dos cônjuges, na sua globalidade. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório:
AA intentou acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra BB pedindo que, com fundamento na ruptura definitiva do casamento, se decretasse o divórcio do casal, retrotraindo os efeitos do mesmo à data da separação. A Ré contestou por impugnação, mas pedindo se decretasse o divórcio, e, em reconvenção, deduziu pedido de alimentos no montante de 1.200,00 € mensais. A final foi proferida sentença que decretou o divórcio, com efeitos retrotraídos a 1 de Janeiro de 2013, e fixou os alimentos devidos pelo autor à Ré em 600,00 € mensais. Apelou o autor, tendo o Tribunal da Relação de Lisboa revogado aquela sentença na parte em que atribuiu à ré direito a alimentos, absolvendo o autor do correspondente pedido. Inconformada, recorre a ré de revista. Das conclusões formuladas na respectiva alegação de recurso, delimitadoras do seu objecto – salvo questões de conhecimento oficioso -, emergem, em síntese, como questões nucleares saber se o autor está obrigado a prestar alimentos à ré após o divórcio de ambos ou se o direito a alimentos deve ser-lhe negado por razões manifestas de equidade e ainda, concluindo-se pelo reconhecimento do direito da ré a alimentos, saber se esta demonstrou a necessidade dos mesmos. Não houve contra-alegação. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II. Fundamentos: De facto: As instâncias julgaram provados os seguintes factos: 1. Autor e Ré celebraram entre si casamento civil em 28 de Julho de 1990, sem convenção antenupcial. 2. Residindo, desde essa data, na Rua …, nº …, 2° direito, ..., em Algés, que assim constituía a casa de morada de família. 3. Em 1 de Janeiro de 2013 a Ré saiu do lar conjugal. 4. Em 01.01.2013, a R foi viver com CC. Residiram juntos inicialmente em Lisboa e, a partir de meados de Março de 2013 em .... 5. A Ré e o CC viveram, a partir de 1 de Janeiro de 2013, em situação análoga à dos cônjuges, em comunhão de cama, mesa e habitação. Situação que é do conhecimento de amigos e conhecidos do Autor e da Ré. 6. A Ré, afirmou a amigos do separado casal que se encontrava apaixonada pelo referido companheiro. 7. O A. manteve-se a viver com os dois filhos do casal, já maiores e ainda estudantes, naquela que foi a casa de morada de família, sita no local já indicado. 8. O Autor não pretende reestabelecer a relação conjugal com sua mulher. 9. A e R tiveram dois filhos: DD, nascida em 02/04/1988, e EE, nascido em 05/03/1993. 10. Com vista a poder acompanhar o Autor a Macau, local onde este trabalhou e onde, ambos, viveram maritalmente de Agosto de 1986 a Dezembro de 1988, a Ré, em Março de 1986, requereu uma Licença Sem Vencimento, junto da sua entidade empregadora, a FF, onde, desde Fevereiro de 1978, exercia as funções de Secretária da Direcção de Serviços Jurídicos, e onde, depois do regresso de Macau, em Novembro de 1989, voltou a trabalhar, passando a exercer as funções de Escriturária Principal do Departamento de Recursos Humanos, até Maio de 1997. 11. Com o mesmo propósito de poder acompanhar o Autor a Macau, a Ré, em Março de 1986, interrompeu a licenciatura em Gestão de Recursos Humanos e Organização do Trabalho, que frequentava, junto do Instituto Superior de Línguas e Administração (ISLA). 12. A filha mais velha do casal nasceu em Macau. 13. Em Macau, no dia 27 de Abril de 1988 e pelo período de sessenta e seis dias, o Autor, no âmbito de um processo-crime que contra ele foi instaurado, foi preso e conduzido, primeiro, ao Estabelecimento Central de Macau e, posteriormente, ao Estabelecimento Prisional de Coloane, sito na Ilha de Coloane; 14. Durante os sessenta e seis dias em que o Autor esteve privado de liberdade, a R visitou-o diariamente à prisão, levou-lhe almoço e jantar; tratou-lhe da roupa; fez contactos com advogados, com os jornalistas e com as pessoas ligadas ao processo; tentou obter um regime de detenção mais favorável para o Autor; comprou-lhe alimentação e objectos pessoais, tentou obter autorização para que o Autor pudesse ser