Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08S237
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: LEI PROCESSUAL
VIOLAÇÃO DA LEI
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE
ACIDENTE DE TRABALHO
PRESUNÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: SJ2008042302374
Data do Acordão: 04/23/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
1. Segundo o disposto no n.º 1 do artigo 722.º do Código de Processo Civil, sempre que o recurso de revista seja o próprio, a possibilidade de cumular num único recurso a violação de lei substantiva e a violação de lei de processo está circunscrita ao caso em que seja admissível autonomamente o recurso de agravo quanto à matéria processual, nos termos do n.º 2 do artigo 754.º do mesmo Código.
2. No caso, versando o aresto recorrido sobre decisão da primeira instância que indeferiu o depoimento de parte, aplica-se a restrição do recurso de agravo para o Supremo Tribunal estabelecida no n.º 2 do artigo 754.º citado, já que não se verifica qualquer das excepções previstas no mesmo preceito.
3. Não se verificando a presunção referida no n.º 5 do artigo 6.º da LAT, já que a perturbação ou doença do foro auditivo e psiquiátrico de que o sinistrado padece não se manifestou imediatamente a seguir ao evento alegado como acidente de trabalho, competia àquele provar que tal perturbação ou doença teve origem naquele acontecimento, ónus que não se mostra cumprido.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Em 8 de Junho de 2004, no Tribunal do Trabalho do Porto (2.º Juízo), AA instaurou acção, com processo especial, emergente de acidente de trabalho, contra A BB – COMPANHIA DE SEGUROS, S. A., e CC – EMPRESA DE SEGURANÇA, S. A., pedindo a condenação das rés nos termos que se passam, de imediato, a enunciar:

Relativamente à CC:
– Seja a ré condenada a reconhecer:
(a) Que na noite do dia 9 para o dia 10 de Janeiro de 2003, agentes seus, obedecendo a ordens superiores, não deixaram que o autor iniciasse o serviço normal para que tinha sido escalado, fazendo-o conduzir ao escritório da empresa conhecido por «Central»; aí chegado, o autor foi encerrado num reduzido cubículo, dotado com uma simples mesa e cadeira, onde foi obrigado a permanecer durante cerca de 7 horas para ser presente na manhã do dia 10 a um interrogatório levado a cabo por superior;
(b) Que a permanência insólita, injustificada e contra a vontade do autor nesse cubículo, agravada pelo facto de ser noite e lugar solitário, mantida por um agente da ré aí junto, foi suficiente para provocar no autor um estado de forte tensão;
(c) Que tal estado de tensão perdurou e gerou no autor distúrbios psíquicos e fisiológicos que determinaram a sua ida, no dia 14 de Janeiro de 2003, ao Hospital de Santo António, a fim de ser assistido;
(d) Que os factos anteriores foram determinantes na eclosão de um derrame, em 5 de Fevereiro de 2003, em razão do qual o autor foi assistido no Hospital de S. João no Porto;
(e) Que, em resultado desse derrame, o autor ficou com sequelas, designadamente dificuldades de visão, audição, abaixamento do nível de memória e afectado psiquicamente, conforme relatórios médicos juntos ao processo, cujo teor se dá como reproduzido;
– Seja a ré condenada:
(f) A indemnizar o autor por danos não patrimoniais em montante não inferior a € 5.000.

Relativamente à BB e à CC:
– Sejam as rés condenadas:
(g) A indemnizarem o autor da incapacidade que lhe for determinada, bem como das despesas feitas no montante de € 2.396,56 e das diferenças salariais de que em consequência ficou privado;
(h) Nos juros de mora, desde a citação sobre as quantias em dívida até integral pagamento, além do mais legal.

O autor requereu também exame por junta médica para determinação da sua incapacidade, apresentando os pertinentes quesitos.

A empregadora contestou, alegando que, pese embora o autor tivesse sido transportado aos seus escritórios, em 10 de Janeiro de 2003, não foi aí sequestrado ou enclausurado, ameaçado ou submetido a qualquer interrogatório, tendo a sua doença sido clinicamente classificada como doença natural, não existindo qualquer acidente de trabalho com produção de danos indemnizáveis.

Por sua vez, a seguradora contestou, sustentando que a situação descrita pelo autor na petição inicial não caracteriza um acidente de trabalho por ausência de um acontecimento externo que pela sua subitaneidade e imprevisibilidade tenha desencadeado lesões físicas ou psíquicas ao autor e que não existe nexo causal entre tal situação e o trabalho prestado, nem entre o evento e a lesão invocada pelo autor.

Foi proferido despacho saneador, desdobrando-se o processo para realização de exame por junta médica, em cujo apenso se fixou ao sinistrado a IPP de 22,656%.

Na audiência de julgamento, o autor requereu o seu próprio depoimento, o que foi indeferido, pelo que interpôs recurso de agravo dessa decisão.

Realizado o julgamento, proferiu-se sentença que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu as rés dos pedidos contra elas deduzidos.

