Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
01B4160
Nº Convencional: JSTJ00042759
Relator: DUARTE SOARES
Descritores: ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
SEGURANÇA SOCIAL
Nº do Documento: SJ200201310041602
Data do Acordão: 01/31/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 6911/01
Data: 07/12/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Área Temática: DIR CIV - DIR FAM.
DIR MENORES.
Legislação Nacional: L 75/98 DE 1998/11/19 ARTIGO 2.
DL 164/99 DE 1999/05/13 ARTIGO 3 ARTIGO 4.
Sumário : I - A legislação que estabeleceu o regime da responsabilidade da Segurança Social pelas prestações de alimentos devidas a menores (Lei n. 75/98, de 19/11, e DL n. 164/99, de 13/5) aplica-se aos débitos acumulados pelo obrigado a alimentos.
II - A responsabilidade do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, todavia, só respeita a prestações vencidas a partir da entrada em vigor do DL n. 164/99 (isto é, após a publicação da Lei do Orçamento para 2000).
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

Na acção para fixação de pensão de alimentos a menores nos termos da Lei 75/98 de 19/11 e DL 164/99 de 13/5 instaurada pelo MP contra A e B, foi proferido despacho fixando o valor da pensão, a cargo do Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores a favor da menor C, filha dos requeridos.
Conhecendo do agravo interposto pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, a Relação de Lisboa negou-lhe provimento.
Pede agora revista nos termos do art. 721 n. 1 e 723 do CPC e, nas alegações, conclui assim:
1 - Não foi intenção do legislador na Lei 75/98 e do DL 164/99 prever o pagamento pelo Estado do débito acumulado pelo obrigado a alimentos.
2 - Foi preocupação dominante do Grupo Parlamentar que apresentou o projecto de diploma evitar o agravamento excessivo da despesa pública, um aumento do peso do Estado na sociedade portuguesa.
3 - Tendo presente o disposto no artº. 9º do CC, ressalta ter sido intenção do legislador, expressamente consagrada, ficar a cargo do Estado apenas o pagamento de uma nova prestação de alimentos a fixar pelo tribunal dentro de determinados parâmetros - nº. 3 do artº. 3º e nº. 1 do artº. 4º do DL 164/99 de 13/5 e artº. 2º da Lei 75/98 de 19/11 -.
4 - O débito acumulado não será, assim, da responsabilidade do Estado.
5 - O legislador não teve em vista uma situação que, a médio prazo, se tornasse insustentável para a despesa pública, face à conjuntura sócio-económica já então perfeitamente delineada.
6 - O Acórdão da Relação violou, assim, os artºs. 2º da Lei 75/98 e 3º e 4º do DL 164/99.
7 - Os diplomas em apreço só se aplicam para o futuro não tendo eficácia retroactiva - artº. 12º do CC -, independentemente de os seus efeitos se produzirem na data da entrada em vigor da Lei do Orçamento para o ano de 2000.
8 - Na verdade, o pagamento das prestações de alimentos saem das verbas do Orçamento.
9 - O acórdão da Relação de Coimbra de 26/06/01 bem decidiu no sentido de o Estado não responder pelo débito acumulado do obrigado a alimentos, tratando-se de prestações de diversa natureza.
10 - Não pode aplicar-se por analogia o regime do artº. 2006º do CC.
O Ilustre Magistrado do MP na Relação, pugna pela confirmação do julgado.
Foram colhidos os vistos. Cumpre decidir.

