Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
61/17.3YFLSB
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: HABEAS CORPUS
PRISÃO ILEGAL
PENA DE PRISÃO
ESTABELECIMENTO PRISIONAL
TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DAS PENAS
LIQUIDAÇÃO DA PENA
TRÂNSITO EM JULGADO
CUMPRIMENTO DE PENA
Apenso:
Data do Acordão: 08/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual:  HABEAS CORPUS
Decisão: INDEFERIDO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL –MEDIDAS DE COACÇÃO E DE GARANTIA PATRIMONIAL / MEDIDAS DE COACÇÃO / MODOS DE IMPUGNAÇÃO – EXECUÇÕES / EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO.
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / LIBERDADE CONDICIONAL.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 222.º, N.º 2, 467.º, 468.º, 473.º, 474.º, 479.º E 480.º, N.º 1.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 61.º E 62.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 27.º, N.º 1.
CÓDIGO DA EXECUÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DA LIBERDADE (CEPMPL), APROVADO PELA LEI N.º 115/2009, DE 12 DE OUTUBRO: - ARTIGOS 116.º, 117.º, 118.º, 120.º, N.º 1 E 217.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- PROCESSO N.º 4824/06;
- DE 24-10-2007, PROCESSO N.º 3976/07;
- DE 04-02-2009, PROCESSO N.º 325/09.
Sumário :
I - A providência de habeas corpus visa reagir, de modo imediato e urgente, contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção de uma prisão manifestamente ilegal, ilegalidade essa que se deve configurar como violação directa, imediata, patente e grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação. Atento o carácter extraordinário da providência, para que se desencadeie exame da situação de detenção ou prisão em sede de habeas corpus, há que deparar com abuso de poder, consubstanciador de atentado ilegítimo à liberdade individual – grave, grosseiro e rapidamente verificável – integrando uma das hipóteses previstas no art. 222.º, n.º 2, do CPP.

II - A questão suscitada pelo requerente inscreve-se na modificação da execução da pena de prisão (cfr arts. 118.º e 120.º do CEPMPL). Tal questão não é fundamento legal de habeas corpus como também o não é aquilatar das condições materiais do EP para cumprimento de pena, ou das consequências perniciosas, advindas das alegadas greves dos guardas prisionais, para os benefícios dos reclusos. A salvaguarda de direitos e meios de tutela dos reclusos são assegurados pelo art. 116.º «direito de reclamação, petição, queixa e exposição».

III - A pena de prisão em cujo cumprimento o requerente se encontra resulta de decisão judicial válida e exequível e tem força executiva em todo o território nacional (arts. 467.º e 468.º, ambos do CPP). A contagem da pena não se encontra impugnada tendo o despacho que a homologou transitado em julgado. Não tendo decorrido o prazo de cumprimento da pena, em que o requerente actualmente se encontra, nem tão pouco decorrido o prazo de 5/6 da referida pena (arts. 61.º e segs., do CP), não se encontra o condenado em situação de prisão ilegal.

Decisão Texto Integral:

 

 

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       Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

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No processo com o nº 96/07.4TAPDL , da Comarca ..., em petição manuscrita, por si  subscrita,“AA, ... do Conselho Regional ..., cc 6638627 cidadão nacional, natural da ..., desde 14/07/2016, à ordem do Proc 96/07.4T1PDL Instância Criminal ..., vem requerer nos termos do disposto na al. c) do n.º 2 do art.º 222 do Código do Processo Penal

Providência de Habeas Corpus

O que faz, com os seguintes fundamento e razões:

1 – O requerente encontra-se preso no E.P. de ..., desde 14/07/2016, para cumprimento de pena de (6) seis anos de prisão, pela prática de crimes de burla, abuso de confiança e falsificação de documentos, à ordem do proc. 96/07.4 TRPDL Instância Criminal ... - Comarca ...

