Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
197/14.2YHLSB.L1.S2
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SOUSA LAMEIRA
Descritores: PROPRIEDADE INTELECTUAL
DIREITOS DE AUTOR
TELEVISÃO
ESTABELECIMENTO HOTELEIRO
ÓNUS DA PROVA
TRANSMISSÃO
AUTORIZAÇÃO
Data do Acordão: 03/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVA – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MANDATO / NOÇÃO.
DIREITO DE AUTOR – UTILIZAÇÃO DE OBRA / GESTÃO DO DIREITO DE AUTOR – DIREITOS CONEXOS / AUTORIZAÇÃO DO PRODUTOR.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 635.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º 1 E 1157.º.
CÓDIGO DO DIREITO DE AUTOR E DOS DIREITOS CONEXOS (CDADC): - ARTIGOS 72.º, 73.º, N.ºS 1 E 2 E 184.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

- DE 06-06-2013.
Sumário :
Para a procedência de uma acção intentada por uma entidade gestora e representante de produtores de videogramas em matéria de cobrança de direitos de autor e direitos conexos é suficiente a prova que a ré, entidade que explora um hotel, transmite publicamente videogramas (via TV) sem a necessária autorização, não sendo exigida a prova pela autora de quais as obras transmitidas e quais os concretos produtores que representa.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I – RELATÓRIO

  

l. GEDIPE - Associação para a Gestão de Direitos de Autor, Produtores e Editores intentou a presente acção com processo comum contra BB (Portugal) – Empreendimentos Turísticos, S.A. do, alegando, em síntese:

A autora é uma associação de gestão colectiva que se encontra devidamente constituída, registada e mandatada para representar os produtores de videogramas em matérias relacionadas com a cobrança de direitos de autor e direitos conexos.

Fruto da lei e de acordos firmados com a GDA – Cooperativa de Gestão dos Direitos dos Artistas, Intérpretes ou Executantes, CRL, entidade de gestão colectiva dos direitos dos artistas, a autora está também mandatada para promover o licenciamento e cobrança devida aos artistas intérpretes ou executantes.

A actividade de licenciamento e cobrança das remunerações é desenvolvida pela autora em parceria com a referida GDA, procedendo assim ao licenciamento conjunto de direitos conexos dos artistas, intérpretes, executantes e produtores de videogramas.

A execução pública de videogramas editados comercialmente, além de carecer de autorização dos respectivos produtores (cf. artigo 184º n.º 2 do CDADC), confere a estes e aos artistas intérpretes e executantes, o direito a receber uma remuneração equitativa (cf. artigo 184º n.º 3 do CDADC). A remuneração cobrada pela AA é dividida entre produtores e artistas, sendo a parcela destinada a estes últimos entregue à parceira GDA.

A autora licencia a utilização da quase totalidade do repertório de videogramas (“cerca de 100%”), nomeadamente filmes, séries ou telenovelas, nacionais ou estrangeiras, comercializados e utilizados em Portugal.

O hotel CC Algarve Hotel Resort, sito na …, A..., explorado pela ré, é um estabelecimento comercial aberto ao público, no qual se procede de forma habitual e continuada à execução pública, através dos aparelhos de televisão existentes nas unidades de alojamento e nos espaços comuns, de videogramas do repertório entregue à gestão da autora sem a necessária autorização, sendo que a ré jamais pagou a remuneração devida por tal comunicação.

Apesar de lhe terem sido enviadas cartas pela autora datadas de 11/10/2010, 26/10/2011 e 20/01/2014, a informar da necessidade de obter a respectiva licença e de pagar os direitos conexos devidos pela utilização de videogramas, a ré continua a exibir publicamente na referida unidade hoteleira videogramas explorados comercialmente ou reproduções dos mesmos, não tendo feito à requerente qualquer pedido ou solicitação de licenciamento ou autorização.

O estabelecimento explorado pela ré é um hotel de cinco estrelas, com 215 quartos e 12 televisores em espaços comuns.

De acordo com as tarifas anuais da autora aplicáveis ao estabelecimento explorado pela ré, o valor indemnizatório deve ser constituído pelos seguintes montantes:

1. Referente ao 2º semestre de 2010, a quantia € 21.414,00;

2. Referente ao ano de 2011 a tarifa anual aplicável é de € 42.828,00;

3. Referente ao ano de 2012 a tarifa aplicável é de € 42.828,00;

4. Referente ao ano de 2013 a tarifa aplicável é € 42.828,00; e

5. Referente ao 1º semestre de 2014 a tarifa aplicável é de € 14.989,80.

Estes valores devidos a título de indemnização, calculados de acordo com a equidade, correspondem à remuneração devida, mas não paga (artigo 211.º, n.º 5 do CDADC), a que devem acrescer juros moratórios desde 11/10/2010 até integral pagamento.

Acrescem ainda os encargos da autora suportados com a protecção dos direitos lesados pela ré, bem como com a investigação e cessação da conduta lesiva da mesma. Na impossibilidade de se determinar com rigor tais encargos, a autora indica o valor de € 2.500,00.

Conclui pedindo a título Principal:

1) Condenação da ré a proceder, junto da autora, ao devido licenciamento para exibição pública de videogramas de acordo com os tarifários constantes da tabela em vigor para o efeito e junta sob Doc. nº 13;

2) Condenação da ré, ao abrigo do disposto no artigo 211.º CDADC, no pagamento à autora das seguintes quantias:

a) € 164.887,80, que, de acordo com a tabela tarifária da autora para o ano de 2010, 2011, 2012 e 2013 até à data de entrada da presente acção, seria devido pelo licenciamento que a ré não obteve, como devia;

b) € 15.961,81, devida a título de juros de mora vencidos, calculados à taxa legal aplicável, sobre o montante referente ao 2º semestre do ano 2010, desde 11 de outubro de 2010 (data da interpelação da ré para cumprir a obrigação de licenciamento), do ano 2011 desde 01 de janeiro de 2011 e do ano 2012 desde 01 de janeiro de 2012, e do ano de 2013 desde 01 de janeiro de 2013, todos até à data da entrada em juízo da presente acção;

c) Juros de mora vincendos calculados à aludida taxa legal, sobre o mesmo montante, até efectivo e integral pagamento;

d) € 2.500,00, destinada a, com parcimónia, ressarcir os danos inerentes aos encargos suportados pela autora com a protecção dos direitos lesados pela sociedade ré, bem como com a investigação e cessação da conduta lesiva da mesma.

