Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1887/14.5T8BRR-A.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: ASSOCIAÇÃO MUTUALISTA
INSTITUIÇÃO PARTICULAR DE SOLIDARIEDADE SOCIAL
PRESIDENTE DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PRESCRIÇÃO DO DIREITO DE EXERCER O PODER DISCIPLINAR
CADUCIDADE DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
Data do Acordão: 05/02/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / VICISSITUDES CONTRATUAIS / REDUÇÃO DA ACTIVIDADE E SUSPENSÃO DE CONTRATO DE TRABALHO.
Doutrina:
- Baptista Machado, Tutela da Confiança…, Obra Dispersa, I, p. 421;
-António Menezes Cordeiro, Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, p. 767, 821
-António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 13.ª Edição, Almedina, p. 493;
-Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, p. 39 e ss.;
-Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, 2.ª Reimpressão, Almedina, 2011, p. 197;
-Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 2013, 6.ª Edição, Almedina, p. 709.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 294.º A 297.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:



-DE 11-12-2013, PROCESSO 629/10.9TTBRG.P2.S1; IN WWW.DGSI.PT.;
-DE 11-02-2015, PROCESSO N.º 468/07.4TTPRT.P1.S1;
-DE 04-03-2015, PROCESSO N.º 37/11.4TTBRR.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT.;
-DE 29-04-2015, PROCESSO N.º 306/12.6TTCVL.C1.S1;
-DE 14-01-2016, PROCESSO N.º 1391/13.9TTCBR.C1.S1;
-DE 26-10-2017, PROCESSO N.º 196/12.9TTBRR.L2.S1.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:


-DE 10-0-04-2003, IN C.J., TOMO II, 2003 P. 197.

Sumário :

I. As associações mutualistas que tenham a qualidade de Instituições de Solidariedade Social regem-se, em primeira linha, pelo Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social, pelo Código das Associações Mutualistas, e pelos respetivos estatutos.

II. Os titulares dos órgãos associativos eletivos asseguram o funcionamento das associações, constituindo assim a estrutura executiva das mesmas de onde dimana o poder diretivo sobre os seus trabalhadores, razão pela qual é incompatível o exercício desses cargos com o vínculo de subordinação jurídica que caracteriza o contrato de trabalho.

III. Se os titulares desses cargos estavam vinculados previamente por contrato de trabalho este suspende‑se, nos termos dos artigos 294.º a 297.º do Código do Trabalho, terminando a suspensão quando os trabalhadores deixarem de exercer as referidas funções.

IV. A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito da decisão da matéria de facto está limitada às situações em que ocorra ofensa do direito probatório material, não abrangendo a apreciação dos factos que as instâncias consideraram assentes, tendo por base a livre apreciação da prova.

V. Tratando-se de uma infração que consistiu em auferir ilegitimamente benefícios de natureza patrimonial durante um lapso de tempo, o prazo para exercer o poder disciplinar prescreve um ano após a prática do último ato praticado.

VI. Para que se verifique a caducidade do procedimento disciplinar é preciso que resulte da matéria de facto provada que o procedimento disciplinar teve início depois de terem decorrido mais de sessenta dias após o empregador ter tido conhecimento da infração.

VII. Integram justa causa de despedimento os factos praticados por trabalhador durante a suspensão do contrato de trabalho, quando exercia as funções de Presidente do Conselho de Administração da empregadora, que consubstanciem uma conduta contrária à boa-fé e ao dever de lealdade, que pela sua gravidade e consequências tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                                                                     

                                                           I

 Relatório:

 1. AA instaurou a presente ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra BB – Associação Mutualista.

2. Não tendo sido possível obter a conciliação, a empregadora apresentou o articulado de motivação do despedimento alegando que a trabalhadora entrou ao seu serviço por contrato de trabalho, com efeitos a 1 de dezembro de 2001; tinha ultimamente a categoria profissional de Diretora-Geral; o contrato de trabalho cessou por despedimento; em sede de processo disciplinar, apurou-se que a autora, no exercício das suas funções de Diretora Geral, violou os deveres constantes do artigo 128.°, n.º 1, alíneas e), f) e h) do Código de Trabalho, recebendo de forma ilícita a quantia de 1 337 739,91 EUR, a título de remunerações que não lhe eram devidas; o comportamento da autora é, em si, grave e atentas as suas consequências quebrou a relação de confiança subjacente à relação laboral e impede a manutenção do contrato de trabalho, pelo que a sanção de despedimento se mostra lícito.

Termina peticionando que se considere válido e lícito o despedimento da trabalhadora.

3. A trabalhadora contestou alegando, em síntese: os factos em apreço no processo reportam-se a situações ocorridas em 2002, 2003, 2004 e 2009, que foram do conhecimento direto da empregadora, pelo que já decorreu o prazo de prescrição do exercício do direito disciplinar; uma vez que decorreram mais de 60 dias desde o conhecimento dos factos e o exercício da ação disciplinar o poder disciplinar caducou; o processo disciplinar é nulo, porquanto em sede de processo disciplinar requereu a sua própria inquirição não tendo sido proferida qualquer decisão quanto a tal diligência, havendo divergências entre os factos constantes da nota de culpa e os que constam da decisão final, sendo nesta aditado um novo facto que não pode ser atendido.

Impugna a prática dos factos e as consequências dos mesmos.

Apresentou pedido reconvencional, pedindo:

1- Seja declarado ilícito o seu despedimento:

a) Por se verificarem as exceções da prescrição e caducidade do procedimento disciplinar, nos termos do n.º 1 do artigo 382.° do Código de Trabalho;

b) Em virtude de o procedimento disciplinar ser inválido nos termos das alíneas a) e d) do n.º 2 do artigo 382.° do Código de Trabalho;

c) Por ser totalmente inexistente e improcedente o motivo justificativo do despedimento, nos termos da alínea b) do artigo 381.º;

2 - Seja julgada procedente, por provada, a reconvenção, e, em consequência da ilicitude do despedimento:

a) Seja declarado o reconhecimento da manutenção da relação laboral entre si e a empregadora, condenando-se esta a reintegrá-la definitivamente no seu posto e local de trabalho, com a categoria, antiguidade, direitos adquiridos e retribuição que teria se não tivesse sido despedida;

b) Seja a empregadora condenada a título de danos patrimoniais no pagamento:

i)            Da quantia de 9 445 EUR por cada mês que decorra a partir da presente data até à decisão transitada em julgado que declare ilícito o despedimento;

ii) Das férias, subsídios de férias e de Natal que entretanto se venham a vencer nesse período, de igual montante cada;

iii) Das remunerações relativas ao mês de outubro do ano de 2013, (9 578,01 EUR) e 25 dias relativos ao mês de novembro do ano de 2013;

iv) Do subsídio de Natal do ano de 2013, no valor de 9 445 EUR;

v) Das férias não gozadas do ano de 2013 e respetivo subsídio, tudo no valor de 18 890 EUR;

vi) E, ainda em indemnização por antiguidade a fixar em liquidação de sentença, nunca inferior a 45 dias de retribuição por cada ano de antiguidade, atento o grau de ilicitude do despedimento, e que cifra em 184 177,50 EUR que, cautelarmente e sob condição aqui se deixa liquidado.

c) Seja a empregadora condenada no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais de valor nunca inferior a 30 000 EUR.

d) Seja a empregador condenada a pagar juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

e) Seja a empregadora condenada no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, em caso de incumprimento das obrigações em que vier a ser condenada, de valor nunca inferior a 150 EUR/dia;

f) Seja a empregadora condenada no pagamento das custas legais, procuradoria condigna e demais encargos com o processo.

4. Realizado o julgamento foi proferida sentença que decidiu:

a) Julgar lícito o despedimento efetuado pela entidade patronal;

b) Absolver a entidade empregadora do pedido formulado pela trabalhadora.

c) Condenar a trabalhadora em custas.

5. Inconformada, a trabalhadora interpôs recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação decidido julgar totalmente improcedente o recurso interposto, mantendo a sentença recorrida, embora por diferentes fundamentos.

 6. Novamente inconformada a trabalhadora interpôs recurso de revista.

No requerimento de interposição de recurso, expressa e separadamente, veio arguir a nulidade do acórdão por falta de fundamentação e por oposição entre a decisão e a fundamentação, previstas, respetivamente no n.º 1, alíneas b) e c), do art.º  615.º, do Código de Processo Civil.

Formulou as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão produzido que com fundamentação totalmente distinta da sentença proferida em primeira instância, julgou em violação da Lei e até de princípios constitucionais, licito o despedimento da Autora promovido pela Ré.

2. Recurso de revista que é admissível nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 671.º do CPC, pois o Tribunal recorrido manteve a decisão de julgar licito o despedimento, mas com fundamentação de facto e direito totalmente distinta da sentença proferida em 1.ª instância, uma vez que esta fundamentou a licitude do despedimento no facto do contrato de trabalho se encontrar suspenso, e o acórdão ora sob censura, com entendimento totalmente diverso, fundamentou tal decisão no facto de o contrato nunca ter estado suspenso mas sim se ter extinguido logo no seu início, no momento em que a Autora/Requerente tomou posse como Presidente do Conselho de Administração por aplicação analógica do n.º 2 do artigo 358.º do Código das Sociedades Comerciais.

3. Dito isto, importa referir que o acórdão recorrido enferma de várias nulidades, que constituem também fundamento do presente recurso de revista.

4. Assim, em tal aresto existe gritante oposição entre a sua fundamentação, que refere expressamente que a Requerente não podia ser punida disciplinarmente, por não ser trabalhadora da Requerida, e a sua posterior decisão que permite tal punição de despedimento, julgando o mesmo lícito! Oposição esta que só poderá conduzir à nulidade de tal acórdão, nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C., o que aqui se invoca com as legais consequências.

5. Também tal acórdão carece de absoluta fundamentação quanto a tal decisão de julgar lícito o despedimento promovido pela entidade patronal, pois o mesmo decide que o contrato se extinguiu logo no ano de 2002, sem indicar um único facto suscetível de integrar a prática de qualquer ilícito disciplinar praticado pela Requerente até esse momento, desconhecendo-se pois em consequência qual a fundamentação do Tribunal recorrido para manutenção de tal decisão de julgar licito o despedimento, falta absoluta de motivação que só pode conduzir igualmente à sua nulidade nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do C.P.C., vício que expressamente aqui se invoca com todas as consequências Lei.

6. O Tribunal recorrido na apreciação da matéria de facto, quanto à questão da existência e permanência do vínculo laboral da Autora para com a Ré, não apreciou os elementos probatórias da existência de tal facto essencial para decisão da causa, julgando erradamente que a relação laboral da Requerente com a Requerida BB se extinguiu.

7. Pois, para além de outros elementos probatórios existe confissão judicial da Requerida, com força probatória plena, feita em 13/07/2015, nos autos de procedimento cautelar a que os presentes se encontram apensos, em sede de alegações de recurso para o Tribunal da Relação da decisão proferida na Primeira Instância, na qual a Requerida/Entidade Patronal expressamente reconhece que nunca, mas nunca, o contrato de trabalho da Requerente com a BB foi suspenso, afirmando que de facto a Autora continuou a exercer as funções de Diretora-Geral, bem como a receber a remuneração correspondente a essa categoria profissional. E que de facto tal ocorreu, já que os membros do conselho de administração da ré não são remunerados e a autora auferia o seu salário na qualidade de diretora-geral e não na qualidade de presidente do conselho de administração.

8. Existe assim quanto a tal factualidade uma confissão judicial escrita da requerida no seu articulado (cfr. n.º 1 do artigo 356.º do Código Civil) a qual nos termos do n.º 1 do artigo 358.º do Código Civil tem «força probatória plena contra o confitente», meio e força probatória que o Tribunal recorrido ignorou totalmente, violando de forma grave o previsto nos artigos 352.º, 355.º, 356.º e 358.º, n.º 1 todos do Código Civil, cabendo nos poderes deste Supremo Tribunal de Justiça, corrigir tal flagrante erro na interpretação e aplicação da Lei que foi cometido, determinando-se em consequência o aditamento de tal factualidade com força probatória plena à matéria assente e ainda por ser contrário à mesma dar-se como não provado o ponto 30 da matéria assente, por estar judicialmente confessado pela Ré que a Autora na qualidade de Presidente do Conselho de Administração não recebeu qualquer quantia.

9. Também o Tribunal recorrido ao eliminar o ponto 2 dos factos provados a 1.ª parte de que a Requerente «tinha ultimamente a categoria profissional de Diretora-Geral», com única justificação que a mesma é conclusiva, ignorou igualmente que tal factualidade se encontrava judicialmente confessada e ainda que a mesma se encontrava admitida por acordo, como refere expressamente a sentença da 1ª instância e que o Tribunal recorrido não contrariou, o que equivale a dizer que a mesma se considera também plenamente provada por acordo formado por declarações convergentes das partes, o que equivale a confissão (n.º 3 do artigo 574.º do CPC) que tem força probatória plena (ex-vi do artigo 358.º, n.º 2 do Código Civil).

10. Assim, estando duplamente confessada tal factualidade retirada do ponto 2 dos factos provados, o Tribunal recorrido violou as referidas normas que fixam a força probatória de tais meios de prova, devendo pois este mais alto Tribunal ordenar a sua inclusão nos factos provados.

11. Por último, ainda que, quanto à existência e manutenção do vínculo laboral da Autora para com a Ré, não fosse legalmente admissível prova testemunhal, por constituir factualidade dotada de força probatória plena, a verdade é que toda a prova testemunhal produzida confirmou a mesma, o que a Recorrente defendeu e pugnou perante o Tribunal recorrido.

12. Mas, e não obstante a recorrente ter impugnado devidamente tal matéria de facto requerendo pois em 2.ª instância a reapreciação e reponderação de tal prova testemunhal, o tribunal recorrido, com a simples referência que tal constitui matéria de direito (que jamais se pode concordar), não avaliou nem reapreciou tais elementos probatórios, em clara violação do dever que lhe é imposto pelo artigo 662.º do CPC, devendo em consequência, por não ter assegurado o duplo grau de jurisdição quanto a tal matéria ser o acórdão recorrido anulado com as consequências legais daí decorrentes.

13. Também quanto ao julgamento da matéria de Direito, não andou bem o Tribunal recorrido, pois reportando-se os factos constantes da Nota de Culpa e da Decisão disciplinar (ainda que distintos) que fundamentam o despedimento em causa nos presentes autos, aos anos de 2002, 2003, 2004 e 2009, os quais, o foram do conhecimento imediato da entidade patronal, quando os autos de processo disciplinar foram instaurados, em fevereiro do ano de 2014, o direito da Requerida para o exercício a ação disciplinar se encontrava prescrito e caducado (cfr. n.º 1 do artigo 329.º do Código de Trabalho), prescrição e caducidade que o Tribunal recorrido não podia deixar de declarar, mas que não o fez, requerendo-se pois este Venerando Tribunal que decrete em obediência a tais regras legais a prescrição e caducidade do exercício do poder disciplinar da Requerida, julgando em consequência, totalmente ilícito o despedimento da Requerente (n.º 1 do artigo 382.º do Código de Trabalho).

14. Também o entendimento perfilhado pelo acórdão recorrido quanto a tal questão que é sempre possível instaurar processos disciplinares aos trabalhadores para além dos 60 dias em que o empregador teve conhecimento do factos, bastando para tal alterar os seus representantes e virem estes invocar que só com a tomada de posse é que tiveram conhecimento dos mesmos, inutiliza e subverte o prazo de caducidade previsto no n.º 2, do artigo 329.º do Código de Trabalho, o qual visa proteger a certeza e da estabilidade no trabalho, afronta e viola de forma grave também o princípio constitucional da Segurança no Emprego previsto no artigo 53.º da Constituição da Republica Portuguesa. Inconstitucionalidade de que enferma o acórdão recorrido que expressamente aqui se invoca, para que seja revogada tal decisão e substituída por outra em obediência e respeito a tal garantia constitucional.