acompanhado por médico particular durante a reclusão; tratou da filha e organizou a casa. 15. Após O nascimento da filha do casal e da traumatizante situação vivida pela Ré na sequência da prisão do Autor em Macau, já em Portugal, a partir de Julho de 1989, a Ré passou a ser acompanhada pelo Professor Doutor GG, médico-psiquiatra, tendo-lhe sido por este clínico diagnosticados surtos depressivos recorrentes, os quais se mantiveram, pelo menos, até 30 de Abril de 2009, sendo "( ... ) mais ou menos longos e mais ou menos graves, mas sem características psicóticas (F33.3, segundo a CID-l0) necessitando de permanente apoio terapêutico, quer medicamentoso, como psicológico, pelo cariz de cronicidade da depressão (. .. )". 16. A partir de 30.4.2009, a R passou a ser acompanhada pelo Dr. HH, médico-psiquiatra, nas consultas hospitalares do Hospital de São Francisco Xavier. 17. Em 2009, o filho do casal, EE, na sequência do consumo de estupefacientes que fazia e do furto de objectos de valor da casa de morada de família, foi denunciado próprios pais, junto do Ministério Público, tendo respondido no Processo Tutelar Educativo que com o número 1130/09.9TACSC, correu termos pelo 1 ° Juízo de Família e Menores do Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais. 18. Foi diagnosticado à filha do casal doença bipolar; 19. O A desautorizava a R frente a terceiros. 20. Eram frequentes as discussões familiares, mantidas em tom de voz audível pelos vizinhos, tendo, por diversas vezes, a Ré reclamado a presença dos agentes da Polícia de Segurança Pública da Esquadra de ..., na casa de morada de família. 21. Os factos vertidos nos artigos 9. a 20. provocaram na R. desgaste físico e psicológico. 22. No dia 17 de Setembro de 2012, a Ré dirigiu-se ao Gabinete de Apoio à Vítima de Cascais. 23. No dia 29 de Abril de 2013, a R voltou à casa de morada de família. 24. Em data não apurada, o A passou a viver maritalmente com II e no domicílio desta, sito no 9.° andar esquerdo do mesmo prédio onde está sita a casa de morada da família, tendo ali passado a dormir, assim como a fazer a sua higiene pessoal e a tomar todas as refeições diárias. 25. A Ré casou em 28.7.1990, com 33 anos de idade. 26. A Ré encontra-se desempregada, auferindo o subsídio de desemprego, no valor de € 486,30. 27. Foi diagnosticada à Ré uma Perturbação Depressiva Recorrente. 28. O Autor apresentou o respectivo pedido de reforma antecipada, junto da Caixa Geral de Aposentações, na segunda quinzena de Dezembro de 2011, e, aquando da apresentação do pedido de reforma antecipada, junto da Caixa Geral de Aposentações, o Autor celebrou com a JJ um acordo rescisório, tendo, nessa mesma data, sido dispensado por aquela entidade empregadora de comparecer nas suas instalações, assim como do exercício de quaisquer funções inerentes à sua categoria profissional, tendo ainda, naquela data, recebido o montante de € 25.000,00, a título de compensação pelo facto de ter sido obrigado a entregar à JJ o automóvel de serviço que lhe estava atribuído; Nos termos do acordo rescisório, no dia 7.6.2013, a JJ pagou ao A. a quantia de 95.000,000 euros. 29. Entre a data da apresentação do pedido de reforma antecipada pelo Autor e a passagem efectiva à situação de aposentado, abonado pela Caixa Geral de Aposentações, ocorrida em Julho de 2013, o Autor continuou a receber da JJ o montante mensal de € 2.754,29, perfazendo um total de 18 (dezoito) meses e de € 49.577,22; 30. O Autor, encontra-se, desde Julho de 2013, aposentado com a categoria profissional de Quadro Superior da Rádio e Televisão de Portugal, S.A. (JJ), sendo, desde então, abonado pela Caixa Geral de Aposentações de uma pensão no montante de € 4.420,11. 