3) Condenação da ré a pagar à autora o montante adicional que eventualmente se mostre devido, face ao disposto no artigo 829.º-A do Código Civil, pela falta de pagamento do montante global em que for condenada, desde a data do trânsito em julgado da sentença a proferir na presente acção até efectivo e integral pagamento.

4) Condenação da ré, ao abrigo do disposto no artigo 210.º-J do CDADC, ao encerramento do estabelecimento CC Algarve Hotel Resort até que obtenha o devido licenciamento da Autora para execução pública de videogramas em tal estabelecimento;

A título subsidiário

5) Condenação da ré na proibição de proceder à execução pública não licenciada de videogramas, acompanhada da obrigação do pagamento da sanção pecuniária compulsória, a fixar pelo douto arbítrio desse Tribunal, por cada dia que decorra entre a data do trânsito em julgado da sentença a proferir na presente acção e a data da efectiva obtenção da devida licença.


2. A Ré contestou excepcionando a nulidade de todo o processo, a ilegitimidade activa da autora e a nulidade das tarifas fixadas unilateralmente pela autora por violação dos princípios que devem presidir à respectiva concretização, em concreto os princípios de transparência, gestão democráticas, equidade, razoabilidade, proporcionalidade e de fundamentação dos actos praticados.

Por impugnação, invocou que são desconhecidas as entidades, nacionais e estrangeiras e repertório efectivamente representado pela autora.

Quando aos pedidos indemnizatórios, impugna os cálculos efectuados pela autora.

Quanto à sanção pecuniária compulsória e medidas inibitórias, defende que as mesmas são manifestamente desproporcionais.

Em sede de direito defende que a utilização dos televisores em causa não corresponde ao conceito de execução pública, salientando a natureza privada dos quartos de hotel e defendendo que do que aqui se trata é de mera recepção de emissões transmitidas pelo operador de televisão ZON, entidade esta que já paga as correspondentes taxas às entidades de gestão colectiva.

Conclui pedindo a improcedência da acção.


3. Teve lugar audiência prévia, no âmbito da qual, foi proferido despacho saneador, foi julgada improcedente a nulidade processual e a excepção de ilegitimidade activa, tendo sido fixado o objecto do litígio e seleccionados os temas da prova.

Realizou-se a audiência de julgamento com observância do legal formalismo, e, a final, foi proferida sentença que decidiu o seguinte:

«Pelo exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, decide-se o seguinte:

1) Condenar a Ré, com referência ao estabelecimento hoteleiro CC Algarve Hotel Resort, na proibição de proceder à execução pública não licenciada de videogramas sem a obtenção da competente autorização da A.

2) É fixada uma sanção pecuniária compulsória judicial, de € 500,00 (quinhentos euros) por dia, da responsabilidade da R. pela eventual violação do decidido em 1) com efeitos a partir da data do trânsito em julgado da sentença.

3) Condenar a R. no pagamento à Autora, a título de indemnização pela execução pública não autorizada realizada pela R. no estabelecimento hoteleiro CC Algarve Hotel Resort, no ano de 2010 (2.º semestre), nos anos integrais de 2011, 2012, 2013, e 2014 (1.º semestre), no montante total de € 33.808,32 (trinta e três mil oitocentos e oito euros e trinta e dois cêntimos), acrescido de juros de mora, à taxa legal supletiva, desde a citação da R. e até integral pagamento.

4) À quantia indemnizatória ora referida em 3) acresce, ainda, juros à taxa de 5% ao ano, desde a data do trânsito em julgado da presente sentença, a título de sanção pecuniária compulsória legal, nos termos do disposto no artigo 829.º-A, n.º 4 do Código Civil.

5) No demais, a R. é absolvida do pedido».


4. Inconformada, apelou a Ré para o Tribunal da Relação de …, que, por Acórdão de 16 de Maio de 2017, julgou «parcialmente procedente a apelação, alterando-se o valor da indemnização do ponto 3) da parte dispositiva da sentença para € 33.499,20 (trinta e três mil, quatrocentos e noventa e nove euros e vinte cêntimos), condenando-se consequentemente a ré a pagar à autora este valor, mantendo-se no demais».


5. Inconformada, de novo, a Ré BB (Portugal) Empreendimentos Turísticos, S.A, interpôs Recurso de Revista Excepcional (art.º 672º, n.º 2 al. a) do CPC) para o Supremo Tribunal de Justiça e, tendo alegado, formulou as seguintes conclusões:

 1. O Tribunal Recorrido considerou que seria irrelevante saber qual o "concreto número de produtores representados", dado que a Recorrente não teria alegado "que os videogramas passados nos televisores do hotel não estivessem inseridos no repertório representado pela autora".

2. Em primeiro lugar, não é verdade que a Recorrente não tenha feito tal alegação: em diversos pontos da sua Contestação, e em particular no artigo 149.° desta, a Recorrente alegou que não correspondia à verdade que "videogramas" invocados pela Recorrida como sendo "publicamente executados" pela Recorrente correspondessem a entidades representadas pela Recorrida.

3. Em todo o caso, ponto é que o Tribunal Recorrido considerou que a Recorrida poderia ter ganho de causa sem demonstrar concretamente quais as entidades que (alegadamente) representa, e quais os termos dos mandatos por estas (alegadamente) outorgados.

4. Sucede que, por acórdão de 6 de Junho de 2013, a Relação de … sustentou justamente o inverso: é exigível que uma entidade como a Recorrida - que, na hipótese julgada no aresto referido, era, por sinal, a mesma Recorrida dos presentes autos - alegue, "de forma concreta e objectiva quem são os seus mandantes", e que tal facto seja provado.

5. O Acórdão Recorrido contradiz, pois, o Acórdão Fundamento - decisão transitada em julgado -, sendo que um e outro se pronunciam no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, inexistindo uniformização de jurisprudência em qualquer dos sentidos.

6. Com efeito, tanto o Acórdão Recorrido como o Acórdão Fundamento apreciaram o problema de saber se, nos termos e para os efeitos do artigo 184.° do CDADC, quando a demandante seja, não um produtor de videogramas, mas uma entidade de gestão colectiva, cabe (a esta) fazer prova de quais os produtores que em concreto representa.