2 – À parte da profunda injustiça que significa a referida condenação, em manifesta contradição com o entendimento do antigo e Ilustre Professor do Direito Penal do ora requerente na Universidade de Coimbra, Sr. Professor Manuel da Costa Andrade – atualmente Presidente do Tribunal Constitucional – plasmado em Pareceres e Apostilas, junto nos autos principais – dos quis se requer a junção oficiosamente na presente providencia - O requerente, desde que se encontra neste Estabelecimento Prisional nunca beneficiou de uma cela totalmente individual, manteve-se pelo menos (10) dez meses em celas amontoadas de reclusos – por vezes (30) trinta reclusos num espaço exíguo em condições verdadeiramente sub-humanas, quase comparável às condições em que se encontravam alojados os presos políticos em Portugal em Caxias durante a ditadura.

3 – Em manifesta violação, da lei nomeadamente do CEPMPL, Art.º 26 (1) (3) e (4) bem como da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 10/12/1948 e da Lei fundamental (C.R.P.) – Art.º 25 (2).

4 – Atentas as condições materiais profundamente degradantes, e humilhantes em que se encontra alojado o requerente neste E.P., e não pretendendo o requerente ser hospedado fora em Estabelecimento Prisional, no exterior desta ilha, de onde é natural, onde sempre residiu, tem a sua família e amigos que só contribuem para a sua reinserção social, familiar e profissional, o mesmo requereu ao Tribunal de Execução de Penas de Lisboa Proc. 1495/16.6TXLSB- cfr. Doc. 1 junto, a sua colocação em prisão domiciliária enquanto não existisse uma cela individual disponível neste E.P. para o requerente, bem como este E. P., não reunisse, as condições materiais mínimas que permitia ao requerente cumprir pena com toda a dignidade – e sem sacrifícios acrescidos, que violam a restrição  do excesso – Art.º 18. 2 (C.R.P.).

5 – E fê-lo, requerendo uma interpretação extensiva do disposto no Art. 118º do CEPMPL.

6 – Porém a pretensão do requerente foi recusada pelo TEP- cfr.- Doc. 1 junto.

7 – Não se conformando com a referida recusa da mesma o requerente interpôs recurso para o Tribunal da Releção de Lisboa.

8 – Recurso que não foi admitido pelo TEP.

9 – No qual o requerente reclamou para Tribunal da Relação de Lisboa.

10 – Que também indeferiu a referida reclamação, pelos fundamentos constantes do Doc. 1 junto.

11 – Que fazer senão – salvo o devido respeito- senão intentar como se intenta a presente Providencia de Habeas Corpus, já que por força do disposto no n.º 4 do Art.º 405.º do C.P.P. aquela decisão do T.R.L., é definitiva?

12 – O requerente tem 52 anos de idade e exerceu a advocacia, durante 23 anos e não abdica do direito que lhe assiste de cumprir pena nesta ilha, num E.P., que reúna todas as condições de dignidade.

13 – Para além das condições materiais sub-humanas deste E.P., serem por demais conhecidas, do Governo da Republica, de Sua Exa. o Sr. Provedor de Justiça e do requerente das mesmos já  dado conhecimento a sua Exa. o Sr. Primeiro-Ministro cfr. Doc. 2 junto a Sua Ex.ª a Sra. Ministra da Justiça, e a Sua Exa. o Sr. Diretor Geral dos Serviços Prisionais, Doc. 3 certo é que tudo permanece na mesma não sendo expectável, que um novo E.P. fosse existir nesta ilha, num prazo inferior a (5) cinco anos.

14 – Manter o requerente neste E.P, constitui – para além da violação das disposições legais acima citadas, um abuso de poder do Estado em manifesta violação do disposto no n.º 1 do Art.º 31 da C.R.P..

15 – E sem fim à vista.

16 – Dado que e cfr. melhor se afere, pela análise do Proc. 1495/16.6TXLSB, TEP transfere a responsabilidade de construção de um novo EP., nesta ilha, para poder politico que por sua vez, ignora os apelos do requerente.

17 – E sendo o requerente alheio a todo o acima referido, o mesmo permanece neste E.P.

18 – Não podendo fazer manifestações em frente ao Parlamento Nacional, nem à porta da residência oficial de Sua Exa. o Sr. Primeiro-ministro, porque se encontrar preso.