15. Igualmente, não podia o Tribunal recorrido deixar de concluir que o processo disciplinar está inquinado de vários vícios, desde logo porque a entidade patronal da nota de culpa para a decisão de despedimento alterou completamente os fundamentos para o despedimento da trabalhadora, o que violou de forma grave o princípio do contraditório, ou seja, do direito de defesa da trabalhadora, que tem garantia constitucional, previsto no n.º 10 do artigo 32.º da CRP, inconstitucionalidade que aqui também se invoca, devendo em consequência ser declarado inválido todo o processo disciplinar- alínea d) do n.º 2 do artigo 382.º do Código de Trabalho.

16. E, com tal alteração a Requerente fundamentou o despedimento num único facto (contrato de trabalho suspenso e recebimento indevido das remunerações), que não constava da nota culpa, o que para além de violar o direito da defesa da Trabalhadora, por não estar tal facto na acusação, também o mesmo não pode ser atendido para apreciação da justa causa do despedimento.

17. Com efeito, sendo esse o único facto invocado na decisão para o despedimento da trabalhadora, e não podendo o mesmo ser atendido, não existe em consequência justa causa para o despedimento, pelo que, o Tribunal recorrido com a decisão aqui sob censura violou também por tal motivo o princípio constitucional do despedimento sem justa causa (artigo 53.º do CRP), pelo que, deve ser tal decisão revogada e substituída por outra que julgue pela imediata inexistência de justa causa para o despedimento.

18. A Requerida é uma Associação Mutualista que se rege pelo CÓDIGO DAS ASSOCIAÇÕES MUTUALISTAS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/90 de 3 de março, e pelos seus próprios ESTATUTOS (Cfr. artigo 2.º dos Estatutos da Requerida), e quer tal Código das Associações Mutualistas quer os Estatutos da Requerida preveem e permitem expressamente que os trabalhadores da associação podem fazer parte dos órgãos associativos, contendo normas específicas para tais situações (cfr. artigo 93.º do Código das Associações Mutualistas e 43º do Estatutos).

19. Pelo que, ao contrário do que dispõe o Código das Sociedades Comerciais, no seu artigo 398º quanto às sociedades anónimas que proíbe o exercício de qualquer atividade que não seja a da Administração (órgão Societário), o Código das Associações Mutualista expressamente permite e admite tal cumulação das funções de trabalhador com as funções desempenhadas no órgão associativo.

20. Donde, se a Legislação que regulamenta a atividade da Requerida expressamente admite a cumulação de tais funções de trabalhador com as de membro de um órgão associativo, jamais podia o Tribunal recorrido aplicar o artigo 398.º do Código das Sociedades Comerciais por analogia aos presentes autos, pois não existe qualquer omissão ou lacuna no Código das Associações Mutualistas quanto à questão decidenda, sendo que o n.º 1 do artigo 10.º do Código Civil estipula que, apenas nos casos em que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos.

21. Assim, tendo o Tribunal recorrido decidido por aplicação analógica de um artigo do Código das Sociedades Comerciais, quando para o caso dos autos existe norma própria e especifica que o regula, tal decisão aplicou de forma errada o disposto no artigo 10.º do Código Civil, pois não se verificam nos autos as circunstâncias para se recorrer a tal normativo e mais grave violou também o princípio constitucional da legalidade e da sujeição à lei, previsto no artigo 8.º do Código Civil e nos artigos 203.º e 204.º da Constituição da República Portuguesa, violações legais constitucionais que aqui se invocam.

22. Em consequência, por prever e permitir o Código das Associações Mutualistas e os próprios Estatutos da Requerida que os Trabalhadores das Associação, como é o caso da Autora, integrem os órgãos associativos, cumulando tais funções, jamais pode se aplicar por analogia o n.º 2 do artigo 358.º do Código das Sociedades Comerciais, pelo que, deve o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro, que por aplicação do Código das Associações Mutualistas e os próprios Estatutos da Requerida, julgue que a Requerente trabalhadora, nos termos de tal Legislação cumulou tais funções com as de membro do Conselho de Administração da Requerida, não ocorrendo qualquer vicissitude, seja suspensão ou extinção, na sua relação laboral.

23. Sem prescindir, se se vier a entender pela aplicação analógica de tal normativo do Código das Sociedades Comerciais previsto para as sociedades anónimas, a Recorrente não pode deixar de invocar aqui e desde já que tal norma padece de INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA, por violação do disposto na alínea d) do artigo 55.º e na alínea a) do n.º 2 do artigo 57.º da Constituição, em vigor à data de 1986, quando foi aprovado o Código das Sociedades Comerciais, pelo Decreto- Lei n.º 262/86, de 02 de setembro, isto porque, o n.º 2 do artigo 358.º do Código das Sociedades Comerciais ao estabelecer a extinção de contratos de trabalho celebrados há menos de um ano de que seja titular o trabalhador de uma sociedade, que venha a ser designado como administrador da sociedade, veio criar uma nova forma de extinção de contratos de trabalho, a qual constitui LEGISLAÇÃO DE TRABALHO para os efeitos do disposto no artigo 55.º da C.RP, mas o fez, sem que tenha sido dado aos organismos representativos dos trabalhadores a possibilidade de intervirem, como impõe os referidos preceitos constitucionais (neste sentido da inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 358.º do código das Sociedade Comerciais, decidiu o Tribunal Constitucional no seu acórdão n.º 1018/96, de 9 de outubro, disponível in www.tribunalconstitucional.pt, o que foi reiterado no acórdão n.º 26/2011 de 19 de dezembro de 2011).

24. Ora, no caso dos autos através da aplicação analógica de tal normativo, o Tribunal recorrido extingui a relação laboral da Autora para com a Associação Mutualista, utilizando essa nova forma de extinção do contrato de trabalho, que como tal constitui legislação laboral, e que foi criada em violação dos referidos comandos constitucionais, pelo que, aqui expressamente se invoca a inconstitucionalidade do n.º 2 do artigo 358.º do Código das Sociedades Comerciais, a qual, também por tal motivo de inconstitucionalidade, não é admissível a sua aplicação aos presentes autos, pois, nos termos do disposto no artigo 204.º da CRP, não podem os Tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.

25. Ainda se dirá que quanto à questão da manutenção da relação laboral da Requerente após esta intervir na composição de um órgão associativo da Requerida, entendendo-se que a mesma é meramente de Direito, a Legislação específica que regula a atividade da Requerida (Código das Associações Mutualistas) e os seus próprios Estatutos, permitem concluir por si só que a Requerente cumulou em obediência a tais normativos as funções de trabalhadora com as de membro de um órgão associativo, mas também de tal enquadramento jurídico coadjuvado com a factualidade apurada nos autos, resulta de forma insofismável que jamais existiu qualquer conduta ilegal por parte da Requerente que mesmo assumindo o cargo de presidente de Conselho de Administração continuou a exercer as funções de Diretora-Geral e a receber como contrapartida da prestação do seu trabalho a respetiva retribuição.

26. Mais, desconhecendo a Recorrente em que factos suscetíveis de integrar ilícito disciplinar o Tribunal recorrido se estribou para manter a decisão de despedimento com justa causa, uma vez que o mesmo refere que a mesma não podia ser punida disciplinarmente, mantendo a decisão da 1ª instância ainda que com fundamentação distinta, por mera cautela, não se pode deixar de censurar o enquadramento jurídico dos factos realizada em tal decisão.

27. Isto porque, não podia o Tribunal ignorar ainda que a Requerente estivesse impedida de votar nos aumentos que lhe dizem respeito, os mesmos foram deliberados pelo Conselho da Administração da Requerida, deliberações essas válidas sem o voto (conduta) da Autora (Cfr. n.º 2 do artigo 176º do Código Civil), para as quais nunca foi arguido qualquer vicio quanto às mesmas, sendo que tais deliberações válidas do Conselho de Administração é que conduziram aos aumentos salariais de todos os trabalhadores, incluindo os da Requerente, e que foram processados pelo Departamento de Recursos Humanos da Requerida, valores que integraram os respetivos relatórios e contas da cada exercícios da administração que sempre foram aprovados em Assembleia Geral da Requerida com o respetivo parecer favorável do Conselho Fiscal.

28. Também não menos importante é que ainda que possa ter existido uma mera irregularidade em tais deliberações, que não afetaram a sua validade, o n.º 3 do artigo 47º do Estatutos estipula expressamente que a aprovação dada pela Assembleia Geral ao relatório e contas do exercício da administração e respetivo parecer do Conselho Fiscal iliba os titulares dos órgãos associativos de responsabilidade para com a associação. (Cfr. Estatutos da Requerida junto aos autos a fls. 7 e seguintes). E da mesma forma dispõe o n.º 3 do artigo 99º do Código das Associações Mutualistas.

29. Sendo que, quanto a tal irregularidade, se no exercício das suas funções de membro do órgão associativo, os próprios estatutos da Requerida e o Código das Associações Mutualistas ilibam qualquer responsabilidade dos titulares de órgão associativos para com a Instituição, também tal conduta diga-se, que configura uma mera irregularidade sem qualquer importância e sanada, é insuscetível de integrar qualquer ilícito de natureza laboral, inexistindo pois qualquer causa para o despedimento que assim ocorreu sem justa causa e por motivos não laborais, em violação também grave do previsto no artigo 53.º do CRP, inconstitucionalidade que o acórdão recorrido manteve com a decisão aqui sob censura e cuja alteração para reposição da legalidade e constitucionalidade aqui se requer a este mais alto Tribunal, julgando-se totalmente ilícito o despedimento da Trabalhadora/Recorrente, com as consequências legais daí decorrentes, nomeadamente na condenação integral do pedido reconvencional.

30. Também, aceitando a Requerida que a Requerente sempre prestou tal trabalho à BB, que por sua vez através dos seus órgãos sociais, Conselho de administração, Assembleia Geral e Conselho Fiscal, durante mais de uma década sempre aceitaram o mesmo e compensaram a trabalhadora por tal trabalho, constitui MANIFESTO ABUSO DE DIREITO, que decorrido treze anos sobre tal atuação e aceitação da Requerida, a mesma venha invocar, contra os seus próprios atos que, foram indevidas as remunerações por si pagas à trabalhadora durante, repete-se, mais de uma década.

31. Donde, é ilegítimo à entidade patronal, que sempre recebeu o trabalho da Requerente, aceitou, reconheceu e beneficiou do mesmo, tendo pago a respetiva retribuição, vir agora invocar, em contradição com toda a sua conduta ao longo de mais de uma década, que tal recebimento por parte do trabalhador foi indevido, sendo que o pretendido com o mesmo aponta de tal forma para uma clamorosa ofensa dos princípios da boa-fé e confiança contratual, que configura claro e manifesto ABUSO DE DIREITO, nos termos do artigo 334º do Código Civil, o que aqui expressamente também se invoca com as devidas consequências legais.

32. Por último, sem prescindir de tudo o que supra se referiu, mesmo que se atendesse ao peregrino entendimento sufragado pelo Tribunal Recorrido que quando a Requerente integrou o Conselho de Administração em janeiro de 2002 o contrato de trabalho se extinguiu, resulta da toda a restante factualidade apurada e provada nos autos, nomeadamente do ponto 8 dos factos provados, de onde consta o teor da nota de culpa (seu ponto 4) e da Decisão (também no seu ponto 4), no momento da instauração do processo disciplinar (03/02/2014) a Requerente era trabalhadora da BB por contrato de trabalho por conta de outrem, sujeita ao seu poder de Direção, fiscalização e disciplinar, com as funções de Diretora, o que só o podia ser, ao abrigo de um novo contrato de trabalho, contrato de trabalho que se manteve plenamente em vigor até à decisão de despedimento proferida no processo de disciplinar,

33. Donde, não podia o tribunal recorrido limitar-se erradamente a julgar extinto o contrato trabalho da Requerente e ignorar toda a factualidade provada que resulta dos autos que a Requerente depois de ter deixado tal cargo, era trabalhadora da Requerida no regime de contrato de trabalho, estando, por isso, subordinada ao poder de direção, fiscalização e disciplinar da BB, tendo o processo disciplinar sido instaurado em 03/02/2014, na vigência dessa nova relação laboral.

34. Em consequência, entendendo o Tribunal recorrido que o contrato de trabalho celebrado entre a Requerente e a Requerida celebrado no ano de 2001, se extingui no ano de 2002, o que apenas se concebe como mera hipótese de raciocínio académico, os factos imputados nos autos de processo disciplinar o foram enquanto aquela era Presidente do Conselho de Administração e não existia qualquer relação laboral, pelo que, os mesmos não podem ser atendidos, e muito menos integradores de qualquer ilícito disciplinar praticado pela Requente, na vigência dessa relação laboral que se iniciou após a mesma ter deixado o cargo de membro do órgão associativo.

35. Assim, terá que se concluir que, mesmo que se entenda que o contrato de trabalho da Requerente se extinguiu no ano de 2002, o que apenas e só se concebe como mera hipótese de raciocínio académico, não existiu por parte da trabalhadora nenhum comportamento ilícito muito menos grave, integrador do conceito de justa causa do despedimento, que possa por em causa a subsistência da sua relação jurídico-laboral que se iniciou quando a Requerente deixou o cargo de membro do órgão associativo, pelo que, o acórdão recorrido ao julgar licito o despedimento da autora, violou de forma grave e grosseira o preceituado no n.º 4 do artigo 354º e o artigo 384º, alíneas a) e b), ambos do código de trabalho, bem como o preceituado no artigo 53º da CRP.

 7. A ré contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso interposto pela autora.

8. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Excelentíssimo Senhor Procurador‑Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negada a revista e confirmado o acórdão recorrido.

9. Nas suas conclusões, a recorrente suscita as seguintes questões que cumpre solucionar:

1. A nulidade do acórdão recorrido com fundamento no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e c) do Código de Processo Civil, por alegada falta de fundamentação e por oposição entre a decisão e os fundamentos;

2. Erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa;

3. Prescrição do direito de exercer o poder disciplinar e caducidade do procedimento disciplinar – violação do princípio constitucional da segurança no emprego, previsto no art.º 53.º da Constituição da República Portuguesa;

4. Saber se o contrato de trabalho da autora, iniciado em 1 de dezembro de 2001, para desempenhar as funções correspondentes à categoria profissional de Diretora‑Geral, se manteve após ter assumido as funções de Presidente do Conselho de Administração da ré – (i) violação do princípio constitucional da legalidade e da sujeição à lei, previsto no art.º 203.º e 204.º da Constituição da República Portuguesa, (ii) inconstitucionalidade orgânica do n.º 2 do art.º 358.º do Código das Sociedades Comerciais;

5. Saber se o despedimento da autora promovido pela ré é ilícito – (i) violação do princípio do contraditório e da defesa, previsto no número 10 do art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa, (ii) inexistência de justa causa, (iii) violação do art.º 53.º da Constituição da República Portuguesa e (iv) abuso de direito.

                                                           II

A) Fundamentação de facto:

O Tribunal da Relação fixou a seguinte factualidade:

1. A Autora entrou ao serviço da Ré por celebração de um contrato de trabalho, em 1 de dezembro de 2001, para desempenhar funções com a categoria profissional de Diretora Geral.

2. Auferia as seguintes prestações retributivas mensais:

- Remuneração de base 5 435 EUR;

- Subsídio de alimentação 133,10 EUR;

- Diuturnidades 50 EUR;

- Isenção de horário de trabalho 3 960 EUR.

3. A Autora foi notificada da decisão final que aplica a sanção disciplinar, que data de 3/12/2014, em 12 de dezembro de 2014, no termo do processo disciplinar.

4. Em 3 de fevereiro de 2014, a Ré determinou que fosse instaurado um processo de inquérito prévio tendente a apurar a gravidade e culpabilidade dos factos ilícitos que eram imputados à Autora.

5. Em 25 de fevereiro, foi determinada a junção da ficha de cadastro da Autora e dos estatutos da BB.

6. A Autora foi notificada da nota de culpa com vista ao seu despedimento em 22 de julho de 2014.

7. Em sede de nota de culpa, a Ré acusa a Autora nos seguintes termos:

«BB - …, com sede na Rua …, n.º …, ….° dto, na cidade do ..., deduz contra a Senhora Dra AA, como arguida, acusação em processo disciplinar, com os seguintes termos:

1. A BB, adiante designada por BB (…), é uma Instituição Particular de Solidariedade Social, tem como fins desenvolver programas e ações de proteção e apoio nas áreas da segurança social e da saúde e contribuir para a promoção da cultura e a melhoria da qualidade de vida das populações e, em particular, dos seus associados e respetivas famílias.