7. O Acórdão Fundamento pronunciou-se pela afirmativa, sustentando que só desse modo se pode apreciar se a demandante executa o (suposto) mandato segundo as instruções do (suposto) mandante, como decorre do artigo 1161.° do Código Civil,

8. Verifica-se, assim, que o douto Acórdão recorrido incorre em violação do disposto nos art°s 72.°, 73.° e 184.° do CDADC, do disposto nos art°s 1157.°, 1161.°, alínea a), e 1178.° do Código Civil, bem como do disposto no art° 30° do Código de Processo Civil, na medida em que considera irrelevante a demonstração, pela Recorrida, de efectiva representação dos produtores que alega representar.

9. Em face de todo o exposto, deve o Supremo Tribunal de Justiça proferir acórdão que, aplicando o Direito nos termos sufragados pelo Acórdão Fundamento, revogue o Acórdão Recorrido e absolva a Ré do pedido.

Conclui pedindo que seja o presente recurso julgado procedente, e, em consequência, seja proferido acórdão que, conhecendo da existência de oposição de acórdãos no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de Direito, revogue o Acórdão Recorrido e profira decisão no sentido e pela fundamentação do Acórdão Fundamento, com a consequente absolvição da Ré do pedido.

  

5. A autora apresentou contra-alegações tendo formulado as seguintes conclusões:

1. Fundamenta a Recorrente, a sua Revista Excepcional, com fundamento na contradição entre o Acórdão Recorrido e o Acórdão de 6 de Junho de 2013 do Tribunal da Relação de ….

2. O Acórdão Recorrido considerou não ser necessário demonstrar concretamente quais dos videogramas transmitidos pela Recorrente são titulados por entidades por si representadas e quais os termos dos mandatos por si outorgados.

3. Por seu lado, Acórdão de 6 de Junho de 2013 do Tribunal da Relação de … considerou ser necessário demonstrar de forma concreta que são os seu mandantes.

4. O Acórdão de 6 de Junho de 2013 do Tribunal da Relação de … foi proferido no âmbito de um procedimento cautelar, a natureza e o enquadramento das questões analisadas num procedimento cautelar são diversas da análise e enquadramento que é feito numa acção principal.

5. Em sede de processo cautelar a apreciação que é feita do direito invocado é sempre uma apreciação sumária e distinta do mérito da acção principal, pelo que, não pode a Recorrente, retirar as consequências que pretende, uma vez que a natureza e as consequências jurídicas das questões ai são diversas de uma acção principal.

6. Contrariamente ao entendimento da Apelante, da testemunha DD, resulta que a GEDIPE licencia a quase totalidade do reportório de videogramas, como consta, aliás, de forma clara da transcrição do Acórdão que feita pela Recorrida, que se aqui se considera reproduzida.

7. Ou seja, resulta claramente do depoimento da testemunha DD, Director-geral da Recorrida que esta representa a quase totalidade do reportório de videogramas, quer nacional, quer estrangeiro.

8. Mas para além desta prova testemunhal, foram juntas aos autos listagens dos associados da ora Recorrida, prova bastante dos seus representados (documentos 4, 5, 6, 7 e 8 juntos com a petição iniciai) e confirmadas em sede de audiência de julgamento pela prova testemunhal, que serviram para fundamentar, assim, e bem, a convicção do Tribunal.

9. Sendo simplesmente impossível ou no mínimo inviável, como pretende a Recorrente, identificar todas e cada uma das obras e efectivamente passadas nas televisões do hotel, para depois, em relação a cada uma deias, demonstrar a sua efectiva representação, independentemente de ter sido ou não alegado pela Recorrente.

10. Essa prova foi produzida através do teor dos documentos juntos sob n.º 5 a 9, confirmados posteriormente pelo depoimento da Testemunha DD, que na qualidade de Director-geral da GEDIPE, tem conhecimentos profundos dos produtores que a mesma representa, razão de ciência Tribunal Recorrido se baseou para fundamentar/formar a sua convicção acerca desta matéria, e muito bem.

11. Pelo que, está claramente provado nos autos que a Recorrida representa, efectivamente, a totalidade a quase totalidade do reportório de videogramas, quer nacional, quer estrangeiro, bem como, a legitimidade dessa representação e, ainda, estão devidamente identificados, face aos mandatos juntos, que são os seus representados.

Conclui pedindo que seja negado provimento, mantendo-se a douta decisão recorrida.


7. O Tribunal da Relação admitiu o recurso (fls. 660).

No Acórdão da Formação deste Supremo Tribunal de Justiça a que alude o artigo 672 n.º 3 do CPC, (fls. 1086 a 1088) decidiu-se que:

«A questão que a Recorrente apresenta como objecto de contradição consiste, segundo as suas palavras, em saber se “numa acção em que uma entidade gestora colectiva (…) demanda uma sociedade que explora um hotel alegando que esta leva a cabo “execução pública” de videogramas (…) é ou não necessário que os demandantes demonstrem que produtores representam e em que termos”.

Entende a Recorrente que “ao acórdão recorrido depôs pela negativa, quando o acórdão fundamento se pronunciara pela positiva”.

E efectivamente assim é.

Na verdade, enquanto no Acórdão recorrido se entendeu ser de “irrelevância jurídica” a demonstração de «quais os produtores que representa, quais os produtores responsáveis pela produção de determinadas obras e quais as obras exibidas nos canais de televisão do hotel e as datas em que o foram» - cfr. fls. 33 do acórdão – no Acórdão fundamento entendeu-se que era necessário que «as requerentes alegassem, de forma concreta e objectiva, quem são os mandantes, essencialmente, qual ou quais os videogramas que afinal são transmitidos e posteriormente tais factos fossem provados» - cfr. fls. 10 desse acórdão.

Trata-se de uma questão fundamental de direito para a decisão em causa na presente acção, verificando os restantes pressupostos referidos na citada alínea c) para a admissão da revista em termos excepcionais.

Assim, decide-se admitir a revista».


Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II – FUNDAMENTAÇÃO


Foram dados como provados os seguintes factos:

1) A A. é uma Associação sem fins lucrativos, constituída a 16-01-1998, com a finalidade da defesa dos direitos conexos e de outros direitos e interesses dos autores, produtores e editores de conteúdos de audiovisuais, cabendo-lhe, assim, entre outros, a defesa, cobrança, gestão e distribuição dos referidos direitos dos seus associados, conforme resulta dos seus respectivos Estatutos, juntos como doc. nº 1 da petição aqui dado por reproduzido.