19 – Encontrando-se num E.P., sem condições materiais e sem uma cela individual para além do prazo razoável fixado na lei – Art.º 26 (3) do C.E.P.M.P.L. em manifesta violação do disposto no n.º 4 do Art.º 26 C.E.P.M.P.L.

20 – Tudo isto nuns pais em que já decorreram (43 anos, após o 25 Abril de 1974, que é supostamente um Estado de Direito e que um cidadão nacional ocupa o cargo de Secretário- geral das Nações Unidas.

21 – Salvo o devido respeito –

- os magistrados podem fazer greves

- os oficiais de justiça podem fazer greves

- As forças de segurança podem fazer greves

- os guardas prisionais podem fazer greves

Os técnicos do serviço social podem fazer greves

22 – Com as consequentes paralisações dos serviços

22 – E tem todos sindicatos.

23 – Mas o requerente, não tem nenhum sindicato dos reclusos, e não pode fazer greves e manifestações dos reclusos.

24 – O direito não é a Justiça

25 – Consequentemente, atentas as condições materiais existente neste Estabelecimento Prisional, não poderá, nem pode nem deverá o Tribunal de Execução de Penas efetuar uma interpretação literal do disposto no Art.º 118 CEPMPL – cfr. consta no Doc. 1 junto, não concedendo sequer a possibilidade do requerente, manter-se em Prisão domiciliária enquanto não existisse nesta ilha um Estabelecimento prisional, que reunisse todas as condições materiais, para o requerente cumprir pena com toda a dignidade.

26 - Tal como acontece em muitos outros países, especialmente, quando o recluso, atento a sua personalidade, não representa qualquer perigo para a sociedade, e a colocação do mesmo em Prisão domiciliária não representa, nenhum alarme social e os supostos crimes praticados, ocorreram à muitos anos- mais de (10) dez anos.

27 – Quando o Estado se demite das suas mais elementares obrigações  para com os seus nacionais, nomeadamente um cidadão recluso, a – única defesa que resta e este cidadão –mormente requerente in casu – é recorrer aos Tribunais que são independentes do Estado.

28 – Pelo que - salvo melhor entendimento o requerente encontra-se indiscutivelmente legitimado, a recorrer ao Supremo Tribunal de Justiça, requerendo como faz, seja ordenada a sua libertação imediata ou a sua colocação em prisão domiciliária enquanto não existir um novo Estabelecimento Prisional nesta ilha, que reúna todas as condições materiais para cumprir pena de prisão, em total conformidade com as disposições  legais acima referidas nomeadamente, do Código de Execução de Penas, da Lei fundamental e da Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Justiça


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            Posteriormente apresentou aditamento do seguinte teor:

     “AA, ..., já melhor identificado na Providencia de Habeas Corpus, datada de 28 de julho de 2017 vem juntar o seguinte ADITAMENTO à referida Providência.

1 – Na referida providência de Habeas Corpus contém os motivos e fundamentos, pelos quais o requerente, pretende seja ordenada a sua libertação, em caso assim não se entenda a sua colocação em prisão domiciliária.

2 -  E para além daqueles motivos, cumpre referir, que e por foça das greves quase mensais dos guardas prisionais neste estabelecimento prisional, a reclusão do requerente espera que que já fosse suficiente a falta de condições materiais deste E.P. comporta um sacrifício acrescido, em manifestas delongas do disposto no Art.º 18 (2) da C.R.P..

3 – Com efeito e durante o período de greve dos guardas prisionais, neste E.P. o requerente, vê reduzidos o tempo de recreio, que é de 3H30M diários (sem greve) e passa para 2H diárias, durante a greve.
4 – As visitas de familiares e amigos também são suspensas nos dias que coincidem com o período de greve dos guardas prisionais.

5 – O bar do E.P., também fica encerrado durante o período da greve.

6 – E os telefonemas para o exterior (salvo casos urgentes), sem como enviar correspondência e receção da mesma pelo requerente ficam suspensos durante o período da greve dos guardas prisionais.

