Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A3623
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: URBANO DIAS
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
EXECUÇÃO DE SENTENÇA
VENDA DE COISA DEFEITUOSA
LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO
Nº do Documento: SJ200611070036231
Data do Acordão: 11/07/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : Se, eventualmente, o produto vendido não obedece às qualidades que as partes previamente fixaram, estamos caídos no chamado cumprimento defeituoso por parte do vendedor. Mas não raras vezes acontece que o "mal" é de tal monta que desqualifica irremediavelmente a prestação e, então, já não é lícito falar em cumprimento defeituoso, mas sim em incumprimento com todas as suas consequências, ou seja, resolução pura e simples do contrato e direito a indemnização pelo interesse contratual negativo.

A verificar-se esta última hipótese, estamos caídos no regime geral do incumprimento.

Só a apreciação casuísta e objectiva permite concluir se o "mal" é de tal forma grave a ponto de deixar definitivamente de interessar ao credor.

No caso particular de venda de coisas genéricas acontece com frequência que a venda de coisa defeituosa pode constituir simultaneamente um caso de cumprimento defeituoso da obrigação ou de falta de qualidade de cumprimento da obrigação.

O art. 661º, nº 2 do CPC tanto se aplica ao caso do autor ter formulado inicialmente pedido genérico e não ter sido possível convertê-lo em pedido específico, como ao de ele ter logo formulado pedido específico, mas não se chegarem a coligir dados suficientes para fixar, com precisão e segurança, o objecto ou a quantidade da condenação, razão pela qual a dedução inicial do pedido líquido não obsta a que a sentença condene em quantia a liquidar em execução de sentença.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I -

"AA" intentou, no Tribunal Judicial das Caldas da Rainha, acção ordinária contra Empresa-A,
pedindo, com base na resolução de um contrato de compra e venda por incumprimento, o pagamento de 400.000$00 correspondente à parte do preço percebida por esta, e bem assim na indemnização de 2.959.000$00 e juros desde a citação pelos prejuízos sofridos em virtude do incumprimento.
Subsidiariamente, pediu a condenação da R. no pagamento daqueles valores em virtude de anulação do mesmo contrato.
Em suma, alegou ter comprado à R. vinte e oito mil bacelos ao preço unitário de 45$00, mas que os mesmos estavam infectados em termos que impediram o seu normal desenvolvimento e prejudicaram o rendimento da vinha.

A R. contestou a acção, pedindo a sua improcedência e, em reconvenção, pediu a condenação do A. no pagamento de 190.625$00, correspondente à parte do preço ainda não paga e respectivos juros.

Houve réplica e tréplica e o processo seguiu para julgamento, após o que a acção foi julgada parcialmente procedente e improcedente a reconvenção.

Entrementes, o A. faleceu e sucederam-lhe na acção seus filhos, BB e CC (cfr. apenso de habilitação de herdeiros).

Mediante apelação da R. a Relação de Lisboa decretou a anulação do julgamento e foi proferida nova sentença na qual a R. foi condenada a pagar ao A. 1.995,19 € e juros, para além do que se liquidar em execução de sentença até ao limite correspondente a 2.500.000$00 (12.943, 81 €).

Novamente inconformada com o julgado, recorreu a R. para o Tribunal da Relação de Lisboa, mas sem sucesso.

É a apreciação do mérito de tal acórdão que a R. põe, ora, à nossa consideração.
Para o efeito, fez juntar aos autos longas alegações que rematou com não menos dilatadas e até complexas "conclusões", em total transgressão com o disposto no art. 690º, nº 1 do CPC.
Lendo estas com a devida atenção e considerando que são eles que delimitam o objecto do recurso, eis que somos confrontados com as seguintes questões:

1ª - Deve ser alterada a matéria de facto?

2ª - O acórdão recorrido fez errado enquadramento jurídico da matéria de facto apurada?

3ª - É lícito relegar para liquidação o apuramento do montante indemnizatório, sendo que o A. não conseguiu fazer a prova do mesmo?