2) A A. encontra-se registada na Inspecção-Geral das Actividades Culturais (IGAC), desde 27-10-1998, conforme doc. n.º 2 da petição que aqui se dá por reproduzido.

3) A A., enquanto entidade de gestão colectiva constituída e registada nos termos já descritos, encontra-se mandatada para representar produtores de videogramas, em matérias relacionadas com a cobrança de direitos.

4) Fruto de acordos firmados com a GDA – Cooperativa de Gestão dos Direitos dos Artistas, Intérpretes e Executantes, CRL, entidade de gestão colectiva dos direitos dos artistas, a A. está também mandatada para promover o licenciamento e cobrança dos direitos das remunerações devidas a artistas intérpretes ou executantes, conforme resulta do doc. n.º 3 da petição que aqui se dá por reproduzido.

5) A A., em parceria com a GDA, desenvolve o licenciamento conjunto de direitos conexos de produtores de obras audiovisuais ou videogramas, artistas intérpretes ou executantes.

6) No âmbito da actividade de licenciamento e cobrança de remunerações de produtores e artistas, a A. representa repertório nacional e estrangeiro.

7) No que concerne a repertório estrangeiro tal decorre de acordos celebrados com as suas congéneres estrangeiras, como também do licenciamento a produtoras nacionais suas associadas, de videogramas originalmente fixados noutros territórios.

8) Compete à A. o licenciamento e cobrança das remunerações de produtores e artistas, tanto ao nível do repertório nacional como do repertório estrangeiro, como também ainda das produtoras nacionais, suas associadas, de videogramas originalmente fixados noutros territórios.

9) A A. representa a quase totalidade do repertório de videogramas nacionais e estrangeiros, utilizados e comercializados em Portugal.

10) A remuneração de produtores, artistas intérpretes e executantes, cobrada aos utilizadores, é dividida entre produtores e artistas.

11) A sociedade R. explora o hotel denominado CC Algarve Hotel Resort.

12) Tal hotel consiste num estabelecimento comercial aberto ao público e a funcionar diariamente.

13) O estabelecimento explorado pela R. consiste num hotel de cinco estrelas, com 217 quartos.

14) Cada um dos aludidos 217 quartos dispõe de uma televisão.

15) Os espaços comuns do hotel dispõem de 17 televisores, distribuídos, em concreto, da seguinte forma:

a) Corda Café: 2;

b) Portulano Bar: 2;

c) Ginásio: 8;

d) Concierge: 2;

e) Sales Office: 1;

f) Sales & Marketing: 2.

16) Nos televisores sitos nos quartos do aludido hotel é possível ver (não quer dizer que sejam efectivamente visualizados) os seguintes canais:

1 - Spg tv; 2 - Pine Cliffs tv; 3 - Rtp1; 4 – cnbc; 5 - tv5; 6 - bloomberg; 7 – euronews; 8 - france 24; 9 – rt; 10 - rtp2; 11 – sic; 12 – tvi; 13 - sic noticias; 14 - discovery annel;

15 – cnn; 16 - sky news; 17 - deutsche welle; 18 - m4m; 19 - espn america; 20 – eurosport; 21 - rai sport 1; 22 – mtv; 23 - vh1; 24 – panda; 25 - cartoon network; 26 – kika; 27 - ard das erst; 28 – zdf; 29 - sat1; 30 - sport1; 31 - channel 21; 32 - pro 7; 33 – bvn; 34 – tve; 35 - class tv; 36 – ptp; 37 - egyptian sat ch; 38 - kuwait tv; 39 - jsc al jazeera; 40 - abu dabi; 41 - corporate tv - luxury collection; 42 - corporate tv - hotel restaurants; 43 - corporate tv – resort; 44 - corporate tv – pcvc.

17) Enquanto nas supra aludidas zonas comuns podem ser vistos (o que não significa que o sejam efectivamente) os seguintes canais:

a) Corda Café: SPORTV 1 e SPORTV GOLFE;

b) Portulano Bar: SPORTV 1 e SPORTV GOLFE;

c) Ginásio: Canais exibidos nos quartos;

d) Concierge: SPG & PINE CLIFFS TV;

e) Sales Office: PINE CLIFFS TV;

f) Sales & Marketing: PINE CLIFFS TV.

18) Naquele estabelecimento procede-se, de forma habitual e reiterada, nos aludidos quartos e ginásio, através dos respectivos televisores referidos em 16) e 17) al. c) (ginásio), à passagem de videogramas pertencentes ao repertório da A. e para a respectiva clientela, clientela essa que varia.

19) A R. não possui qualquer autorização dos produtores de videogramas ou dos seus representantes, designadamente da A., para proceder à execução ou comunicação pública de videogramas editados comercialmente, no referido estabelecimento.

20) A R. não pagou nem paga qualquer quantia à A., a título de remuneração equitativa pela execução ou comunicação pública de videogramas.

21) Por carta datada de 11-10-2010, a A. informou a R., em especial, do seguinte (doc. n.º 10 da petição aqui dado por reproduzido):

“Exmos Senhores,

De acordo com a lei vigente e como é seguramente do conhecimento de V. Exas., a execução ou comunicação pública de videogramas carece de autorização dos respectivos produtores ou dos seus representantes… autorização essa que é outorgada pela GEDIPE, não só em relação aos produtores de videogramas seus representados, como também em relação aos artistas, nacionais e estrangeiros, representados pela GDA – Cooperativa de Gestão dos Direitos dos Artistas, Intérpretes ou Executantes, CRL.

...

O tarifário é o seguinte:

Tarifa 1

Quartos de Hotel

Categoria                 Euro/mês/quarto

Tarifas

Luxo ou 5 estrelas   42,054,60


Espaços comuns de todas as unidades hoteleiras

Categoria                 Euro/mês/quarto

Tarifas

Luxo ou 5 estrelas   1,00


Tarifa 6

Unidades de Restauração

Categoria                 Euro/mês/quarto

Tarifas

Tarifa Única            0,40


Sobre estas tarifas incide um desconto de 30% para o pagamento no espaço de 30 dias após a emissão da factura.