31. O A. tem pago todas as despesas referentes à casa de morada de família (impostos, empregada doméstica, água, luz, gás, telecomunicações) bem como a faculdade do filho. Dá mesada aos dois filhos. O Tribunal da Relação considerou ainda provado estoutro facto: 32. A R. foi entretanto reformada com a pensão de mensal de 346,16 €. De direito: 1. Está em causa no presente recurso apenas o segmento decisório respeitante ao direito a alimentos invocado pela ré, por via reconvencional, na sequência do decretado divórcio. Como vem sendo afirmado por este Supremo Tribunal de Justiça, a obrigação de prestar alimentos entre ex-cônjuges após o divórcio constitui um efeito jurídico novo, que radica na dissolução do casamento, mas cujo fundamento deriva da recíproca solidariedade pós-conjugal (por todos, acórdão de 23.10.2012, proc. nº 320/10.6TBTMR.C1.S1, in www.dgsi.pt/jstj). A Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, veio introduzir alterações significativas no regime dos alimentos entre ex-cônjuges no seguimento de divórcio, agora consagrado nos artigos 2016º e 2016º-A do Código Civil. Inspirada nos Princípios de Direito da Família Europeu Relativos a Divórcio e Alimentos entre ex-cônjuges publicados em 2004, a Lei nº 61/2008 passou a atribuir cariz excepcional ao direito de alimentos entre cônjuges, sendo esta uma das principais mudanças introduzidas no campo dos efeitos do divórcio. O legislador optou, claramente, por aderir ao chamado princípio da auto-suficiência, conferindo, em regra, ao direito a alimentos entre ex-cônjuges carácter temporário e natureza subsidiária. Estas características estão bem evidenciadas no artigo 2016º do Código Civil, preceito que reconhece a qualquer dos cônjuges o direito a alimentos, independentemente do tipo de divórcio (nº 2), mas consagra que cada cônjuge deve prover à sua subsistência depois do divórcio (nº 1) e que o direito a alimentos pode ser negado por razões manifestas de equidade (nº 3). Este novo modelo, associado, em grande medida, à transição para o sistema do divórcio pura constatação da ruptura do casamento, reconhece “ao cônjuge economicamente dependente um direito a alimentos menos intenso do que aquele que lhe era conferido no sistema de divórcio por violação culposa dos deveres conjugais”, como dá nota Maria João Tomé (“Algumas reflexões sobre a obrigação de compensação e a obrigação de alimentos entre ex-cônjuges” em Estudos em Homenagem ao Prof. Heinrich Hörster, 2012, Almedina, pág. 445). Desligando-se do conceito de culpa, o direito a alimentos entre ex-cônjuges depende apenas da verificação dos pressupostos gerais da necessidade e da possibilidade enunciados no artigo 2004º do Código Civil. O conceito de necessidade, ao contrário do que foi já tese dominante na doutrina e na jurisprudência, não é aferido pelo estilo de vida dos cônjuges durante a relação matrimonial, como decorre expressamente do texto do nº 3 do artigo 2016º-A do Código Civil quando estabelece que o cônjuge credor não tem direito de exigir a manutenção do padrão de vida de que beneficiou na constância do matrimónio. A obrigação de prestar alimentos deve cingir-se ao indispensável para o sustento, habitação e vestuário (artigo 2003º nº 1 do Código Civil), procurando assegurar uma existência digna ao cônjuge economicamente carenciado depois da ruptura do vínculo do casamento, mas sem ter por finalidade proporcionar-lhe um nível de vida equiparado ou sequer aproximado ao que tinha na vigência da comunhão conjugal. Afastou-se, inequivocamente, a possibilidade de o cônjuge carecido de alimentos vir a usufruir posição idêntica, do ponto de vista financeiro, àquela de que desfrutaria se o casamento não tivesse sido dissolvido. O dever de solidariedade pós-conjugal na vertente do direito a alimentos, agora muito mitigado, não se verificará, contudo, se «razões manifestas de equidade» levarem a negá-lo, o que acontecerá, de harmonia com a exposição de motivos do Projecto de Lei nº 509/X, se for “chocante onerar o outro com a obrigação correspondente”. O legislador não definiu o conceito desta “cláusula de equidade negativa”, tendo optado por uma cláusula geral a concretizar casuisticamente pelo julgador por forma a abranger situações tão diversas que a sua previsão não lograria esgotar. O carácter vago e impreciso da norma deixa ao critério do tribunal definir “os casos especiais” em que o direito a alimentos será negado ao ex-cônjuge