7 – Ora, o requerente, em nada é compensado posteriormente à greve, pela compensação dos seu direitos, durante o período da greve dos guardas prisionais ( que não são raros mas sim muito frequentes); greve que refira-se comporta sacrifícios acrescidos para o requerente que não e que não pode em nada – absolutamente nada – ser sacrificado mais que já é  - decorrente das referidas greves, e para as quais não deu qualquer azo.

8 – Um recluso já se encontra extremamente fragilizado, e ninguém tem o direito de sacrificar ainda mais, quem já se encontra tão sacrificado e bastante fragilizado.

9 – Ora, em prisão domiciliária, o requerente já não tem sacrifício acrescido, pode suportar  ?? das greves dos guardas prisionais, facto que o TEP, não levou em linha de conta, ao apreciar a pretensão do requerente de colocação em prisão domiciliária, bem sabendo que as referidas greves dos guardas prisionais irão manter-se frequentemente.

10 – Pelo que vai acima exposto – com todo o respeito e salvo melhor entendimento de V. Exa., o requerente vem reforçar a Providência de Habeas Corpus, com o presente aditamento.


Justiça

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Foi prestada a informação a que alude o artigo 223º nº 1 do Código de Processo Penal, donde consta que “o Sr. Dr. AA foi detido para cumprimento de pena de seis anos de prisão, uma vez transitado em julgado, a 27/06/2016, o respectivo  acórdão condenatório.

A referida detenção foi efectuada no dia 14/07/2016 e na decorrência do determinado através de despacho proferido na mesma data. Ora, sempre salvo melhor e Superior análise, realço que do consignado no respectivo mandado de detenção nada consta que levante dúvidas e/ou objecções.

Desde o dia 14/07/2016 que o Sr. or. AA se mantém em cumprimento de pena; sendo que a liquidação da mesma foi homologada através de despacho proferido a 28/07/2016.

Para melhor compreensão do exposto, envie-se ao Supremo Tribunal de Justiça cópias de fls. 2631-2633, 2642-2642 verso, 2643 e 2679.

Notifique, pelas vias mais céleres.”


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    Remetida a presente providência ao Supremo Tribunal de Justiça, convocou-se a Secção Criminal, e efectuadas as devidas notificações, realizou-se a audiência pública, nos termos legais.

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A Secção Criminal reuniu seguidamente para deliberação, a qual imediatamente se torna pública:


O artigo 31º da Constituição da República Portuguesa, integrante do título II (Direitos, Liberdades e Garantias) e capítulo I (Direitos, liberdades e garantias pessoais), determina que:

 1. Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.

2. A providência do habeas corpus pode ser requerida pelo próprio ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos.

3. O juiz decidirá no prazo de oito dias o pedido de habeas corpus  em audiência contraditória.

A previsão e, precisão, da providência, como garantia constitucional, não exclui, porém, o seu carácter extraordinário, vocacionado para casos graves, anómalos, de privação de liberdade, de fundamento constitucionalmente delimitado. que se traduzam em abuso de poder, ou por serem ofensas sem lei ou por serem grosseiramente contra a lei, não constituindo no sistema nacional um recurso dos recursos e muito menos um recurso contra os recursos.

Tal não significa que a providência deva ser concebida, como frequentemente o foi, como só podendo ser usada contra a ilegalidade da prisão quando não possa reagir-se contra essa situação de outro modo, designadamente por via dos recursos ordinários (cf. Ac.do STJ de 29-05-02, Proc. n.º 2090/02 -3.ª Secção, onde se explana desenvolvidamente essa tese).

Com efeito, a natureza extraordinária da providência não se refere à sua subsidiariedade em relação aos meios de impugnação ordinários das decisões judiciais, mas antes e apenas à circunstância de se tratar de «providência vocacionada a responder a situações de gravidade extrema, com uma celeridade incompatível com a prévia exaustação dos recursos ordinários e com a sua própria tramitação.

A providência visa, pois, reagir, de modo imediato e urgente, contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção de uma prisão manifestamente ilegal, ilegalidade essa que se deve configurar como violação directa, imediata, patente e grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação.

