Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2773/06.8TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: SAMPAIO GOMES
Descritores: ARGUIÇÃO DE NULIDADES
CONTRATO DE TRABALHO TEMPORÁRIO
CONTRATO DE UTILIZAÇÃO
CONVERSÃO DE CONTRATO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 05/04/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO TEMPORÁRIO
DIREITO DE PROCESSO DE TRABALHO - SENTENÇA (NULIDADES)
Doutrina: - José de Castro Santos e Maria Teresa Rapoula, in Da Cessação do Contrato de Trabalho e Contratos a Termo – Do Trabalho Temporário, 1990, pág. 226.
Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 716.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (APROVADO PELO DL Nº 480/99, DE 9 DE NOVEMBRO): - ARTIGO 77.º, N.º1.
LEI DO TRABALHO TEMPORÁRIO (DL N.º 58/89 DE 17 DE OUTUBRO ALTERADO PELA LEI N.° 39/96 DE 31 DE AGOSTO): - ARTIGOS 9.º, N.º1, AL. C), N.º5 E N.º8, 10.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
- DE 20.01.2010, PROCESSO Nº 228/09.8YFLSB, IN WWW.DGSI.PT .
Sumário : I - A arguição de nulidades da sentença tem, de acordo com o disposto no art. 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, de ser feita, expressa e separadamente, no requerimento de interposição de recurso, sob pena do tribunal ad quem não poder conhecer da mesma, por extemporaneidade invocatória.
II - Por via do disposto no art. 716.º, do Código de Processo Civil, tal regime é, igualmente, aplicável à arguição de nulidades assacadas aos acórdãos da Relação.
III - O contrato de trabalho temporário traduz-se na cedência de uma empresa a outra, a título oneroso e por tempo limitado, da disponibilidade da força de trabalho de um ou mais trabalhadores, sendo remunerados pela empresa cedente, mas integrando-se na empresa utilizadora a cujas ordens e disciplina ficam sujeitos.
IV - Entre o trabalhador temporário e o utilizador não existe qualquer contrato, designadamente de natureza laboral, sendo que a actividade por aquele prestada a este é feita por conta da empresa de trabalho temporário que o contratou.
V - Sempre que o trabalhador continue ao serviço do utilizador decorridos 10 dias após a cessação do contrato de utilização de trabalho temporário e sem que tenha ocorrido a celebração de contrato que o legitime, é de considerar que o trabalho passa a ser por aquele prestado ao utilizador com base em contrato de trabalho sem termo.
VI - Resultando provado que o contrato de utilização de trabalho temporário celebrado entre a empresa de trabalho temporário e a empresa utilizadora cessara em 01-09-2005 e que o trabalhador continuou ao serviço desta até 15-12-2005, sem que tivesse ocorrido a celebração de contrato que legitimasse uma tal situação, é de considerar que aquele passou a estar subordinado à empresa utilizadora por contrato de trabalho sem termo.
VII - Destarte, a cessação da relação jurídico-laboral assim estabelecida, desencadeada por vontade unilateral da primitiva empresa utilizadora, actual entidade empregadora, configura um despedimento ilícito.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I )
1.
AA instaurou, no 4º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa, contra BB – ..., SA, acção com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, pedindo que seja declarada a ilicitude do despedimento do Autor, e a condenação da Ré a reintegrá-lo ao seu serviço ou, se for essa a sua opção, a pagar-lhe a indemnização de antiguidade.
Mais pede a condenação da Ré a pagar ao Autor as retribuições que este deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão.

Alegou, em síntese, que:
- Celebrou com a empresa de trabalho temporário "CC - Empresa de Trabalho Temporário, Lda" um contrato de trabalho a termo incerto, outorgado em 6 de Janeiro de 2004, nos termos do qual a aposição do termo incerto ''justifica-se pela necessidade que o 1º Outorgante tem em fazer face ao aumento de trabalho que se prevê temporário, tendo em conta os contratos de Cedência de Mão-de-obra celebrados até ao momento pelo 1º Outorgante".
- No artº 5º do mesmo contrato refere-se que “o presente de utilização temporária (leia-se contrato de trabalho temporário) é celebrado a termo incerto e tem como fundamento a necessidade de cumprir com o contrato de utilização celebrado com a BB - ..., S.A., constando neste como justificação a necessidade que tem em fazer face a acréscimos de trabalho, que prevê temporário".


- Em 31 de Agosto de 2004 foi celebrado novo contrato de trabalho entre o Autor e a referida empresa de trabalho temporário, sendo que, como o anterior, esse contrato indica como justificação para a celebração a termo incerto a necessidade que a "CC" teria de fazer face ao "aumento de trabalho que se prevê temporário, tendo em conta os contratos de Cedência de Mão-de-Obra celebrados até ao momento pelo 1º Outorgante". Nos termos do art° 5º o fundamento voltou a ser "a necessidade de cumprir com o contrato de utilização celebrado com a SGPS - ..., S.A., constando neste como justificação a necessidade que tem de fazer face a acréscimo de trabalho, que se prevê temporário" .
- Em execução dos referidos contratos de trabalho temporário, prestou a sua actividade nas instalações da Ré, sob as ordens, direcção e fiscalização desta, sempre tendo prestado o seu trabalho na Secção de Vidro Temperado da Ré, em regime de três turnos, rotativos, integrado em equipa cujo chefe era trabalhador da Ré.
- A partir do dia 16 de Dezembro de 2005, à meia-noite, foi impedido de aceder às instalações da Ré.
- A empresa CC confirmou-lhe a cessação, nessa data, da sua prestação de trabalho à Ré, por decisão desta.
- O seu contrato de trabalho considera-se como sem prazo, e com vinculação à Ré, tendo sido, por esta, despedido ilicitamente, porque sem precedência de processo disciplinar.