2. A BB é uma instituição sem fins lucrativos.

3. A arguida entrou ao serviço, por conta e sob a direção da BB, no dia 1 de dezembro de 2001, sob o regime jurídico de contrato de trabalho.

4. A arguida tem, atualmente, o estatuto de trabalhadora por conta de outrem, no regime de contrato de trabalho, estando, por isso, subordinada ao poder de direção, fiscalização e disciplinar da BB.

5. À data do início do Contrato de trabalho, foi atribuída à arguida a categoria profissional de Diretora Geral.

6. Também à data da sua admissão, a arguida auferiu as seguintes prestações de natureza retributiva em escudos e em valores ilíquidos:

- Vencimento base 750.000$00;

- Subsídio de alimentação 16.000$00;

- Ajudas de custo 162.500$00;

- Isenção de horário de trabalho 162.500$00.

Prestações estas que convertidas em euros correspondem aos seguintes valores:

- Vencimento base 3 853,21 EUR; 

- Subsídio de alimentação 87,78 EUR;

- Ajudas de custo 748,20 EUR;

- Isenção de horário de trabalho 770,64 EUR.

7. No dia dia 5 de janeiro de 2002, a arguida passou a exercer o cargo de Presidente do Conselho de Administração da BB, por eleição em Assembleia Geral Eleitoral.

8. Ao assumir o cargo de Presidente do Conselho de Administração da BB, a arguida deixou de exercer o cargo de Diretora Geral, cujas funções e responsabilidades passaram a ser exercidas pelo Diretor Geral Adjunto, cargo este que foi criado em reunião do Conselho de Administração realizada no dia 14 de janeiro de 2002, a que corresponde a ata n.° ….

9. Sendo agora titular do cargo de Presidente do Conselho de Administração, a retribuição da arguida passaria a ser aprovada e fixada pela Assembleia Geral da BB, nos termos do disposto na alínea d) do artigo 22.° dos nos estatutos da BB. No entanto,

10. Logo em março de 2002, na reunião realizada no dia 11 (conforme ata n.º 1119) os membros do CA presentes na reunião aprovaram, sob proposta do senhor Diretor Geral Adjunto, a manutenção, para si próprio, do subsídio de Páscoa, subsídio que passaria a ser pago, igualmente, à arguida, na sua qualidade de Presidente do Conselho de Administração.

11. A referida proposta foi votada favoravelmente por todos os presentes, o que quer dizer que a ora arguida votou favoravelmente uma proposta da qual veio a resultar um benefício económico para si própria, bem sabendo que os estatutos da BB não lho permitiam, dado que cabia à Assembleia Geral fixar a sua remuneração, nas diversas prestações.

12. Sabia, igualmente, a arguida que não sendo o senhor Diretor Geral Adjunto membro do Conselho da Administração, não só não podia votar propostas em Conselho como, por consequência, também as não podia subscrever,

13. A deliberação assim tomada foi ilegal porque a respetiva proposta foi apresentada por quem não tinha competência para o fazer, tal como a arguida não poderia votar uma «proposta» da qual resultava diretamente um benefício para si mesma.

14. Independentemente da ilegalidade da proposta, também o CA não definiu quais as componentes remuneratórias que integravam o denominado subsídio de Páscoa.

15. Apesar disso, a própria arguida determinou aos serviços de pessoal da União que o referido subsídio de Páscoa integrasse a remuneração base, o subsídio de isenção de horário de trabalho e «ajudas de custo».

16. Do mesmo modo, no ano de 2003 a arguida fez-se aumentar para si própria a remuneração mensal e anual.

17. Com efeito, no ano de 2003, verificou-se na BB (…) um aumento de 2,7 % na retribuição dos trabalhadores, logo no mês de janeiro, aumento este de que a arguida também beneficiou, apesar de bem saber que a cabia à Assembleia Geral da … aprovar e fixar a respetiva retribuição.

18. Sendo Presidente do CA da BB, não poderia a arguida beneficiar de uma deliberação do próprio CA, que foi tomada para ser aplicada aos trabalhadores da instituição,

19. Desse modo, foi a própria arguida quem determinou aos serviços de pessoal que procedessem ao aumento das prestações remuneratórias que a mesma vinha auferindo, no mesmo montante percentual que seria aplicado aos trabalhadores da Instituição.

20. Ainda no ano de 2003, no início do mês de julho, a arguida determinou aos serviços de pessoal da BB um novo aumento salarial para si própria, traduzido num acréscimo de 26,26 % na retribuição base mensal, num acréscimo de 87,5 % no subsídio de alimentação, num acréscimo de 33,65 % nas ajudas de custo e num aumento acréscimo de 26,26 % no subsídio de isenção de horário de trabalho.

21. O substancial aumento remuneratório que a arguida determinou para si própria em julho de 2003 não foi objeto de qualquer deliberação em Assembleia Geral da BB, nos termos dos estatutos da BB.

22. Do mesmo modo, o referido substancial aumento não foi objeto, sequer, de uma deliberação do CA, muito embora este órgão não detivesse competência para o efeito, dado que a arguida exercia as funções de Presidente do CA.

23. É certo que pela ata n.° 1159, respeitante à reunião de 3 de junho do CA, a arguida procurou justificar o injustificável, alegando que a deliberação respeitante ao seu aumento salarial de julho 2003 havia sido tomada na reunião de CA, devendo tal deliberação ter ficado registada na ata n.° 1147, o que não aconteceu.

24. Com efeito, na sua declaração constante da ata n.° 1159, de 3 de junho de 2004, a arguida deixou consignada a sua admiração e exasperação pelo facto de a ata n.° 1147, de julho de 2003 não conter a alegada deliberação do seu próprio aumento salarial, considerando ter existido uma lacuna.

25. Desse modo, a arguida utilizou um estratagema para encobrir a ordem que ela própria deu aos serviços da BB para procederem ao aumento substancial das suas prestações remuneratórias, sem que os demais órgãos da BB tivessem tomado conhecimento.

 26. Com efeito, caso tivesse sido verdade e que o substancial aumento salarial da arguida tivesse sido deliberado em CA, mas não tivesse ficado registado em ata, sempre um tal lapso seria corrigido aquando da leitura e aprovação da referida ata, o que teria acontecido na sessão seguinte da reunião do CA.

27. Para além de não existir qualquer deliberação validamente tomada pela Assembleia Geral da BB ou mesmo do próprio CA, contemporânea do substancial aumento de que a arguida beneficiou em julho de 2003, também em junho de 2004 o CA não ratificou, sequer, o referido aumento do ano anterior.

28. Foi, assim, a própria arguida que tomou a decisão de aumentar a sua própria retribuição mensal, dando ordens aos serviços da BB para assim procederem.

29. Para além de ter sido ilegal o aumento remuneratório que a arguida determinou para si própria em julho de 2003, o referido aumento foi decidido pela arguida num momento em que a BB atravessava graves dificuldades financeiras, que a mesma não poderia nunca ignorar.

30. Com efeito, a dívida da BB em junho de 2004 era já de 7 553 085,06 EUR (sete milhões quinhentos e cinquenta e três mil oitenta e cinco euros e seis cêntimos) como, aliás, a própria arguida fez inscrever na ata da reunião de 3 de junho de 2004.

31. Ao fazer-se aumentar nas respetivas prestações remuneratórias num valor global de cerca de 30 % só no ano de 2003, a arguida bem sabia que por essa forma estava a prejudicar financeira e economicamente a BB, causando-lhe o consequente prejuízo.

32. Também no ano de 2004 a BB procedeu a um aumento de 2 % para a generalidade dos trabalhadores.

33. A. arguida voltou a beneficiar desse mesmo aumento remuneratório, sem que tivesse existido uma deliberação nesse sentido por parte da Assembleia Geral da BB, dado o facto de ser a Presidente do CA.

34. Com efeito, a sua remuneração base mensal passou de 5 000 EUR para 5 100 EUR enquanto o subsídio de IHT passou de 1 000 EUR para 1 020 EUR.

35. Nesse mesmo ano e a partir de junho/04, a arguida determinou aos serviços que a verba mensal que vinha auferindo a título de «ajudas de custo» fosse integrada na rubrica Isenção de Horário de Trabalho (IHT).

36. Porém, essa integração não se fez pela mera soma das duas rubricas quando percebidas autonomamente, o que daria que o novo subsídio de IHT passaria a ser de 2 020 EUR (1.000 EUR + 1020 EUR).

37. Na verdade, a aludida integração levou a que o subsídio de IHT recebido pela arguida passasse a ser de 3 699,08 EUR o que significou um aumento de 83,12 % na rubrica de IHT.

38. Por essa forma, em junho de 2004 decidiu atribuir-se a si própria um segundo aumento da remuneração global que vinha auferindo que se traduziu num acréscimo de cerca de 23 % nas suas prestações remuneratórias se compararmos a remuneração global geral que vinha auferindo até maio, no valor de 7 285 EUR, com a que passou a auferir a partir de junho, no valor de 8 964,08 EUR.

39. Ainda durante o ano de 2004, a arguida voltou a atribuir-se a si própria um terceiro aumento no conjunto das suas prestações remuneratórias mensais, passando a sua remuneração de base mensal de 5 100 EUR para 5 300 EUR e o subsídio de IHT de 3 699,08 EUR para 3 843,18 EUR, o que significou um novo aumento (o terceiro) de cerca de 3,89 % em cada uma daquelas prestações.

40. Também deste modo em 2004 a arguida determinou que lhe tivessem sido aumentadas as prestações remuneratórias em cerca de 30 % no cômputo global do ano, quando os trabalhadores da BB apenas beneficiaram de um único aumento salarial de 2 %, no início do ano.

41. No ano de 2009, a BB procedeu a um aumento de 2,5 % para as retribuições da generalidade dos trabalhadores, aumento esse de que também a arguida veio a beneficiar, apesar de exercer o cargo de Presidente do CA, cabendo, por esse facto à Assembleia Geral da BB a determinação da retribuição que a aquela poderia vir a beneficiar.

42. Com efeito, foi a própria arguida quem determinou aos Serviços da BB que o referido aumento percentual também lhe fosse aplicado, como de facto sucedeu,

43. Nesse mesmo ano de 2009, a arguida determinou, ainda, aos Serviços que lhe voltasse a ser pago o subsídio de Páscoa, prestação esta que recebeu efetivamente e incorporou na sua esfera patrimonial,

44. Do descrito nos artigos anteriores, entre o ano de 2002 e o ano de 2009, inclusive a arguida determinou para si própria um aumento de 75 % na sua retribuição global, no cômputo de todas as prestações remuneratórias, quando a generalidade dos trabalhadores da BB beneficiou de uma atualização salarial de cerca de 10 %, apenas.

45. Para esse efeito, a arguida utilizou todos os poderes que lhe advinham do facto de exercer o cargo de Presidente do Conselho de Administração da BB, determinando aos Serviços de Pessoal e Administrativos desta que procedessem em conformidade com as suas ordens e em seu benefício pessoal, em matérias de aumentos salariais, nos termos descritos.

46. Do mesmo modo, nunca a arguida levou à Assembleia Geral da BB qualquer proposta para efeitos do aumento das suas prestações remuneratórias, tal como nunca comunicou ou deu a conhecer a esse mesmo órgão as suas decisões de aumentos salariais nos montantes e periodicidade em que os mesmos ocorreram.

47. Era do conhecimento da arguida que a BB atravessava grandes dificuldades financeiras, com dívidas de mais de sete milhões de euros, que, no entanto, se foram sucessivamente agravando.

48. Apesar disso, a arguida nunca se coibiu de, em seu benefício próprio e à revelia dos órgãos competentes da UM, em tal matéria, terminar para si própria os sucessivos aumentos, como o fez nos termos descritos na presente nota de culpa.

49. Independentemente das sucessivas ilegalidades na atribuição de tais aumentos salariais, a conduta da arguida contribuiu, de forma objetiva, para o agravamento da situação financeira da BB.

50. Com uma tal conduta, a arguida não estava a servir a BB, como se comprometeu quando tomou posse do cargo de Presidente do CA, mas estava a servir-se da própria BB, utilizando, de forma abusiva, os poderes que lhe advinham do seu estatuto de Presidente do CA.

51. Os efeitos dos sucessivos aumentos salariais da arguida, determinados pela arguida, mantém-se, atualmente, na sua retribuição, pelo que os factos praticados se caracterizam como factos continuados, mantendo-se ainda hoje, quer na sua vertente de natureza disciplinar, quer até e eventualmente, na sua vertente criminal, pela prática do crime de infidelidade previsto e punido pelo disposto no artigo ... do Código Penal.

52. Ao assumir as decisões que tomou, a arguida bem sabia que estava a causar à BB um prejuízo de centenas de milhares de euros, correspondentes aos aumentos salariais que determinou para si própria, sem base legal para tanto.

53. Por cálculos que entretanto foram apurados, estima-se que o prejuízo causado pela arguida decorrente dos aumentos salariais que a si própria se atribuiu, entre o ano de 2003 e até ao presente momento, totalizam, para já, a quantia de 518 187,53 EUR.

54. Com a sua conduta, a arguida violou gravemente os seus deveres perante a BB designadamente os previstos nas alíneas e), f) e h) do n.° 1 do artigo 128.° do Código do Trabalho.

55. O comportamento continuado da arguida foi grave e culposo, constituindo fundamento para despedimento com justa causa nos termos do disposto nas alíneas a), d), e) e i) do n.° 2 do artigo 351.° do Código do Trabalho.

É intenção da BB proceder ao despedimento da arguida com invocação de justa causa caso se provem os factos de que a mesma vem acusada.

Nos termos do disposto no artigo 355.° do Código do Trabalho, tem a arguida o prazo de dez dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que considere relevantes para esclarecer os factos, podendo juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade.

8. Em sede de decisão do processo disciplinar, a Ré decidiu:

A. Factos dados como provados

1. A BB, adiante designada por União tem como fins desenvolver programas e ações de proteção e apoio nas áreas da segurança social e da saúde e contribuir para a promoção da cultura e a melhoria da qualidade de vida das populações e, em particular, dos seus associados e respetivas famílias - provado documentalmente pelos Estatutos juntos aos autos documento de fls. 7 a fls. 26.

2. A BB é uma instituição sem fins lucrativos - provado documentalmente pelos Estatutos juntos aos autos documento de fls. 7 a fls. 26.

3. A arguida entrou ao serviço, por conta e sob a direção da BB, no dia 1 de dezembro de 2001, sob o regime jurídico de contrato de trabalho.

4. A arguida só retornou às suas funções de diretora geral quando deixou de ser presidente do conselho de administração.

5. À data do início do Contrato de trabalho, foi atribuída à arguida a categoria profissional de Diretora Geral.

6. Também à data da sua admissão, a arguida auferiu as seguintes prestações de natureza retributiva em escudos e em valores ilíquidos:

- Vencimento base 750.000$00

- Subsídio de alimentação 16.000$00;

- Ajudas de custo 162.500$00;

- Isenção de horário de trabalho 162.500$00.

Prestações, estas, que convertidas em euros correspondem aos seguintes valores:

- Vencimento base 3 853,21 EUR;

- Subsídio de alimentação 87,78 EUR;

- Ajudas de custo 748,20 EUR;

- Isenção de horário de trabalho 770,64 EUR.

7. No dia 5 de janeiro de 2002, a arguida passou a exercer o cargo de Presidente do Conselho de Administração da BB, por eleição em Assembleia Geral Eleitoral.

8. Ao assumir o cargo de Presidente do Conselho de Administração da BB, a arguida deixou de exercer o cargo de Diretora Geral, cujas funções e responsabilidades passaram a ser exercidas pelo Diretor Geral Adjunto, cargo este que foi criado em reunião do Conselho de Administração realizada no dia 14 de janeiro de 2002, a que corresponde a ata n.° 1113.

9. Logo em março de 2002, na reunião realizada no dia 11 (conforme ata n.º 1119) os membros do CA presentes na reunião aprovaram, sob proposta do senhor Diretor Geral Adjunto, a manutenção, para si próprio, do subsídio de páscoa, subsídio, que passaria a ser pago, igualmente, à arguida, na sua qualidade de Presidente do Conselho de Administração.