2. Inconformado, o autor interpôs recurso de apelação, vindo posteriormente informar que mantinha interesse na apreciação do recurso de agravo, tendo a Relação do Porto decidido «negar provimento aos recursos de agravo e de apelação e manter as decisões impugnadas», sendo contra esta decisão que o autor se insurge, mediante recurso de revista, ao abrigo das seguintes conclusões:

«1ª O autor dá aqui como reproduzidas as conclusões do recurso de agravo interposto para o tribunal recorrido, as quais, sempre em seu modesto entendimento, merecem ponderação e a solução de direito, se se reconhecer que as condições em que esteve enclausurado o autor devem ser mais completamente averiguadas; o tribunal, em face das circunstâncias concretas, acolheu uma situação de manifesta desigualdade, na medida em que ouviu os algozes e não aceitou a audição da vítima.
2ª Na sequência dos factos narrados na petição, provados em parte, o autor sofreu um conjunto de distúrbios emocionais e psíquicos, que o levaram a entrar de imediato em situação de baixa médica, e o levou a seguir à urgência do Hospital de Santo António (14-01-2003), onde lhe foi diagnosticada uma enorme tensão e ansiedade aliada a um estado de insónia desde o referido evento; passados alguns dias (5-02-2003), o autor foi acometido de uma paralisia facial periférica do lado esquerdo, do que resultou o desvio da comissura labial (boca ao lado) e problemas de visão, passando a receber tratamentos no Hospital de S. João; também sobrevêm entretanto queixas de audição, comprovadas nos autos; verificaram-se sequelas quase imediatas do foro psiquiátrico, passando a ser acompanhado por um médico psiquiatra do Hospital de S. João, que lhe reconhece distúrbios psíquicos irreversíveis.
3ª Devendo o evento traumático considerar-se ocorrido no local de trabalho e no tempo de trabalho, há que, em face dos princípios da lei civil e Lei 100/97, verificar se pode ter-se como estabelecido o nexo causal entre o evento, melhor dito facto danoso, e as sequelas; se se considerar que o evento não é de todo indiferente às sequelas e que elas ocorreram num quadro de distúrbios emocionais seguidos ao evento, parece dever ter-se por assente, juridicamente, o nexo causal.
4ª É do conhecimento geral que a vivência de uma forte tensão e ansiedade, mais ou menos prolongada, é adequada a produzir distúrbios funcionais; tais distúrbios podem ser mais ou menos graves, conforme a natureza da causa e da pessoa.
5ª Não podendo, pois, concluir-se que o facto traumático não podia deixar de constituir a causa das sequelas do autor, tendo em conta a sua natureza e a das sequelas constatadas, deve ter-se por reconhecido o nexo causal.
6ª Acresce ainda que, no caso específico dos acidentes de trabalho, vigora a regra que estabelece a presunção do nexo causal, entre o facto e as sequelas, se estas advierem logo a seguir ao evento. Ora deve ser reconhecida imediação ou sucessão sem ruptura entre o facto traumático e as sequelas, evidenciada e comprovada documentalmente nos autos, sempre e na medida em que elas ocorreram, sequencialmente, dentro do quadro de distúrbios de que logo passou a sofrer o autor. Salvo todo o respeito, as instâncias, também quanto à sucessão e imediação, não subsumiram correctamente os factos à norma legal.
7ª Para arredar a existência de tal nexo, competia a qualquer das rés, a prova de que o facto considerado traumático era de todo em todo indiferente à produção das sequelas constatadas, o que não aconteceu, ou a demonstração, através de factos, de que a imediação dos distúrbios funcionais não existe — art.º 342-2 CC.
Não podendo ter-se como feita esta demonstração, e estando ao invés feita a demonstração de que as perturbações de que resultam as sequelas foram imediatas, há que ter como verificado o nexo causal.
8ª [O] recorrente entende estarem seguramente verificados todos os requisitos para que exista um acidente e ele seja qualificado como de trabalho.
9ª O entendimento das instâncias é bastante redutor e restrito no seu âmbito, e, a ser acolhido, deixará de fora, inconsideradamente, casos que o espírito da lei contempla.
10ª Mostram-se violadas as disposições enunciadas no corpo das alegações, designadamente as constantes dos art.º 6.º, n.os 1 e 5, da Lei n.º 100/97, de 13-09, art.º 6.º, n.º 1, do DL 143/99, de 30-04, art.os 563.º, 350.º, n.º 1, 342.º, n.º 2, do CC, de acordo com o sentido e interpretação dados.»

Termina referindo que «deve ser revogada a aliás douta decisão recorrida e reconhecer-se que se verificam os requisitos legais para a qualificação das sequelas do autor como acidente de trabalho».

As rés contra-alegaram, defendendo a confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta deduziu a questão prévia da inadmissibilidade do recurso relativamente à questão suscitada de natureza adjectiva (depoimento de parte) e, quanto ao mais, pronunciou-se no sentido de que a revista devia ser negada, parecer que, notificado às partes, motivou resposta do autor para discordar daquela posição.

3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar:

Se é admissível o depoimento de parte requerido pelo autor (conclusão 1.ª da alegação do recurso de revista);
Se o evento invocado pelo autor configura um acidente de trabalho e dá direito à correspondente reparação (conclusões 2.ª a 10.ª da alegação do recurso de revista).

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II

1. Antes de mais, importa conhecer da questão prévia da inadmissibilidade do recurso, na parte relativa ao pretendido depoimento de parte, suscitada no parecer da Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta, o qual foi oportunamente notificado às partes.

Na presente acção tem aplicação o disposto nos artigos 722.º, n.º 1, e 754.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, com a redacção conferida a este último preceito pelo Decreto-Lei n.º 375-A/99, de 20 de Setembro.

Segundo o estipulado no n.º 1 do artigo 722.º do Código de Processo Civil, sempre que o recurso de revista seja o próprio, a lei admite que, num único recurso do acórdão da Relação, se possa cumular como fundamento da revista, além da violação de lei substantiva, a violação de lei de processo.