Contra-alegaram os AA., pugnado pela manutenção do acórdão da Relação de Lisboa.

II -

As instâncias apuraram os seguintes factos:

1. A R. vendeu ao A., no dia 22 de Fevereiro de 1993, vinte e oito mil bacelos, ou porta enxertos, R 99, ao preço unitário de 45$00 e num total de 1.323.000$00.

2. Recebendo a R., no acto da entrega, em 22 e Fevereiro de 1993, a quantia de 400.000$00.

3.Tendo sido acordado fazer-se o pagamento do restante preço durante o mês de Abril de 1993.

4. A R. dedica-se à comercialização de bacelos.

5. Em 4 de Março de 1993, o A. devolveu à R. 15.500 bacelos - não plantados - no valor de 732.375$00.

6. A R. não quis levantar os bacelos que tinham sido plantados.

7. No dia 19 de Março de 1993, o A. enviou à R. uma carta registada com aviso de recepção, recebida a 22 de Março.

8. A R., na publicitação à sua actividade, refere ser uma garantia para a qualidade da vinha.

9. Em 25 de Fevereiro de 1993, o A. foi alertado para a circunstância de alguns bacelos estarem infectados com a bactéria "Agrobacterium Tumefaciens".

10. Parte dos bacelos já tinham sido plantados.

11. O A. não se apercebeu, no momento da entrega dos bacelos que alguns destes estivessem infectados pela bactéria "Agrobacterium Tumefaciens".

12. O A. não é viveirista.

13. O A. contactou o representante da R. - Eng.° DD.

14. Os sintomas apresentados, por alguns dos bacelos, eram visíveis a olho nu.

15. Os bacelos tinham certificação de qualidade.

16. O A. continuou a ser alertado para a evidência dos bacelos estarem contaminados.

17. Tendo obtido confirmação para o facto por parte de vários técnicos.

18. Por isso arrancou os bacelos que já havia plantado.

19. A 13 de Maio de 1993, o A., através do seu filho a quem encarregou de tal, obteve a confirmação dos Serviços Oficiais - C.N.P.P.A. - de que os bacelos em apreço estavam contaminados pela bactéria "Agrobacterium Tumefaáens".

20. E ainda por um fungo "Cylindrocarpon sp".

21. Quer a bactéria quer o fungo afectam a qualidade do Bacelo.

22. Prejudicam o normal rendimento da vinha constituída.

23. É do conhecimento de qualquer viveirista ou agricultor de vinha que quer a bactéria, quer o fungo afectam a qualidade do Bacelo em termos de impedirem o seu normal desenvolvimento e prejudicam o normal rendimento da vinha assim constituída..

24. O A. teve despesas com a preparação do terreno correspondente a três hectares onde foram implantados bacelos.

25. Em montante não determinado.

26. O A., com a plantação dos bacelos, teve despesas em montante não determinado.
27. O A., com o arranque dos bacelos e desinfecção do terreno afectado pelos bacelos doentes, teve custos em montante não apurado.
28. O A., com viagens e telefonemas, teve despesas em montante não apurado.
29. A venda dos bacelos infectados e o seu arranque implicou atraso de um ano no desenvolvimento das vinhas do A..
30. Uma vez que a operação de plantação dos novos bacelos e o seu desenvolvimento só permitiu que se fizesse a sua enxertia no ano de 1995.
31. A vinha do A. situa-se em região demarcada do vinho do Porto.

32. O valor estimado de beneficio do Vinho do Porto - tendo em conta a média dos últimos cinco anos - corresponde a um preço não apurado, por pipa de 550 litros.

33. A produção normal de vinho sujeito ao regime de benefício do Vinho do Porto é de um montante não apurado de litros por hectare.

34. O bacelo infectado foi plantado numa área de três hectares.

35. Em 25 de Fevereiro de 1993, o A. reclamou, pelo telefone, junto da R., invocando que alguns dos bacelos poderiam estar infectados.