10. A referida proposta foi votada favoravelmente por todos os presentes, o que quer dizer que a ora arguida votou favoravelmente uma proposta da qual veio a resultar um benefício económico para si própria, bem sabendo que os estatutos da BB não lho permitiam, dado que cabia à Assembleia Geral fixar a sua remuneração, nas diversas prestações (cfr. acta n.° 1119).

11 Sabia, igualmente, a arguida que não sendo o senhor Diretor Geral Adjunto membro do Conselho da Administração, não só não podia votar propostas em Conselho como, por consequência, também as não podia subscrever.

12. A deliberação assim tomada foi ilegal porque a respetiva proposta foi apresentada por quem não tinha competência para o fazer, tal como a arguida não poderia votar uma «proposta» da qual resultava diretamente um benefício para si mesma.

13. Independentemente da ilegalidade da proposta, também o Conselho de Administração não definiu quais as componentes remuneratórias que integravam o denominado subsídio de Páscoa. Apesar disso,

14. A própria arguida determinou aos serviços de pessoal da União que o referido subsídio de Páscoa integrasse a remuneração base, o subsídio de isenção de horário de trabalho e «ajudas de custo» - cfr. depoimento da senhora Dra. CC fls. BD, depoimento da Sra. Dra. DD cie fls. 132. e fls.

15. Do mesmo modo, no ano de 2003 a arguida fez-se aumentar para si própria a remuneração mensal e anual - cfr. depoimento da senhora Dra. DD, senhora Dra. CC e actas n.° 1113,

16. No ano de 2003, verificou-se na BB um aumento de 2,7 % na retribuição dos trabalhadores, logo no mês de janeiro, aumento este de que a arguida também beneficiou, apesar de bem saber que a cabia à Assembleia Geral da BB aprovar e fixar a respetiva retribuição - cfr. depoimento da senhora Dra. DD, senhora Dra. CC e atas do conselho de administração.

17. Sendo Presidente do CA da BB, não poderia a arguida beneficiar de uma deliberação do próprio CA, que foi tomada para ser aplicada aos trabalhadores da instituição - atas do conselho de administração.

18. Desse modo, foi a própria arguida quem determinou aos serviços de pessoal que procedessem ao aumento das prestações remuneratórias que a mesma vinha auferindo, no mesmo montante percentual que seria aplicado aos trabalhadores da Instituição. - cfr. depoimento da senhora Dra. DD, senhora Dra. CC.

19. Ainda no ano de 2003, no início do mês de julho, a arguida determinou aos serviços de pessoal da BB um novo aumento salarial para si próprio, traduzido num acréscimo de 26,26 % na retribuição base mensal, num acréscimo de 87,5 % no subsídio de alimentação, num acréscimo de 33,65 % nas ajudas de custo e num aumento acréscimo de 26,26 % no subsídio de isenção de horário de trabalho cfr. depoimento da senhora Dra. DD, senhora Dra. CC.

20. Do mesmo modo, o referido substancial aumento não foi objeto, sequer, de uma deliberação do CA, muito embora este órgão não detivesse competência para o efeito, dado que a arguida exercia as funções de Presidente do CA.

21. É certo que pela ata n.º 1159, respeitante à reunião de 3 de junho do CA, a arguida procurou justificar o injustificável, alegando que a deliberação respeitante ao seu aumento salarial de julho 2003 havia sido tomada na reunião de CA, devendo tal deliberação ter ficado registada na ata n.º 1147, o que não aconteceu - cfr. ata n.º 1159.

22. Na sua declaração constante da ata n.° 1159, de 3 de junho de 2004, a arguida deixou consignada a sua admiração e exasperação pelo facto de a ata n.° 1147, de julho de 2003 não conter a alegada deliberação do seu próprio aumento salarial, considerando ter existido uma lacuna - cfr. ata n.° 1159.

23. Desse modo, a arguida utilizou um estratagema para encobrir a ordem que ela própria deu aos serviços da BB para procederem ao aumento substancial das suas prestações remuneratórias, sem que os demais órgãos da BB tivessem tomado conhecimento.

24. Caso tivesse sido verdade e que o substancial aumento salarial da arguida tivesse sido deliberado em CA, mas não tivesse ficado registado em ata, sempre um tal lapso seria corrigido aquando da leitura e aprovação da referida ata, o que teria acontecido na sessão seguinte da reunião do CA.

25. Para além de não existir qualquer deliberação validamente tomada pela Assembleia Geral da BB ou mesmo do próprio CA, contemporânea do substancial aumento de que a arguida beneficiou em julho de 2003, também em junho de 2004 o CA não ratificou, sequer, o referido aumento do ano anterior - cfr. ata 1159.

26. Foi, assim, a própria arguida que tomou a decisão de aumentar a sua própria retribuição mensal, dando ordens aos serviços da BB para assim procederem - cfr. ata n.º 1159 e ata n.º 1147.

27. Para além de ter sido ilegal o aumento remuneratório que a arguida determinou para si própria em julho de 2003, o referido aumento foi decidido pela arguida num momento em que a BB atravessava graves dificuldades financeiras, que a mesma não poderia nunca ignorar - cfr. depoimento da senhora Dra. DD, senhora Dra. CC.

28. A dívida da BB em junho de 2004 era já de 7 553 085,06 EUR (sete milhões quinhentos e cinquenta e três mil oitenta e cinco euros e seis cêntimos) como, aliás, a própria arguida fez inscrever na ata da reunião de 3 de junho de 2004.

29. Ao fazer-se aumentar nas respetivas prestações remuneratórias num valor global de cerca de 30 % só no ano de 2003, a arguida bem sabia que por essa forma estava a prejudicar financeira e economicamente a BB, causando-lhe o consequente prejuízo.

30. No ano de 2004 a BB procedeu a um aumento de 2 % para a generalidade dos trabalhadores.

31. A arguida voltou a beneficiar desse mesmo aumento remuneratório, sem que tivesse existido uma deliberação nesse sentido por parte da Assembleia Geral da BB, dado o facto de ser a Presidente do CA.

32. A sua remuneração base mensal passou de 5 000 EUR para 5 100 EUR, enquanto o subsídio de IHT passou de 1 000 EUR para 1 020 EUR.

33. Nesse mesmo ano e a partir de junho (2004), a arguida determinou aos serviços que a verba mensal que vinha auferindo a título de «ajudas de custo» fosse integrada na rubrica Isenção de Horário de Trabalho (IHT).

34. Essa integração não se fez pela mera soma das duas rubricas quando percebidas autonomamente, o que daria que o novo subsídio de IHT passaria a ser de 2 020 EUR (1.000 EUR + 1 020 EUR).

35. A aludida integração levou a que o subsídio de IHT recebido pela arguida passasse a ser de 3 699,08 EUR o que significou um aumento de 83,12 % na rubrica de IHT.

36. Por essa forma, em junho de 2004 decidiu atribuir-se a si própria um segundo aumento da remuneração global que vinha auferindo que se traduziu num acréscimo de cerca de 23 % nas suas prestações remuneratórias se compararmos a remuneração global geral que vinha auferindo até maio, no valor de 7 285 EUR, com a que passou a auferir a partir de junho, no valor de 8 964,08 EUR.

37. Ainda, durante o ano de 2004, a arguida voltou a atribuir-se, a si própria, um terceiro aumento no conjunto das suas prestações remuneratórias mensais, passando a sua remuneração de base mensal de 5 100 EUR para 5 300 EUR e o subsídio de IHT de 3 699,08 EUR para 3 843,18 EUR, o que significou um novo aumento (o terceiro) de cerca de 3,89 % em cada uma daquelas prestações.

38. Também deste modo em 2004 a arguida determinou que lhe tivessem sido aumentadas as prestações remuneratórias em cerca de 30 % no cômputo global do ano, quando os trabalhadores da BB apenas beneficiaram de um único aumento salarial de 2 %, no início do ano.

39. No ano de 2009, a BB procedeu a um aumento de 2,5 % para as retribuições da generalidade dos trabalhadores, aumento esse de que também a arguida veio a beneficiar, apesar de exercer o cargo de Presidente do CA, cabendo, por esse facto à Assembleia Geral da BB a determinação da retribuição de que aquela poderia vir a beneficiar.

40. Foi a própria arguida quem determinou aos Serviços da BB que o referido aumento percentual também lhe fosse aplicado, como de facto sucedeu.

41. Nesse mesmo ano de 2009, a arguida determinou, ainda, aos Serviços que lhe voltasse a ser pago o subsídio de Páscoa, prestação esta que recebeu efetivamente e incorporou na sua esfera patrimonial.

42. Entre o ano de 2002 e o ano de 2009, inclusive a arguida determinou para si própria um aumento de 75 % na sua retribuição global - no cômputo de todas as prestações remuneratórias - quando a generalidade dos trabalhadores da BB beneficiou de uma atualização salarial de cerca de 10 %, apenas.

43. Nunca a arguida levou à Assembleia Geral da BB qualquer proposta para efeitos do aumento das suas prestações remuneratórias, tal como nunca comunicou ou deu a conhecer a esse mesmo órgão as suas decisões de aumentos salariais nos montantes e periodicidade em que os mesmos ocorreram.

44. Era do conhecimento da arguida que a BB atravessava grandes dificuldades financeiras, com dívidas de mais de sete milhões de euros, que, no entanto, se foram sucessivamente agravando.

45. Apesar disso, a arguida nunca se coibiu de, em seu benefício próprio e à revelia dos órgãos competentes da BB, em tal matéria, terminar para si própria os sucessivos aumentos, como o fez nos termos descritos na presente nota de culpa.

46. Independentemente das sucessivas ilegalidades na atribuição de tais aumentos salariais, a conduta da arguida contribuiu, de forma objetiva, para o agravamento da situação financeira da BB.

47. O efeito dos sucessivos aumentos salariais, determinados pela própria arguida, mantém-se atualmente, na sua retribuição, pelo que os factos praticados se caracterizam como factos continuados.

48. Ao assumir as decisões que tomou, a arguida bem sabia que estava a causar à BB um prejuízo de centenas de milhares de euros, correspondentes aos aumentos salariais que determinou para si própria, sem base legal para tanto.

B. Da matéria não provada:

Considerou-se não provado que:

a. A arguida desde o dia 01 de dezembro de 2001 manteve a categoria profissional e funções de diretora‑geral até à presente data, sem qualquer vicissitude na relação laboral de quase treze anos.

Quer o depoimento da senhora Dra. DD, quer os depoimentos dos senhores doutores EE e FF, não permitiram colocar em crise a declaração registada na ata n.º 1113, do conselho de administração da entidade empregadora. Efetivamente foi aí declarado pela Arguida que deixou de ocupar o lugar de Diretora Geral e que tais funções passaram a ser assumidas pelo Diretor Geral Adjunto.

Ora daqui decorre que a arguida após ter sido eleita presidente do conselho de administração da sua entidade empregadora suspendeu o exercício das funções de diretora geral. Ora apesar de a Arguida ter procurado demonstrar que continuou a exercer materialmente tais funções - razão única que fundamentava o recebimento das remunerações de diretora geral - a verdade é que no nosso entendimento não logrou fazê-lo.

A senhora Dra. DD disse que nunca conseguiu distinguir em concreto as funções de diretor geral, pela simples razão deste cargo nunca ter existido antes da admissão da Arguida. Tanto mais que a Arguida quando foi para a instituição ocupou logo o gabinete que pertencia ao presidente e que veio posteriormente a manter após ter sido eleita. Admitindo inclusive a testemunha que quando o contrato de trabalho foi assinado e começou a ser executado a Arguida já sabia que ia ser a única candidata à presidência do conselho de administração.

O Dr. EE, declarou sobre esta matéria que como diretora geral a Arguida coordenava todos os departamentos da união e como presidente do seu conselho de administração tinha por função representá-la. A distinção operada, que não pode deixar de ser validamente criticada pelo confronto com os Estatutos da instituição, designadamente com o artigo X onde se verifica que as competências do conselho de administração são vulgarmente as designadas por poderes de gestão e de representação.

Sendo que tais competências são desenvolvidas por todos os membros do conselho de administração e em particular pelo seu presidente a quem cabe o poder de decisão em caso de empate nas deliberações.

Por outro lado, na própria ata n.º 1113, verifica-se que na estrutura de funcionamento da entidade empregadora não havia a intervenção da senhora diretora geral por ter suspendido as suas funções. Efetivamente verifica-se no que concerne ao seu funcionamento, que o conselho de administração tratava diretamente com as chefias do departamento, o que não aconteceria se houvesse diretora geral em exercício, pois seria a esta que incumbiria o contacto.

Por outro lado do ponto de vista da realização das despesas as diretoras de serviço reportam diretamente à administração e as competências delegadas para despesa foram-no na pessoa da presidente do conselho de administração. Também na ata n.º 1160, a propósito de um processo disciplinar a uma funcionária, verifica‑se que a intervenção da Arguida foi-o sempre na qualidade de presidente e não de diretora geral. Todas as referências que lhe são feitas são-no por referência à sua qualidade de presidente.

Tudo isto, analisado criticamente permitiu concluir que a Arguida após ter sido eleita presidente do conselho de administração suspendeu efetivamente as suas funções de diretora geral.

b. A Arguida cumulou as suas funções laborais de diretora geral, para as quais foi contratada pela Instituição com a do cargo de órgão associativo.

Considerado não provado com os fundamentos anteriores.

c. Continuou a desempenhar as funções de diretora geral, estando presente no dia‑a‑dia da instituição no exercício das mesmas

Considerado não provado com os fundamentos anteriores no que concerne ao desempenho das funções de diretora geral. Provado no entanto, que comparecia diariamente na Instituição, não sendo possível apurar que não o fizesse na sua qualidade de presidente.

d. O subsídio de páscoa atribuído à trabalhadora, e que a mesma já auferia tal remuneração no âmbito da sua relação laboral anterior, com a caixa de GG.

O subsídio de páscoa não foi resultado de reprodução da situação laboral anterior da arguida, sem prejuízo de ela poder tê-lo recebido na qualidade de trabalhadora da Caixa de GG, mas resultou da sua atribuição à arguida não por ser trabalhadora mas sim presidente do conselho de administração da entidade patronal. Tal resulta da ata n.º 1119 do conselho de administração que deliberou manter tal subsídio ao diretor geral adjunto e estendê-lo à senhora presidente. Aliás refira-se ainda a este propósito que a Arguida recebeu as suas remunerações inicialmente como presidente e somente em janeiro de 2008 solicitou que as remunerações fossem identificadas nos recibos como remunerações de diretora geral. Atento o teor da ata não pode deixar de se considerar não provado que o subsídio de páscoa lhe fosse devido como trabalhadora.

C. Da fundamentação jurídica

Compulsados os factos considerados provados entende-se que deste processo de inquérito ressaltam várias questões jurídicas que importa responder.

Desde logo saber se o presente procedimento disciplinar caducou ou prescreveu a responsabilidade disciplinar da arguida.

Cumpre afastar a prescrição do procedimento disciplinar, pois o recebimento indevido da remuneração foi um facto que se iniciou em janeiro de 2002 e prolongou-se até dezembro de 2013, portanto o prazo prescricional só terminará em 31 de dezembro de 2014, no que concerne aos recebimentos indevidos.

Quanto aos aumentos, esses factos só podem ser objeto de procedimento disciplinar a partir do momento em que a arguida deixou de ser presidente do conselho de administração, o que também ocorreu só em dezembro de 2013/ pelo que também nesta matéria o prazo só terminará em dezembro de 2014.

Quanto à caducidade, importa referir o seguinte: já depois da tomada de posse, a nova administração foi alertada pela existência de uma sindicância da autoria da Segurança Social.

No decurso dessa sindicância no final mês de janeiro e princípio do mês de fevereiro 2014 foi transmitido à administração que a senhora Dra. AA teria tido comportamentos suscetíveis de responsabilidade disciplinar, criminal e cível. Veio também a apurar-se que a referida senhora nesse mês de janeiro de 2014 reivindicava a qualidade de trabalhadora. Assim sendo a matéria que lhe podia ser imputada teria também foro de natureza disciplinar e por isso foi ordenada a abertura de um processo de inquérito prévio, que só veio a ficar concluído no dia 10 de julho de 2014.