Mas, para que a revista possa ser recebida com esta amplitude é necessário, como se extrai da citada norma do n.º 1 do artigo 722.º, que o recurso seja admissível no que concerne à matéria do agravo, ou seja, a possibilidade de cumular num único recurso a violação de lei substantiva e a violação de lei de processo está circunscrita ao caso em que seja admissível autonomamente o recurso de agravo quanto à matéria processual, nos termos do n.º 2 do artigo 754.º do mesmo Código.

Ora, de harmonia com o mencionado artigo 754.º, «não é admitido recurso do acórdão da Relação sobre decisão da primeira instância, salvo se o acórdão estiver em oposição com outro, proferido no domínio da mesma legislação pelo Supremo Tribunal de Justiça ou por qualquer Relação, e não houver sido fixada pelo Supremo, nos termos dos artigo 732.º-A e 732.º-B, jurisprudência com ele conforme» (n.º 2), sendo certo que «o disposto na primeira parte do número anterior [também] não é aplicável aos agravos referidos nos números 2 e 3 do artigo 678.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 734.º» (n.º 3).

No caso, o aresto recorrido versa sobre decisão da primeira instância que indeferiu o requerido depoimento do autor, pelo que se aplica a restrição do recurso de agravo para este Supremo Tribunal estabelecida no n.º 2 do artigo 754.º citado, já que não se verifica qualquer das excepções previstas na segunda parte daquele n.º 2, nem no n.º 3 do mesmo preceito.
Assim, impõe-se concluir que o recorrente impugna o acórdão recorrido com fundamento em violação de lei de processo de que não era admissível recurso, razão por que, nessa parte, julgando-se procedente a questão prévia suscitada pelo Ministério Público, decide-se não tomar conhecimento do recurso de revista em relação à matéria constante da conclusão 1.ª da respectiva alegação.

2. O tribunal recorrido deu como provada a seguinte matéria de facto:

A) O autor foi admitido ao serviço da ré em 1-05-97, mediante contrato sem termo, para, sob as suas ordens e direcção, prestar serviço de vigilância nos seus clientes, em locais e com horários pré-estabelecidos pela ré, mediante a retribuição que mercê dos sucessivos aumentos, em Janeiro de 2003 era de, pelo menos, 554,7 € x 14 meses, acrescida do subsídio de refeição de 4,86 € x 22 x 11 meses;
B) A 2.ª ré transferiu para a seguradora a responsabilidade infortunística, decorrente de acidentes de trabalho;
C) A co-ré CC nunca comunicou à co-ré BB qualquer acidente de trabalho ocorrido com o autor, em 9 de Janeiro de 2003;
D) Provado apenas que, no dia 9 de Janeiro de 2003, cerca das 24 horas, o autor chegou ao seu posto de vigilância no IPO — Liga Portuguesa Contra o Cancro —, sito na Estrada Exterior da Circunvalação, para iniciar o seu turno das 00H às 8 h e aí compareceu o vigilante chefe da ré DD, acompanhado de um vigilante para ficar no lugar do autor e disse-lhe que o deveria acompanhar na viatura em que se transportava às instalações da ré CC, sitas na Rua ..., no Porto;
E) Alguns dias depois de 10 de Janeiro de 2003, o autor foi ao médico, tendo entrado de baixa médica a partir de 13 de Janeiro de 2003;
F) A baixa médica do autor foi prorrogada e, a partir de Fevereiro de 2003, passou a ser acompanhado pelos serviços de psiquiatria do Hospital de S. João do Porto;
G) O autor apresentou uma queixa-crime contra empregados da ré CC;
H) O autor recorreu aos serviços do Hospital de Santo António;
I) Em 5 de Fevereiro de 2003 (corrigindo-se aqui o manifesto lapso de escrita existente a fls. 354, onde se escreveu na resposta ao quesito 18.º «5 de Fevereiro de 1005»), o autor sofreu um «Acidente Isquémico Transitório», tendo sido assistido no Centro de Saúde de Paranhos, sendo posteriormente encaminhado para os serviços do Hospital de S. João do Porto;
J) O autor sofre de problemas do foro auditivo e do foro psiquiátrico;
K) O autor tem sido acompanhado pelos serviços de psiquiatria no Hospital de S. João;
L) A partir de 10 de Janeiro de 2003, o autor não trabalhou mais na ré;
M) O autor efectuou diversas despesas em consultas médicas, taxas moderadoras, medicamentos e transportes em deslocações ao tribunal;
N) Não foi participado pela ré CC à ré BB qualquer acidente de trabalho ocorrido com o autor e que [sic] a ré seguradora nada tem pago ao autor;
O) Em visita de rotina às instalações do IPO, durante o turno de serviço do autor, das 0 às 8 horas, do dia 8 de Janeiro de 2003, o superior hierárquico do autor, RS, chamou-lhe à atenção para o facto de não ter mencionado em relatório o facto de as luzes do «reclame» da Liga Portuguesa Contra o Cancro se encontrarem apagadas, segundo referiu o autor, devido a avaria;
P) O autor reagiu de forma exaltada e agressiva à observação do RS, o que levou a que este tivesse elaborado o relatório escrito junto por fotocópia a fls. 145 e 146, no qual refere que o autor lhe disse que «lhe partia uma perna» se alguma coisa corresse mal para ele e o referido RS disse ao autor que seria convocado para comparecer no escritório da ré CC;
Q) O autor respondeu ao RS que apenas iria ao escritório durante o horário do seu turno e em transporte da empresa;
R) O autor não colocou qualquer objecção em entrar na viatura nem no escritório da ré CC;
S) Após ter chegado ao escritório da ré CC, o autor foi recebido pelo superior hierárquico FC e mandado aguardar a chegada do Delegado na Região Norte, Dr. ED, numa sala de pequenas dimensões e onde existiam apenas uma secretária e duas cadeiras e que servia para entrevistas e para reuniões com vigilantes;
T) Durante todo o tempo em que permaneceu no escritório da ré CC, a porta da sala referida na alínea anterior encontrava-se encostada e o autor foi por mais de uma vez ao quarto de banho, acompanhado do FC, que lhe indicou o caminho, e pelo menos por uma vez lhe serviu um copo de água, tendo também circulado no corredor;
U) O autor nunca manifestou qualquer vontade de abandonar as instalações;
V) Entre as 7h00 e as 7h30, o Delegado na Região Norte da ré CC, Dr. ED, chegou às instalações, tendo tido uma reunião com o autor na sala referida nas alíneas S) e T), na qual também esteve presente o FC, e, após a dita reunião, o autor foi levado em viatura da empresa conduzida pelo vigilante chefe Jorge Pacheco às instalações do IPO, onde se encontrava estacionada a sua viatura e onde chegaram cerca das 7h45;
W) O autor entrou de «baixa» por doença, em 13.01.2003, encontrando-se no documento junto por fotocópia a fls. 162, datado de 14 do mesmo mês, assinalado com um «X» o espaço reservado a Doença natural ou «DN»;
X) Desde o dia 10.01.2004 [sic] até à data da contestação, o autor não voltou a comparecer ao trabalho por conta da ré, nem por esta foi incumbido de prestar qualquer tarefa fosse em que lugar fosse;
Y) Nos documentos juntos por fotocópia a fls. 163 a 177, o autor por vezes referiu como motivo para justificação de ausências ao trabalho problemas de saúde;
Z) Um filho do autor teve problemas ligados com a toxicodependência;
AA) No recibo de vencimentos do autor, junto por fotocópia a fls. 178, e por este assinado, consta na coluna relativa a remunerações, sob a designação de «Segurança Social», a quantia 138,69 €;
BB) A ré CC emitiu e o autor assinou o recibo, junto por fotocópia a fls. 179, com o valor ilíquido de 1.109,52 € e líquido de 981,97 € e constando do mesmo na coluna de remunerações, «Proporcional de Subsídio de Férias – AC» e de «Férias não Gozadas»;
CC) No apenso para fixação da incapacidade, foi decidido que o autor se encontra afectado de uma IPP de 22, 656%.