36. O representante da R. manifestou a sua estranheza perante a reclamação apresentada.

37. Porquanto o material provinha de um viveirista que lhe merecia toda a confiança.

38. Sendo todo o material produzido por aquele viveirista submetido ao controlo dos serviços competentes do C.N.P.P.A..

39. O A. e o sócio gerente da R. combinaram, no seguimento da reclamação daquele, logo um dia para este último proceder ao levantamento dos bacelos, de cuja qualidade o A. reclamara.

40. O sócio gerente da R. deslocou-se a Meda, em 4 de Março de 1993, e procedeu ao levantamento de 15.500 bacelos vendidos pela R..
41. Fê-lo sem verificar sequer se eram ou não verdadeiros os defeitos que os bacelos pretendidamente sofriam.
42. Os bacelos vendidos ao A. estavam certificados com a etiqueta dos serviços CO 3 oficiais do C.N.P.P.A..
43. A R. foi levantar os bacelos no dia 22 de Fevereiro de 1993 ao viveirista EE.
44. No dia 22 de Fevereiro de 1993, a R. vendeu - em Meda - a FF número não determinado de bacelos.

45. Os sintomas da "Agrobacterium Tumefaciens", podem confundir-se com a reacção dos bacelos a feridas de manuseamento.

46. Ou feridas por cortes de enxadas.

47. No seu processo de cicatrização criam tumores.
48. Na mesma ocasião em que o A. comprou bacelos à R., comprou uma partida de bacelos à Plancel.

49. Bacelos de cuja qualidade reclamou.

50. Em 4 de Março de 1993, encontravam-se nas instalações do A. uma partida de bacelos que comprou à Plancel.

51. O A., em finais de Maio de 1993, plantou três hectares de bacelos.

52. O que implica não poder o autor fazer o enxerto respectivo no ano seguinte.

53. Logo que a R. recebeu a carta de 19 de Março de 1993, o seu sócio gerente comunicou imediatamente ao A. que a R. não se sentia responsável por quaisquer prejuízos por aquele sofridos.

III -

Já nos referimos à delimitação do objecto do recurso a respeito das longas e complexas "conclusões" que a recorrente apresentou e nas quais se encerram apenas três questões.

As mesmas já foram objecto de cuidada e acertada apreciação no acórdão recorrido.

Repete-as, agora:

1ª - A alteração da matéria de facto.

2ª - O alegado errado enquadramento jurídico que as instâncias fizeram na apreciação da matéria de facto apurada.

3ª - A relativa à liquidação do montante indemnizatório pelos prejuízos sofridos e lucros cessantes.

Ora bem.

1ª Questão

Salta aos olhos, desde já, que a recorrente não bateu a porta certa com vista a obter a alteração da matéria de facto.

Com efeito, resulta dos arts. 722º, nº 1 729, nº2 do CPC que é às instâncias que cumpre apurar e fixar a factualidade relevante, competindo apenas ao STJ, a título residual, velar pela observância das regras de direito probatório material ou, excepcionalmente, mandar ampliar a matéria de facto.

Não convenceu a recorrente o Tribunal de 2ª instância na pretendida alteração da matéria de facto, aí que é a sede por excelência para tal, e, não estando a questão colocada na previsão das disposições legais citadas, resta-nos dizer que a mesma sai desfocada na sua apresentação.

Isso mesmo foi salientado pelos recorridos nas suas contra-alegações.

Improcede, dest’arte, o que ficou dito pela recorrente na sua 1ª questão.

Passemos à análise da 2ª.

Perante o quadro factual dado como provado, a Relação de Lisboa não teve dúvidas em aplicar ao caso o regime jurídico do incumprimento das obrigações com todas as consequências daí derivadas.

E, como assim, deu guarida à resolução do contrato defendida pelo A. e bem assim ao direito de indemnização pelo chamado interesse contratual negativo.

Para tanto, baseou-se no preceituado nos arts. 918º e 799º do CC.