Ora verificando-se a utilização dos videogramas nos espaços, a saber, quartos, espaços comuns e restaurantes, que V. Exas administram, tal implica o referido pagamento. Importa salientar que a contínua utilização sem autorização das referidas obras implica responsabilidade civil e criminal.

Estamos certos de que V. Exas pretendem cumprir o legalmente disposto. Aguardamos o contacto de V. Exas a fim de nos indicarem o número de quartos efectivamente ocupados em 2009, em cada mês, por forma ao pagamento de direitos das habitações incidir apenas sobre as habitações efectivamente utilizadas. No que respeita aos espaços comuns e aos restaurantes o pagamento incide no primeiro caso (espaços comuns) sobre o número de quartos, a lotação do estabelecimento hoteleiro, e no segundo (unidades de restauração) sobre o número de lugares.

Em relação a 2010 poderão indicar-nos os mesmos elementos a fim de procedermos à respectiva facturação.”.

22) Por carta remetida à R. com data de 26-10-2011, a A. reiterou aquela informação e insistiu com o pedido de regularização das necessárias autorizações através do mencionado licenciamento, conforme doc. n.º 11 da petição aqui dado por reproduzido, nos seguintes termos:

“Escrevemos a V. Ex.as na qualidade de Advogados da AA - Associação para a Gestão de Direitos de Autor, Produtores e Editores…

Na sequência de anteriores contactos estabelecidos pela nossa Constituinte com V. Ex.as e com a Confederação do Turismo Português e que se revelaram infrutíferas, fomos incumbidos de vos exigir que procedam ao licenciamento dos direitos conexos dos videogramas tornados acessíveis aos vossos clientes por V. Ex.as e cujos titulares são representados pela Gedipe.

Assim, e como é nosso hábito, ficaremos a aguardar pelo prazo de 10 dias, a contar da recepção da presente, que V. Ex.as procedam ao licenciamento…”

23) Antes de intentar o procedimento cautelar em apenso, a A. enviou mais uma carta, a 20-01-2014, conforme o doc. n.º 12 da petição aqui dado por reproduzido, do qual se destaca o seguinte:

“… ficaremos a aguardar pelo prazo de 8 dias, a contar da recepção da presente, que V. Exas procedam ao licenciamento dos direitos conexos acima mencionados, indicando-nos para o efeito:

a) a categoria dos hotéis/empreendimentos turísticos explorados por V. Exas;

b) o número de unidades de alojamento de que dispõe cada hotel/empreendimento turístico explorado por V. Exas;

c) o número de televisores em espaços comuns de acesso público;

d) a taxa de ocupação desde o segundo semestre de 2010.


Importa informar V. Exas. que esta é a última tentativa de resolução extra-judicial da presente questão, pelo que, findo o prazo agora concedido sem que V. Exas. procedam ao licenciamento dos direitos conexos por nós representados, faremos distribuir de imediato e sem qualquer outro aviso, a competente acção para a sua cobrança coerciva…”

24) Apesar da recepção pela R. das missivas descritas esta continua a passar, naquela unidade hoteleira, nos termos descritos supra, videogramas explorados comercialmente ou reproduções dos mesmos.

25) Até à presente data a R. não apresentou à A. qualquer pedido ou solicitação de licenciamento ou autorização.

26) A A. fixa os tarifários aplicáveis às várias categorias de direitos conexos e às suas diferentes formas de exploração.

27) O tarifário descrito no doc. 13 da petição e publicado no site da A., foi aprovado em 02-04-2014 pela Direcção da A., com efeitos a partir de 01-01-2014.

28) Neste contexto, a A. fixou uma tabela para a execução pública em unidades hoteleiras, descrito no doc. n.º 13 da petição, que aqui se dá por reproduzido (fls. 115), do qual se destaca o seguinte:

“Tarifário de Direitos Conexos de Comunicação Pública de Videogramas 2014

Para calcular o valor a pagar pela aplicação das Tarifas abaixo indicadas deve ser apenas considerada a taxa de ocupação efectiva da unidade hoteleira/empreendimento turístico. Isto é, aqueles valores só se aplicam aos quartos efectivamente vendidos.

Tarifa Diária e Mensal por Quarto/Unidade de Alojamento Ocupado do Tipo:

Hóteis e Pousadas

Categoria                             Diária                          Mensal

Luxo ou 5 estrelas               0,11€                          3,22€

4 Estrelas                             0,09€                          2,84€

3 Estrelas ou Inferior          0,06€                          1,81€

Exemplo: Um hotel de 3 estrelas teve 20 quartos ocupados durante 15 dias no mês de Abril, logo 10 x (0,50=50%) x 1, 81 = 18, 10 €

29) O tarifário pela A. relativo ao ano de 2013 consta descrito no doc. N.º 14 da petição, aqui dado por reproduzido, e do qual se destaca o seguinte:

“Tarifário de Direitos Conexos de Comunicação Pública de Videogramas 2013”

O tarifário de acordo com a nova classificação é o seguinte:

Tarifa 1

Quartos de Hotel (incluindo Pousadas)

Categoria                                        Euro/mês/quarto Tarifas

Luxo ou 5 estrelas                           4,60


Espaços comuns de todas as unidades

Categoria                             Euro/mês/quarto Tarifas

Luxo ou 5 estrelas               1,00


É considerado o espaço comum com monitor/tv, independentemente do número de monitores/tvs

Unidades de Restauração

Categoria                             Euro/mês/quarto Tarifas

Tarifa Única                        0,40


A tarifa dos quartos e espaços comuns incide sobre os quartos efectivamente vendidos/taxa de ocupação.

Sobre estas taxas incide um desconto de 30% para o pagamento no espaço de 30 dias após a emissão de facturas.

Abril de 2013

Nota: Os valores da tarifa são os mesmos da tarifa de 2010, apenas se procedeu à alteração da classificação dos estabelecimentos de acordo com a actual legislação em vigor.”

30) As tarifas supra descritas resultam, da área da execução pública, foram fixadas tendo em atenção a categoria do hotel, o número de quartos e espaços comuns e a taxa de ocupação efectiva.

31) Os tarifários da A. supra descritos em 21, 22 e 29, foram fixados com base, entre outros elementos, no estudo junto como doc. 15 da petição (em formato CD), intitulado “Remuneração adequada pela transmissão de sinais de televisão num quarto de hotel: Valor relevante de referência (estimado) em 11 países Europeus” e o estudo constante de fls. 348 e ss. intitulado “Estudo comparativo sobre taxas de ocupação e preços praticados em estabelecimentos hoteleiros em Portugal e Espanha para fins de cobrança de direitos conexos de retransmissão de conteúdos audiovisuais e digitais”.