O recorrente, na resposta ao parecer do Ministério Público, aduz que «não dispondo eventualmente o Supremo Tribunal de uma base de facto suficiente para a decisão de direito — admitindo que o que o autor alegou na p. i., contrariamente ao suposto pela 1.ª instância, pode configurar um acto caracterizador e causal de um acidente de trabalho — competirá ao Supremo utilizar o critério legal (art.º 729.º, n.º 3, do CPC) para determinar o cumprimento da lei. E, neste caso, a audição do autor, conforme requereu, pode melhor contribuir para a determinação do nexo causal.»

Como é sabido, a Relação pode modificar a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto sempre que se verifique qualquer das situações previstas no n.º 1 do artigo 712.º do Código de Processo Civil, e poderá também anular a decisão sobre a matéria de facto, mesmo oficiosamente, quando repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a sua ampliação (artigo 712.º, n.º 4, do Código de Processo Civil) ou ainda ordenar a fundamentação da decisão proferida pela primeira instância relativamente a algum ponto de facto que não estiver devidamente fundamentado (artigo 712.º, n.º 5, do Código de Processo Civil).

Todavia, em sede de revista, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do apuramento da matéria de facto relevante é residual e destina-se exclusivamente a apreciar a observância das regras de direito material probatório, previstas nos conjugados artigos 722.º, n.º 2, e 729.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do n.º 3 do artigo 729.º do mesmo diploma legal.

Nos termos dos conjugados artigos 729.º, n.º 3, e 730.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, este Supremo Tribunal pode mandar «julgar novamente a causa», quando «entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, ou que ocorrem contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito».

Porém, conforme se vem entendendo uniformemente, a faculdade concedida a este Supremo Tribunal de ordenar a ampliação da matéria de facto, só pode ser exercida no respeitante a factos articulados pelas partes ou de conhecimento oficioso, em consonância com o prevenido no artigo 264.º do Código de Processo Civil.

No caso, para além dos factos já considerados pelas instâncias, não se descortina qualquer outra factualidade, aduzida pelas partes ou de consideração oficiosa, com relevância para a decisão de direito, devendo notar-se que o recorrente não especifica a concreta insuficiência de que padecerá o quadro fáctico assente.

Por outro lado, a falta de prova sobre os factos quesitados, determinante de respostas de «não provado», traduz apenas a insuficiência da prova produzida e não a insuficiência da quesitação, sendo insusceptível de justificar a sugerida ampliação da decisão sobre a matéria de facto.

Doutro passo, não se vislumbram contradições na decisão sobre a matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito.