Atento o carácter extraordinário da providência, para que se desencadeie exame da situação de detenção ou prisão em sede de habeas corpus, há que se deparar com abuso de poder, consubstanciador de atentado ilegítimo à liberdade individual – grave, grosseiro e rapidamente verificável – integrando uma das hipóteses previstas no artigo 222º nº 2, do Código de Processo Penal (acórdão do Tribunal Constitucional de 24 de Setembro de 2003 in proc. nº 571/03)

Em suma:

A previsão -  e precisão - da providência, como garantia constitucional, não exclui, porém, a sua natureza específica, vocacionada para casos graves, anómalos, de privação de liberdade, como remédio de urgência perante ofensas graves à liberdade, traduzidas em abuso de poder, ou por serem ofensas sine lege ou, grosseiramente contra legem, traduzidas em violação directa, imediata, patente e grosseira dos pressupostos e das condições da aplicação da prisão, que se apresente como abuso de poder, concretizado em atentado ilegítimo à liberdade individual – grave, grosseiro e rapidamente verificável.


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O artigo 222º do Código de Processo Penal, que se refere ao habeas corpus em virtude de prisão ilegal, estabelece:

 1. A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa, o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus.
2. A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e, deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de:

a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial;


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O que tudo visto:

Como é liminarmente evidente, da petição e aditamento apresentados pelo requerente da presente providência, não é invocado qualquer dos fundamentos permitidos pelas diversas alíneas do nº2, do artº 222º, do CPP,

O peticionante limita-se a insurgir contra as condições do Estabelecimento Prisional em que cumpre a pena, e consequentemente conclui que “salvo melhor entendimento o requerente encontra-se indiscutivelmente legitimado, a recorrer ao Supremo Tribunal de Justiça, requerendo como faz, seja ordenada a sua libertação imediata ou a sua colocação em prisão domiciliária enquanto não existir um novo Estabelecimento Prisional nesta ilha, que reúna todas as condições materiais para cumprir pena de prisão, em total conformidade com as disposições  legais acima referidas nomeadamente, do Código de Execução de Penas, da Lei fundamental e da Declaração Universal dos Direitos do Homem.”

E, no aditamento à petição alude a prejuízos decorrentes de greve dos guardas prisionais,  “facto que o TEP, não levou em linha de conta, ao apreciar a pretensão do requerente de colocação em prisão domiciliária, bem sabendo que as referidas greves dos guardas prisionais irão manter-se frequentemente.”

A questão suscitada pode inscrever-se na modificação da execução da pena de prisão, em que conforme Artigo 120.º do CÓDIGO DA EXECUÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DA LIBERDADE – (CEPMPL):

1 - A modificação da execução da pena reveste as seguintes modalidades:

a) Internamento do condenado em estabelecimentos de saúde ou de acolhimento adequados; ou

b) Regime de permanência na habitação.

2 - O tribunal pode, se entender necessário, decidir-se pela fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, com base em parecer médico e dos serviços de reinserção social.

3 - O tempo de duração do internamento ou do regime de permanência em habitação é considerado tempo de execução da pena, nomeadamente para efeitos de liberdade condicional.

4 - As modalidades referidas no n.º 1 podem ser:

a) Substituídas uma pela outra;

b) Revogadas, quando o condenado infrinja grosseira ou repetidamente deveres resultantes da modificação da execução da pena, cometa crime pelo qual venha a ser condenado ou se verifique uma alteração substancial dos pressupostos da sua aplicação, e se revele inadequada ou impossível a medida prevista na alínea anterior.

5 - Para os efeitos previstos no número anterior, o tribunal solicita anualmente às entidades de saúde competentes a actualização do parecer previsto na alínea aplicável do n.º 2 do artigo 217.º-