carenciado por se revelar “chocante onerar o outro com a obrigação correspondente”. Procurando integrar este conceito, escreveu Rita Lobo Xavier que “só poderá tratar-se de situações ligadas à conduta do ex-cônjuge necessitado, semelhantes às que a lei já refere para a cessação da obrigação alimentar, em geral, na alínea c) do artigo 2013º, e, em particular, na parte final do artigo 2019º: quando o credor violar gravemente os seus deveres para com o obrigado, ou quando se tornar indigno do benefício pelo seu comportamento moral” (Recentes Alterações ao regime Jurídico do Divórcio e das Responsabilidades Parentais, 2009, Almedina, pág. 44). Embora se tivesse procurado eliminar a apreciação da culpa como factor relevante da atribuição de alimentos, por se querer reduzir a questão ao seu núcleo essencial – a assistência de quem precisa por quem tem possibilidades (cfr. mencionada exposição de motivos), consideramos que a ideia de culpa, na vertente da responsabilidade ou contributo do cônjuge carecido de alimentos para a degradação e ruptura do casamento, não será totalmente alheia à densificação da referida cláusula geral ou conceito indeterminado. Também razões associadas ao posterior comportamento do ex-cônjuge, como por exemplo, colocar-se deliberadamente numa posição de carência ou não diligenciar activamente pela sua auto-suficiência, podendo e devendo fazê-lo, querendo onerar o outro, apesar da sua aptidão para prover com autonomia à obtenção de meios para satisfação das suas necessidades, são susceptíveis de se reconduzir à referida “cláusula de equidade negativa”. O juízo equitativo, para o qual o artigo 2016º nº 3 do Código Civil remete, procura, nas palavras de Galvão Telles, “temperar a rigidez da lei”. Escreve este autor que a lei “é formulada em termos genéricos, tendo em vista, sem dúvida, as circunstâncias reais da vida, mas numa perspectiva abstracta, sem descer às peculiaridades dos casos concretos. Dessa abstracção pode resultar, resultam por vezes, desajustamentos entre a justiça da solução legal e a justiça desejável na hipótese individual submetida à apreciação do julgador: a equidade será o instrumento idóneo para afastar ou evitar estes desajustamentos.” (Introdução ao Estudo do Direito, vol. I, 11ª ed., Refundida e Actualizada, Coimbra Editora, pág.150). O julgamento segundo a equidade, que só pode ter lugar nos casos previstos na lei (artigo 4º do Código Civil), permite ao julgador uma maior aproximação à justiça individualizadora, mais atenta às particularidades do caso concreto, mais próxima, por isso, da justiça comutativa do que da justiça resultante da mera aplicação do quadro normativo. A equidade como padrão de justiça permite uma composição mais integral dos interesses em confronto, dentro dos limites da lei, e conduz a uma solução mais harmónica. A equidade apela ao sentido ético, ao sentido do razoável e do “bom senso” como critérios decisórios e tem inerentes critérios de justiça e igualdade. 2. No caso em apreço, a sentença da 1ª instância considerou, em face da facticidade provada, dever atribuir-se à ré uma pensão a título de alimentos no valor de € 600,00, correspondente a metade do que havia sido pedido. O acórdão recorrido não reconheceu à ré o direito a alimentos e revogou a sentença da 1ª instância, neste particular, enfatizando a facticidade provada reveladora de que “a Ré requerente de alimentos desde 1JAN2013 que foi viver com um terceiro em situação análoga à dos cônjuges (factos provados 4 e 5), anunciando publicamente essa relação (facto provado 6)”, considerando que “do facto de ter voltado à que foi casa de morada de família em 29ABR2013 (facto provado 23) não se infere que tal relacionamento tenha terminado (para além de que essa eventualidade não teria a potencialidade de eliminar as repercussões desse novo, ainda que eventualmente efémero, projecto de vida em comum na diluição dos deveres decorrentes do anterior casamento)” e concluindo que “O reconhecimento da requerida pensão de alimentos nas referidas circunstâncias surgiria, pelas razões