A Ré contestou, deduzindo a excepção da sua ilegitimidade para a acção, pois se existiu alguma irregularidade nos contratos de trabalho temporário a termo incerto celebrados entre o Autor e a empresa CC, Lda, é totalmente alheia a essa situação e não pode ser eventualmente penalizada.
Na qualidade de utilizadora, apenas tem o dever de cumprir o previsto na lei sobre o contrato de utilização de trabalho temporário celebrado com empresas de trabalho temporário, e nada mais.
Apenas tem meios para conhecer a relação contratual existente entre ela e a empresa CC, Lda., no que tange aos contratos de utilização com esta celebrados e dispor de indicação que o trabalhador temporário está vinculado à empresa de trabalho temporário (como era o caso), e a identificação dos trabalhadores que ao serviço dessa empresa venham a prestar trabalho temporário nas suas instalações.
Acresce que, para que o Autor pudesse invocar a nulidade do termo do dito contrato, deveria tê-lo feito contra a empresa CC, na qualidade de sua entidade empregadora - o que não aconteceu - não podendo o Tribunal, nestas circunstâncias, conhecer desse pedido.
Daí que, quem deveria ser instada para (eventual) acção judicial decorrente de eventuais irregularidades contratuais existentes nos contratos de trabalho temporário a termo incerto celebrados com o Autor era a sociedade CC, e nunca a ora Ré, a qual é alheia a tal relação contratual, o que a toma parte ilegítima na acção.

Respondeu o A. pugnando pela improcedência da excepção de ilegitimidade da Ré.
Por despacho de fls. 116-117 foi determinada a intervenção provocada de "CC - Empresa de Trabalho Temporário, Ldª" a qual, após citada, veio apresentar a sua contestação.

Foi proferido despacho saneador, onde foi a Ré tida como parte legítima.


Discutida a causa foi proferida sentença onde se decidiu:
Termos em que, face ao exposto:
A) Julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:
i) Declaro a ilicitude do despedimento do A., por parte da R., em 16.12.2005;
ii) Condeno a R. a reintegrar o A. no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade reportada a 11.09.2005;
iii) Condeno a R. a pagar ao A. as retribuições vencidas desde os 30 dias anteriores à propositura da presente acção até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal, sem prejuízo do disposto no arte 437°, nºs 2 e 3 do
C.T.;
B) Julgo a presente acção parcialmente improcedente e, em consequência, absolvo a R. do demais peticionado.

Inconformada, a Ré interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo sido negado provimento ao recurso e confirmada a decisão da 1ª Instância.


2.
Ainda inconformada, a Ré interpôs o presente recurso de Revista tendo formulado, em sede de alegações, as seguintes conclusões:

1. Existiu manifesto erro de apreciação do Meritíssimo Juiz a quo e do Tribunal Recorrido, na análise da lei aplicável.
2. A decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância não corresponde à matéria dada como provada e consubstanciava uma muito deficiente interpretação da mesma e do disposto no n° 8 do art. 9º da Lei do Trabalho Temporário, então em vigor (D.L. n° 358/89 de 17 de Outubro alterado pela Lei n° 39/96 de 31 de Agosto).
3. Da factualidade provada não se demonstrava que no caso dos autos, os contratos de utilização de trabalho temporário pudessem ser havidos como abusivos. Os ditos contratos são autónomos e independentes como ficou demonstrado.
4. Existia e continua a existir erro de interpretação da lei no que tange aos factos dados como provados.
5. A Recorrente (nas alegações) para o Tribunal da Relação de Lisboa, alegou que o Tribunal de 1ª instância, quando entendeu que o "contrato de utilização atingiu o limite de 12 meses" (cfr. pág. 210 dos autos, linhas 16 a 20), o fez certamente por lapso, pois que apenas fez fé na contratação efectuada entre a empresa de trabalho temporário (chamada) e o A. ora Recorrido que nada tinha a ver para o presente caso, não podendo a Recorrente ser penalizada por eventual irregularidade da mesma, outrossim, a empresa CC.
6. Entende a Recorrente que era relevante e decisivo que seja esclarecida a matéria de fls. 18, linhas 16 a 20 da sentença recorrida, pois que, salvo melhor opinião, a conclusão que é retirada naquela não se encontra correcta e é contrária à matéria de facto provada.
7. A recorrente alegou então e agora mantém - por isso resultar da matéria dada como provada - que não existiu, conforme resulta de uma correcta análise da matéria de facto dada como provada em 1 a 6 e 9 de fls. 5 a 10 da sentença então recorrida, nenhum contrato de utilização entre a Recorrida e a empresa de trabalho temporário CC, que tivesse atingido o limite de 12 meses em 01.09.2005.
8. O que existiu foi um contrato de trabalho a termo incerto de duração superior a 12 meses, celebrado entre o A. e a empresa CC, a cuja contratação a R. é alheia e não pode, de acordo com a lei, ser penalizada, tanto assim que se dá como provado que o Recorrido não trabalhou durante toda a duração desse contrato, enquanto trabalhador temporário, nas suas instalações.
9. O Acórdão Recorrido é omisso quanto a esta questão suscitada pela Recorrente, não foi por ele abordada nem decidida, deixando-se arguida, como resulta da lei, a competente nulidade em cumprimento do disposto das disposições aplicáveis.
10. A nulidade da sentença resulta do facto do Acórdão recorrido não se ter pronunciado sobre questão suscitada pela Recorrente e que se prendia com a circunstância de o Tribunal a quo ter confundido, no momento da decisão, a duração da relação contratual entre o A./Recorrido e a empresa de trabalho temporário CC, com a relação contratual existente entre a Recorrente e a empresa de utilização de trabalho temporário CC.
11. Entende a Recorrente que estamos perante "uma questão" fundamental, designadamente sustentar que a sua apreciação é essencial para a boa e correcta decisão da causa e não apenas um argumento para defender a sua tese.
12. Na sentença de fls... dos autos e no Acórdão da Relação de Lisboa, não foi realizada uma cuidada interpretação da matéria provada (pontos 1 a 6 e 9), tendo a mesma sido deficientemente enquadrada sob o ponto de vista jurídico;
13. O Tribunal Recorrido não ponderou e fundou a sua convicção na análise crítica e conjugada da totalidade da prova documental e testemunhal produzida, concretamente documentos juntos aos autos e depoimentos conjugados das testemunhas arroladas pela Recorrente que deram origem à dita matéria provada;
14. O Recorrido trabalhou nas instalações/fábricas da Recorrente, ao abrigo de vários contratos de utilização de trabalho temporário, autónomos e independentes entre si (com números diferentes), celebrados entre esta e a empresa CC, nos seguintes períodos:
1 - 01.01.2004 a 30.04.2004;
2 - 01.05.2004 a 09.08.2004;
3 - 01.09.2004 a 31.12.2004;
4 - 01.01.2005 a 30.04.2005;
5 - 01.05.2005 a 31.08.2005; 6-01.09.2005 a 31.12.2005.
15. O Recorrido não trabalhou, porém, conforme resulta da matéria dada como provada - ponto 9 - nas instalações da Recorrente no período compreendido entre 10.08.2004 e 31.08.2004 e 12.08.2005 e 04.09.2005.
16. O Recorrido nunca foi titular de qualquer contrato sem termo ou outro com a Recorrida, outrossim com a empresa CC, Lda. (ETT), entidade empregadora daquele.
17. Os contratos de utilização de trabalho temporário juntos aos autos, são autónomos e independentes entre si, tinham números e motivações diferentes, sendo que ao abrigo dos mesmos o A./Recorrido, nunca trabalhou no mesmo local e pelo mesmo motivo e muito menos por período seguido superior a 12 meses.
18. O Recorrido foi detentor de uma relação contratual com a empresa CC, Lda., a que a Recorrente é totalmente alheia, e que não coincidiu com a duração dos contratos de utilização de trabalho temporário celebrado entre CC e a Recorrente.
19. O Tribunal Recorrido levou na sua decisão, certamente por lapso, apenas em consideração esta relação contratual existente entre o Recorrido e a ETT, e não a inerente aos contratos de utilização de trabalho temporário, o que não é correcto.
20. A Recorrente cumpriu inteiramente o disposto no art. 140°, n° 2, al. f) do Código do Trabalho então em vigor, na motivação apresentada nos contratos de utilização de trabalho temporário, situação ademais reconhecida na sentença de fls... dos autos e que não foi relevado pelo Tribunal da Relação de Lisboa.
21. No caso dos autos não foram excedidos os limites de trabalho temporário previstos na lei, nem necessário seria requerer qualquer autorização à IGT para renovar tais contratos - autorização esta, diga-se, aliás, cuja falta teria apenas como sanção a eventual aplicação de contra-ordenação (laboral) e nenhuma outra.
22. Por nenhum contrato de utilização de trabalho temporário ter excedido 12 meses de duração e/ou o A./Recorrido ter prestado serviços nas instalações da Recorrente, por período superior seguido a 12 meses, no mesmo local e pelo mesmo motivo, não se pode falar em "renovações de contratos" ou que "foram excedidos os limites de utilização de trabalho temporário" e muito menos que existia, como é referido no Acórdão Recorrido, um contrato único!
23. A contratação sucessiva, mas autónoma, não converte os contratos distintos num só contrato, para efeito de poder ser apreciada uma duração total, é distinta da renovação dos contratos, esta sim relevante para a apreciação de uma eventual duração total (não liminarmente contratual), como resulta do n° 8 do art. 9o do DL 358/89, cuja norma considera como único contrato aquele que seja objecto de uma ou mais renovações.
24. No caso sub judice não/nunca existiu renovação de contrato de utilização de utilização temporário anterior, ao abrigo do mesmo motivo - todos tinham números diferentes e foram motivados por razões diferentes - tendo o A./Recorrido, ao abrigo dos mesmos, laborado em locais diferentes, das fábricas da R., devido a motivos também diferentes.