Não há, pois, fundamento para determinar a ampliação da matéria de facto ao abrigo do n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil, pelo que será com base no acervo factual enunciado que há-de ser resolvida a questão posta que sobeja.

3. O acontecimento invocado como acidente de trabalho ocorreu em 10 de Janeiro de 2003, pelo que o regime jurídico aplicável é o da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais), que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2000, conforme resulta da alínea a) do n.º 1 do seu artigo 41.º, conjugada com o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril (Regulamento da Lei de Acidentes de Trabalho), na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 382-A /99, de 22 de Setembro.

O artigo 6.º da Lei n.º 100/97, adiante designada por LAT, caracteriza como acidente de trabalho «aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte» (n.º 1).

Mas logo o n.º 2 do mesmo normativo estabelece a extensão do conceito de acidente de trabalho a outras situações, entre as quais figuram os acidentes ocorridos «[n]o trajecto de ida e regresso para e do local de trabalho, nos termos em que vier a ser definido em regulamentação posterior» [alínea a)], «na execução de serviços espontaneamente prestados e de que possa resultar proveito económico para a entidade empregadora» [alínea b)], «no local de trabalho, quando no exercício do direito de reunião ou de actividade de representante dos trabalhadores, nos termos da lei» [alínea c)], «no local de trabalho, quando em frequência de curso de formação profissional ou, fora do local de trabalho, quando exista autorização expressa da entidade empregadora para tal frequência» [alínea d)], «em actividade de procura de emprego durante o crédito de horas para tal concedido por lei aos trabalhadores com processo de cessação de contrato de trabalho em curso» [alínea e)] e, «fora do local e do tempo de trabalho, quando verificado na execução de serviços determinados pela entidade empregadora ou por esta consentidos» [alínea f)].

Segundo aquele artigo, entende-se por local de trabalho, «todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, directa ou indirectamente, sujeito ao controlo do empregador» (n.º 3) e por tempo de trabalho, «além do período normal de laboração, o que preceder o seu início, em actos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe seguir, em actos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho» (n.º 4).

O mesmo artigo prevê que «[s]e a lesão corporal, perturbação ou doença for reconhecida a seguir a um acidente presume-se consequência deste» (n.º 5) e que «se a lesão corporal, perturbação ou doença não for reconhecida a seguir a um acidente, compete ao sinistrado ou aos beneficiários legais provar que foi consequência dele» (n.º 6).

Por sua vez, o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 143/99 estipula que «é acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho, produzindo directa ou indirectamente, lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou morte» (n.º 1) e, enfim, o artigo 7.º do mesmo diploma legal estabelece que «a lesão constatada no local e no tempo de trabalho ou nas circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 6.º da lei presume-se, até prova em contrário, consequência de acidente de trabalho» (n.º 1) e que «se a lesão não tiver manifestação imediatamente a seguir ao acidente, compete ao sinistrado ou aos beneficiários legais provar que foi consequência dele» (n.º 2).

3.1. Discorrendo sobre o conceito de acidente de trabalho, MÁRIO BIGOTTE CHORÃO (Direito do Trabalho, volume II, lições policopiadas, Instituto de Estudos Sociais, Lisboa, 1970-1971, p. 127-128) define-o «como uma alteração do organismo determinada por uma causa violenta que actua por ocasião do trabalho e que provoca a morte do trabalhador ou a sua incapacidade para o trabalho», logo acrescentando, no que respeita ao requisito «ocasião do trabalho», que este requisito se considera preenchido nos chamados acidentes in itinere, «aduzindo-se que o trabalhador se expõe ao risco do trajecto para cumprimento das obrigações laborais, em suma, por motivos do trabalho», por isso, «ainda de algum modo, neste caso, a causa violenta e danosa actuará por ocasião do trabalho».

Por seu lado, FELICIANO TOMÁS RESENDE (Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Legislação Anotada, Coimbra Editora, Coimbra, 1971, p. 16--18), dando conta das redacções ensaiadas durante os trabalhos preparatórios da Lei n.º 2.127, de 3 de Agosto de 1965, e em anotação à Base V daquela Lei (Conceito de acidente de trabalho), refere que o texto final desse preceito «corresponde ao da proposta governamental, depois de substituída a palavra evento por acidente e de eliminada a expressão salvo quando a este inteiramente estranho, conforme uma proposta de substituição e de eliminação apresentada por um grupo de deputados e largamente discutida na Assembleia Nacional (v. Diário das Sessões, de 22-4-965, págs. 4805 a 4809), constando da intervenção de um dos autores da proposta de alteração que se eliminou a expressão salvo quando a este inteiramente estranho, “por se entender que esse elemento descaracterizador tinha assento noutro local e já aí estava compreendido tudo quanto pode descaracterizar o acidente”. Por outro lado, parece depreender-se da discussão havida que se reputou a palavra evento de significado inconvenientemente amplo, preferindo-se, com prejuízo do rigor formal da definição (tautologia), o termo acidente, com o sentido, em geral aceite pela doutrina e pela jurisprudência, de acontecimento ou evento súbito, inesperado e de origem externa (v., por ex., os acórdãos do STA de 16-11-937, 26-5-953 e 9-3-954, respectivamente, na Colecção, II, 381, XV, 285, e XVI, 122).»

Para MELO FRANCO («Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais», Direito do Trabalho, B.M.J., Suplemento, Lisboa, 1979, p. 62), citando SACHET, acidente é «o acontecimento anormal, em geral súbito, ou pelo menos de uma duração curta e limitada, que acarreta uma lesão à integridade ou à saúde do corpo humano».