Só nesta data foi do conhecimento da administração da Entidade Patronal os ilícitos disciplinares imputáveis à arguida. A nota de culpa foi-lhe comunicada no dia 17 de julho e por ela rececionada no dia 22 de julho. Também por isso, não procede a invocada caducidade.

Importa por outro lado, saber se a arguida depois de ter sido eleita presidente do conselho de administração manteve a sua qualidade de trabalhadora, e se nesse período o contrato de trabalho celebrado com a sua entidade patronal se manteve válido e em vigor, ou se ao invés sobreveio alguma circunstância que tenha alterado a normal produção de efeitos. Ora a eleição da Arguida para presidente do conselho de administração da sua entidade empregadora, associada à declaração constante na ata n.º 1113 do conselho de administração, nos termos da qual resulta que a Arguida deixou de ocupar o lugar de diretora geral, e que tais funções em termos práticos deverão ser assumidas pelo diretor geral adjunto permite concluir que a prestação de trabalho da Arguida foi suspensa.

Efetivamente, a designação da Arguida presidente do conselho de administração constitui um impedimento temporário que não lhe sendo imputável e prolongando-se por mais de um mês, determina a suspensão do contrato de trabalho, cfr. artigo 296.°, n.º 1 do Código de Trabalho.

Foi aliás, este, o entendimento sufragado pela própria Arguida, quando assinou a ata n.º 1113 e que aqui se dá por integralmente reproduzida. Ora a suspensão do contrato de trabalho por motivo, tem como consequência a suspensão da retribuição. Efetivamente, nos termos do disposto no artigo 295.°, n.º 1 do Código de Trabalho, mantêm-se apenas os direitos, deveres e garantias das partes que não pressuponham a efetiva prestação de trabalho.

O pagamento das remunerações mensais pressupõe a prestação efetiva da prestação laboral do trabalhador, ora estando de funções suspensas não podia a arguida receber as referidas quantias a título de remuneração mensal enquanto contraprestação da entidade patronal, pela sua atividade laboral que se encontrava suspensa. Acresce referir que os pagamentos só foram efetuados porque a Arguida beneficiava da particular posição de presidente do conselho de administração.

Ora encontrando-se suspenso o contrato de trabalho a Arguida não podia receber a remuneração, pelo que ao tê-la percebido violou o disposto no artigo 128.°, n.º 1 alínea f) do Código de Trabalho, ao atuar assim com deslealdade para com a sua entidade patronal.

Efetivamente, sabendo que o desempenho das suas funções se encontrava suspenso sabia igualmente que não tinha direito ao recebimento da sua remuneração. O dever de lealdade caracteriza-se por constituir um dever geral que deve estar presente em toda e qualquer relação de trabalho subordinado, e que impõe ao trabalhador que nas relações com o empregador aja com franqueza e honestidade, de acordo com as regras da boa-fé que deve presidir à execução do contrato,

Ora impunha-se em nome do dever de lealdade que, a Arguida tendo suspendido o contrato de trabalho, não continuasse a receber a remuneração salarial.

A Arguida violou assim, de forma dolosa o dever de lealdade. Com a sua conduta, a arguida violou gravemente os seus deveres perante a BB, designadamente os previstos nas alíneas e), f) e h) do n.º 1 do artigo 128.° do Código do Trabalho.

A Arguida com o comportamento descrito recebeu indevidamente a remuneração mensal a título de diretora geral desde o dia 31 de janeiro de 2002 até hoje, no montante total de 1 337 739,91 EUR.

O comportamento continuado da arguida foi grave e culposo, constituindo fundamento para despedimento com justa causa nos termos do disposto nas alíneas a), d), e e) do n.º 2 do artigo 351.º do Código do Trabalho.

Além de naturalmente, ser matéria que pode justificar a instauração de procedimento criminal e a respetiva ação de indemnização cível.

Também o facto de a trabalhadora e aqui arguida se ter valido da sua posição de presidente do conselho de administração para se aumentar exponencialmente «no ano de 2003» pois, no início do mês de julho, a arguida determinou aos serviços de pessoal da BB um novo aumento salarial para si próprio, traduzido num acréscimo de 26,26 % na retribuição base mensal, num acréscimo de 87,5 % no subsídio de alimentação, num acréscimo de 33,65 % nas ajudas de custo e num aumento acréscimo de 26,26 % no subsídio de isenção de horário de trabalho corresponde à violação dos deveres de lealdade para com a sua entidade patronal.

Mais uma vez a Arguida violou assim, de forma dolosa o dever de lealdade, com a sua conduta, a arguida violou gravemente os seus deveres perante a BB, designadamente os previstos nas alíneas e), f) e h) do n.º 1 do artigo 128.º do Código do Trabalho.

Revela ainda, o comportamento da arguida a mais elevada censura e desvalor jurídico, quando os outros trabalhadores foram aumentados em apenas 2,7 % e a arguida se fez aumentar em mais de 40 %.

Para além da lesão grave nos interesses patrimoniais da empresa o seu comportamento revela o mais intenso desprezo pelos colegas de trabalho a quem apenas aumentou em 2,7 %. Também aqui, o comportamento continuado da arguida foi grave e culposo, constituindo fundamento para despedimento com justa causa nos termos do disposto nas alíneas a), d), e e) do n.º 2 do artigo 351.° do Código do Trabalho.

Proposta de decisão final.

Em posse do processo disciplinar mandado instaurar, visto este e analisado o relatório final que faz parte integrante desta decisão, bem como a própria nota de culpa, que aqui se dão por integralmente reproduzidos:

Pelo que a arguida incorreu em responsabilidade disciplinar, nos termos das disposições conjugadas do artigo 128.°, n.º 1, alíneas c), e), f) e g), do artigo 323.º, n.º 1 e 328.°, 351.° n.º 1 e n.º 2 alíneas a), e e) todos do Código de Trabalho.

O comportamento da Arguida devido à sua gravidade e consequências quebrou a relação de confiança subjacente ao contrato de trabalho de forma definitiva e permanente.

A Arguida agiu, sabendo perfeitamente que as suas condutas constituem incumprimento dos deveres a que está obrigado enquanto trabalhador, mas conformou-se com esse facto.

A arguida agiu com dolo direto representando e querendo o resultado da sua conduta. A gravidade da violação dos deveres laborais torna inexigível a manutenção da relação laboral, verificando-se o nexo de causalidade entre o comportamento da Arguida e essa inexigibilidade.

Ademais, os factos descritos e imputados à Arguida podem consubstanciar a responsabilidade penal.

Os comportamentos da Arguida, acima descritos, pela sua gravidade, culpabilidade e consequências, tornam imediatamente impossível a subsistência da relação laboral da arguida com a sua entidade patronal.

Atendendo-se ao grau de lesão dos interesses da BB, o comportamento da Arguida constitui justa causa de despedimento, nos termos do artigo 328.º n.º 1 alínea f) e do artigo 351.° n.º 1 e n.º 2 alínea a), todos do Código de Trabalho.

Propõe-se por isso o despedimento imediato da arguida, com a invocação de justa causa.

Mais se propõe que sejam extraídas certidões do presente processo disciplinar e apresentada a respetiva queixa-crime.

Decisão final.

A arguida incorreu em responsabilidade disciplinar, nos termos das disposições conjugadas do artigo 323.°, n.º 1, 328.° n.º 1 alínea f) 351.° n.º 1 e n.º 2 alíneas a) e e) todos do Código de Trabalho.

O comportamento da Arguida devido à sua gravidade e consequências quebrou a relação de confiança subjacente ao contrato de trabalho de forma definitiva e permanente.

A Arguida agiu, sabendo perfeitamente que as suas condutas constituem incumprimento dos deveres a que está obrigado enquanto trabalhador, mas conformou-se com esse facto.

A arguida agiu com dolo direto representando e querendo o resultado da sua conduta. A gravidade da violação dos deveres laborais torna inexigível a manutenção da relação laboral, verificando-se o nexo de causalidade entre o comportamento da Arguida e essa inexigibilidade.

Ademais, os factos descritos e imputados à Arguida podem consubstanciar responsabilidade.

Os comportamentos da Arguida, acima descritos, pela sua gravidade, culpabilidade e consequências, tornam imediatamente impossível a subsistência da relação laboral da arguida com a sua entidade patronal.

Atendendo-se ao grau de lesão dos interesses da BB, o comportamento da Arguida constitui justa causa de despedimento, nos termos do artigo 328.°, n.º 1 alínea f) e do artigo 351.°, n.º 1 e n.º 2 alínea a), e) todos do Código de Trabalho, procede-se ao despedimento imediato da arguida com fundamento em justa causa.

9. A BB é uma instituição de solidariedade social, que tem como finalidade desenvolver programas e ações de proteção e apoio nas áreas da segurança social e da saúde e contribuir para a promoção e melhoria da qualidade de vida das populações e, em particular, das respetivas famílias.

10. À data da sua admissão, a retribuição da Autora era:

- Vencimento base 750.000$00 (3 853,22 EUR);

- Subsídio de alimentação 16.000$00 (87,78 EUR);

- Ajudas de custo 150.000$00;

- Isenção de horário de trabalho 150.000$00.

11. A Autora celebrou com a Ré um contrato promessa de trabalho em 28 de setembro de 2001, com as condições supra mencionadas em 10.

12. A Autora tomou posse como Presidente do Conselho de Administração (CA) da Ré em 3.01.2002.

13. No dia 14.01.2002 em reunião do CA da Ré foi deliberado, por proposta da Autora, como Presidente do CA, que fosse criado o lugar de Diretor Geral Adjunto, a ser ocupado pelo senhor HH em virtude da própria ter deixado de ocupar o lugar de Diretora-Geral, passando este a assumir, na prática, tais funções. Tal proposta foi aprovada por unanimidade.

Igualmente foi proposto pela Autora que o referido HH mantivesse a sua remuneração como um administrador, o que foi aprovado por unanimidade.

Mais foi deliberado que um aumento de vencimento de 3 % para todos os trabalhadores.

14. No dia 11 de março de 2002, o CA da Ré, nos termos constantes da ata n.º 1119 deliberou, por proposta do Diretor Geral Adjunto, em reunião onde estavam, para além do próprio e da autora, II, JJ e KK:

«Considerando que foi deliberado, na ata n.º 1044 das reuniões do Conselho de Administração, a atribuição de um subsídio de Páscoa ao Senhor HH, pois na altura era o Presidente do Conselho de Administração.

Considerando que atualmente, o mesmo é Diretor Geral Adjunto da instituição, e propôs aos atuais administradores a continuação da concessão do referido subsídio, devendo o mesmo ser extensível à Sr.ª Dr.ª AA, devido ao excelente trabalho que ambos têm vindo a desenvolver em prol da BB.

Propõe-se que, a concessão do subsídio de Páscoa se mantenha, e o mesmo passe a ser recebido tanto pela presidente do Conselho de Administração, como pelo Senhor Diretor Geral Adjunto (proposta Subscrita pelo Senhor Diretor Geral Adjunto).

Deliberação: Aprovado por unanimidade».

15. No ano de 2003 foi deliberado em CA que não existiriam aumentos nos vencimentos nem nas diuturnidades, como vertido na ata n.º 1136, do CA de 21/01/2003.

16. No dia 21 de julho de 2003, reuniu-se o CA da Ré, em reunião onde estivaram presentes a Autora, na qualidade de Presidente, e os membros, LL e II, mostrando-se lavrada a ata n.º 1147, onde nada é referido quanto a retribuição dos funcionários da Ré, nomeadamente da Autora.

17. No ano de 2004 teve lugar um aumento de 2 % na retribuição dos trabalhadores, aumento esse de que também beneficiou a Autora, deliberado em CA de 9/02/2004, na ata n.º 1153.

18. Em 3 de junho de 2004, a Presidente do Conselho de Administração, em reunião do CA, vertida na ata n.º 1159, em que estavam presentes para além da própria a Dr.ª LL e o Dr. KK, questionou-os se se recordavam de terem deliberado um aumento salarial para Exma. Senhora Dr.ª AA, na qualidade de Diretora Geral, os quais responderam afirmativamente. Uma vez que tal não constava da ata n.º 1147 a Presidente exigiu que tal facto ficasse registado, ficando exarado:

«Desta forma, a diferença que foi deliberada para o vencimento da Sr.ª Dr.ª AA, na qualidade de Diretora Geral, foi a seguinte:

Trabalho normal de 3 960 EUR para 5 000 EUR;

Subsídio de alimentação: passou de 88 EUR mês para 165 EUR mês;

Ajudas de Custo: passou de 748,20 EUR para 1.000 EUR;

Isenção de Horário de trabalho: passou de 792 EUR para 1 000 EUR».

19. A Autora auferiu as seguintes retribuições:

Em 2001:

Vencimento base: 750.00$00/mês

Subsídio de alimentação: 16.000$00/ mês

Ajudas de custo: 162.500$00/mês;

Subsídio de Natal: 62.500$00;

Isenção de horário: 162.500$00/mês;

Em 2002:

Vencimento base: 3 853,21 EUR/mês

Subsídio de alimentação: variando entre 75,81 EUR e 91,77 EUR/mês

Ajudas de custo: 748,20 EUR/mês, exceto em março e julho, onde teve 1 496,40 EUR, acrescidos de 748,20 EUR em novembro pelo pagamento das ajudas de custo sobre o subsídio de Natal;

Subsídio de natal: 3 853,2 EUR;

Isenção de horário: 770,64 EUR/mês, exceto em março e julho que teve 1 541,28 EUR, acrescidos de 770,64 EUR em novembro pelo pagamento da isenção sobre o subsídio de Natal;

Em 2003:

Vencimento base: 3 853,21 EUR em janeiro, 3 960 EUR de fevereiro a junho, e 5 000 EUR desde julho. A título de diferença foi igualmente pago 106,79 EUR em fevereiro e 2 080 EUR em julho;

Subsídio de alimentação: 88 EUR em janeiro, abril, maio e junho, 76 EUR em fevereiro, 84 EUR em março, e 165 EUR/mês desde julho;

Ajudas de custo: 748,20 EUR/mês, entre janeiro e junho e 1 000 EUR de julho a dezembro;

Subsídio de Natal: 5 000 EUR;

Isenção de horário: 770,64 EUR/mês em janeiro, 792 EUR de fevereiro a junho e 1 000 EUR de julho a dezembro;

Subsídio de Páscoa: 3 960 EUR, acrescido de 1 040 EUR de retroativos de tal subsídio;

Em 2004:

Vencimento base: 5 000 EUR em janeiro e 5 100 EUR de fevereiro a outubro e 5 300 EUR em novembro de dezembro; Subsídio de alimentação: 165 EUR;

Ajudas de custo: 1 000 EUR de janeiro a maio;

Subsídio de Natal: 5 300 EUR;

Isenção de horário: 1 000 EUR em janeiro, 1 020 EUR de fevereiro a maio e 3 699,08 EUR de junho a dezembro;

Subsídio de Páscoa: 5 100 EUR, acrescido de 1 000 EUR de ajudas de custo sobre tal subsídio e 1 020 EUR de isenção sobre tal subsídio;

Em 2005:

Vencimento base: 5 300 EUR/mês;

Subsídio de alimentação: 165 EUR/mês;

Subsídio de Natal: 5 300 EUR;

Isenção de horário: 3 843,18 EUR/ mês x 14 meses

Em 2006:

Vencimento base: 5 300 EUR/mês;

Subsídio de alimentação: 165 EUR/mês;

Subsídio de Natal: 5 300 EUR;

Isenção de horário: 3 843,18 EUR/ mês x 14 meses

Em 2007:

Vencimento base: 5 300 EUR/mês;

Diuturnidades: 25 EUR/mês

Subsídio de alimentação: 165 EUR/mês;

Subsídio de Natal: 9 169 EUR;

Subsídio de férias: 9 169 EUR;

Subsídio de Páscoa: 9 169 EUR;

Isenção de horário: 3 844 EUR/ mês

Em 2008:

Vencimento base: 5 300 EUR/mês;

Diuturnidades: 25 EUR/mês

Subsídio de alimentação: 165 EUR/mês;

Subsídio de Natal: 9 169 EUR;

Subsídio de férias: 9 169 EUR;

Isenção de horário: 3 844 EUR/mês.