25. Para efeitos de enquadramento jurídico da matéria de facto vide, entre outros, Acórdão da Relação de Coimbra, Proc. n° 1/2001, Acórdão de 15/03/2001 em que foi relator o Senhor Juiz Desembargador Jaime Ferreira, junto com as alegações para o Tribunal da Relação de Lisboa como (doc. 1).
26. Do Acórdão Recorrido pode ler-se, no último parágrafo da página 15 que "Repare-se que a celebração destes contratos foi sucessiva e praticamente contínua, na medida em que apenas o terceiro não vigorou imediatamente a seguir ao termo do segundo, mesmo assim apenas separados por escassos 22 dias".
27. É suficiente uma análise perfunctoria dos documentos juntos aos autos para verificar que nenhum dos contratos de utilização de trabalho temporário excedeu o limite máximo de 12 meses previstos na lei.
28. O Recorrido foi sempre contratado ao abrigo de novo contrato de utilização de trabalho temporário e depois do anterior ter cessado os efeitos, entre as partes outorgantes (Recorrente e CC), pelo que em nenhum momento seria necessário solicitar, ao contrário do referido a fls. 16 do Acórdão recorrido, a prorrogação de prazo, junto da então denominada Inspecção-Geral do Trabalho.
29. Também aqui efectuou o Tribunal Recorrido, uma deficiente interpretação da matéria de facto, no direito aplicável, que expressamente se requer seja reavaliada por V. Exas., Venerandos Juízes Conselheiros, para os devidos e legais efeitos.
30. O Tribunal recorrido faz ainda referência ao Acórdão da Relação de 13.12.2006, Proc, 7867/06-4, em que o Senhor Juiz Relator então interveio como adjunto, mais referindo que nos encontrávamos perante igual matéria de facto e de direito.
31. Bastará (uma) análise perfunctória do dito Acórdão para verificar que nenhuma relação existe entre a matéria de facto nele dada como provada e a dos presentes autos.
32. Nesse outro Acórdão existiam contratos de utilização de duração superior a um ano, não motivados, ao abrigo dos quais o então A. tinha trabalhado nas instalações da R. - não é o caso dos autos.
33. A Recorrente, ao contrário do referido no Acórdão agora Recorrido não pretendeu "tornear qualquer dispositivo legal".
34. Os contratos juntos aos autos têm números diferentes: duração distinta; sendo que o Recorrido laborou em locais também diferentes: contratado com base em motivos também diferentes (que estiveram na base de acréscimo temporário ou excepcional), ligados à actividade da Recorrente e nunca teve mais de um ano seguido a laborar nas instalações da R. (cfr. ponto 9 da matéria de facto dada como provada).
35. Os contratos de utilização de trabalho temporário, neste caso, encontravam-se devidamente motivados, tinham todos duração inferior a 1 ano e, no seu conjunto, de forma seguida, nunca ultrapassaram a dita duração de 1 ano, sendo certo que o A. trabalhou em locais diferentes das fábricas da R., ao abrigo de motivos também diferentes - não era esta a situação do Acórdão da Relação de 13.12.2006, Proc. 7867/06-4.
36. O Recorrido, caso quisesse reclamar direitos por existir irregularidade nos contratos de trabalho temporário a termo incerto celebrados com CC, Lda., ou decorrentes dos mesmos, teria que o fazer no prazo de um ano após a cessação do último contrato de trabalho temporário e contra CC, o que não aconteceu;
37. Deveria o A./Recorrido ter instado a CC, Lda., pois a Recorrente é alheia à relação contratual existente entre aquele e tal empresa e não pode ser penalizada por eventual "vício" ou irregularidade nessa relação jurídica em que não era nem podia ser parte.
38. A fls. 17 do Acórdão Recorrido pode também ler-se:
"Por outro lado, nenhuma relevância pode ser conferida, como parece pretender a apelante, à circunstância de o Autor não ter trabalhado entre 10/8/2004 e 31/8/2004 e entre 12/8/2004 e 4/9/2005. Face a esses lapsos temporais e ao período do ano, tudo aponta para que tal ausência se devesse ao gozo de férias, sendo que a Ré não veio alegar e provar, como lhe competia, que tais ausências devessem ser qualificadas como faltas injustificadas. E mesmo nesta hipótese não se vislumbra em que é que tal circunstância alteraria aos dados da questão."
39. A Recorrente, não teria que provar ou demonstrar, que durante o período compreendido entre 10/8/2004 e 31/8/2004 e entre 12/8/2005 e 4/9/2005, o Recorrido estava a faltar injustificadamente, outrossim que não laborou nas suas instalações enquanto trabalhador temporário, o que logrou conseguir.
40. As faltas são, no regime de trabalho temporário em vigor, à data da entrada da acção em juízo, sempre contabilizadas pela empresa de trabalho temporário, que tem que garantir o fornecimento de mão-de-obra e liquidar a remuneração dos trabalhadores temporários, com base na assiduidade dos seus trabalhadores.
41. A Recorrente só teria, eventual obrigação de participar, na pendência de contrato de utilização em vigor, à empresa de trabalho temporário, as ausências do trabalhador, mas nunca lhe podia computar faltas.
42. O Recorrido não prestou serviço nos períodos identificados na conclusão 15. conforme resulta dos (docs. 10 e 11) juntos com a contestação de fls... dos autos.
43. A Recorrente demonstrou, como devia, que durante aqueles períodos o Recorrido não lhe prestou serviço, conforme ponto 9 da matéria dada como provada - e isso é suficiente para demonstrar que não foram excedidos os limites máximos de trabalho temporário, previstos na lei então aplicável.
44. Também aqui, salvo melhor opinião e respeito por opinião contrária, foi efectuado um deficiente enquadramento da matéria de facto no direito aplicável, em vigor, ao tempo da prática dos factos no que tange ao regime de faltas.
45. Incorreu a sentença recorrida na violação do disposto no art. 9º, n° 8 do DL 358/89 então em vigor, não levou em consideração o Acórdão da Relação de Lisboa, Proc. n° 1/2001, de 15.03.2001, junto com as alegações de recurso para a Relação de Lisboa e, efectuou uma deficiente análise da matéria de facto constante do Acórdão da Relação de Lisboa a que o Senhor Juiz Relator fez referência no Acórdão recorrido.
46. De todo o exposto, se conclui COM PROFUNDA CONVICÇÃO que a sentença e Acórdão Recorrido dos autos efectuou uma deficiente interpretação e por isso violou o disposto nos art. 9º nº 8 e art. 10° do DL n° 358/89, com a alteração introduzida pela Lei n° 146/99 de 1 de Setembro, e decidiu em sentido contrário ao Acórdão da Relação de Coimbra, Proc. n° 1/2001, proferido em 15/03/2001, em que foi relator o Senhor Juiz Desembargador Jaime Ferreira.
47. Por tudo, deverá ser considerado que a Recorrente nada deve ao Recorrido, e que o mesmo não foi objecto de despedimento ilícito, tanto assim que foi avisado pela sua entidade empregadora (ETT), que não deveria comparecer mais nas instalações do utilizador, tendo esta promovido a caducidade do contrato celebrado com aquele - conforme resulta da matéria de facto provada -ponto 16.
Termina protestando a revogação do Acórdão do Tribunal da Relação, e que seja substituído por outro que declare improcedente a acção do Recorrido e absolva a Recorrente dos pedidos, dando, assim, provimento ao presente Recurso.