Porém, “esta modificação prevista no Título XV da Lei n.º 115/2009, de 12 de Outubro (o CÓDIGO DA EXECUÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DA LIBERDADE - CEPMPL) apenas é possível para reclusos portadores de doença grave, evolutiva e irreversível ou de deficiência grave e permanente ou de idade avançada, pois como refere o Artigo 118.ºsobre os Beneficiários “Pode beneficiar de modificação da execução da pena, quando a tal se não oponham fortes exigências de prevenção ou de ordem e paz social, o recluso condenado que:

a) Se encontre gravemente doente com patologia evolutiva e irreversível e já não responda às terapêuticas disponíveis;

b) Seja portador de grave deficiência ou doença irreversível que, de modo permanente, obrigue à dependência de terceira pessoa e se mostre incompatível com a normal manutenção em meio prisional; ou

c) Tenha idade igual ou superior a 70 anos e o seu estado de saúde, física ou psíquica, ou de autonomia se mostre incompatível com a normal manutenção em meio prisional ou afecte a sua capacidade para entender o sentido da execução da pena.”

Mas  não é uma questão de fundamento legal de habeas corpus, como também o não é aquilatar das condições materiais do Estabelecimento Prisional para cumprimento de pena., ou das consequências perniciosas, advindas das alegadas greves dos guardas prisionais, para os benefícios dos reclusos.

Aliás, a salvaguarda de direitos e meios de tutela dos reclusos são assegurados pelo Título XIV do mesmo diploma, cujo Artigo 116.º, refere:

Direito de reclamação, petição, queixa e exposição

1 - O recluso tem direito a apresentar, por escrito, individual ou colectivamente, reclamações, petições, queixas e exposições relativas à execução das medidas privativas da liberdade para defesa dos seus direitos.

2 - As reclamações, petições, queixas e exposições podem ser dirigidas ao director do estabelecimento prisional, que:

a) Recorre à mediação, para alcançar soluções consensuais;

b) Se pronuncia sobre as reclamações, petições, queixas e exposições que lhe são dirigidas, no prazo máximo de 30 dias; ou

c) As envia de imediato às entidades ou organismos competentes, dando conhecimento ao recluso.

3 - As reclamações, petições, queixas e exposições podem também ser dirigidas ao director-geral dos Serviços Prisionais e ao Serviço de Auditoria e Inspecção da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais.

4 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o recluso pode igualmente apresentar petições, queixas e exposições aos órgãos de soberania e a outras entidades, designadamente à Inspecção-Geral dos Serviços de Justiça, ao Provedor de Justiça, à Ordem dos Advogados, ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, ao Comité Europeu para a Prevenção da Tortura e ao Comité contra a Tortura da Organização das Nações Unidas.

5 - O Regulamento Geral concretiza as condições de exercício dos direitos referidos nos números anteriores.

            Sendo que, de harmonia com o Artigo 117.º do mesmo diploma legal penitenciário, contemplando o Direito à informação jurídica esclarece que

1 - O estabelecimento prisional disponibiliza ao recluso informação jurídica escrita, designadamente legislação e doutrina penais e penitenciárias, o Regulamento Geral e convenções internacionais aplicáveis.


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A providência do habeas corpus como providência extraordinária que é, não se destina a sindicar as decisões judiciais sobre os crimes verificados e as penas aplicadas, nomeadamente a pena conjunta, nem sobre os pressupostos desta, ou sobre incidentes no cumprimento da pena.

Como remotamente já decidiam os acórdãos deste Supremo e desta Secção, de 24 de Outubro de 2007, proc. 3976/07, e de 4 de Fevereiro de 2009, proferido nos autos 325/09,). - O habeas corpus não se destina a formular juízos de mérito sobre as decisões judiciais determinantes da privação de liberdade, ou a sindicar nulidades ou irregularidades nessas decisões – para isso servem os recursos ordinários - mas tão só a verificar, de forma expedita, se os pressupostos de qualquer prisão constituem patologia desviante (abuso de poder ou, erro grosseiro) enquadrável no disposto das três alíneas do nº 2 do artº 222ºdo CPP.,

Com efeito, um acto processual destinado a produzir efeitos jurídicos no processo, sem prejuízo da discussão e decisão que aí possa suscitar e, do direito ao recurso, quando admissível, só pode, porém, desencadear a providência extraordinária, de habeas corpus, se gerar consequência que integre um dos pressupostos constantes do artigo 222º nº 2 do Código de Processo Penal.