Não está de acordo a recorrente.

Defende que ao caso não são aplicáveis os dispositivos legais referidos na medida em que "os bacelos vendidos tinham as qualidades asseguradas pela certificação" que foram as que ela garantiu e que " forneceu ao autor uma partida de bacelos que não tinham quaisquer organismos prejudiciais", sendo que "supunha legitimamente a boa qualidade dos bacelos vendidos".

Quando muito, a solução do caso deveria passar pela reparação ou substituição do objecto do contrato, tal como o prevê o art. 914º do CC, não havendo entre aqueles direitos razões de precedência, tal como acontece no contrato de empreitada.

E, como assim, há apenas lugar "à anulação do negócio com a consequente restituição quer do preço pago e dos bacelos entregues", devendo a acção ser improcedente e procedente a reconvenção.

Ora bem.

Está definitivamente assente que tanto a bactéria como o fungo encontrados nos bacelos afectam a qualidade dos mesmos e que prejudicam o normal rendimento da vinha constituída e que o A. teve prejuízos em consequência da infecção dos mesmos.

Mais ainda: o A. só deu conta dos vícios após a celebração da compra e venda.

Que solução para o caso?

Da celebração de qualquer contrato sinalagmático nascem, naturalmente, obrigações para cada um dos contraentes.

Pelo cumprimento, extinguem-se, naturalmente, as obrigações a que cada uma das partes se vinculou.

Pode acontecer que um das partes (ou até ambas) faltem ao cumprimento e, por via disso, não honrem ponto por ponto com o que ficou clausulado.

Várias são ou podem ser as consequências da falta de cumprimento das obrigações assumidas pelas partes: desde a sua irrelevância (cfr. nº 2 do art. 802º do CC) até à destruição total do contrato e subsequente direito a indemnização pelo chamado interesse contratual negativo (cfr. art. 801, nº 2 do CC.).

Por vezes, não ocorre o cumprimento definitivo da obrigação e nem por isso se pode falar, desde logo, em incumprimento.

Referimo-nos a determinadas patologias no desenvolvimento da acção para o cumprimento e que não permitem que este seja atingido ponto por ponto, tal como o art. 406º, nº 1 do CC obriga. Pensamos concretamente ao cumprimento defeituoso das obrigações, cuja regulamentação só aparece na nossa lei em relação a certos contratos - exemplos: compra e venda, empreitada, doação, locação e comodato.

Interessa-nos, em particular, a compra e venda.

Se, eventualmente, o produto vendido não obedece às qualidades que as partes previamente fixaram, estamos caídos no chamado cumprimento defeituoso por parte do vendedor.

Várias soluções são, então, apresentadas com vista a remediar o "mal", desde a reparação, à substituição, à redução do preço, a par do eventual direito a indemnização pelo interesse contratual positivo. A sua escolha não é arbitrária, qual direito absoluto do comprador, já que "sofre atenuantes" e "deve ser conforme com o princípio da boa fé" (vide, sobre este ponto concreto, Calvão da Silva, in Compra e Venda de Coisas Defeituosas - 2ª edição -, pág. 81)

Mas não raras vezes acontece que o "mal" é de tal monta que desqualifica irremediavelmente a prestação e, então, já não é lícito falar em cumprimento defeituoso, mas sim em incumprimento com todas as suas consequências, ou seja, resolução pura e simples do contrato e direito a indemnização pelo interesse contratual negativo.

Só a apreciação casuísta e objectiva permite concluir se o "mal" é de tal forma grave a ponto de deixar definitivamente de interessar ao credor.

E é este é o ponto critério decisivo, aplicável tanto às obrigações genéricas como às obrigações específicas.

Tanto num caso como no outro, se a prestação do devedor comprometer de forma fatal o fim a que estava adstrito, se poderá (e deverá) falar de incumprimento da obrigação com todas as consequências já referidas.