Contra-alegou o recorrido que pugnou pela manutenção do julgado.

Neste Supremo Tribunal, a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido de ser negada a Revista, e confirmada a decisão das instâncias, embora com diverso fundamento, que concretiza em dever ter-se por verificada a convolação do contrato atenta a nulidade do motivo invocado para a celebração dos contratos.

Notificado o douto Parecer às partes, veio a Recorrente exercer o contraditório, e não concordando com o expendido no mesmo, conclui ser-lhe inaplicável a argumentação ali expendida por não ter esta celebrado qualquer contrato a termo com o Recorrido, continuando a defender a sua posição exposta na alegação da revista.


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber:
- da nulidade do Acórdão recorrido;
- dos contratos de utilização de trabalho temporário e da sua conversão, ou não, em contrato por tempo indeterminado;


- da ilicitude do despedimento do Autor.


I I) Fundamentação

A – De facto.

Não se colocando aqui qualquer das situações a que se reporta o nº2 do artº722º do Código de Processo Civil, há que considerar que a Relação considerou provados os seguintes factos:

1 - Em 01.01.2004, a R., na qualidade de primeira outorgante, e a chamada “CC, Lda.”, na qualidade de segunda outorgante, outorgaram entre si um acordo escrito, que intitularam de “Contrato de Utilização de Trabalho Temporário”, com início em 01.01.2004 e fim em 30.04.2004, do qual constam, das relevantes, as seguintes cláusulas:
“1) A BB estabelece com a CC o presente contrato, pela necessidade que tem de fazer face a acréscimo de trabalho, passagem de regime de trabalho de 3 para 4,5 equipas, que se prevê temporária, relacionado com o aumento de encomendas resultantes de “cessões do T5”, que se prevê temporário e cuja necessidade não deverá ultrapassar o tempo previsto no artigo 9, nº 1, al. c) do DL 358/89.
2) A SGPS contrata à CC (13) treze trabalhadores para exercer funções de praticante, no sector do Temperado (…).”
2 - Em 01.05.2004 a R., na qualidade de primeira outorgante, e a chamada “CC, Lda.”, na qualidade de segunda outorgante outorgaram entre si um acordo escrito, que intitularam de “Contrato de Utilização de Trabalho Temporário”, com início em 01.05.2004 e fim em 09.08.2004, do qual constam, das relevantes, as seguintes cláusulas:
“1) A BB estabelece com a CC o presente contrato, pela necessidade que tem de fazer face a acréscimo de trabalho, do fornecimento não previsto do Jaguar, que se prevê temporário e cuja necessidade não deverá ultrapassar o tempo previsto no artigo 9, nº 1, al. c) do DL 358/89.
2) A SGPS contrata à CC (15) quinze trabalhadores para exercer funções de praticante, no sector do Temperado (…).”
3 - Em 01.09.2004 a R., na qualidade de primeira outorgante, e a chamada “CC, Lda.”, na qualidade de segunda outorgante, outorgaram entre si um acordo escrito, que intitularam de “Contrato de Utilização de Trabalho Temporário”, com início em 01.09.2004 e fim em 31.12.2004, do qual constam, das relevantes, as seguintes cláusulas:
“1) A BB estabelece com a CC o presente contrato, pela necessidade que tem de fazer face a acréscimo de trabalho, do fornecimento não previsto do Opel Corsa (Alemanha), que se prevê temporário e cuja necessidade não deverá ultrapassar o termo previsto no artigo 9, nº 1, al. c) do DL 358/89.
2) A SGPS contrata à CC (13) treze trabalhadores para exercer funções de praticante, no sector do Temperado (…).”
4 - Em 01.01.2005 a R., na qualidade de primeira outorgante, e a chamada “CC, Lda.”, na qualidade de segunda outorgante, outorgaram entre si um acordo escrito, que intitularam de “Contrato de Utilização de Trabalho Temporário”, com início em 01.01.2005 e fim em 30.04.2005, do qual constam, das relevantes, as seguintes cláusulas:
“1) A BB estabelece com a CC o presente contrato, pela necessidade que tem de fazer face a acréscimo de trabalho, de produtos com serigrafia a implicar reinjecções manuais, que se prevê temporário e cuja necessidade não deverá ultrapassar o tempo previsto no artigo 9, nº 1, al. c) do DL 358/89.
2) A BB contrata à CC (13) treze trabalhadores para exercer funções de praticante, no sector do Temperado (…).”
5 - Em 01.05.2005 a R., na qualidade de primeira outorgante, e a chamada “CC, Lda.”, na qualidade de segunda outorgante, outorgaram entre si um acordo escrito, que intitularam de “contrato de utilização de trabalho temporário”, com início em 01.05.2005 e fim em 31.08.2005, do qual constam, das relevantes, as seguintes cláusulas:
“1) A BB estabelece com a CC o presente contrato, pela necessidade que tem de fazer face a acréscimo de trabalho, de produtos com serigrafia a implicar reinjecções manuais, que se prevê temporário e cuja necessidade não deverá ultrapassar o tempo previsto no artigo 9, nº 1, al. c) do DL 358/89.
2) A BB contrata à CC (15) quinze trabalhadores para exercer funções de praticante, no sector do Temperado (…).”
6 - Em 01.09.2005 a R., na qualidade de primeira outorgante, e a chamada “CC, Lda.”, na qualidade de segunda outorgante, outorgaram entre si um acordo escrito, que intitularam de “Contrato de Utilização de Trabalho Temporário”, com início em 01.09.2005 e fim em 31.12.2005, do qual constam, das relevantes, as seguintes cláusulas:
“1) A BB estabelece com a CC o presente contrato, pela necessidade que tem de fazer face a acréscimo de trabalho, de produtos com serigrafia a implicar reinjecções manuais, carga manual, serigrafia no Forno BT motivada por novo produto X-83 Renault/Nissan, que se prevê temporário e cuja necessidade não deverá ultrapassar o tempo previsto no artigo 9, nº 1, al. c) do DL 358/89.
2) A BB contrata à CC (14) catorze trabalhadores para exercer funções de praticante, no sector do Temperado (…).”