32) Em relação ao caso das congéneres Espanholas: Artistas, Intérpretes Sociedade de Gestión (AISGE) e a Entidad de Gestión de Derechos de los Produtores Audiovisuales (EGEDA), constata-se o seguinte:

33) As aludidas congéneres espanholas cobram separadamente as suas tarifas, e ao invés de considerarem o n.º de quartos, o que releva para o cálculo das suas tarifas é o n.º de camas.

34) Mais se conclui no estudo constante de fls. 348 e ss., que “Através dos valores observados, a partir das autoridades oficiais estatísticas dos dois países, é de se concluir que não existem diferenças estatisticamente significativas, entre os preços por quarto, praticados no sector hoteleiro em Portugal e em Espanha”.

35) Salientando ainda tal estudo que o peso do tarifário diário de cobranças de direitos de comunicação audiovisual nos hotéis em Portugal, face aos preços praticados por quarto, esse peso é extremamente reduzido, como se verifica pelo quadro seguinte:

36) Tentando ir ao encontro da pretensão manifestada pelas sociedades gestoras dos hotéis, a Gedipe e a GDA decidiram baixar as tarifas em 30% com efeitos a partir de Janeiro de 2014, o que se reflecte na tabela descrita no facto n.º 28.

37) Em 29-12-2015, foi assinado um Protocolo com a Confederação do Turismo Português (CTP), no âmbito do qual foram conseguidos inúmeros acordos, com as principais cadeias hoteleiras quer directamente, em processos judiciais em curso, quer através das diferentes associações representativas do sector.

38) As principais associações representativas dos hotéis aderiram aos termos do Protocolo celebrado com a CTP, assinando também, individualmente o seu próprio Protocolo, tais como: AHP – Associação da Hotelaria de Portugal; ACISO – Associação Empresarial de Ourém/Fátima; AHETA – Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve; AHRESP – Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal; APHORT – Associação Portuguesa de Hotelaria, Restauração e Turismo.

39) No âmbito do Protocolo aludido em 38, os tarifários gerais fixados são do seguinte teor:

Tarifa Diária e Mensal por Quarto/Unidade de Alojamento Ocupado do Tipo:

Hóteis, Pousadas, Outros Empreendimentos Turísticos, Alojamento Local

Categoria Diária Mensal

Luxo ou 5 estrelas 0,107€ 3,22€

4 Estrelas 0,081€ 2,44€

3 Estrelas 0,060€ 1,81€

2 Estrelas 0,051€ 1,53€

1 Estrela 0,040€ 1,21€

Nota: As tarifas de Licenciamento de todas as categorias incluem o acesso a conteúdos televisivos em unidades de alojamento.

A partir de 1 de Janeiro de 2016 o valor das tarifas serão actualizados de acordo com o índice de Preços no Consumidor, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística.

Unidade de Cálculo para Valor Mensal dos Espaços Comuns a Todas as Unidades

Categoria Mensal

Luxo ou 5 estrelas 0,70€

4 Estrelas 0,60€

3 Estrelas 0,50€

2 Estrelas 0,40€

1 Estrela 0,30€

Exemplo: Um hotel de 5 estrelas possui 2 espaços comuns, 100 quartos e teve uma taxa de ocupação mensal de 50% durante o mês de Junho, logo (2 x 0,70) x 100 x (0,5=50%) = 70,00€.

40) No âmbito do Protocolo aludido em 38, os tarifários fixados para os associados e representados aderentes são do seguinte teor:

Tarifa Diária e Mensal por Quarto/Unidade de Alojamento Ocupado do Tipo:

Hóteis, Pousadas, Outros Empreendimentos Turísticos, Alojamento Local

Categoria                             Diária                          Mensal

Luxo ou 5 estrelas               0,89€                          2,66€

4 Estrelas                             0,067€                        2,01€

3 Estrelas                             0,050€                        1,49€

2 Estrelas                             0,042€                        1,26€

1 Estrela                              0,033€                        1,00€

Nota: As tarifas de Licenciamento de todas as categorias incluem o acesso a conteúdos televisivos em unidades de alojamento.

A partir de 1 de Janeiro de 2016 o valor das tarifas serão actualizados de acordo com o índice de Preços no Consumidor, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística.

41) Outras associações do sector celebraram Protocolos autónomos com a A., como é o caso, em 06-07-2015, da AIHSA – Associação dos Industriais Hoteleiros e Similares do Algarve, tendo a ATA – Associação de Turismo do Algarve, aderido a este Protocolo.

42) No âmbito do Protocolo aludido em 41, os tarifários fixados são igual idêntico ao descrito em 39 e 40.

43) A A. firmou ainda acordos com duas das principais cadeias hoteleiras portuguesas: Grupo … e Grupo ….


FACTOS NÃO PROVADOS


A) É a A. quem, unilateralmente, fixa as tarifas em causa, sem qualquer fio condutor que permita chegar aos valores indicados.

B) A fim de proteger os direitos cuja gestão lhe incumbe assegurar, a A. teve de suportar encargos substanciais, não apenas com o recrutamento, selecção e formação de colaboradores, bem como com as despesas inerentes à pesquisa, ao tratamento da informação recolhida, com as tentativas, goradas, no sentido do cumprimento voluntário das obrigações da Ré e, bem assim, finalmente, com o recurso à via judicial, destinado a fazer cessar a actividade ilícita da mesma e a obter a reparação devida pela prática desta conduta, gastos esses não inferiores a € 2.500,00.


 III – DA SUBSUNÇÃO – APRECIAÇÃO


Verificados que estão os pressupostos de actuação deste tribunal, corridos os vistos, cumpre decidir.


A) O objecto do recurso é definido pelas conclusões da alegação da Recorrente, artigo 635 do Código de Processo Civil.

 

Como se afirma no Acórdão da Formação supra referido a questão fundamental a decidir é apenas a de se saber se «numa acção em que uma entidade gestora colectiva (…) demanda uma sociedade que explora um hotel alegando que esta leva a cabo “execução pública” de videogramas (…) é ou não necessário que os demandantes demonstrem que produtores representam e em que termos» questão esta sobre a qual os acórdãos em confronto assumiram posições divergentes.