 Em 2009:

Vencimento base:  5 435 EUR/ mês;

Diuturnidades:  25 EUR/mês

Subsídio de alimentação: 165 EUR/mês;

 Subsídio de Natal: 9 420 EUR;

 Subsídio de férias: 9 420 EUR;

 Subsídio de Páscoa: 9 420 EUR;

 Isenção de horário: 3 960 EUR/mês.

 Em 2010:

Vencimento base: 5 435,00 EUR/mês;

 Diuturnidades: 25 EUR/mês

Subsídio de alimentação: 165 EUR/mês;

Subsídio de natal: 9 420 EUR;

Subsídio de férias: 9 420 EUR;

Isenção de horário: 3 960 EUR/mês.

 Em 2011:

Vencimento base: 5 435 EUR/mês;

Diuturnidades: 25 EUR/mês;

Subsídio de alimentação: 165 EUR/mês;

Subsídio de Natal: 9 420 EUR;

Subsídio de férias: 9 420 EUR;

Isenção de horário: 3 960 EUR/mês.

Em 2012:

Vencimento base: 5 435 EUR/mês;

Diuturnidades: 50 EUR/mês

Subsídio de alimentação: 165 EUR/ mês;

Subsídio de natal: 9 445 EUR;

Subsídio de férias: 9 445 EUR;

Isenção de horário: 3 960,00 EUR/mês.

Em 2013:

Vencimento base: 5 435 EUR/mês;

 Diuturnidades: 50 EUR/ mês;

Subsídio de alimentação: 165 EUR/mês;

 Subsídio de Natal: 9 445 EUR;

Subsídio de férias: 9 445 EUR;

 Isenção de horário: 3 960 EUR/mês

À Autora foram descontados 1 574,17 EUR em novembro e 9 445 EUR em dezembro de 2013, em virtude de baixa por doença natural.

20. Em 2003 a rubrica de ajudas de custo auferida pela Autora foi integrada na rubrica de isenção de horário de trabalho, tal como no que respeita aos restantes funcionários que recebiam tais ajudas, após uma fiscalização externa que concluiu que os mesmos não poderiam continuar a ser pagos como até aí.

21. No ano de 2009 a Ré procedeu a um aumento de 2,5 % na retribuição dos trabalhadores, aumento de que também beneficiou a Autora.

22. A Autora esteve com incapacidade para o trabalho desde 26 de novembro até 4/08/2014.

23. Por despacho de 26/08/2014 proferido no processo disciplinar, o instrutor indeferiu a inquirição da própria Autora por entender que era uma diligência inútil, uma vez que a mesma apresentou resposta à nota de culpa.

24. A Autora cumpria o horário dos Serviços mesmo depois de janeiro de 2002.

25.A Autora sabia que não podia votar, ou apresentar propostas que a atingissem diretamente.

26.A Autora sabia que o Diretor Geral não podia votar, ou apresentar propostas, no Conselho de Administração.

27.A dívida da Ré, em junho de 2004, era de 7 553 085,06 EUR, como a mesma fez inscrever na ata n.º 1159, de 3/6/2004, em comparação com a de 2001 que era de 4 955 905,21 EUR.

28. Após 2005 era comunicado pelo CA diretamente ao serviço de pessoal o valor das alterações remuneratórias.

29. (Eliminado pelo Tribunal da Relação)

30. Enquanto esteve como Presidente do Conselho de Administração a Autora recebeu a quantia de 518 187,53 EUR de aumentos.

31. A Autora marcava férias e descontava para a segurança social na qualidade de trabalhadora dependente, pagando a entidade empregadora o seguro de acidentes de trabalho obrigatório, na qualidade de trabalhadora dependente;

32. A Autora era considerada competente e trabalhadora e o Conselho Fiscal deu pareceres favoráveis ao trabalho desenvolvido pela gestão da Autora.

33. A Autora é licenciada em Organização e Gestão de Empresas pelo Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE).

34. Antes de finalizar o curso a mesma foi convidada para lecionar, cumulando os estudos com a carreira de docente.

35. No final do seu percurso académico, foi convidada pela Caixa de GG do ... para chefiar o Departamento de contabilidade e recursos humanos.

36. No desempenho de tal cargo foi responsável pelo complexo processo de fusão e integração das Caixas de GG de Palmela, Seixal, Alcochete e Vendas Novas, que esteve na origem da Caixa de GG de entre o Tejo e o Sado.

37. E, com a posterior integração da Caixa de GG do ... na Caixa de GG de entre o Tejo e o Sado, a Autora ficou responsável pela coordenação da área administrativa e financeira de tal Instituição Bancária.

38. Sem nunca deixar a carreira de docente, continuando a lecionar as mais diversas disciplinas da sua área de formação.

39. Ficaram por liquidar à Autora as remunerações relativas ao mês de outubro do ano de 2013, no valor de 9 578,01 EUR e 25 dias relativos ao mês de novembro do ano de 2013, no valor de 7 981,68 EUR.

40. Não foi pago à Autora o subsídio de Natal do ano de 2013, e o correspondente às férias não gozadas do ano de 2013 e respetivo subsídio.

41. A Autora viu o seu prestígio profissional e pessoal gravemente ofendido.

42. A Ré em desrespeito pela decisão judicial de suspensão de despedimento proferida nos autos procedimento cautelar, não deixou no passado dia 23 de junho a Autora reocupar o seu posto de trabalho, impedindo-a de aceder ao local onde sempre prestou a sua atividade laboral. Aditado conforme decisão infra.

43. Até que, após várias horas de espera foi entregue à Autora uma comunicação, em que a Ré ordenou à Autora que se apresentasse no dia seguinte, nas instalações, pelas 9 horas.

44. A Autora em cumprimento do aí ordenado, no dia 24 de junho apresentou‑se no respetivo local na hora indicada, mas aí chegada teve que aguardar que os funcionários da Ré lhe abrissem a porta para entrar.

45. Tendo entrado nas instalações da Ré foi-lhe comunicado de imediato que iria para uma mesa sem qualquer instrumento de trabalho, onde aí ficou até ao intervalo de almoço, sem lhe ter sido atribuído ou solicitado qualquer trabalho.

46.Quando regressou do almoço, um Diretor da Ré impediu que a Autora entrasse nos escritórios, ordenando-lhe que ficasse nas cadeiras do hall de entrada de acesso aos escritórios.

47. A Autora informou que ali não era o seu local de trabalho e que não tinha as mínimas condições para a prestação da sua atividade, o que o referido Diretor da Ré retorquiu que era nessas cadeiras do hall de entrada que iria ficar.

48. No dia seguinte, 25 de junho do corrente ano, a Autora apresentou-se nas instalações da Ré pelas 9 horas da manhã, tendo-lhe uma rececionista informado de imediato que tinha recebido ordens para lhe comunicar que não podia entrar para os escritórios, que iria continuar nas cadeiras do hall de entrada de acesso aos escritórios.

49. Foi chamada a Inspetora da Autoridade para as Condições de Trabalho a qual se deslocou às instalações da Ré, fotografou a Autora no local onde foi ordenada pela entidade patronal que mesma prestasse o seu trabalhado, «hall de entrada de acesso aos escritórios».

50. Os responsáveis da Ré emitiram um despacho de suspensão, para evitar o levantamento de mais um auto de contra ordenação por parte da ACT.

51. A Autora por sua própria iniciativa e em benefício da Ré durante os anos referidos no ponto 19 dos factos provados, prescindiu do recebimento do subsídio de Páscoa, e a partir do ano 2009 prescindiu totalmente de receber tais valores.

B) Fundamentação de Direito:

B1) Os presentes autos respeitam a ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento instaurada em 9 de junho de 2015, tendo o acórdão recorrido sido proferido em 17 de maio de 2017.

Assim sendo, o regime processual aplicável é o seguinte:

- O Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de dezembro, 38/2003, de 8 de março, 295/2009, de 13 de outubro, que o republicou, e Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto.

- O Código de Processo Civil, na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho.

B2) A recorrente veio arguir a nulidade do acórdão recorrido com fundamento no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e c) do Código de Processo Civil, por alegada falta de fundamentação e por oposição entre a decisão e os fundamentos. ­

No que diz respeito à primeira das invocadas nulidades – falta de indicação do fundamento de direito – importa referir que a fundamentação das decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente é um imperativo constitucional, nos termos do art.º 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

No entanto, como refere Fernando Amâncio Ferreira (Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, pág. 39 e segs.), citando Alberto dos Reis e Antunes Varela, «A falta de motivação suscetível de integrar a nulidade da sentença é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos quer estes respeitem aos factos quer ao direito.

A motivação incompleta, deficiente ou errada não produz nulidade, afetando somente o valor doutrinal da sentença e sujeitando-a consequentemente ao risco de ser revogada ou alterada quando apreciada em recurso».

Também o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão, desta 4.ª secção, de 04/03/2015, no Processo n.º 37/11.4TTBRR.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt, salienta que «a fundamentação da sentença tem que ser aferida globalmente, só se verifica a sua nulidade em caso de falta absoluta de fundamentação».

A recorrente, em defesa da sua tese, sustenta que o acórdão recorrido carece, absolutamente, de fundamentação quanto à decisão de julgar lícito o despedimento promovido pela entidade patronal, ou seja, da existência de justa de despedimento.

Analisando o acórdão recorrido facilmente se constata que não foi decidido julgar lícito o despedimento promovido pela entidade patronal, tendo antes se consignado:

Nada nos factos provados, parcos aliás, nos permite concluir que, por qualquer forma, a Autora mantinha um vínculo de subordinação jurídica com a Ré. É certo que cumpria um horário, marcava férias e descontava para a Segurança Social como trabalhadora dependente, tudo indícios de subordinação. No entanto, desconhece-se se recebia ordens e de quem, e se não cumprisse o horário, se tal teria uma qualquer consequência.

Sabe-se apenas que a Autora exerceu as funções de Presidente do Conselho de Administração durante praticamente toda a vigência da sua relação com a Ré. Não se sabe em que condições exerceu as funções de trabalhadora subordinada, o que aconteceu durante apenas um mês.

Toda a lógica e razão de ser da norma plasmada no nº2 do artigo 398º do CSC tem aplicação ao presente caso, sendo de aplicar por analogia.

Ou seja, considerando que a Autora apenas por um mês exerceu funções de trabalhadora subordinada, integrando imediatamente o Conselho de Administração da Ré, como sua Presidente, há que considerar que o contrato de trabalho extinguiu-se. E assim sendo, não podia a Autora ser punida disciplinarmente, dado que o poder disciplinar é típico das relações em que ocorre subordinação jurídica, o que não se verifica nos presentes autos, uma vez que os factos foram praticados pela Autora como Presidente do Conselho de Administração da Ré. O sancionamento do comportamento da Ré é a destituição do cargo de Presidente do Conselho de Administração e não o despedimento (com justa causa).

Assim, o acórdão recorrido, ao contrário do defendido pela recorrente, não carece de falta de fundamentação, pois é bem claro ao afirmar que o contrato de trabalho que ligava a autora à ré extinguiu-se, nos termos do n.º 2 do art.º 398.º do Código das Sociedades Comerciais, não podendo haver lugar à ação disciplinar.

Nessa linha de raciocínio, o Tribunal da Relação, embora com fundamentos diversos, confirmou a sentença da 1.ª instância, que julgou a ação improcedente.

No que diz respeito à segunda das invocadas nulidades – oposição entre os fundamentos e a decisão – a doutrina salienta que a lei «refere-se à contradição real entre os fundamentos e a decisão: a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente» (cfr. Fernando Amâncio Ferreira - Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, pág. 40 e segs.).

Também a Jurisprudência tem sublinhado que só a verificação desta contradição real entre os fundamentos e a decisão é que tem o efeito de inquinar a sentença com a referida nulidade (Conferir o acórdão desta 4.ª secção proferido no processo n.º 235/09.0TTAVR.P2.S1, em que se sumariou: Verifica-se a oposição entre os fundamentos e a decisão integradora da nulidade da sentença ou do acórdão, quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas ao resultado oposto.

A recorrente, que defendeu que o acórdão recorrido é nulo por falta de fundamentação, avança com outra nulidade a oposição entre os fundamentos e a decisão, defendendo que «é por demais evidente que existe uma chocante e inexplicável contradição entre a fundamentação, que sufraga, que a Autora não podia ser punida disciplinarmente e a posterior decisão que permite tal punição do despedimento, julgando o mesmo lícito».

Pelas mesmas razões já invocadas a propósito da falta de fundamentação, temos de concluir pela improcedência da invocada nulidade, pois como já se sublinhou o raciocínio efetuado no acórdão é lógico ao afirmar que o contrato de trabalho que ligava a autora à ré extinguiu-se, nos termos do n.º 2 do art.º 398.º do Código das Sociedades Comerciais, não podendo haver lugar à ação disciplinar, pelo que, embora com fundamentos diversos, confirma a sentença da 1.ª instância julgando a ação improcedente.

Pelo exposto, julgam-se improcedentes as arguidas nulidades de falta de fundamentação e de oposição entre os fundamentos e a decisão.

B3) A recorrente sustenta que o acórdão recorrido enferma de erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa.

Para o efeito, alegou que resulta da prova por confissão judicial da recorrida, com força probatória plena, da prova documental e testemunhal que o contrato de trabalho que ligava a autora à ré nunca foi suspenso ou sequer cessou para que aquela ocupasse o cargo de Presidente do Conselho de Administração, pelo que tal facto deveria ter sido julgado provado e aditado pelo tribunal recorrido aos factos assentes.

Refere ainda que deve ser reposta a primeira parte do ponto 2 dos factos dados como provados pela 1.ª instância, onde se tinha consignado que a autora «tinha ultimamente a categoria profissional de Diretora-Geral» e dado como não provado o ponto 30 dos factos provados.

O art.º 674.º do Código de Processo Civil, intitulado «Fundamentos da revista», estatui no seu n.º 3 que «O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova».

Atento o teor desta disposição legal, o Supremo Tribunal de Justiça tem firmado jurisprudência no sentido de que a sua intervenção no âmbito da decisão da matéria de facto está limitada às situações em que ocorra ofensa do direito probatório material, não abrangendo a apreciação dos factos que as instâncias consideraram assentes, tendo por base a livre apreciação da prova (Cfr. acórdãos datados de 26/10/2017, 14/01/2016, 11/02/2015 e 29/04/2015, proferidos, respetivamente, nos processos n.os 196/12.9TTBRR.L2.S1, 1391/13.9TTCBR.C1.S1, 468/07.4TTPRT.P1.S1 e 306/12.6TTCVL.C1.S1).

Relacionada com esta problemática, o Supremo Tribunal de Justiça também tem sublinhado que com a aprovação do novo Código de Processo Civil, o anterior n.º 4 do art.º 646.º do diploma entretanto revogado, que determinava que «têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito» não encontra paralelo, em sede normativa, no novo modelo. No entanto, não foi suprimida a distinção jurídica entre matéria de facto e matéria de direito, pelo que o juiz não deve incluir no elenco dos factos provados conceitos de direito ou conclusões normativas que possuam virtualidades para condicionar o destino da ação e que definam, por essa via, a aplicação do direito (Cfr. os já citados acórdãos proferidos nos processos n.os 1391/13.9TTCBR.C1.S1 e 306/12.6TTCVL.C1.S1).

A recorrente pretende que seja considerado assente por confissão que o contrato de trabalho que ligava a autora à ré nunca foi suspenso ou sequer cessou para que aquela ocupasse o cargo de Presidente do Conselho de Administração.

Sustenta ainda que deve ser reposta a primeira parte do ponto 2 dos factos dados como provados pela 1.ª instância, onde se tinha consignado que a autora «tinha ultimamente a categoria profissional de Diretora-Geral» e dado como não provado o ponto 30 dos factos provados, no qual se refere que «enquanto esteve como Presidente do Conselho de Administração a autora recebeu a quantia de € 518.187,53 de aumentos».

A seleção da matéria de facto só pode integrar acontecimentos ou factos concretos e não conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos.

A pretensão da recorrente encerra asserções de natureza conceitual e juízos jurídico-conclusivos, razão pela qual não pode ser considerada.

