Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1315/11.8TJVNF-A.P1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: PROCESSO DE INSOLVÊNCIA
CRÉDITOS DOS TRABALHADORES
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO IMOBILIÁRIO ESPECIAL
EXERCÍCIO DA ACTIVIDADE LABORAL EM IMÓVEL
Data do Acordão: 11/13/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO COMERCIAL - TRANSACÇÕES COMERCIAIS.
DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS - CONTRATO DE SOCIEDADE.
DIREITO DO TRABALHO - GARANTIAS DE CRÉDITOS DO TRABALHADOR.
DIREITO FALIMENTAR - PROCESSO DE INSOLVÊNCIA.
Doutrina:
- Joana Vasconcelos, “Sobre a Garantia dos Créditos Laborais no Código do Trabalho”, in Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Prof Manuel Alonso Olea, 321/341.
- Miguel Lucas Pires, Garantia dos Créditos laborais, in “Código do Trabalho”, A Revisão de 2009, 382/393.
- Paula Quintas, Hélder Quintas, “Código do Trabalho”, Anotado E Comentado, 2012, 3ª edição, 928/934.
- Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, Volume I, 2011, 75.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGO 5.º.
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGO 9.º, N.º1, ALÍNEA E).
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 193.º, 333.º, N.º1, AL. B).
DECRETO-LEI N.º 32/2007, DE 17 DE FEVEREIRO, SOBRE OS PAGAMENTOS EFECTUADOS COMO REMUNERAÇÃO DE TRANSACÇÕES COMERCIAIS, QUE TRANSPÔS A DIRECTIVA 2000/35/CE, DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, DE 29 JUNHO: - ARTIGO 3.º, ALÍNEA A)
LEI DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA (LEI N.º 18/2003, DE 11 DE JUNHO): - ARTIGO 3.º.
Sumário :

I. O artigo 333.°, n.º1, alínea b) do CTrabalho, estipula que o privilégio imobiliário especial será concedido ao trabalhador pelos bens imóveis do empregador nos quais preste a sua actividade.

II. Sendo a actividade laboral do Recorrente – trabalhador da construção civil – o qual alega ter prestado funções em «todos» os imóveis da Insolvente, é a de saber se neste caso particular, todos os bens imóveis daquela estão onerados com o aludido privilégio e não apenas os concretos imóveis do empregador devedor onde o trabalhador credor tivesse exercido a sua actividade.

III. Encontram-se afastados do âmbito e alcance do privilégio imobiliário especial consagrado naquele normativo, todos os imóveis construídos pela Insolvente, destinados à actividade de construtora imobiliária desta e onde, além do mais o ora Recorrente, desempenhou pontualmente as suas funções enquanto canalizador, mas onde e após ter efectuado o trabalho correspondente ao seu ofício, neles deixou de prestar qualquer actividade, embora tivesse continuado ao serviço da Insolvente.

IV. Apenas se poderá encontrar abrangida por tal privilégio a sede da empresa, entendida esta como o seu estabelecimento comercial ou o local onde a mesma centre toda a sua actividade económica, epicentro de toda a gestão, já que sempre foi a esta e só a esta, que o Recorrente, enquanto funcionário, se manteve ligado e não a todos aqueles outros imóveis, onde por força do exercício da sua especifica arte prestou funções temporárias e apenas durante a edificação dos mesmos.

(APB)

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I Nos presentes autos de reclamação de créditos que correm por apenso aos autos de insolvência de A, S.A., foi na sentença que a declarou, fixado em 30 dias o prazo para a respectiva reclamação.

O Senhor Administrador juntou aos autos a lista dos credores reconhecidos.

O credor Banco X, S.A., apresentou impugnação, alegando, em síntese, que os créditos reconhecidos aos trabalhadores de A, S.A., não gozam do privilégio creditório imobiliário especial consagrado no Código do Trabalho relativamente a todos os bens imóveis apreendidos para a massa insolvente mas apenas relativamente ao imóvel em que cada um deles exerceu a sua actividade.