Especificamente sobre o actual âmbito de reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho, ROMANO MARTINEZ (Direito do Trabalho, 2.ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, p. 779), citando CUNHA GONÇALVES e CARLOS ALEGRE, salienta que o acidente de trabalho «pressupõe que seja súbito o seu aparecimento, assenta numa ideia de imprevisibilidade quanto à sua verificação e deriva de factores exteriores».

Nesta linha de entendimento, refira-se que o Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, veio a acolher como noção de acidente de trabalho, «o sinistro, entendido como acontecimento súbito e imprevisto, sofrido pelo trabalhador que se verifique no local e no tempo de trabalho» (artigos 284.º, n.º 1).

Tudo para concluir que a noção de acidente de trabalho se reconduz a um acontecimento súbito, de verificação inesperada e origem externa, que provoca directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte do trabalhador, encontrando-se este no local e no tempo de trabalho, ou nas situações em que é consagrada a extensão do conceito de acidente de trabalho.

3.2. No caso, provou-se que, no dia 8 de Janeiro de 2003, em visita de rotina às instalações do IPO, durante o turno de serviço do autor, o superior hierárquico do autor, RS, chamou-lhe à atenção para o facto de não ter aludido em relatório que as luzes do reclamo da Liga Portuguesa Contra o Cancro estavam apagadas, devido a avaria facto provado O).

O autor reagiu de forma exaltada e agressiva à observação do RS, o que levou este a elaborar o relatório de fls. 145 e 146, no qual refere que o autor lhe disse que «lhe partia uma perna» se alguma coisa corresse mal para ele, e a informar o autor de que seria convocado para comparecer no escritório da ré CC, tendo o autor respondido que «apenas iria ao escritório durante o horário do seu turno e em transporte da empresa» factos provados P) e Q).

No dia 9 de Janeiro de 2003, cerca das 24 horas, o autor chegou ao seu posto de vigilância no IPO, para iniciar o seu turno, tendo aí comparecido o vigilante chefe da ré, DD, acompanhado de um vigilante para ficar no lugar do autor e disse-lhe que o deveria acompanhar na viatura em que se transportava às instalações da ré CC, não tendo o autor colocado «qualquer objecção em entrar na viatura nem no escritório da ré CC» factos provados D) e R).

Chegado àquele escritório, o autor foi recebido pelo superior hierárquico FC, que lhe determinou que aguardasse a chegada do Delegado na Região Norte, Dr. ED, numa sala de pequenas dimensões e onde existiam apenas uma secretária e duas cadeiras e que servia para entrevistas e para reuniões com vigilantes, sendo que «[d]urante todo o tempo em que permaneceu no escritório da ré CC, a porta da sala referida na alínea anterior encontrava-se encostada e o autor foi por mais de uma vez ao quarto de banho, acompanhado do FC, que lhe indicou o caminho, e pelo menos por uma vez lhe serviu um copo de água, tendo também circulado no corredor», nunca tendo o autor manifestado «qualquer vontade de abandonar as instalações» factos provados S) a U).

«Entre as 7h00 e as 7h30, o Delegado na Região Norte da ré CC, Dr. ED, chegou às instalações, tendo tido uma reunião com o autor na sala referida nas alíneas S) e T), na qual também esteve presente o FC, e, após a dita reunião, o autor foi levado em viatura da empresa conduzida pelo vigilante chefe Jorge Pacheco às instalações do IPO, onde se encontrava estacionada a sua viatura e onde chegaram cerca das 7h45» facto provado V).

Mais se apurou que:

Alguns dias depois de 10 de Janeiro de 2003, o autor foi ao médico, tendo entrado de baixa médica a partir de 13 de Janeiro de 2003 factos provados E) e W);
A baixa médica do autor foi prorrogada e, a partir de Fevereiro de 2003, passou a ser acompanhado pelos serviços de psiquiatria do Hospital de S. João do Porto factos provados F) e K);
– O autor apresentou uma queixa-crime contra empregados da ré CC[ facto provado G);
O autor recorreu aos serviços do Hospital de Santo António [facto provado H);
Em 5 de Fevereiro de 2003, o autor sofreu um «Acidente Isquémico Transitório», tendo sido assistido no Centro de Saúde de Paranhos, sendo posteriormente encaminhado para os serviços do Hospital de S. João do Porto [facto provado I);
O autor sofre de problemas do foro auditivo e do foro psiquiátrico[ facto provado J);
A partir de 10 de Janeiro de 2003, o autor não trabalhou mais na ré [factos provados L) e X)];
No apenso para fixação da incapacidade, foi decidido que o autor se encontra afectado de uma IPP de 22, 656% [facto provado CC)].

3.3. Como bem resulta da factualidade enunciada, provou-se que: (i) o autor esteve nas instalações da empregadora, entre as 00,00 horas e as 07,30 horas, do dia 10 de Janeiro de 2003, a aguardar a chegada do Delegado na Região Norte, Dr. ED, para participar numa reunião; (ii) alguns dias depois de 10 de Janeiro de 2003, o autor foi ao médico, tendo entrado de baixa médica a partir de 13 de Janeiro de 2003, a qual foi prorrogada e, a partir de Fevereiro de 2003, passou a ser acompanhado pelos serviços de psiquiatria do Hospital de S. João do Porto; (iii) em 5 de Fevereiro de 2003, o autor sofreu um «Acidente Isquémico Transitório», sendo assistido no Centro de Saúde de Paranhos e posteriormente encaminhado para os serviços do Hospital de S. João do Porto; (iv) a partir de 10 de Janeiro de 2003, o autor não trabalhou mais na ré, estando afectado de uma IPP de 22,656%, em consequência de perturbações do foro auditivo e do foro psiquiátrico.