7 – Foi celebrado entre a chamada “CC – Empresa de Trabalho Temporário, Lda.”, na qualidade de primeiro outorgante, e o A., na qualidade de seguindo outorgante, um acordo escrito, que as partes intitularam de “Contrato de Trabalho a Prazo”, nos termos do qual foi atribuída ao A. a categoria profissional de “praticante”, com um vencimento mensal de € 636,60 e do qual constam, das relevantes, as seguintes cláusulas:
“1º O contrato de trabalho é celebrado a termo incerto, tendo início em 06.01.2004.
2º O contrato de trabalho é celebrado a termo incerto e justifica-se pela necessidade que o primeiro outorgante tem em fazer face ao aumento de trabalho que se prevê temporário, tendo em conta os contratos de Cedência de Mão-de-obra celebrados até ao momento pelo primeiro outorgante. O referido contrato enquadra-se assim na alínea h) do nº 2 do artigo 129 conjugado com a alínea g) do artigo 143º, ambos do código do trabalho.
(…)
5º O presente contrato de utilização temporária é celebrado a termo incerto e tem como fundamento a necessidade de cumprir com o contrato de utilização celebrado com a BB – ..., SA, constando neste como justificação a necessidade que tem de fazer face a acréscimos de trabalho, que prevê temporário.”
8 – Foi celebrado entre a chamada “CC – Empresa de Trabalho Temporário, Lda.”, na qualidade de primeiro outorgante, e o A., na qualidade de seguindo outorgante, um acordo escrito, que as partes intitularam de “Contrato de Trabalho a Termo Incerto”, nos termos do qual foi atribuída ao A. a categoria profissional de “praticante”, com um vencimento mensal de € 660,80 e do qual constam, das relevantes, as seguintes clausulas:
“1º O contrato de trabalho é celebrado a termo incerto, tendo início em 31.08.2004.
2º O contrato de trabalho é celebrado a termo incerto e justifica-se pela necessidade que o primeiro outorgante tem em fazer face ao aumento de trabalho que se prevê temporário, tendo em conta os contratos de Cedência de Mão-de-obra celebrados até ao momento pelo primeiro outorgante. O referido contrato enquadra-se assim na alínea h) do nº 2 do artigo 129 conjugado com a alínea g) do artigo 143 ambos do código do trabalho.
(…)
5º O presente contrato de utilização temporária é celebrado a termo incerto e tem como fundamento a necessidade de cumprir com o contrato de utilização celebrado com a BB – ..., SA, constando neste como justificação a necessidade que tem de fazer face a acréscimos de trabalho, que prevê temporário.”
9 – O A. prestou a sua actividade nas instalações da R., excepto nos períodos compreendidos entre 01.08.2004 e 31.08.2004 e entre 12.08.2005 e 04.09.2005, e fê-lo sob as ordens, direcção e fiscalização deste, na “fábrica do temperado”, em regime de três turnos rotativos, integrado em equipe, a realizar tarefas distintas junto das seguintes linhas:
- laterais II continuo e descontínuo e forno BT;
- laterais IV e forno BT e
- laterais I e forno BT.
10 – A R. participou à chamada CC, Lda., que iria deixar de necessitar da prestação dos serviços de um trabalhador temporário por diminuição das encomendas do cliente relativamente ao qual tinham ambas celebrado o contrato de utilização de trabalho temporário para o período compreendido entre 31.08 e 31.12 de 2005.
11 – Em 14.12.2005 a chamada “CC, Lda.” enviou ao A., através da “PT Comunicações”, um telegrama com o seguinte teor: “Último dia na BB dia 15-12 para qualquer dúvida entrar em contrato com a CC”.
12 - A "PT Comunicações" informou a chamada "CC, Lda." que o referido telegrama "por se tratar de um telegrama normal, foi postalizado no mesmo dia não tendo sido devolvido até à presente data".
13 - No dia 16 de Dezembro de 2005, à meia-noite, quando o A. se preparava para iniciar o seu turno com os restantes colegas da equipa, não conseguiu aceder às instalações da R., uma vez que o seu cartão de acesso (cartão magnético de identificação, emitido pela R., que, uma vez accionado, permitia o acesso às instalações desta) se encontrava bloqueado.
14 - Tendo-se dirigido à Portaria para expor a situação, foi dito ao A. pelo trabalhador que se encontrava naquele local que já não fazia parte da lista das pessoas autorizadas a entrar.
15 - Posteriormente, tendo solicitado esclarecimentos por telefone, o pai do A. foi informado pela Direcção dos Recursos Humanos da R. que o A. não trabalharia mais nas instalações daquela, razão pela qual tinha sido bloqueado o seu cartão de acesso.
16 – Em data que não foi possível apurar, mas que se situa entre 16 e 19 de Dezembro de 2005 a chamada “CC, Lda.” elaborou uma carta, datada de 14.12.2005, que o A. não quis receber ou assinar, com o seguinte teor:
“Assunto: Caducidade de contrato de trabalho a termo incerto.
Ex.mo Senhor,
Vimos por este meio, informar V. Exa que a CC – Empresa de Trabalho Temporário, Lda., de acordo com a indicação do utilizador e o telegrama enviado no dia 14 de Dezembro de 2005 e recebido por si no mesmo dia, prevê a conclusão dos trabalhos que presta, ao serviço da empresa BB, terminem nos prazos abaixo indicados.
Assim sendo, cumprindo o prazo de viso prévio de 30 dias previstos na lei, a nossa empresa vem pela presente comunicar a V. Exa, nos termos do disposto no artigo 389º do Cód. Do trabalho, que o contrato de trabalho a termo incerto celebrado em 31 de Agosto de 2004, irá cessar por caducidade no próximo dia 15 de Janeiro de 2006.
Sem outro assunto(…).”
17 – No dia 16 de Dezembro de 2005 o autor auferia a remuneração mensal de € 680,70, acrescida de um subsídio de turno no montante de € 242,73.

B - Do Direito

· Da nulidade do Acórdão recorrido:

A recorrente nas suas conclusões (9ª e 10ª) vem suscitar a questão da nulidade do Acórdão, invocando omissão de pronúncia sobre questão levantada pela Recorrente

Antes de mais, importa saber se estamos, perante o ponto de vista processual, perante uma arguição correcta.
Desde já se adianta que não.