Os trabalhadores responderam, alegando que prestaram a sua actividade em todos os imóveis da insolvente, pelo que deverá considerar-se que o aludido privilégio creditório imobiliário abrange todos os bens imóveis apreendidos, concluindo pela improcedência da impugnação.

Foi proferida decisão que julgou a impugnação apresentada pelo Banco X, S.A., parcialmente procedente e, em consequência, declarou que os créditos dos trabalhadores da insolvente beneficiam de privilégio creditório imobiliário especial (artigo 333° do CT) relativamente aos bens que integram as verbas n.ºs48 e 49 do auto de apreensão de bens, sendo que, relativamente aos demais bens imóveis verbas n.ºs1 a 47 e 50 a 88, tais créditos deverão ser considerados comuns.

Procedeu-se ainda à graduação de créditos desta forma:

 «Quanto aos bens imóveis:

1° - Dar-se-á pagamento aos créditos laborais (apenas quanto às verbas n.ºs 48 e 49).

2° - Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito da Fazenda Nacional, relativo a LM.L (referente aos imóveis a que dizem respeito);

3° - Do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos garantidos por hipotecas (referentes aos imóveis a que dizem respeito);

4° - Do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos da Fazenda Nacional relativos a IVA e IRC;

5° - Do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos do ISS, IP;

6° - Do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos comuns (nos quais se incluem os reconhecidos no âmbito das verificações ulteriores de créditos).

Quanto aos bens móveis:

1° - Dar-se-á pagamento aos créditos laborais;

2° - Do remanescente dar-se-á pagamento ao crédito da Fazenda Nacional, relativo a IVA e IRC;

3° - Do remanescente, dar-se-á pagamento ao crédito do ISS, IP.

4° - Do remanescente, dar-se-á pagamento aos créditos comuns (nos quais se incluem os reconhecidos no âmbito das verificações ulteriores de créditos).

As dívidas da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção, do produto da venda de cada bem (artigo 172°, n." 1 e n.º 2 do C.I.R.E.).».

Inconformados, apelaram os reclamantes S e Banco X, SA, tendo a Apelação daquele primeiro sido julgada improcedente e procedente a do segundo, com a revogação da sentença e a prolação de nova graduação de créditos, onde se afastou o privilégio dos trabalhadores sobre os imóveis a que se reportam as verbas 48 e 49 da massa insolvente, reformulando-se nos seguintes termos a decisão proferida:

«Quanto aos bens imóveis:

1° Dar-se-á pagamento ao crédito da Fazenda Nacional, relativo a I.M.I. (referente aos imóveis a que dizem respeito);

2° - Do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos garantidos por hipotecas (referentes aos imóveis a que dizem respeito);

3° - Do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos da Fazenda Nacional relativos a IVA e IRC;

4° - Do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos do ISS, IP;

5° - Do remanescente dar-se-á pagamento aos créditos comuns (nos quais se incluem os reconhecidos no âmbito das verificações ulteriores de créditos).»

Inconformado recorreu o Reclamante S, agora de Revista, apresentando as seguintes conclusões:

- O Acórdão recorrido, na sua fundamentação e na aplicação do direito aos factos, fez uma interpretação puramente restritiva do art. 333° do Código do Trabalho;

- O privilégio imobiliário especial será concedido ao trabalhador pelos bens imóveis do empregador nos quais preste a sua actividade;

- Todos os trabalhadores reclamantes, incluindo o recorrente, são trabalhadores da construção civil e, como tal, prestaram a sua actividade em todos os imóveis da insolvente;

- Alegaram, por isso, na respectiva reclamação de créditos, terem prestado serviço para a insolvente em todos os imóveis que são propriedade desta;

- Se em todos os imóveis engloba também os imóveis a que se reportam as verbas nº48 e 49, apesar das hipotecas que incidem sobre os mesmos;

- O Acórdão recorrido não teve em atenção ter vindo a ser entendido na jurisprudência que o legislador pretendeu que os trabalhadores reclamantes gozem do privilégio relativamente a todos os imóveis integrantes do património da insolvente afectos à sua actividade empresarial;

- E não apenas no serviço de empreitadas ou sobre um específico imóvel onde trabalham ou trabalharam, e independentemente do seu particular posto e local de trabalho ser no interior ou exterior das instalações;