No caso particular de venda de coisas genéricas acontece com frequência que a venda de coisa defeituosa pode constituir simultaneamente um caso de cumprimento defeituoso da obrigação ou de falta de qualidade de cumprimento da obrigação.

Antunes Varela chama a atenção para esta possibilidade, dando um exemplo elucidativo: "se o fornecedor garante, por exemplo, que o sisal, o chá, o café por ele vendido tem determinadas qualidades, propriedades ou características, e a mercadoria vendida não possui, nem de perto nem de longe, as qualidades asseguradas, não haverá apenas venda de coisa defeituosa, no sentido que os arts. 913º e seguintes atribuem a essa figura; haverá ao mesmo tempo uma vicissitude mais grave, que é o cumprimento defeituoso da obrigação (ou a falta qualitativa de cumprimento da obrigação), previsto no art. 799º do Cód. Civil" (in Parecer publicado na C.J., Ano XII - Tomo IV -, pág. 21 e ss.).

Com isto queremos dizer que não podemos estar de acordo com a convocação que as instâncias fizeram do preceituado no art. 918º do CC. para encontrar a solução do problema que nos aflige.

O que o legislador pretendeu com o citado artigo foi esclarecer que, nos casos aí previstos, "encontram aplicação as regras gerais relativas à transferência da propriedade e do risco" (assim, Pedro Romano Martinez, in Direito das Obrigações - parte especial -, pág. 135, e in Cumprimento Defeituoso em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, pág. 226).

Isto mesmo é sublinhado por Pires de Lima e Antunes Varela no Código Civil Anotado, Volume I - 4ª edição -, pág. 219 e por Carneiro da Frada, in Perturbações Típicas do Contrato de Compra e Venda - Direito das Obrigações - 3º Volume, sob a orientação de António Meneses Cordeiro, pág. 82).

Mas isso não significa que estamos em desacordo com a decisão, mas apenas com a fundamentação.

É que, in casu, os defeitos são de tal monta e ordem que nos obrigam a concluir pelo incumprimento puro e simples da obrigação a que a R. se obrigou perante o A..

Na verdade, os bacelos tinham certificado de qualidade, mas, apesar disso, estavam infectados por bactérias e fungos que afectavam a sua qualidade e prejudicavam até o rendimento da vinha constituída.

E, assim, estamos caídos no regime geral do incumprimento.

É, aliás, sabido que certas infecções de porta enxertos acarretam prejuízos irremediáveis até para a própria exploração agrícola a que os mesmos se destinam, comprometendo, de modo definitivo o fim visado pelo credor, não só na área da vinicultura como em qualquer exploração.

Face à denúncia dos defeitos dos bacelos por parte do A., os quais comprometeram o fim a que se destinavam, cumpria à R. a prova de que não tinha procedido com culpa, atenta a presunção do nº 1 do art. 799º do CC.

In casu, o A. denunciou os defeitos da mercadoria. Pesava, pois, sobre a R. o ónus de prova de que não procedeu com culpa; porém, ela não conseguiu ilidir a presunção.

Como assim, assiste ao A. o direito à resolução do contrato e a peticionar uma indemnização pelo interesse contratual negativo.

E tudo isto com apoio nos arts. 801, 799º e 798º do CC.

Perante o quadro factual definitivamente assente, só uma conclusão poderemos tirar, qual seja a de que a Relação, confirmando o julgado da 1ª instância, chegou a uma solução correcta mui embora por caminhos que não são os certeiros.

Está, deste modo, demonstrada a sem razão da recorrente no que tange à fixação da indemnização devida ao A. em consequência da resolução do contrato por incumprimento da R. e, ainda, no que diz respeito ao por ela reclamado em sede reconvencional e negado pelas instâncias.

Finalmente, tratemos da 3ª questão.

O A. pediu a condenação da R. no pagamento de 400.000$00 relativos à parte do preço recebida, por força da resolução do contrato (arts. 343º e 289º, nº1 do CC) e 2.595.000$00 e juros a título de indemnização devida pelo chamado interesse contratual negativo, nele englobando não só os danos emergentes mas também os lucros cessantes.