Sucede, porém, que não se extrai dos factos materiais dados como provados qualquer vinculação causal entre a circunstância de o autor ter permanecido nos escritórios da empregadora, entre as 00,00 horas e as 7,30 horas, do dia 10 de Janeiro de 2003, e os sobreditos «baixa médica a partir de 13 de Janeiro de 2003», «Acidente Isquémico Transitório» e «perturbações do foro auditivo e do foro psiquiátrico».

E essa prova competia ao autor, nos termos do n.º 6 do artigo 6.º da LAT, bem como nos termos do n.º 2 do artigo 7.º do respectivo Regulamento, porquanto, tal como se salienta no acórdão recorrido, «dos autos não consta qualquer elemento que permita concluir, com o mínimo de certeza e segurança jurídica (cfr. respostas negativas aos quesitos 8.º a 12.º e 16.º da base instrutória), pelo reconhecimento, a seguir ao evento, de qualquer lesão do autor, tanto mais que está provado que o autor só foi ao médico, “alguns dias depois de 10 de Janeiro de 2003, tendo entrado de baixa médica a partir de 13 de Janeiro de 2003” (cfr. alínea E da matéria de facto)».

Para melhor elucidação importa conhecer o teor das respostas aos n.os 2 a 14, 16, 17 e 24 a 28 da base instrutória, que se passam a transcrever:

Perguntava-se no n.º 2 da base instrutória, «[n]o dia 9 de Janeiro de 2003, cerca das 24 horas, o autor chegou ao seu posto de vigilância no IPO — Liga Portuguesa Contra o Cancro —, sito na Estrada Exterior da Circunvalação, para iniciar o seu turno das 00h às 8 h e, inesperadamente foi conduzido aos escritórios da ré CC, e encerrado contra a sua vontade num cubículo de 2 m por 1 m, onde havia simplesmente uma mesa e uma cadeira?», o qual mereceu a seguinte resposta, «[p]rovado apenas que, no dia 9 de Janeiro de 2003, cerca das 24 horas, o autor chegou ao seu posto de vigilância no IPO — Liga Portuguesa Contra o Cancro —, sito na Estrada Exterior da Circunvalação, para iniciar o seu turno das 00H às 8 h e aí compareceu o vigilante chefe da ré DD, acompanhado de um vigilante para ficar no lugar do autor e disse-lhe que o deveria acompanhar na viatura em que se transportava às instalações da ré CC, sitas na Rua ..., no Porto»;
Perguntava-se no n.º 3 da base instrutória, «[a] porta de tal cubículo mantinha-se fechad[a] estando aí postado, do lado de fora, um vigilante da ré — FC —, que aí se manteve enquanto o autor se encontrava dentro de tal cubículo, absolutamente só?», o qual mereceu a seguinte resposta, «[n]ão provado»;
Perguntava-se no n.º 4 da base instrutória, «[o] autor era apenas autorizado a sair desse cubículo para satisfazer necessidades pessoais, sendo para isso sempre acompanhado pelo referido vigilante, e regressando depois ao mesmo sítio?», o qual mereceu a seguinte resposta, «[n]ão provado»;
Perguntava-se no n.º 5 da base instrutória, «[s]e porventura o autor abria a porta era imediatamente abordado pelo dito vigilante que lhe perguntava o que pretendia, dando a entender ao autor pelos modos e tom d[e] voz que aí tinha de permanecer?», o qual mereceu a seguinte resposta, «[n]ão provado»;
Perguntava-se no n.º 6 da base instrutória, «[e]stava assim impedida a saída do autor desse espaço até que fosse autorizado?», o qual mereceu a seguinte resposta, «[n]ão provado»;
Perguntava-se no n.º 7 da base instrutória, «[a]í foi obrigado a manter-se até às primeiras horas da manhã seguinte, cerca das 7 horas, sendo então levado para um interrogatório feito por um funcionário da ré, ED, por causa de uma discussão provocada por um vigilante chefe, sob o pretexto de que o autor não avisou que as luzes exteriores do próprio IPO estavam avariadas?», o qual mereceu a seguinte resposta, «[n]ão provado»;
Perguntava-se no n.º 8 da base instrutória, «[l]ogo depois do interrogatório, o autor chegou a casa absolutamente descontrolado e fora de si?», o qual mereceu a seguinte resposta, «[n]ão provado»;
Perguntava-se no n.º 9 da base instrutória, «[c]horando e evidenciando um profundo transtorno emocional?», o qual mereceu a seguinte resposta, «[n]ão provado»;
Perguntava-se no n.º 10 da base instrutória, «[f]oi levado ao médico e aconselhado a entrar em baixa?», o qual mereceu a seguinte resposta, «[p]rovado apenas que alguns dias depois de 10 de Janeiro de 2003, o autor foi ao médico, tendo entrado de baixa médica a partir de 13 de Janeiro de 2003»;
Perguntava-se no n.º 11 da base instrutória, «[o] que de facto sucedeu?», o qual mereceu a seguinte resposta, «[p]rovado apenas o que consta da resposta dada ao quesito anterior»;
Perguntava-se no n.º 12 da base instrutória, «[o] autor continuou transtornado psiquicamente, falando constantemente no que lhe havia sucedido e na falta de motivo para isso, tanto mais que era funcionário cumpridor dos seus deveres?», o qual mereceu a seguinte resposta, «[p]rovado apenas que a baixa do autor foi prorrogada e que, a partir de Fevereiro de 2003, passou a ser acompanhado pelos serviços de psiquiatria do Hospital de S. João, do Porto»;
Perguntava-se no n.º 13 da base instrutória, «[a]lgum tempo antes o autor tinha-se prontificado a ser testemunha num processo laboral do colega de trabalho, Mário Jorge Mesquita?», o qual mereceu a seguinte resposta, «[n]ão provado»;
Perguntava-se no n.º 14 da base instrutória, «[q]uando saiu da Central da empresa ré, às 8 h e 30 m, foi ameaçado pelo superior FC de que “quem remasse em sentido contrário com acções judiciais não servia para trabalhar na empresa”?», o qual mereceu a seguinte resposta, «[n]ão provado»;
Perguntava-se no n.º 16 da base instrutória, «[e]m consequência de tudo isto, o autor ficou numa situação de depressão, ansioso, não dormia, mostrando-se muito agressivo?», o qual mereceu a seguinte resposta, «[n]ão provado»;
Perguntava-se no n.º 17 da base instrutória, «[d]ado que não melhorava o seu estado, e mantendo sempre os sintomas de forte transtorno nervoso, o autor recorreu, em 14-01-2003, ao Hospital de Santo António, onde foi observado e medicado?», o qual mereceu a seguinte resposta, «[p]rovado apenas que o autor recorreu aos serviços do Hospital de Santo António»;
Perguntava-se no n.º 21 da base instrutória, «[o] autor tem feito regularmente, desde o enclausuramento de 9 para 10 de Janeiro, consultas médicas de psiquiatria?», o qual mereceu a seguinte resposta, «[p]rovado apenas o que consta da resposta dada ao quesito anterior [com o seguinte teor: «[p]rovado apenas que o autor tem sido acompanhado pelos serviços de psiquiatria no Hospital de S. João»]»;
Perguntava-se no n.º 24 da base instrutória, «[a]ntes do enclausuramento ou sequestro a que foi sujeito pelos serviços da ré não evidenciava qualquer doença nem apresentava quaisquer sintomas que levassem a supor que ia ter algum derrame?», o qual mereceu a seguinte resposta, «[n]ão provado»;
Perguntava-se no n.º 25 da base instrutória, «[c]om 47 anos, podia considerar-se pessoa saudável?», o qual mereceu a seguinte resposta, «[n]ão provado»;
Perguntava-se no n.º 26 da base instrutória, «[f]requentando apenas o médico de família apenas para consultas de rotina?», o qual mereceu a seguinte resposta, «[n]ão provado»;
Perguntava-se no n.º 27 da base instrutória, «[n]a sequência dos factos referidos nos artigos anteriores, o autor passou a necessitar de acompanhamento médico regular?», o qual mereceu a seguinte resposta, «[p]rovado apenas o que consta da resposta dada ao quesito 20.º [com o seguinte teor: «[p]rovado apenas que o autor tem sido acompanhado pelos serviços de psiquiatria no Hospital de S. João»]»;
Perguntava-se no n.º 28 da base instrutória, «[o] autor ficou muito perturbado e não tem podido retomar o trabalho?», o qual mereceu a seguinte resposta, «[n]ão provado».