- Nesse sentido, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.09.2011, proferido no Recurso de Revista n" 504/08.7TBAMR-D.G I.S I;

- Segundo aquele Acórdão, o que releva é que a actividade laboral do trabalhador, qualquer que ela seja e independentemente do lugar específico onde é prestada, e desenvolva de forma conjugada e integrada na unidade empresarial, a ela esteja umbilicalmente ligada. Desse modo incorporada, os seus créditos laborais gozam do aludido privilégio sobre todos os imóveis afectos à mesma actividade empresarial, comercial ou industrial;

- Os imóveis destinados à construção ou construídos para revenda - acrescenta aquele douto Acórdão - são intrinsecamente objecto da actividade da empresa, como bens tangíveis constitutivos do seu activo, são parte integrante da unidade empresarial a que os trabalhadores pertenciam e nos quais trabalharam;

- Mesmo que, por hipótese, não sejam incluídos os imóveis destinados à construção ou construídos para revenda, tratando-se de trabalhadores de empresas de construção civil, quando se atribui privilégio creditório imobiliário aos seus créditos, tem-se em vista o universo dos imóveis que integram, ainda que em sentido amplo, o seu estabelecimento comercial, como escritórios, estaleiros, espaços de promoção comercial, etc.;

- Nesse sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30.05.2013, proferido no Proc n° 1193/07.1TBGMR-E.GI;

- O Acórdão em recurso está em manifesta oposição com o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 30.05.2013, proferido no Proc nº 1193/07.1 TBGMR.G.L e com o douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.09.2011, proferido no Recurso de Revista n° 504/08. 7TBAMR-D.G I.S;

- Um e outro decidiram, no domínio da mesma legislação, de forma divergente a mesma questão fundamental de direito;

- Decidindo de modo diferente, houve, por parte do Acórdão recorrido, violação e errada aplicação ou interpretação da lei substantiva e da lei processual, designadamente, entre outras, das disposições legais contidas no art. 333° do Código do Trabalho;

Contra alegou o Reclamante Banco Santander Totta SA, pugnando pela manutenção do julgado.

II Põe-se como questão única a resolver nos presentes autos a de saber qual é o âmbito e alcance do normativo inserto no artigo 333º do CTrabalho, para efeitos de se aferir sobre que bens imóveis da empresa para a qual desempenham a sua actividade incide o privilégio imobiliário geral dos trabalhadores, na situação de insolvência desta se sobre ela detiverem créditos laborais.

As instâncias deram como assente a seguinte factualidade:

1. Os credores S e outos…. foram trabalhadores da insolvente, sendo que, à data da declaração de insolvência, possuíam sobre a mesma os créditos constantes da lista de créditos junta aos autos, que aqui se dá por reproduzida.

2. Os credores S, …. desempenharam a actividade de canalizador de lª.

3. Os credores …. desempenharam a actividade de trolha.

4. Os credores …. desempenharam a actividade de electricista.

5. O credor … desempenhou a actividade de servente.

6. Os credores …. desempenharam a actividade de encarregado de lª.

7. A credora …. desempenhou a actividade de recepcionista.

8.     O credor … desempenhou a actividade de vendedor.

9.     Os credores …. desempenharam a actividade de condutor manobrador.

10. O credor …. desempenhou a actividade de encarregado geral.

11. As credoras … desempenharam a actividade de escriturária.

12.   A credora … desempenhou a actividade de engenheira civil.

13.   A credora … desempenhou a actividade de dactilografa.

14.   O credor … desempenhou a actividade de armador de ferro.

15. Os credores … S e outros… desempenharam a sua actividade em todos os imóveis apreendidos para a massa insolvente, designadamente, no que concerne à construção dos mesmos.

16. Os credores … desempenharam a sua actividade nos escritórios da insolvente, situados em Y, em imóvel que não lhe pertencia.

17. Os credores … desempenharam a sua actividade nos escritórios da insolvente, situados em V, na …., em imóvel que não lhe pertencia.