expostas, como manifestamente iníquo”. Acompanhamos o acórdão recorrido quando afirma que as razões manifestas de equidade consistem em circunstâncias de acentuada relevância que tornem imperioso, segundo o sentir social, o afastamento daquele dever de solidariedade/dever assistencial. Já não acolhemos o seu sentido decisório, porquanto consideramos que não fez uma leitura global e integrada de toda a facticidade provada, tendo desconsiderado por completo o papel da ré na família e o seu comportamento durante a comunhão de vida com o autor. Com efeito, também se provou que o autor e a ré contraíram casamento um com o outro no dia 28 de Julho de 1990, mas que a sua comunhão de vida se iniciou anteriormente ao casamento, tendo a ré, com vista a poder acompanhar o autor a Macau, local onde este trabalhou e onde ambos viveram maritalmente de Agosto de 1986 a Dezembro de 1988, requerido, em Março de 1986, licença sem vencimento à sua entidade empregadora, a FF, e interrompido, com o mesmo propósito, a licenciatura em gestão de recursos humanos e organização do trabalho, que frequentava no Instituto Superior de Línguas e Administração (10° e 11º). Revelam ainda os factos provados que, em Macau, o autor foi preso no dia 27 de Abril de 1988 pelo período de sessenta e seis dias, no âmbito de um processo-crime, tendo sido conduzido ao Estabelecimento Central de Macau e, posteriormente, ao Estabelecimento Prisional de Coloane, sito na Ilha de Coloane. Durante este período a ré visitou-o diariamente na prisão, levou-lhe almoço e jantar, tratou-lhe da roupa, fez contactos com advogados, com os jornalistas e com as pessoas ligadas ao processo, tentou obter-lhe um regime de detenção mais favorável, comprou-lhe alimentação e objectos pessoais, tentou obter autorização para que o autor pudesse ser acompanhado por médico particular durante a reclusão, tratou da filha e organizou a casa (factos 13º e 14º). Numa análise crítica dos factos provados, retiramos que a ré, além de abdicar da sua vida profissional e da sua formação académica para acompanhar o autor durante a sua estadia em Macau, onde lhes nasceu a filha, não só acompanhou dedicadamente o autor numa fase muito difícil da sua vida, visitando-o diariamente na prisão, procurando minorar-lhe os efeitos nefastos desta situação, desenvolvendo diligências junto de advogados e jornalistas, como cuidou da filha de tenra idade e da casa. Foi ainda confrontada com a doença bipolar diagnosticada à filha e com o consumo de estupefacientes pelo filho e consequente comportamento desviante, que conduziu o casal à difícil situação de denunciar o próprio filho e desencadear o respectivo processo tutelar educativo (factos 15º, 17º e 18º). Não se desvaloriza a circunstância de a ré ter saído do lar conjugal, em 1 de Janeiro de 2013, para viver com CC em comunhão de cama, mesa e habitação, e ter afirmado a amigos e conhecidos do separado casal que se encontrava apaixonada por aquele. E ainda que voltou à casa de morada de família em 29 de Abril de 2013, na qual o autor permanecera com os dois filhos do casal, já maiores e ainda estudantes (factos 3º a 7º e 23º). Este comportamento da ré ocorreu, porém, numa fase em que a relação matrimonial apresentava já sinais de desgaste e degradação bem evidenciados pela desautorização da ré pelo autor perante terceiros e pelas frequentes discussões familiares, mantidas em tom de voz audível pelos vizinhos, tendo, por diversas vezes, a ré reclamado a presença na casa de morada de família dos agentes da Polícia de Segurança Pública da Esquadra de ... (factos 19º e 20º). E não ofusca os cerca de 27 anos de comunhão conjugal vividos, a dedicação e entrega da ré ao autor num momento muito difícil da sua vida, aliás, traumatizante para aquela, e, bem assim, o enfrentamento dos problemas graves dos filhos do casal por ambos partilhados. A conduta da ré não pode ser valorada isoladamente, como entendeu a Relação no acórdão recorrido. O juízo de censura ético e moral implícito na apreciação feita, se contextualizado pela demais facticidade provada, deixa