Assim, atendendo à matéria de facto dada como provada, não se verifica a presunção referida no n.º 5 do artigo 6.º da LAT e no n.º 1 do artigo 7.º do respectivo Regulamento, já que a perturbação ou doença do foro auditivo e psiquiátrico de que o autor padece não se manifestou imediatamente a seguir ao evento invocado como acidente de trabalho, nem o autor logrou provar, nos termos do n.º 6 do artigo 6.º da LAT e do n.º 2 do artigo 7.º do dito Regulamento, que tal perturbação ou doença teve origem naquele acontecimento.

Ora, cabia ao recorrente alegar e provar os factos conducentes a esta última conclusão, ónus que não se mostra cumprido (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).

Nesta conformidade, não se verifica a ofensa das disposições legais tidas por violadas na alegação do recurso de revista, designadamente as constantes dos artigos 6.º, n.os 1 e 5, da LAT, 6.º, n.º 1, do Regulamento da LAT, e 342.º, n.º 2, 350, n.º 1, e 563.º do Código Civil.

Improcedem, pois, as conclusões 2.ª a 10.ª da alegação do recurso de revista.

III

Pelos fundamentos expostos, decide-se:

a) Não tomar conhecimento do objecto do recurso de revista quanto à matéria constante da conclusão 1.ª da respectiva alegação;
b) Negar a revista quanto ao mais alegado e confirmar o acórdão recorrido.

Sem custas, nos termos da alínea l) do n.º 1 do artigo 2.º do Código das Custas Judiciais, na redacção anterior ao Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, cujas alterações só se aplicam aos processos instaurados após 1 de Janeiro de 2004 (artigos 14.º, n.º 1, e 16.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 324/2003).

Lisboa, 23 de Abril de 2008
Pinto Hespanhol (relator)
Vasques Dinis
Bravo Serra