Alega ainda a recorrente que o Tribunal da Relação ao apreciar a impugnação da matéria de facto violou os deveres que lhe são impostos pelo art.º 662.º do Código de Processo Civil, pois «furtou-se a formar a sua própria convicção, não reapreciando, quanto à factualidade em causa as provas apresentadas, sendo totalmente omisso quanto às mesmas».

Analisando o acórdão recorrido na parte em que apreciou a impugnação da matéria de facto (fols. 92 a 99) constata-se que o Tribunal da Relação reapreciou na íntegra a matéria de facto objeto de impugnação pela recorrente, tendo procedido às alterações que considerou pertinentes, expressando a sua própria convicção.

No caso concreto, não se deteta que o Tribunal da Relação tenha incorrido em erro na valoração de prova vinculada, quando apreciou a impugnação da matéria de facto, nem que tenha violado os deveres impostos pelo artigo 662.º do Código de Processo Civil, razão pela qual se deve manter a factualidade fixada pelo Tribunal da Relação.

B4) Prescrição do direito de exercer o poder disciplinar e caducidade do procedimento disciplinar – violação do princípio constitucional da segurança no emprego, previsto no art.º 53.º da Constituição da República Portuguesa.

A autora veio invocar as exceções de prescrição do direito de exercer o poder disciplinar e a caducidade do procedimento disciplinar, concluindo pela ilicitude do despedimento.

Para a apreciação destas questões importa ter presentes os seguintes factos:

 - Em 3 de fevereiro de 2014 a ré determinou que fosse instaurado um processo de inquérito prévio tendente a apurar a gravidade e culpabilidade dos factos ilícitos que eram imputados à Autora;

- A autora foi notificada da nota de culpa com vista ao seu despedimento em 22 de julho de 2014;

- A autora foi notificada da decisão final da decisão que aplica a sanção disciplinar, que data de 3/12/2014, em 12/12/2014, no termo do processo disciplinar;

- Em virtude das referidas deliberações do Conselho de Administração da ré, contrárias a Lei e aos seus Estatutos, a autora veio a beneficiar de vantagens patrimoniais desde o princípio de janeiro de 2002 até final de setembro de 2013.

 O artigo 329.º n.º 1 e 2 do Código do Trabalho, intitulado Procedimento disciplinar e prescrição, estatui:

1 - O direito de exercer o poder disciplinar prescreve um ano após a prática da infração, ou no prazo de prescrição da lei penal se o facto constituir igualmente crime.

2 - O procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infração.

3 – O procedimento prescreve decorrido um ano contado da data em que é instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não seja notificado da decisão final.”

No caso concreto, é pertinente relembrar que os factos imputados à autora ocorreram de forma continuada até finais de setembro de 2013, numa altura em que o seu contrato de trabalho estava suspenso em virtude de estar a desempenhar o cargo de Presidente do Conselho de Administração da ré.

Como também já se referiu, as vantagens patrimoniais de que autora beneficiou, ao longo de mais de dez anos, traduziram-se em graves prejuízos para a situação financeira da ré.

Por outro lado, é também de ponderar o facto de o cargo que estava a ser desempenhado pela autora ser de topo na estrutura executiva da ré, integrando o Conselho de administração, com a competência definida no art.º 34.º dos Estatutos da ré, nomeadamente no âmbito disciplinar.

Como a autora beneficiou das referidas vantagens patrimoniais até final de setembro de 2013, à data em que foi instaurado o procedimento disciplinar (3/2/2014), não tinha decorrido o prazo prescricional, previsto no art.º 329.º n.º 1 do Código do Trabalho.

No que diz respeito à prescrição do direito de exercer o poder disciplinar, importa ainda referir que os factos imputados à autora são suscetíveis de integrar a prática de um crime de infidelidade, que é um crime contra o património, previsto e punido no artigo 224.º n.º 1 do Código Penal que dispõe:   

Quem, tendo-lhe sido confiado, por lei ou por ato jurídico, o encargo de dispor de interesses patrimoniais alheios ou de os administrar ou fiscalizar, causar a esses interesses, intencionalmente e com grave violação dos deveres que lhe incumbem, prejuízo patrimonial importante é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.

O prazo prescricional para este tipo de crime é de cinco anos, nos termos do disposto no artigo 118.º nº1 c) do Código Penal, pelo que, atento o disposto no já citado art.º 329.º n.º 1 do Código do Trabalho, seria também de atender a este prazo.

Quanto à caducidade a recorrente defende que o entendimento perfilhado pelo acórdão recorrido inutiliza e subverte o prazo de caducidade previsto no n.º 2, do artigo 329.º do Código de Trabalho, o qual visa proteger a certeza e da estabilidade no trabalho, afronta e viola de forma grave também o princípio constitucional da Segurança no Emprego previsto no artigo 53.º da Constituição da Republica Portuguesa.

O n.º 2 do art.º 329.º do Código do Trabalho dispõe que o procedimento disciplinar deve iniciar-se nos sessenta dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infração.

Por seu turno, o art.º 352.º do Código do Trabalho, intitulado Inquérito prévio, estatui: Caso o procedimento prévio de inquérito seja necessário para fundamentar a nota de culpa, o seu início interrompe a contagem dos prazos estabelecidos nos n.os 1 ou 2 do artigo 329.º, desde que ocorra nos 30 dias seguintes à suspeita de comportamentos irregulares, o procedimento seja conduzido de forma diligente e a nota de culpa seja notificada até 30 dias após a conclusão do mesmo”.

Resulta dos factos provados que a ré, em 3 de fevereiro de 2014, determinou que fosse instaurado um processo de inquérito prévio tendente a apurar a gravidade e culpabilidade dos factos ilícitos que eram imputados à Autora.

Da factualidade provada não resulta que a ré tenha tido conhecimento dos referidos factos há mais de sessenta dias quando determinou a instauração do inquérito prévio.

Por seu turno, a autora também não logrou provar que a ré quando ordenou a instauração do inquérito prévio tinha conhecimento dos factos há mais de sessenta dias.

No caso concreto, a ré ordenou a instauração do processo de inquérito prévio em 3 de fevereiro de 2014, tendo a nota de culpa sido notificada à autora em 22 de julho de 2014 e a decisão disciplinar proferida em 3 de dezembro de 2014 e notificada em 12 de dezembro de 2014.

Perante este quadro improcede a alegada exceção da caducidade do procedimento disciplinar, não se verificando qualquer violação ao princípio constitucional da Segurança no Emprego previsto no artigo 53.º da Constituição da Republica Portuguesa.

B5) Saber se o contrato de trabalho da autora, iniciado em 1 de dezembro de 2001, para desempenhar as funções correspondentes à categoria profissional de Diretora‑Geral, se manteve após ter assumido as funções de Presidente do Conselho de Administração da ré, (i) violação do princípio constitucional da legalidade e da sujeição à lei, previsto no art.º 203.º e 204.º da Constituição da República Portuguesa, (ii) inconstitucionalidade orgânica do n.º 2 do art.º 358.º do Código das Sociedades Comerciais.

 Resulta dos factos provados que a Autora entrou ao serviço da Ré por celebração de um contrato de trabalho, em 1 de dezembro de 2001, para desempenhar funções com a categoria profissional de Diretora‑Geral, tendo em 3 de janeiro de 2002 tomado posse como Presidente do Conselho de Administração.

Também ficou provado que no dia 14 de janeiro de 2002, em reunião do Conselho de Administração (CA) da Ré, foi deliberado, por proposta da autora, como Presidente do CA, que fosse criado o lugar de Diretor‑Geral Adjunto, a ser ocupado pelo senhor HH em virtude da própria ter deixado de ocupar o lugar de Diretora-Geral, passando este a assumir, na prática, tais funções, tendo tal proposta sido aprovada por unanimidade.

Esta factualidade, que consta nos pontos 1, 12 e 13, é crucial para se poder tomar posição quanto à aludida questão equacionada pela recorrente na revista.

A mesma evidencia que a autora logo após ter tomado posse como Presidente do Conselho de Administração propôs que fosse criado o lugar de Diretor‑Geral Adjunto para que a pessoa que ocupasse esse lugar assumisse as funções que eram desempenhadas por si, em virtude de ter deixado de ocupar o lugar de Diretora-Geral.

A ré é uma instituição de solidariedade social que se regia na altura dos factos, em primeira linha, pelo Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 119/83, de 25 de fevereiro (diploma que veio a ser alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 172-A/2014, de 14 de novembro), pelo Código das Associações Mutualistas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/90, de 3 de março e pelos próprios estatutos, aprovados em Assembleia Geral de 26/11/2009 e em vigor desde 19 de fevereiro de 2010.

Os estatutos da ré, em consonância com o Estatuto das Instituições Particulares de Solidariedade Social e com o Código das Associações Mutualistas, preveem como órgãos associativos a Assembleia Geral, o Conselho de Administração e o Conselho Fiscal.

Os cargos nos órgãos associativos eletivos são desempenhados através de mandato por três anos, nos termos do art.º 89.º n.º 1 do Código das Associações Mutualistas e do art.º 41.º n.º 1 dos Estatutos da ré.

Tanto o Código das Associações Mutualistas como os Estatutos da ré preveem a possibilidade de intervenção dos associados trabalhadores da associação na composição dos respetivos órgãos associativos, respetivamente nos artigos 93.º e 43.º.

A questão que se coloca é a de saber se os titulares dos órgãos associativos eletivos que estejam vinculados por contrato de trabalho à associação mantêm ou não esse vínculo após terem tomado posse no cargo.

Os órgãos associativos eletivos asseguram o funcionamento da associação constituindo a estrutura executiva da mesma de onde dimana o poder diretivo sobre os seus trabalhadores.

Assim, o desempenho desses cargos nos órgãos associativos eletivos é incompatível com o vínculo de subordinação jurídica que caracteriza o contrato de trabalho.

Compreende-se assim a proposta da autora, efetuada na reunião do Conselho de Administração da ré, no dia 14 de janeiro de 2002, no sentido de que que fosse criado o lugar de Diretor-Geral Adjunto, a ser ocupado pelo senhor HH em virtude da própria ter deixado de ocupar o lugar de Diretora-Geral, passando este a assumir, na prática, tais funções, proposta que foi aprovada por unanimidade.

Não resultando da matéria provada que tenha havido algum acordo entre a ré e a autora antes de esta ter tomado posse como Presidente do Conselho de Administração, ocorreu uma suspensão do contrato de trabalho que as vinculava, nos termos dos artigos 294.º a 297.º do Código do Trabalho, contrato que foi retomado após a autora ter deixado de exercer as referidas funções.

Atendendo à natureza destas associações, que são Instituições Particulares de Solidariedade Social, que têm uma regulamentação própria, na qual se prevê, expressamente, a intervenção dos associados trabalhadores na composição dos órgãos eletivos, entendemos não ser aplicável o n.º 2 do art.º 398.º do Código das Sociedades Comerciais, no segmento em que prevê a extinção dos contratos de trabalho que tenham sido celebrados há menos de um ano antes da designação do trabalhador para um cargo de administração.

Ficam, assim, prejudicadas as inconstitucionalidades suscitadas pela autora nos pontos 21 a 24 das suas conclusões, na alegada dimensão de violação da legalidade e da sujeição à lei e inconstitucionalidade orgânica, face ao nosso entendimento de que é inaplicável a referida norma do Código das Sociedades Comerciais.

Apesar de suspenso o contrato de trabalho, nos termos do art.º 295.º n.º 1 do Código do Trabalho mantêm-se os direitos e deveres e garantias das partes que não pressuponham a efetiva prestação de trabalho.

Como sublinha Pedro Romano Martinez (Direito do Trabalho, 2013, 6.ª Edição, Almedina, pág. 709) «durante a suspensão, os direitos, deveres e garantias contratuais, que não pressuponham a efetiva realização do trabalho, subsistem (art.º 295.º, n.º 1, do Código do Trabalho); nomeadamente mantêm-se os mútuos deveres de urbanidade e, em particular quanto ao trabalhador, o dever de lealdade, em relação ao empregador, a obrigação de guardar o lugar».

No mesmo sentido, António Menezes Cordeiro (Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, pág. 767) adianta que durante a suspensão do contrato de trabalho mantêm-se em vigor os deveres acessórios duma parte e da outra, os quais devem ser acatados sob pena de inobservância do contrato.

Também António Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 13.ª Edição, Almedina, pág. 493) frisa que a violação dos deveres acessórios durante a suspensão do contrato de trabalho, nomeadamente o dever de lealdade, «pode integrar uma infração disciplinar e conduzir até ao despedimento por justa causa durante a suspensão».

Como esclarece o citado autor «a paralisia dos efeitos jurídico-práticos essenciais do contrato não quebra de modo radical o nexo existente entre as esferas jurídicas do empregador e do trabalhador (ainda e apesar de tudo) pertencente à empresa, dada a subsistência do contrato».

B6) Saber se o despedimento da autora promovido pela ré é ilícito, (i) violação do princípio do contraditório e da defesa, previsto no número 10 do art.º 32.º da Constituição da República Portuguesa, (ii) inexistência de justa causa, (iii) violação do art.º 53.º da Constituição da República Portuguesa e (iv) abuso de direito.

A Constituição da República Portuguesa, no seu art.º 53.º, garante aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos.

O art.º 351.º, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/2, sob a epígrafe Noção de justa causa de despedimento, estatui:

1 - Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

2 - Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador:

a) Desobediência ilegítima às ordens dadas por responsáveis hierarquicamente superiores;

b) Violação de direitos e garantias de trabalhadores da empresa;

c) Provocação repetida de conflitos com trabalhadores da empresa;

d) Desinteresse repetido pelo cumprimento, com a diligência devida, de obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afeto;

e) Lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa;

f) Falsas declarações relativas à justificação de faltas;

g) Faltas não justificadas ao trabalho que determinem diretamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco;

h) Falta culposa de observância de regras de segurança e saúde no trabalho;

i) Prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei sobre trabalhador da empresa, elemento dos corpos sociais ou empregador individual não pertencente a estes, seus delegados ou representantes;

j) Sequestro ou em geral crime contra a liberdade das pessoas referidas na alínea anterior;

l) Incumprimento ou oposição ao cumprimento de decisão judicial ou administrativa;

m) Reduções anormais de produtividade.

3 - Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.

  O art.º 126.º, do mesmo diploma legal, dispõe que as partes numa relação laboral devem pautar a sua conduta com observância pelo princípio da boa-fé, referindo:

1 - O empregador e o trabalhador devem proceder de boa-fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respetivas obrigações.

2 - Na execução do contrato de trabalho, as partes devem colaborar na obtenção da maior produtividade, bem como na promoção humana, profissional e social do trabalhador.

Por seu turno, o art.º 128.º, do Código do Trabalho, sob a epígrafe Deveres do Trabalhador, refere:

1 - Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve:

(...)

f) Guardar lealdade ao empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios.

(...)

O conceito de justa causa fornecido pela lei carece, em concreto, de ser preenchido com valorações. Esses valores derivam da própria norma e da ordem jurídica em geral. O legislador, no n.º 2, do art.º 351.º, do Código do Trabalho, complementou o conceito com uma enumeração de comportamentos suscetíveis de integrarem justa causa de despedimento.

De qualquer forma, verificado qualquer desses comportamentos, que constam na enumeração exemplificativa, haverá sempre que apreciá-los à luz do conceito de justa causa, para determinar se a sua gravidade e consequências são de molde a inviabilizar a continuação da relação laboral.

Da noção fornecida pelo legislador no art.º 351.º, n.º 1, do Código do Trabalho, podem-se enumerar vários elementos que integram o conceito de justa causa de despedimento.

Apesar de a lei não fazer referência expressa ao conceito de ilicitude o mesmo está subjacente à noção legal, pois só é possível falar de culpa após um juízo prévio de ilicitude.

Nesta linha, António Menezes Cordeiro (Manual de Direito do Trabalho, Almedina, Coimbra, pág. 821) citando fonte jurisprudencial, que subscreve, refere que a justa causa postula sempre uma infração, ou seja, uma violação, por ação ou por omissão, de deveres legais ou contratuais.

Assim, decompondo a noção legal de justa causa, temos sempre um comportamento ilícito, censurável em termos de culpa e com consequências gravosas na relação laboral de forma a inviabilizar a mesma.