Todas as outras questões apreciadas e decididas pelo Acórdão recorrido, que não sejam afectadas pela resposta a dar a esta questão, encontram-se devidamente transitadas.


B) Vejamos a questão

Assim, decidiu o Acórdão Recorrido que «Alega, em primeiro lugar, que recorrida não cumpriu o ónus de prova quanto no que se refere à representação da «quase totalidade» dos produtores, invocando que recaía sobre a ora recorrida alegar e provar quais os produtores que representa, quais os produtores responsáveis pela produção de determinadas obras e quais as obras exibidas nos canais de televisão do hotel e as datas em que o foram.

Para além do já referido quanto à matéria do ponto 9 dos factos provados, que se reitera, a alegação da recorrente abstrai-se do que ficou efectivamente provado, ou seja, a não impugnação da matéria de facto constante dos referidos pontos provados sob os números 18 a 20, determina a irrelevância jurídica da argumentação da apelante nas conclusões de recurso sob as alíneas V) a DD).

Na verdade, tendo ficado provado que no estabelecimento da ré procede-se de forma habitual e reiterada, nos quartos e ginásio, através dos televisores ali instalados à passagem de videogramas pertencentes ao repertório da autora, visualizando tais programas os clientes do hotel, sem autorização dos produtores e seus representantes, sem pagar qualquer quantia, é evidente que estes factos são os relevantes para aferir se a recorrente incorreu na alegada violação dos direitos conexos que a recorrida lhe imputa, matéria estritamente de direito, como é bom de ver».

Por sua vez no Acórdão Fundamento, Ac. RL de 06-06-2013, decidiu-se que:

«E é precisamente porque a requerida explora o denominado hotel “Pestana V” estabelecimento aberto ao público que funciona diariamente e tem aparelhos de televisão nos quartos de dormir e no bar os quais em dias de funcionamento do estabelecimento, os referidos aparelhos de televisão são ligados e executam videogramas que fazem parte do repertório entregue à gestão da requerente GEDIPE.

Como a requerida não possuía, como não possui, qualquer autorização dos produtores de videogramas ou da requerente GEDIPE, para proceder à execução pública, no referido estabelecimento, de videogramas editados comercialmente ou de reproduções dos mesmos que formula o pedido que supra se consignou.

Por conseguinte, a(s) requerente(s) não actua(m) de forma directa, digamos assim, mas tão só mandatadas para representar, os autores, os produtores de videogramas.

Ora, se assim é, no mínimo exigível se evidencia que as requerentes alegassem, de forma concreta e objectiva, quem são os mandantes, essencialmente, qual ou quais os videogramas que afinal são transmitidos e posteriormente tais factos fossem provados.

É que consta assente que... “A requerente GEDIPE licencia a utilização da quase totalidade do repertório de videogramas, como sejam filmes, séries ou telenovelas, nacionais ou estrangeiros, comercializados e utilizados em Portugal”.

A quase totalidade, mas não sabemos quais e menos ainda os que estavam ser passados.


Só assim se poderia determinar quais os direitos que afinal são titulares e se os mesmos se contêm ou não dentro dessa representação e de que o respectivo repertório é titulado pelas requerentes.

É que a demanda baseada no procedimento cautelar no que à requerida diz respeito apenas se objectiva nisto:

“...Em qualquer dos dias de funcionamento do estabelecimento, os referidos aparelhos de televisão são ligados e executam videogramas que fazem parte do repertório entregue à gestão da requerente GEDIPE.

A requerida não possuía, como não possui, qualquer autorização dos produtores de videogramas ou da requerente GEDIPE, para proceder à execução pública, no referido estabelecimento, de videogramas editados comercialmente ou de reproduções dos mesmos”.

Ora, já se disse que faltou a identificação dos autores, produtores, promotores dos próprios videogramas difundidos. E que a execução desses videogramas por meio de radiodifusão – através da televisão - não pode fundamentar tal proibição. Nem se sabe se estamos ou não perante uma execução pública de videogramas sujeita a autorização dos titulares de direitos conexos».

 

C) Tendo presente as conclusões das alegações da Ré/Recorrente, o teor duas decisões em confronto, qual a posição a adoptar.

Será que para a procedência da acção é suficiente a prova pela Autora (entidade gestora e representante de produtores de videogramas em matéria de cobrança de direitos de autor e direitos conexos) que a Ré (entidade que explora um hotel) transmite publicamente videogramas (via TV) ou é necessária a prova pela Autora de quais as obras transmitidas e quais os produtores que representa?

Como se viu o Acórdão recorrido entendeu ser de “irrelevância jurídica” a demonstração de «quais os produtores que representa, quais os produtores responsáveis pela produção de determinadas obras e quais as obras exibidas nos canais de televisão do hotel e as datas em que o foram» enquanto o Acórdão fundamento entendeu que era necessário ser alegado «de forma concreta e objectiva, quem são os mandantes, essencialmente, qual ou quais os videogramas que afinal são transmitidos e posteriormente tais factos fossem provados».

No fundo a questão resume-se a saber se é necessário que o Autor prove que produtores representa e se as obras exibidas na TV estão abrangidas por essa representação.


1 - O DIREITO

Nos termos do Artigo 72.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), relativo aos Poderes de gestão dos direitos de autor «os poderes relativos à gestão do direito de autor podem ser exercidos pelo seu titular ou por intermédio de representante deste devidamente habilitado».

Dispõe o n.º 1 do Artigo 73.º, do mesmo diploma legal, relativo aos Representantes do autor, que «As associações e organismos nacionais ou estrangeiros constituídos para gestão do direito de autor desempenham essa função como representantes dos respectivos titulares, resultando a representação da simples qualidade de sócio ou aderente ou da inscrição como beneficiário dos respectivos serviços».

Acrescenta o n.º 2 do mesmo preceito legal que «As associações ou organismos referidos no n.º 1 têm capacidade judiciária para intervir civil e criminalmente em defesa dos interesses e direitos legítimos dos seus representados em matéria de direito de autor, sem prejuízo da intervenção de mandatário expressamente constituído pelos interessados».