O habeas corpus, é assim e, apenas, um meio extraordinário de controlo da legalidade actual da prisão, estritamente vinculado aos pressupostos e limites determinados pela lei.


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O Código de Processo Penal no título II do Livro X, trata da execução da pena de prisão.

Ao Ministério Público compete promover a execução das penas e ao tribunal competente para a execução decidir as questões relativas à execução das penas e medidas de segurança e à extinção da responsabilidade, conforme artº 473º e 474º do CPP..

O requerente encontra-se em cumprimento de pena de prisão.

Parafraseando o Acórdão deste Supremo, em providência de habeas corpus, in proc. 4824/06 – 5ª Secção, o habeas corpus não incide sobre penas virtuais ou hipotéticas, só se aplica a situações reais e actuais de prisão ilegal.


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A Constituição Política da República Portuguesa no artº 27º nº 1, permite a privação da liberdade, entre outras situações, “em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.”

A pena de prisão em cujo cumprimento o ora peticionante se encontra resulta de decisão válida e exequível e tem força executiva em todo o território nacional (artºs 467º e 468º do CPP).

“Os presos são libertados por mandado do juiz, no termo do cumprimento da pena de prisão ou para início do período de liberdade condicional.”- artº 480º nº 1 do CPP.

A contagem da pena de prisão obedece ao disposto no artº 479º do CPP.

A liquidação da pena não foi impugnada, tendo o despacho que a homologou transitado em julgado.

Dela resulta que nos referidos autos, por acórdão transitado em julgado, o arguido AA foi condenado na pena de 6 (seis) anos de prisão.

Não existe período a desconto para. efeitos do disposto no artº 80°, do Código Penal.

O arguido foi detido no dia 14/7/2016 para cumprimento de pena.

- O meio da pena ocorrerá no dia 14 de Julho de 2019;

- Os dois terços da pena ocorrerão no dia 14 de Julho de 2020;

- Os cinco sextos da pena ocorrerão no dia14 de Julho de 2021;

- O termo da pena ocorrerá no dia 14 de Julho de 2022.

Pata efeitos do disposto no a1't. 62°, do Código Penal, o período máximo para eventual antecipação da liberdade condicional ocorrerá no dia 14/7/2018.

Uma vez que o requerente foi detido para cumprimento de pena de seis anos de prisão, uma vez transitado em julgado, a 27/06/2016, o respectivo acórdão condenatório, e tendo a sua  detenção ocorrido no dia 14/07/2016, é evidente que não decorreu ainda o referido prazo.

Não tendo decorrido o prazo de cumprimento da pena, em que o requerente actualmente se encontra não pode assim ser restituído à liberdade, porque se encontra preso, por ordem judicial, em cumprimento da pena supra referida, em que foi condenado, não tendo ainda decorrido os 5/6 da pena.

     

Pelo exposto, sendo a prisão do peticionante ordenada por entidade competente, (a autoridade judiciária), por facto pelo qual a lei permite (cumprimento da pena de prisão em consequência de ilícitos criminais cometidos pelo condenado)) e mantendo-se a prisão dentro do prazo máximo da duração da pena, não se encontra o condenado em situação de prisão ilegal, não se prefigurando a existência dos pressupostos de concessão da providência extraordinária de habeas corpus, mormente o invocado pelo requerente, sendo manifestamente impertinentes para efeitos da providência de habeas corpus as circunstâncias alegadas pelo peticionante, por não constituírem fundamento legal de habeas corpus, e que, por isso, tornam a presente petição manifestamente infundada.


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Termos em que, decidindo:

Acordam os deste Supremo – 3ª Secção -, em indeferir a petição de habeas corpus apresentada pelo condenado Dr. AA, por manifestamente infundada.

Tributam o recorrente em 3 Ucs de taxa de justiça

Mais o condenam no pagamento de 6 Ucs nos termos do disposto no artº 223º nº 6, do CPP.

Supremo Tribunal de Justiça, 9 de Agosto de 2017

                                               Elaborado e revisto pelo relator

                                               Pires da Graça

                                               Manuel Augusto de Matos

                                               Gonçalves Rocha