18. Nos imóveis que compõem as verbas n.ºs 48 e 49 do auto de apreensão de bens, situados na Rua …, em V, funcionava um outro escritório, que era frequentado sobretudo pelo Sr. …, administrador da insolvente, mas onde não se exercia actividades relacionadas com a empresa insolvente.

19. Os restantes bens imóveis que compõem as verbas n.ºs 1 a 47 e 50 a 88 do auto de apreensão de bens, estavam destinados à venda a terceiros, no âmbito do exercício da actividade da insolvente.

Insurge-se o Recorrente contra o Aresto recorrido, uma vez que no seu entendimento ali se fez uma interpretação puramente restritiva do artigo 333° do CTrabalho, sendo que, ao invés do explanado o privilégio imobiliário especial será concedido ao trabalhador pelos bens imóveis do empregador nos quais preste a sua actividade e todos os trabalhadores Reclamantes, incluindo o Recorrente, são trabalhadores da construção civil e, como tal, prestaram a sua actividade em todos os imóveis da insolvente, circunstância esta que alegaram na respectiva reclamação de créditos.

Dispõe o artigo 333º, nº1, alínea b) do CTrabalho que «Os créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam dos seguintes privilégios creditórios:

(…) Privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade. (…)».

Este normativo corresponde ao artigo 377º do anterior CTrabalho, o qual por seu turno, correspondia ao artigo 25º da LCT e 4º da lei 96/2001, de 20 de Agosto.

Contudo, a novidade introduzida com este articulado, tem a ver com o privilégio especial que passou a abranger apenas o bem imóvel do empregador onde o trabalhador presta a sua actividade e não «os bens imóveis nos quais o trabalhador preste a sua actividade», como se predispunha na legislação pretérita.

A dúvida que se suscita, tendo em atenção a actividade laboral do Recorrente – trabalhador da construção civil – o qual alega ter prestado funções em «todos» os imóveis da Insolvente, é a de saber se neste caso particular, todos os bens imóveis daquela estão onerados com o aludido privilégio e não apenas os concretos imóveis do empregador devedor onde o trabalhador credor tivesse exercido a sua actividade.

Na decisão de primeiro grau, consignou-se além do mais o seguinte:

 «(…) In casu, apenas se encontra em discussão a questão relativa à graduação dos créditos dos trabalhadores da insolvente, sendo certo que os créditos constantes da lista de créditos apresentada pelo Sr. Administrador da Insolvência já se encontram reconhecidos.

Mais concretamente, importará aferir se os créditos laborais beneficiam de privilégio creditório imobiliário especial sobre todos os bens imóveis apreendidos ou se tal privilégio apenas incidirá sobre o bem imóvel que constituiu o concreto ou individualizado local de trabalho de cada um dos trabalhadores.(…)

No caso sub judice, a insolvente desenvolvia a atividade de construção civil, sendo que, com exceção dos imóveis que compõem as verbas n.os 48 e 49 da relação de bens, os restantes imóveis foram construídos pela insolvente tendo em vista a sua posterior venda a terceiros.

Quanto a tais imóveis, destinados à venda a terceiros, entendemos que, como foi decidido no acórdão do TRP de 22/10/2013 (in www.dgsi.pt). "O que justifica a concessão deste privilégio aos créditos laborais é a especial ligação do trabalhador ao imóvel através do exercício da sua atividade, o que não se compadece com uma intervenção mais ou menos circunscrita no tempo .". Ou seja, quanto aos aludidos imóveis, não existe aquela especial ligação na medida em que estes imóveis se destinavam a ser comercializados e integravam a atividade da insolvente em si mesma considerada, sendo que tais imóveis não fazem parte da unidade produtiva da insolvente, mas do seu objeto de comércio.

Tais imóveis não fazem, portanto, parte do espaço físico do estabelecimento comercial, entendido este em sentido amplo, não se incluindo na respetiva organização enquanto tal; são apenas o resultado dessa atividade e destinam-se exclusivamente à comercialização.

Deste modo, quanto aos bens imóveis que integram as verbas n.ºs 1 a 47 e 50 a 88 do auto de apreensão de bens, deverá considerar-se que os créditos laborais não beneficiam de qualquer privilégio imobiliário.