Ficou provado que o A. sofreu os danos, mas não já o seu quantum.

Ora, a questão em apreciação é tão-somente esta: perante o fracasso de prova no que tange ao montante dos danos, deve o tribunal absolver pura e simplesmente a R. ou, antes, relegar para que o mesmo seja apurado em incidente de liquidação, com base no nº 2 do art. 378º do CPC?

Na sentença o Mº juiz de Círculo das Caldas da Rainha optou por seguir o segundo dos caminhos referidos e relegou para liquidação em execução a decisão sobre o montante dos danos alegados: "Que o autor teve prejuízos basta proceder-se à leitura dos factos enunciados sob os nºs 24 a 28, verificando-se o mesmo com referência aos benefícios que deixou de auferir por virtude da lesão (factos 29, 30, 31 a 33). Todavia, da leitura desta mesma factualidade resulta que o autor não logrou fazer a prova quanto ao seu montante, razão pela qual não pode o tribunal deixar de os relegar para liquidação em execução de sentença".

O acórdão sob censura, dando conta da controvérsia jurisprudencial que, ao longo dos tempos, se vem gerando sobre este ponto concreto, não deixou de, apoiando-se em jurisconsultos como Alberto dos Reis e Rodrigues Bastos, e na mais recente jurisprudência deste STJ, dar guarida à orientação consagrada na sentença, à míngua de elementos para poder quantificar os danos verdadeiros sofridos pelo A., e acabou por rematar a sua argumentação, dizendo que "...em sede de liquidação há mecanismos (como é o caso da indagação oficiosa, com recurso, designadamente à prova pericial) para, em última instância, fixar a quantia devida (vide art. 807º, nº 3 do CPC, na versão anterior ao DL 38/2003 de 08/03, e actual nº 4 do art. 380º do CPC)".

A verdade é esta: a resolução da questão não é fácil.

Mas o STJ, e sobretudo a sua Secção Social (onde o problema se põe com particular acuidade e frequência), tem vindo ultimamente a seguir os trilhos aqui percorridos pelas instâncias e de uma maneira uniforme.

Mas também a 7ª Secção Cível pela pena do ilustre Conselheiro que foi Araújo Barros, sentenciou que "o art. 661º, nº 2 do CPC tanto se aplica ao caso do autor ter formulado inicialmente pedido genérico e não ter sido possível convertê-lo em pedido específico, como ao de ele ter logo formulado pedido específico, mas não se chegarem a coligir dados suficientes para fixar, com precisão e segurança, o objecto ou a quantidade da condenação, razão pela qual a dedução inicial do pedido líquido não obsta a que a sentença condene em quantia a liquidar em execução de sentença" (acórdão de 04 de Dezembro de 2003, proferido no processo 2667/03, citado, aliás no aresto recorrido).

Sopesadas as razões à luz de uma verdadeira Justiça material - ao cabo e ao resto, se assim não for premeia-se o que alega ab initio pedido genérico e castiga-se o que invoca, desde logo, um pedido específico -, acabamos por aderir à tese que vem sendo ultimamente acolhida neste STJ.

As instâncias decidiram em conformidade com a orientação que vem sendo seguida por este Supremo.

Também neste ponto, pelas razões referidas, entendemos que a decisão impugnada não merece qualquer censura.

Improcede na totalidade a tese que a recorrente trouxe à nossa consideração.

Apenas uma pequena nótula.

A acção entrou em juízo em 1993. Só nesta data fica definitivamente resolvida. Compreende-se, pois, o desabafo (correcto e justo) dos AA.-recorridos ( cfr. fls. 801).

Bom seria que também se desse conta que o processo entrou neste STJ em fins de Setembro de 2006.

IV -

Decisão

Nega-se a revista e condena-se a recorrente nas respectivas custas.

Lisboa, 7 de Novembro de 2006

Urbano Dias

Paulo Sá

Borges Soeiro