Estatui também o n.º 1 do Artigo 184.º do diploma em apreço, que «assiste ao produtor do fonograma ou do videograma o direito exclusivo de fazer ou autorizar, por si ou pelos seus representantes:

a) A reprodução, directa ou indirecta, temporária ou permanente, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte, do fonograma ou do videograma;

b) A distribuição ao público de cópias dos fonogramas ou videogramas, a exibição cinematográfica de videogramas bem como a respectiva importação ou exportação;

c) A colocação à disposição do público, por fio ou sem fio, dos fonogramas ou dos videogramas para que sejam acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido;

d) Qualquer utilização do fonograma ou videograma em obra diferente;

e) A comunicação ao público, de fonogramas e videogramas, incluindo a difusão por qualquer meio e a execução pública directa ou indirecta, em local público, na acepção do n.º 3 do artigo 149.º

Acrescenta o n.º 3 do mesmo normativo que «Quando um fonograma ou videograma editado comercialmente, ou uma reprodução dos mesmos, for utilizado por qualquer forma de comunicação pública, o utilizador tem de pagar, como contrapartida da autorização prevista na alínea e) do n.º 1, uma remuneração equitativa e única, a dividir entre o produtor e os artistas, intérpretes ou executantes em partes iguais, salvo acordo em contrário».

«Mandato é o contrato pelo qual uma das partes se obriga a praticar um ou mais actos jurídicos por conta da outra», cf. artigo 1157.º do Código Civil.

No que concerne ao ónus da prova dispõe o n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil que «Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado».


2 - A questão a decidir não é isenta de dificuldades.

A ser ponderada nos simples termos em que foi colocada pela Recorrente, e sem se ponderar toda a factualidade concretamente provada, poder-se-ia admitir que a resposta fosse no sentido de que «numa acção em que uma entidade gestora colectiva (…) demanda uma sociedade que explora um hotel alegando que esta leva a cabo “execução pública” de videogramas (…) é necessário que os demandantes demonstrem que produtores representam e em que termos».

Todavia a questão não pode ser colocada nos simples termos formulados pela Recorrente pois que não enquadra devidamente toda a factualidade provada.

Acresce que a contradição apontada entre os dois Acórdãos não pode esquecer, antes deve ter presente que o Acórdão fundamento foi proferido no âmbito de uma providência cautelar o qual, como se sabe, tem uma natureza e finalidades perfeitamente distintas da acção principal.

Ao contrário da acção principal, que pretende resolver definitivamente o litígio entre as partes, naquele procedimento cautelar – como o próprio nome indica – apenas se pretendeu acautelar provisoriamente os interesses em conflito.

Daí que a resposta a dar à questão que nos vem colocada deva ter presente que as duas diversas respostas foram dadas em contextos processuais muito distintos.

No caso concreto não podemos olvidar que a posição expressa no Acórdão recorrido surge após a apreciação da impugnação da matéria de facto.

  O Acórdão recorrido indeferiu o pedido de alteração da matéria de facto que a Recorrente havia formulado na sua apelação para a Relação, pois que aí a Recorrente havia questionado a decisão da 1ª instância quanto à factualidade Provada, concretamente quanto ao facto provado sob o número 9 que pretendia fosse dado como Não Provado

O ponto 9 tem a seguinte redacção: «A A. representa quase a totalidade do repertório de videogramas nacionais e estrangeiros, utlizados e comercializados em Portugal».

A recorrente defendia que não estava demonstrado qual o repertório representado pela autora, pelo que não se podia afirmar que a A. representa quase a totalidade do repertório.

O Acórdão recorrido não acolheu a pretensão da Ré/recorrente tendo mantida inalterada a matéria de facto, concretamente aquele ponto 9

Com base naquele facto provado (ponto 9) e ponderando que também se provaram os factos referidos em 18 e 19, ou seja que no hotel se procede á passagem de videogramas pertencentes ao repertório da Autora e que a Ré não possui qualquer autorização dos produtores ou dos seus representantes o acórdão considerou irrelevante a posição da Ré/recorrente e entendeu que a mesma era responsável pela indemnização peticionada pela Autora.

Entendemos que a razão se encontra do lado do Acórdão recorrido e que a resposta a dar à questão colocada pela recorrente deve ser a mesma, pois que perante a concreta factualidade provada – e que terá de ser sempre ponderada no caso concreto – afigura-se ser aquela que melhor responde aos interesses em conflito.

Na verdade, temos que está provado que:

a)   a Autora representa a quase totalidade do repertório de videogramas;

b)   no estabelecimento da Ré se procede, de forma habitual e reiterada, à passagem de videogramas pertencentes ao repertório da A;

c)   a R. não possui qualquer autorização dos produtores de videogramas ou dos seus representantes, designadamente da A., para proceder à execução ou comunicação pública de videogramas

Face a esta factualidade concreta a resposta à questão colocada apenas pode ser no sentido adoptado pelo Acórdão recorrido, ou seja de que é irrelevante o concreto número de produtores representados pela Autora e de que independentemente desse concreto número deve a Ré ser responsável pelo pagamento da indemnização pedida.

Ou seja, apesar de a Autora não ter demonstrado que produtores representa em concreto – mas provou que representa a quase totalidade do repertório de videogramas – e quais as concretas obras exibidas na TV, a verdade é que provou (facto 18) que no estabelecimento da Ré se procede, de forma habitual e reiterada, à passagem de videogramas pertencentes ao repertório da A. e que (facto 19) a R. não possui qualquer autorização dos produtores de videogramas ou dos seus representantes, designadamente da A., para proceder à execução ou comunicação pública de videogramas editados comercialmente, no referido estabelecimento, pelo que a Ré incorreu na violação dos direitos que a Autora representa.

Desta forma podemos afirmar que para a procedência da acção é suficiente a prova pela Autora (entidade gestora e representante de produtores de videogramas em matéria de cobrança de direitos de autor e direitos conexos) que a Ré (entidade que explora um hotel) transmite publicamente videogramas (via TV) sem a necessária autorização, não sendo exigida a prova pela Autora de quais as obras transmitidas e quais os concretos produtores que representa.

Em suma, entendemos que se impõe a improcedência total das alegações da recorrente, pelo que se nega a revista.


III – DECISÃO

Pelo exposto, decide-se negar a revista, confirmando a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente.  


Lisboa, 15 de Março 2018


José Sousa Lameira (Relator)

Hélder Almeida

Maria dos Prazeres Beleza