O mesmo não sucede quanto aos bens que integram as verbas n.ºs 48 e 49 do auto de apreensão de bens.

A este respeito, foi decidido no acórdão do TRC de 12/06/2012 (in www.dqsi.pt). que "( ... ) com a formulação da aí. b), o legislador teve em mente, não um concreto ou individualizado local de trabalho, mas os imóveis em que esteja implantado o estabelecimento para o qual o trabalhador prestou a sua atividade, independentemente de essa atividade ter sido aí desenvolvida ou no exterior - cfr. neste sentido, entre outros, os Ac. da Relação de Coimbra de 27-02-2007, de 16-10-2007 e de 28/06/2011, os Ac. da Relação de Guimarães de 10-05-2007 e de 28/06/2011 e o Ac. da Relação do Porto de 8/02/2011, todos disponíveis em http.//www.dgsi.pt. No primeiro dos referidos acórdãos pode ler-se: "... os trabalhadores reclamantes gozam do privilégio relativamente à universalidade dos bens imóveis existentes no património da falida e afetos à sua atividade industrial, e não apenas sobre um específico prédio onde trabalham ou trabalharam, v.g., um escritório, um armazém, um prédio destinado à produção, etc., supondo que o património da empresa é constituído por vários prédios. Ou seja, o trabalhador do escritório, de armazém, e da produção não gozam apenas de privilégio creditório, respetivamente, sobre o escritório, sobre o armazém e sobre o pavilhão de produção. Salvo o devido respeito, a distinção defendida pelo Recorrente carece de qualquer sentido, nem essa é a "ratio legis", pois conduziria a uma injustificada discriminação entre os trabalhadores de uma mesma empresa. O que restaria, por exemplo, para um motorista? Embora concedendo o legislador tal privilégio irnobíliário especial, com a eficácia e amplitude prevista no art. 751 ° do Código Civil, logo O restringiu ao património do empregador onde o trabalhador presta a sua atividade, excluindo todo o demais património, mas sem estabelecer qualquer discriminação entre os trabalhadores. Portanto, o trabalhador integrado numa unidade empresarial, e relativamente aos seus créditos laborais, goza de privilégio sobre todos os imóveis afetos a essa atividade e apenas sobre esses prédios ...”. Apenas se deve excluir o património do empregador não afeto à sua organização empresarial, notadamente os imóveis exclusivamente destinados à fruição pessoal do empregador tratando-se de pessoa singular, ou de qualquer modo inteqrados em estabelecimento diverso daquele em que o reclamante desempenhou o seu trabalho.”.

ln casu, a sede da insolvente estava situada em V, na Rua …, sendo que a Insolvente tinha ainda a funcionar os seguintes escritórios: um situado em Y e os outros situados na Rua ….

Dos aludidos prédios, apenas os que integram as verbas n.ºs 48 e 49 do auto de apreensão de bens pertenciam à insolvente.

Mais resultou assente que os bens imóveis que integram tais verbas n.ºs 48 e 49 eram frequentados sobretudo pelo Sr. Salgado, administrador da insolvente.

Porém, dúvidas não poderão restar de que os imóveis que integram as verbas n.ºs 48 e 49 do auto de apreensão de bens se encontravam afetos à atividade comercial da insolvente.

Assim sendo, ainda que o concreto ou individualizado local de trabalho dos trabalhadores da insolvente não se situasse nos bens que compõem as verbas n.ºs 48 e 49, afigura-se evidente que o estabelecimento para o qual os trabalhadores prestaram a sua atividade se encontrava igualmente implantado nesses bens imóveis.