Na verdade, o anúncio e motivação de tal arguição foi reservada para as alegações da revista.
Segundo o artigo 77.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo D.L. nº 480/99, de 9 de Novembro, “a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso”.
Tal disposição é inequívoca acerca da forma que a arguição das nulidades da sentença deve assumir, em caso de recurso: essa arguição tem de ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso.
Assim o tem entendido a Jurisprudência deste Supremo (1):
“II - Tal exigência, ditada por razões de celeridade e economia processual, destina-se a permitir que o tribunal recorrido detecte, rápida e claramente, os vícios arguidos e proceda ao seu eventual suprimento, sendo que exigência é, igualmente, aplicável à arguição de nulidades assacadas aos acórdãos da Relação, atento o disposto no art. 716.º, nº 1, do CPC.
III - Deste modo, está vedado às partes reservar a sobredita arguição para as alegações de recurso, pois se o fizerem o tribunal ad quem não poderá tomar dela conhecimento, por extemporaneidade invocatória”.

Segundo a jurisprudência pacífica desde Supremo Tribunal – e por via do disposto no artigo 716.º n.º 1 do C.P.C. – tal regime é igualmente aplicável à arguição de nulidades assacadas aos acórdãos da Relação.

É que nos recursos interpostos para o Supremo, havendo uma clara separação formal e temporal entre os aludidos requerimento e as alegações, impõe-se que aquele requerimento contenha a adequada motivação da nulidade, a par, bem entendido, do seu prévio anúncio – por forma a que o órgão recorrido possa, desde logo, pronunciar-se sobre o vício aduzido.
Aguardando o recorrente a apresentação das alegações para o fazer, podem estas ficar parcialmente inúteis, já que o eventual reconhecimento e consequente reparação do vício podem modificar o objecto do recurso.

No caso sub judice, no requerimento de interposição de recurso –fls. 336 - a Recorrente omitiu toda e qualquer alusão a pretensas nulidades do Acórdão, reservando a sua adução para as subsequentes alegações.

Ficou, assim, este Supremo Tribunal impedido de apreciar tais vícios.

· Dos contratos de utilização de trabalho temporário e da sua conversão, ou não, em contrato por tempo indeterminado:

Entendeu-se na 1ª Instância, o que foi secundado pela Relação, que “tendo o segundo contrato de utilização de trabalho temporário celebrado entre a Ré e CC atingido o limite de 12 meses em 1 de Setembro de 2005, o Autor continuou ao serviço da Ré até 15/12/2005, adquirindo, assim, a condição de trabalhador, vinculado por contrato sem termo, da Ré, já que foram excedidos os períodos máximos previstos na lei para o trabalho temporário”.

Opostamente alega a recorrente “não estarmos perante a renovação do mesmo contrato, mas sim diante de diversos contratos, autónomos entre si, sendo que nenhum contrato excedeu 12 meses de duração e o Autor não prestou serviços nas instalações da recorrente por período superior seguido a 12 meses, no mesmo local e pelo mesmo motivo, não se podendo falar em renovações de contratos ou que foram excedidos os limites de utilização de trabalho temporário”.

Vejamos:
Da factualidade que este Supremo tem de acatar (cfr. Pontos 3 a 6 da MF), resulta que o Autor laborou para a Ré, sob as ordens e direcção da mesma, de 01/09/2004 até 15/12/2005, ao abrigo de um contrato a termo incerto celebrado com CC – Empresa de Trabalho Temporário, Ldª, sendo que, por contratos outorgados entre a Ré e esta empresa, a última cedeu à primeira trabalhadores, entre os quais se encontrava o Autor, contratos que foram firmados para produzirem efeitos nos termos referidos nos pontos 1 a 6 da matéria de facto, tendo, nesse âmbito, o Autor, prestado trabalho até 15/12/2005, excepto nos períodos compreendidos entre 01/08/2004 e 31/08/2004 e entre 12/08/2005 e 04/09/2005, na “fábrica do temperado”, em regime de três turnos rotativos, integrado em equipa, a realizar tarefas distintas junto das seguintes linhas:
- laterais II continuo e descontínuo e forno BT;
- laterais IV e forno BT e
- laterais I e forno BT.

Provado ficou, pois, que naquele período, em continuidade, o Autor – que se encontrava vinculado por um contrato de trabalho a termo incerto com a - CC - Empresa de Trabalho Temporário, Ldª.- laborou para a Ré por cedência desta empresa.

Como resulta do supra descrito, a actividade prestada pelo Autor no âmbito do contrato de trabalho temporário celebrado com aquela empresa e para cumprimento, por parte desta, dos contratos de utilização de trabalho temporário que celebrou com a Ré, ocorreu nos períodos de 01.01.2004 a 09.08.2004 e de 01.09.2004 a 31.11.2005.
Ora, o contrato de utilização vigente neste último período (01.09.2004 a 31.11.2005), atingiu o limite de 12 meses em 01.09.2005, tendo continuado a vigorar entre as partes pelo menos até 15.12.2005, pelo menos no que diz respeito ao Autor (vide MF pontos 10 e sgs.).
É este último período que a sentença da 1ª instância refere como “segundo contrato de utilização” e que motivou o esclarecimento que a Recorrente, nas conclusões do recurso (cls. 6 e 7), protesta dever ser feito.

Importa, então, saber se atento o prazo dos contratos de utilização de trabalho temporário sucessivamente celebrados com o Autor se verificou a conversão em contrato por tempo indeterminado.