A recorrente defendendo a inexistência de justa causa invoca que o procedimento disciplinar instaurado contra si é inválido por terem sido alterados os fundamentos para o despedimento da nota de culpa para a decisão disciplinar, referindo para além disso que os factos que lhe foram imputados não integram o conceito de justa causa.

Sustenta que o Tribunal recorrido não podia deixar de concluir que o processo disciplinar está inquinado de vários vícios, desde logo porque a entidade patronal da nota de culpa para a decisão de despedimento alterou completamente os fundamentos para o despedimento da trabalhadora, o que violou de forma grave o princípio do contraditório, ou seja, do direito de defesa da trabalhadora, que tem garantia constitucional, previsto no n.º 10 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

Antes de mais, importa salientar que confrontando os factos imputados à autora na nota de culpa, referidos no ponto 7 dos factos provados, com os factos que constam da decisão do processo disciplinar, referidos no ponto 8 dos factos provados, verifica-se que não existe o desvio apontado pela recorrente, pois o núcleo essencial dos factos com relevância disciplinar constam quer da nota de culpa quer da decisão proferida no processo disciplinar, como iremos apreciar de seguida.

Como já se referiu ficou provado que no dia 14 de janeiro de 2002, em reunião do Conselho de Administração (CA) da Ré, foi deliberado, por proposta da autora, como Presidente do CA, que fosse criado o lugar de Diretor-Geral Adjunto, a ser ocupado pelo senhor HH em virtude da própria ter deixado de ocupar o lugar de Diretora-Geral, passando este a assumir, na prática, tais funções, tendo tal proposta sido aprovada por unanimidade.

Apesar de a autora ter deixado de ocupar o lugar de Diretora-Geral no início do ano de 2002 resulta da matéria de facto que continuou a receber retribuições nos anos de 2002 a 2013, como consta no ponto 19 dos factos provados.

Da matéria de facto dada como provada não resulta que tenha existido alguma deliberação da assembleia geral da ré a fixar a remuneração dos titulares dos órgãos associativos, como impõe o art.º 63.º alínea d) do Código das Associações Mutualistas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/90, de 3 de março, e o art.º 22.º alínea d) dos Estatutos da ré.

O que consta da nota de culpa e veio a provar-se, como é referido no ponto 18 dos factos provados, é que em 3 de junho de 2004, a autora, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração, em reunião do Conselho de Administração, documentada na ata n.º 1159, em que estavam presentes para além da própria a Dr.ª LL e o Dr. KK, questionou-os se se recordavam de terem deliberado um aumento salarial para Exma. Senhora Dr.ª AA, na qualidade de Diretora Geral, os quais responderam afirmativamente. Uma vez que tal não constava da ata n.º 1147 a Presidente exigiu que tal facto ficasse registado, ficando exarado:

«Desta forma, a diferença que foi deliberada para o vencimento da Sr.ª Dr.ª AA, na qualidade de Diretora Geral, foi a seguinte:

Trabalho normal de 3 960 EUR para 5 000 EUR;

Subsídio de alimentação: passou de 88 EUR mês para 165 EUR mês;

Ajudas de Custo: passou de 748,20 EUR para 1 000 EUR;

Isenção de Horário de trabalho: passou de 792 EUR para 1 000 EUR».

Estando presentes na referida reunião do Conselho de Administração, que é composto por cinco membros, nos termos do art.º 32.º dos Estatutos da ré, a autora, na qualidade de Presidente, e mais dois elementos, temos que a deliberação foi tomada por maioria.

Esta deliberação do Conselho de Administração é difícil de entender, pois tomada à letra fixou uma remuneração a uma Diretora-Geral que tinha deixado de exercer essas funções ao assumir a Presidência do Conselho de Administração.

De qualquer forma, se foi essa a dimensão da deliberação a mesma violou o disposto no art.º 96.º n.º 3 do Código das Associações Mutualistas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/90, de 3 de março, e o art.º 44.º nº 2 dos Estatutos da ré, que em norma idêntica, dispõem que «Os titulares dos órgãos associativos não podem votar em assuntos que diretamente lhes digam respeito ou nos quais sejam interessados os respetivos cônjuges, ascendentes, descendentes ou equiparados».

Caso a deliberação, apesar de fazer referência «a um aumento salarial para Exma. Senhora Dr.ª AA, na qualidade de Diretora Geral», visasse fixar a retribuição da autora na qualidade de Presidente do Conselho de Administração também violaria o disposto no art.º 63.º alínea d) do Código das Associações Mutualistas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/90, de 3 de março, e o art.º 22.º alínea d) dos Estatutos da ré, que dispõem que compete à Assembleia Geral, em matéria de gestão, fixar a remuneração dos titulares dos órgãos associativos.

Consta da nota de culpa e ficou provado que no dia 11 de março de 2002, o Conselho de Administração da ré, nos termos constantes da ata n.º 1119, por proposta do Diretor Geral Adjunto, em reunião onde estavam, para além do próprio e da autora, II, JJ e KK, tomou a seguinte deliberação por unanimidade:

Considerando que foi deliberado, na ata 1044 das reuniões do Conselho de Administração, a atribuição de um subsídio de Páscoa ao Senhor HH, pois na altura era o Presidente do Conselho de Administração.

Considerando que atualmente, o mesmo é Diretor Geral Adjunto da instituição, e propôs aos atuais administradores a continuação da concessão do referido subsídio, devendo o mesmo ser extensível à Sr.ª Dr.ª AA, devido ao excelente trabalho que ambos têm vindo a desenvolver em prol da Mutualidade.

Propõe-se que, a concessão do subsídio de Páscoa se mantenha, e o mesmo passe a ser recebido tanto pela presidente do Conselho de Administração, como pelo Senhor Diretor Geral Adjunto. (proposta Subscrita pelo Senhor Diretor Geral Adjunto).

            A autora ao votar esta deliberação, referente a um assunto que também lhe dizia respeito, a atribuição do subsídio de Páscoa, violou os já citados artigos 96.º n.º 3 do Código das Associações Mutualistas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/90, de 3 de março, e o art.º 44.º n.º 2 dos Estatutos da ré, na dimensão já aludida.

A autora veio ainda a beneficiar dos aumentos atribuídos aos trabalhadores da ré que foram objeto de deliberações do Conselho de Administração em participou e votou na ordem de 3 % em 14/01/2002 e 2 % no ano de 2004.

A autora beneficiou ainda do aumento de 2,5 %, no ano de 2009, resultante do aumento da retribuição dos trabalhadores, bem de um aumento no ano de 2004.

A autora, auferiu as retribuições que constam no ponto 19 dos factos provados, sendo certo que no ano de 2013 a sua retribuição era composta por:

- 5 435 EUR, de vencimento base;

- 50 EUR, de diuturnidades;

- 165 EUR, de subsídio de alimentação;

- 3 960 EUR, de isenção de horário de trabalho.

Nesse ano os subsídios de férias e de Natal ascendiam, respetivamente, a 9 445 EUR.

A factualidade referida revela que a autora, na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da ré, ao participar em deliberações do Conselho de administração desta, em estavam em causa assuntos que diretamente lhe dizia respeito, violou o disposto no art.º 96.º n.º 3 do Código das Associações Mutualistas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/90, de 3 de março, e o art.º 44.º nº 2 dos Estatutos da ré.

Verifica-se assim que o núcleo essencial dos factos com relevância disciplinar constam quer da nota de culpa quer da decisão proferida no processo disciplinar, pelo que não se vislumbra qualquer violação do princípio do contraditório e do direito de defesa da trabalhadora, previsto no n.º 10 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.

No ponto 28 das suas conclusões a recorrente defende que «ainda que possa ter existido uma mera irregularidade em tais deliberações, que não afetaram a sua validade, o n.º 3 do artigo 47.º do Estatutos estipula expressamente que a aprovação dada pela Assembleia Geral ao relatório e contas do exercício da administração e respetivo parecer do Conselho Fiscal iliba os titulares dos órgãos associativos de responsabilidade para com a associação. (Cfr. Estatutos da Requerida junto aos autos a fls. 7 e seguintes). E da mesma forma dispõe o n.º 3 do artigo 99º do Código das Associações Mutualistas».

Quanto a esta questão há que sublinhar que não resulta de matéria de facto provada que se tenha verificado o que está previsto nas normas citadas, nem o que é referido no n.º 4 do art.º 47.º dos Estatutos da ré e no n.º 4 do art.º 99.º do Código das Associações Mutualistas, onde se estatui que a aprovação referida nos números anteriores só é eficaz se os documentos tiverem estado patentes à consulta dos associados durante os oito dias anteriores à realização da assembleia geral. 

O que se provou foi que em virtude dessas deliberações, contrárias à Lei e aos Estatutos da ré, a autora veio a beneficiar de vantagens patrimoniais desde o princípio de janeiro de 2002 até final de setembro de 2013 (cfr. ponto 39 dos factos provados).

Essas vantagens patrimoniais de que autora beneficiou, ao longo de mais de dez anos, traduziram-se em graves prejuízos para a situação financeira da ré.

Atento o alto cargo que a autora desempenhava, cargo de topo na estrutura executiva da ré, era de esperar que o desempenhasse em conformidade com a lei e com os Estatutos da ré, não prejudicando a património desta, que é uma Instituição de Solidariedade Social, dando assim exemplo a todos os trabalhadores da associação mutualista, que estavam debaixo do seu poder de direção.

Este comportamento continuado da autora, violador da Lei e dos Estatutos da ré, consubstancia uma conduta contrária à boa-fé e ao dever de lealdade, previstos nos já citados artigos 126.º, 128.º, n.º 1, alínea f), e 351.º n.º 1 do Código do Trabalho.

Como já se referiu, apesar de suspenso o contrato de trabalho mantêm-se os direitos e deveres e garantias das partes que não pressuponham a efetiva prestação de trabalho, nomeadamente, da parte do trabalhador, o dever de lealdade.

No caso concreto, a situação ainda é mais impressiva, na medida em que a autora, com o contrato de trabalho que a vinculava à ré suspenso, estava a desempenhar nesta um cargo de administração.

Temos pois que considerar que a conduta da autora pela sua gravidade e consequências tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, integrando justa causa de despedimento, nos termos do artigo 351.º, n.º 1, do Código do Trabalho, não se vislumbrando qualquer violação ao princípio constitucional consagrado no art.º 53.º da Constituição da República Portuguesa.

Nos pontos 30 e 31 das suas conclusões, a recorrente veio defender que constitui manifesto abuso de direito e ofensa ao princípio da boa-fé e confiança contratual a recorrida vir invocar que as remunerações por si pagas, durante mais de uma década, foram indevidas.

No art.º 334.º do Código Civil, que considera-se «ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito».

Acerca do abuso de direito, no Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/12/2013, no processo 629/10.9TTBRG.P2.S1 - 4.ª Secção, publicado na Bases Jurídico-Documentais do IGFEJ, escreveu-se:

«A vocação da figura do abuso do direito tem como objetivo primordial – funcionando como que uma “válvula de segurança” do sistema – obstar à consumação de certos direitos que, embora válidos em tese, na abstração da hipótese legal, acabam por constituir, quando concretizados, uma clamorosa ofensa da Justiça, entendida enquanto expressão do sentimento jurídico socialmente dominante.

Na síntese do ensinamento dos ilustres mestres referidos…diremos que se configurará uma situação de abuso do direito se/quando alguém, embora legítimo detentor de um determinado direito, formal e substancialmente válido, o exercita circunstancialmente fora do seu objetivo ou da finalidade que justifica a sua existência, em termos que ofendam, de modo gritante, o sentimento jurídico, seja criando uma desproporção objetiva entre a utilidade do exercício do direito e as consequências a suportar por aquele contra quem é invocado, seja prejudicando ou comprometendo o gozo do direito de outrem.

Na elaboração dogmática à volta do instituto do abuso do direito, o venire contra factum proprium assume, como é consabido, uma das suas manifestações mais características, cuja estrutura pressupõe duas condutas, sucessivas mas distintas, temporalmente distanciadas e de sinal contrário, protagonizadas pelo mesmo agente: o factum proprium, seguido, em contradição, do venire.

A sua proibição é corolário do fundamental princípio ético-jurídico da confiança, condição básica da convivência pacífica e da cooperação entre os homens – nas sábias palavras de Baptista Machado, citado no Acórdão deste Supremo Tribunal de 12/6/2012, consultável no site da dgsi.pt –, não podendo a Ordem Jurídica deixar de tutelar a confiança legítima baseada na conduta de outrem.

A inação, inércia ou omissão do exercício de um direito por parte do seu titular, durante um mais ou menos longo lapso de tempo, constitui um dos elementos da modalidade do abuso do direito na vertente da proibição do venire contra factum proprium, apelidada pela doutrina, na expressão original alemã, de Verwirkung (apud Baptista Machado, “Tutela da Confiança”…in “Obra Dispersa”, I, pg. 421/ss., também referido no Acórdão da Relação do Porto de 10/4/2003, C.J., tomo II/2003, pg. 197) ou de supressio, na terminologia introduzida por Menezes Cordeiro.

Refletindo sobre o instituto em causa (estudo da origem, evolução, consolidação dogmática e regime, a que dedica o parágrafo 34.º do Volume V do seu ‘Tratado de Direito Civil’, na edição da 2.ª reimpressão, Almedina, 2011, que acompanhamos de perto), Menezes Cordeiro sustenta que, sendo embora variável o quantum de tempo necessário para concretizar a supressio, o mesmo há de ser sempre inferior ao da prescrição, por óbvias razões, mas equivalente ao período, decorrido o qual, segundo o sentir comum prudentemente interpretado pelo julgador, já não será de esperar o exercício do direito atingido.

Nesta abordagem, buscando a afinação do conceito à luz do vetor tempo, consigna o insigne autor que …a supressio não pode ser, apenas, uma questão de decurso do tempo, sob pena de atingir, sem vantagens, a natureza plena da caducidade e da prescrição.

Além disso, remata, traduzindo-se a supressio numa omissão – a que falta, por isso, a precisão do positivo factum proprium – a sua caracterização demanda a verificação de outros elementos complementares (circunstâncias colaterais, ibidem, pg. 323) que, para além do não-exercício prolongado do direito, melhor alicercem a confiança do beneficiário, a saber: uma situação de confiança; uma justificação para essa confiança (baseada na conduta circunstancial do titular do direito, a contraparte convence-se, justificadamente, que o direito já não será exercido); um investimento de confiança e a imputação da confiança ao não-exercente (a contraparte, convicta e movida por essa confiança, tomou medidas ou passou a atuar em conformidade, causando-lhe ora o exercício tardio do direito maiores desvantagens do que o seu exercício atempado. A omissão do titular do direito, por via desse nexo de imputação da confiança, constituiu-se assim numa situação que torna, ética e socialmente aceitável/ajustado, o seu sacrifício).»

No caso concreto dos autos, temos de ter presente que a recorrente durante o período em que as aludidas remunerações lhe foram pagas estava a exercer as funções de Presidente do Conselho de Administração, e que nessa qualidade participou em deliberações deste órgão em estavam em causa assuntos que diretamente lhe diziam respeito, nomeadamente no que diz respeito às remunerações, violando, assim, o disposto no art.º 96.º n.º 3 do Código das Associações Mutualistas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/90, de 3 de março, e o art.º 44.º nº 2 dos estatutos da ré.

Como já se referiu, em virtude dessas deliberações, contrárias à Lei e aos estatutos da ré, a recorrente veio a beneficiar de vantagens patrimoniais desde o princípio de janeiro de 2002 até final de setembro de 2013, o que se traduziu em graves prejuízos para a situação financeira da ré.

A qualidade que a recorrente deteve na ré durante o referido período de tempo, e forma como agiu contrária à Lei e aos estatutos da ré, afastam, a nosso ver, o alegado abuso de direito, a ofensa ao princípio da boa-fé e confiança contratual.

Neste conspecto, existindo justa causa e julgadas improcedentes as exceções da prescrição do direito de exercer o poder disciplinar e da caducidade do procedimento disciplinar, julga-se lícito o despedimento da autora promovido pela ré.

III

            Decisão:

          Face ao exposto acorda-se em negar a revista, confirmando-se o acórdão recorrido, embora com fundamentação diversa.

Custas a cargo da recorrente.

Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 2 de maio de 2018

Chambel Mourisco (Relator)

Pinto Hespanhol

Gonçalves Rocha