Pelo exposto, deverá considerar-se que os créditos dos trabalhadores da insolvente beneficiam de privilégio creditório imobiliário especial incidente sobre os bens que compõem as verbas n.ºs 48 e 49 do auto de apreensão de bens.(…)»

Daqui deflui, inequivocamente, que o primeiro grau embora afastando do âmbito e alcance do privilégio imobiliário especial consagrado no artigo 333º, nº1, alínea b) do CTrabalho todos os imóveis construídos pela Insolvente, destinados à actividade de construtora imobiliária desta e onde, além do mais o ora Recorrente, havia desempenhado pontualmente as suas funções enquanto canalizador, manteve o aludido privilégio sobre as verbas n.ºs 48 e 49 do auto de apreensão de bens, posto que aí se entendeu que não obstante a sede daquela se situasse em V, na Rua …, porque esta tinha ainda a funcionar outros escritórios, um situado em Y e os outros situados na Rua …, sendo que dos mesmos, os que integram as verbas n.ºs 48 e 49 do auto de apreensão de bens, são sua pertença, e tendo resultado assente que os sobreditos imóveis constituídos por tais verbas eram frequentados sobretudo pelo Sr. …, administrador da insolvente, daí fez retirar que tais imóveis se encontrariam afectos à actividade comercial da insolvente e sobre estes fez operar o privilégio imobiliário especial consignado no supra mencionado normativo.

Por sua vez, o segundo grau, na apreciação efectuada ao recurso do aqui Recorrido, depois de ter julgado improcedentes todas as razões aventadas pelo Recorrente, entendeu, no que a esta temática diz respeito, após a alteração da factualidade inserta no ponto 18. da base instrutória do seguinte teor «Nos imóveis que compõem as verbas n.ºs 48 e 49 do auto de apreensão de bens, situados na Rua …,em  V, funcionava um outro escritório da insolvente, que era frequentado sobretudo pelo Sr. …, administrador da insolvente.», para que aí ficasse consignada a seguinte materialidade «18. Nos imóveis que compõem as verbas n°s 48 e 49 do auto de apreensão de bens, situados na Rua …, em V, funcionava um outro escritório, que era frequentado sobretudo pelo Sr. …, administrador da insolvente, mas onde não se exercia actividades relacionadas com a empresa insolvente.», passou a concluir como se segue:

«(…) no caso dos trabalhadores de construção civil, o privilégio imobiliário especial não pode estar associado a activos da empresa resultantes da sua actividade e com os quais apenas se relacionam de forma ocasional, por falhar a verdadeira conexão com o local onde o trabalhador exerce a sua actividade por conta da empresa empregadora, prevista na lei como pressuposto de atribuição do privilégio. O local previsto na lei não poderá ser senão, o estabelecimento estável, a sua sede, esse sim indiscutivelmente o seu local de trabalho.

Os trabalhadores que não prestam a sua actividade na empresa — vendedores de feiras, trabalhadores de reparações, motoristas — gozarão de privilégio sobre o estabelecimento a que se reportem, ou sobre a sede da empresa.

Não se afigura razoável que um trabalhador da construção civil tenha privilégio sobre todos os prédios em que trabalhou, por muito reduzida que tenha sido a sua intervenção na obra, criando assimetrias injustificadas relativamente a outros trabalhadores que tenham concentrado a sua actividade apenas em um imóvel.

Admitir-se o privilégio com a latitude que pretende o apelante S suscita diversas questões, nomeadamente qual o momento relevante para se aferir do privilégio: se basta exercer a actividade nesse local no momento da declaração da insolvência, ou se se exige uma certa permanência; se o trabalhador exercer, sucessivamente, a sua actividade em vários imóveis se goza do privilégio em relação a todos ou apenas naquele em que trabalhava na data da declaração de insolvência.

O que justifica a concessão deste privilégio aos créditos laborais é a especial ligação do trabalhador ao imóvel através do exercício da sua actividade, o que não se compadece com uma intervenção mais ou menos circunscrita no tempo.(…)».

Como resulta dos pontos 2. e 15. da matéria de facto dada como assente, o ora Recorrente desempenhou funções como canalizador de 1ª em todos os imóveis apreendidos para a massa insolvente, designadamente, no que concerne à construção dos mesmos, todavia daí não poderá concluir como pretende, que possa gozar de privilégio imobiliário especial sobre todos eles, já que neles interveio com a sua força de trabalho e mão de obra de forma pontual, posto que tais bens se destinariam a venda a terceiros uma vez que a Insolvente era uma empresa de construção civil.