Transcreve-se, para situar juridicamente a natureza do contrato de trabalho em causa, o expendido no Acórdão da Relação:
“O contrato de trabalho temporário está regulamentado pelo DL nº 358/89, de 17/10 (que passaremos a designar por LTT).
Importa referir que a Lei n.º 99/2003 de 27/08, que aprovou o Código do Trabalho, apenas revogou os artigos 26º a 30º daquele diploma - cfr. o respectivo art. 21º n.º 1 al. n). Nos termos do artº 2º, al. d) de tal diploma, contrato de trabalho temporário é o contrato de trabalho “celebrado entre uma empresa de trabalho temporário e um trabalhador, pelo qual este se obriga, mediante retribuição daquela, a prestar temporariamente a sua actividade a utilizadores”.
Por sua vez o artº 3º, nº 1, dispõe que a “empresa de trabalho temporário tem por objecto a actividade de cedência temporária de trabalhadores para utilização de terceiros utilizadores (…)”.
O contrato de trabalho temporário (também denominado de locação de mão de obra) traduz-se na cedência de uma empresa a outra, a título oneroso e por tempo limitado, da disponibilidade da força de trabalho de um ou mais trabalhadores, sendo remunerados pela empresa cedente, mas integrando-se na empresa utilizadora a cujas ordens e disciplina ficam sujeitos.
Como escreve Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, 1991, pag. 602, a “cessão de trabalhadores, chamada entre nós, por influência francesa, “trabalho temporário”, corresponde a um contrato de trabalho de conteúdo típico, só muito recentemente fixado na lei. Nos seus termos, uma empresa - a “empresa de trabalho temporário” - contrata trabalhadores que irá, depois ceder temporariamente a terceiros - as empresas utilizadoras - com fins lucrativos”.
Temos, assim, e conforme resulta da LTT, que o trabalho temporário tem a particularidade de ser um contrato de trabalho triangular em que a posição contratual da entidade empregadora é desdobrada entre a empresa de trabalho temporário e a empresa utilizadora, empresa esta que exerce em relação aos trabalhadores temporários e dentro de certos limites, os poderes de autoridade e de direcção, próprios da entidade empregadora, em relação àqueles trabalhadores”.

Ora, é manifesto que entre o trabalhador temporário e o utilizador não existe qualquer contrato, designadamente um contrato de trabalho, pelo que o utilizador não pode ser considerado juridicamente como empregador, salvo as excepções previstas na lei.
A actividade prestada por aquele ao utilizador, é feita por conta da empresa de trabalho temporário que o contratou, inexistindo, assim, vínculo laboral entre o utilizador e o trabalhador.
Contudo, o poder de direcção é exercido pelo utilizador por mera delegação da empresa de trabalho, já que “o trabalhador temporário tem como patrão a empresa de trabalho temporário que o contrata, remunera e detém sobre ele o poder disciplinar, embora o trabalho seja prestado sob as ordens e direcção deste. Entre o utilizador e o trabalhador temporário não existe qualquer vínculo laboral” (José de Castro Santos e Maria Teresa Rapoula, in Da Cessação do Contrato de Trabalho e Contratos a Termo – Do Trabalho Temporário, 1990, pag. 226).

É aqui que releva o que se dispõe no artº 10º da LTT quando prescreve que “no caso de o trabalhador temporário continuar ao serviço do utilizador decorridos 10 dia
após a cessação do contrato de utilização de trabalho temporário sem que tenha ocorrido a celebração de contrato que o legitime, considera-se que o trabalho passa a ser prestado ao utilizador com base em contrato de trabalho sem termo, celebrado entre este e o trabalhado”.

E de harmonia com o artº 9º na parte que nos interessa:
A celebração do contrato de utilização de trabalho temporário só é permitida nos seguintes casos: … c) Acréscimo temporário ou excepcional de actividade, incluindo o devido a recuperação de tarefas ou da produção”- al. c) do nº 1
“Nos casos previstos na alínea c) do n.º 1, a duração do contrato não pode exceder 12 meses, podendo ser prorrogada até 24 meses desde que se mantenha a causa justificativa da sua celebração, mediante autorização da Inspecção-Geral do Trabalho” - nº 5;
Considera-se como um único contrato aquele que seja objecto de uma ou mais renovações”- nº 8.

Daqui decorre que iniciando o A. a prestação do seu trabalho ao serviço da Ré, por cedência da CC - Empresa de Trabalho Temporário, Ldª, em 01/09/2004, e já que não foi alegado ou provado que houve lugar a prorrogação nos termos do supra citado preceito, haveria que considerar que o contrato de utilização do trabalho temporário do Autor finalizaria um ano depois daquela data.
Simplesmente, ficou apurado que após a data em que, legalmente, a duração do contrato de utilização de trabalho temporário do autor se haveria de considerar excedida, continuou este a laborar ao serviço da Ré, e ainda sob a forma de utilização de trabalho temporário, perdurando essa situação por mais de dez dias – até 15/12/2005.

No contexto referido impera, pois, a aplicação do prescrito no citado artº 10º do D.L. nº358/89, pelo que, passados que foram dez dias sobre a duração máxima do contrato de utilização do trabalho temporário do autor, se tem de considerar que o trabalho pelo mesmo desempenhado a partir daí passou a ser prestado ao utilizador – Ré – com base em contrato de trabalho sem termo.

Desta forma, subsistindo a qualidade do autor como trabalhador da Ré sustentado em contrato sem termo, a cessação da relação jurídico-laboral estabelecida entre ambos por vontade unilateral da ora Recorrente configura um despedimento ilícito.

· Da ilicitude do despedimento do Autor:

A Recorrente não pôs em causa a decisão que considerou a existência de um despedimento ilícito, embora tal pudesse decorrer da decisão relativa às questões levantadas e que foram objecto de apreciação e decisão.

Assim, face ao supra expendido, não há que apreciar tal questão.

I I I )
Pelo que ficou exposto, nega-se a revista.
Custas pela Recorrente.

Lisboa, 4 de Maio de 2011

Sampaio Gomes (Relator)
Pereira Rodrigues
Pinto Hespanhol
_____________
1) Vide Acórdão do STJ de 20.01.2010, in www.dgsi.pt, Processo nº 228/09.8YFLSB.