de assumir carácter “chocante” e integrador da “cláusula de equidade negativa” que conduziu ao afastamento do direito a alimentos. Aceitando que o efémero relacionamento que a ré manteve, cuja persistência depois do seu regresso à casa de família se não provou, terá, naturalmente, contribuído para o agravamento da relação conjugal já em declínio, entendemos que um juízo equitativo, que assenta na procura da solução mais justa para o caso concreto, não pode esquecer todo o passado comum dos cônjuges, na sua globalidade, e, porque assim consideramos, não se será iníquo reconhecer à ré o direito a alimentos. O direito a alimentos depende, porém, da verificação dos requisitos da necessidade do credor e da possibilidade do devedor, já atrás aflorados. No caso vertente, os factos provados revelam, neste âmbito, que, após o nascimento da filha do casal e da traumatizante situação vivida na sequência da prisão do autor, a ré passou a ser seguida por médico psiquiatra, “necessitando de permanente apoio terapêutico, quer medicamentoso, como psicológico pelo cariz de cronicidade da depressão”, tendo-lhe sido diagnosticada uma perturbação depressiva recorrente. Mostram ainda que a ré exercia as funções de secretária da direcção de serviços jurídicos da FF, desde Fevereiro de 1978 quando pediu licença sem vencimento e interrompeu a sua formação académica para acompanhar o autor a Macau e depois do seu regresso, em Novembro de 1989, voltou a trabalhar, passando a exercer as funções de escriturária principal do departamento de recursos humanos até Maio de 1997. Encontrava-se desempregada e a receber subsídio de desemprego no valor de € 486,30 e, tendo-se reformado entretanto, passou a auferir uma pensão mensal de € 346,16. Esta facticidade permite concluir pela necessidade de alimentos, não podendo contabilizar-se a circunstância de ser proprietária da casa onde reside, que foi a casa de morada de família, pois não é exigível que a aliene. Actualmente com mais de 55 anos, sem formação diferenciada e com diagnóstico de perturbação depressiva recorrente, a ré não apresenta nas actuais condições aptidão para se tornar economicamente auto-suficiente. Por sua vez, o autor recebeu da Rádio e Televisão de Portugal, S.A. (JJ), sua entidade patronal, € 25.000,00 a título de compensação pelo facto de ter sido obrigado a entregar o automóvel de serviço que lhe estava atribuído, e € 95.000,00, em 7 de Junho de 2013, a título de compensação no âmbito do acordo de rescisão do contrato de trabalho. Entre a data da apresentação do pedido de reforma antecipada e a passagem efectiva à situação de aposentado, em Julho de 2013, o autor continuou a receber da JJ o montante mensal de € 2.754,29, perfazendo, num total de 18 (dezoito) meses, € 49.577,22 (factos 28º e 29º). Encontra-se aposentado desde Julho de 2013 com a categoria profissional de quadro superior da JJ, sendo, desde então, abonado mensalmente pela Caixa Geral de Aposentações com uma pensão no montante de € 4.420,11. Tem pago todas as despesas referentes à casa de morada de família (impostos, empregada doméstica, água, luz, gás, telecomunicações), bem como a faculdade do filho. Dá mesada aos dois filhos (facto 30º). Perante este quadro factual, e outro se não provou, não restam dúvidas sobre as possibilidades económicas do autor. Ponderando a facticidade provada e os índices do critério da fixação do montante dos alimentos enunciados no nº 1 do artigo 2016º-A do Código Civil, nomeadamente, a duração do casamento, a idade e o estado de saúde da ré, as suas qualificações profissionais e possibilidades de emprego e, bem assim, os rendimentos e proventos dos ex-cônjuges, tem-se por equitativo atribuir à ré uma pensão de alimentos no valor de € 600,00, como foi decidido na sentença da 1ª instância. III. Decisão: Termos em que se acorda em conceder a revista e revogar o acórdão recorrido, repondo-se o decidido na sentença proferida na 1ª instância. Custas pelo recorrido. Lisboa, 3 de Março de 2016 Fernanda Isabel Pereira (Relatora) Pires da Rosa Maria dos Prazeres Beleza |