O Recorrente, depois de ter efectuado o trabalho correspondente ao seu ofício de canalizador, naqueles imóveis destinados a venda, neles deixou de prestar qualquer actividade, embora tivesse continuado ao serviço da Insolvente.

A Insolvente é uma empresa, entendida esta nos termos do artigo 3º da lei de Defesa da Concorrência (Lei 18/2003, de 11 de Junho), como «(…)qualquer entidade que exerça uma atividade económica que consista na oferta de bens ou serviços num determinado mercado, independentemente do seu estatuto jurídico e do modo de funcionamento.», ou ainda na definição do artigo 3º, alínea a) do DL 32/2007, de 17 de Fevereiro, sobre os pagamentos efectuados como remuneração de transacções comerciais, que transpôs a directiva 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 Junho, uma «Qualquer organização que desenvolva uma atividade económica ou profissional autónoma, mesmo que exercida por pessoa singular.».

O CIRE, no seu artigo 5º dá-nos uma noção de empresa, considerando esta «toda a organização de capital e de trabalho destinada ao exercício de qualquer actividade económica».

Todavia, não é este conceito amplo de empresa, entendida como uma organização de capital e de factores de produção destinados ao desenvolvimento de uma actividade económica no mercado, com vista a gerar lucro, que é contemplado pelo artigo 333º, nº1, alínea b) com vista à definição dos bens imóveis da empresa insolvente, que são objecto da oneração especifica aí prevenida, posto que do mesmo decorre, como já supra se acentuou, que tal benesse conferida aos trabalhadores da empresa em situação de insolvência, apenas incidirá sobre o bem imóvel desta, onde o trabalhador exerça a sua actividade, cfr a propósito da noção de empresa, Pedro Pais de Vasconcelos, Direito Comercial, Volume I, 2011, 75.

Nestas circunstâncias precisas, apenas se poderá encontrar abrangida por tal privilégio a sede da empresa, entendida esta como o seu estabelecimento comercial ou o local onde a mesma centre toda a sua actividade económica, epicentro de toda a gestão, já que sempre foi a esta e só a esta, que o Recorrente, enquanto funcionário, se manteve ligado e não a todos aqueles outros imóveis, onde por força do exercício da sua especifica arte prestou funções temporárias e apenas durante a edificação dos mesmos, cfr neste sentidfo Miguel Luucas Pires, Garantia dos Créditos laborais, in Código do Trabalho, A Revisão de 2009, 382/393; Joana Vasconcelos, Sobre a Garantia dos Créditos Laborais no Código do Trabalho, in Estudos de Direito do Trabalho em Homenagem ao Prof Manuel Alonso Olea, 321/341; Código do Trabalho, Anotado E Comentado, Paula Quintas, Hélder Quintas, 2012, 3ª edição, 928/934.

A sede da insolvente, como consta da decisão de primeiro grau situa-se em V, na Rua …, sendo tal elemento obrigatório em termos de contrato de sociedade, como decorre do artigo 9º, nº1, alínea e), do CSComerciais, sendo aí, decerto, o seu local de trabalho contratualmente definido, de harmonia com o disposto no artigo 193º do CTrabalho.

Não constituindo os imóveis, que foram objecto de construção pela Insolvente para revenda, destinados portanto à sua actividade produtiva e económica, a sua unidade produtiva, por que esta é apenas constituída pela sua sede, não poderão tais bens ser objecto de qualquer oneração especifica.

De outra banda, no que tange aos dois outros escritórios da Insolvente, a que se referem as verbas 48 e 49 do auto de apreensão de bens, tendo-se provado que se não se destinavam ao exercício de actividades relacionadas com aquela empresa, sendo frequentados sobretudo pelo Sr. …, Administrador da Insolvente, não poderão sobre eles, mutatis mutantis, incidir qualquer privilégio imobiliário especial por parte do Recorrente no que tange aos créditos laborais que detém sobre aquela.

Naufragam assim as razões esgrimidas em sede recursiva.

III Destarte, nega-se a Revista mantendo-se a decisão ínsita no Aresto recorrido.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 13 de Novembro de 2014

(Ana Paula Boularot)

(Pinto de Almeida)

(Nuno Cameira)