Tal como no agravo para a Relação, a única questão a conhecer nesta revista é a de saber se na fixação da pensão de alimentos nos termos da Lei 75/98 e DL 164/99 podem ou não ser consideradas as prestações em dívida pelo pai do menor, ainda que respeitantes ao período anterior à data da entrada em vigor da lei que instituiu tal regime.
As instâncias decidiram afirmativamente com base nos factos que a seguir se descrevem de modo simplificado e esquemático:
1 - O exercício do poder paternal da menor C foi regulado em 22/02/90 tendo ficado confiada à mãe, com prestação de alimentos a cargo do pai no montante 7.500$00 por mês, actualizável a partir de Janeiro de 1991.
2 - Por acordo dos pais homologado em 23/2/95, foi aquela prestação alterada, com efeitos a partir de Março de 1995, para 10 contos, actualizável a partir de Janeiro de 1996 de acordo com a taxa oficial de inflação.
3 - Tal prestação não é paga a partir de 3/09/95 nem foi possível obter a sua cobrança coerciva, tendo sido arquivado, por inviável, o respectivo processo.
4 - A mãe tem estado desempregada e a receber o montante mensal de 54.600$00 de rendimento mínimo garantido (RMG) e, recentemente, iniciou uma actividade laboral com vencimento base de 65.000$00 mensais o que, a tornar-se efectiva, implicará a revisão do RMG .
5 - Tem a seu cargo outro filho menor, órfão de pai, que recebe uma pensão de sobrevivência de 3.400$00/mês e paga de renda de casa 5.460$00.
Noticiam os autos ainda que a decisão objecto do recurso, proferida em 22/11/00, fixou em 25.558$00 mensais, a prestação alimentar a favor da menor C a satisfazer pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menor.
Esta quantia resultou de se ter fixado em 14.000$00 o complemento a acrescer à pensão em vigor no ano de 2.000, que era de 11.558$00, para efeitos de amortização da dívida acumulada, desde Setembro de 1995, que era de 689.998$00.

O essencial da discussão trava-se em redor da questão de saber se a lei que instituiu o regime da responsabilidade da segurança social pelas prestações de alimentos devidos a menores se aplica ou não aos débitos acumulados pelo obrigado a alimentos.
A Relação, respondeu afirmativamente argumentando, além do mais e no essencial, com a indefinição legal do momento, a partir do qual se contariam as prestações em dívida - se a partir da instauração do processo, se a partir da decisão - o que, quanto a esta última solução equivaleria a colocar nas mãos do Instituto o momento em que ficaria obrigado, pois sempre lhe seria possível agravar ou servir-se de outros expedientes processuais para arrastar o trânsito da decisão.
Não temos objecções, em princípio, contra a argumentação da Relação que coincide, aliás, com o ponto de vista do Ministério Público, expresso na resposta às alegações do recorrente.
Porém, há uma questão que tem de ser enfrentada e que é expressamente suscitada no presente recurso e já havia sido referida no agravo para a Relação.
Será que a responsabilidade do Fundo de Garantia cobre, também, os débitos acumulados respeitantes ao período anterior à entrada em vigor do regime que a instituiu, ou seja, antes da entrada em vigor do DL 164/99 de 13 de Maio ou, mais precisamente, na data da entrada em vigor da Lei do Orçamento para o ano de 2000.
A Relação não se pronuncia a propósito limitando-se a tratar dos débitos acumulados nada referindo sobre este problema da aplicação da lei no tempo.
Ora, de acordo com o princípio fundamental de que a lei só dispõe para o futuro, e uma vez que não é caso de aplicação da norma da 2ª parte do artº. 12º do CC - regulação directa do conteúdo de certas relações jurídicas abstraindo do facto que lhes dá origem - terá de concluir-se que aquele regime (o do DL 164/99) só se aplica aos débitos relativos ao período posterior à sua entrada em vigor, ou seja, após a publicação da Lei do Orçamento para 2000.
Daí que, quanto aos referidos débitos acumulados, se deve entender que a responsabilidade do Fundo de Garantia apenas respeita aos que respeitem a prestações vencidas a partir daquele referido momento.
Isto é o que decorre da aplicação dos princípios gerais em matéria de aplicação das leis no tempo sendo certo, porém, que a própria lei, ao revelar preocupações orçamentais, aponta, directamente nesse sentido.

De tudo se conclui que procede em parte o recurso pelo que, concedendo a revista, determinam que a responsabilidade do Fundo de Garantia das Prestação de Alimentos Devidos a Menores, no caso em apreço, está excluída quanto aos débitos acumulados respeitantes ao período anterior à entrada em vigor do DL 164/99 nos termos atrás expostos.
Sem custas.

Lisboa, 31 de Janeiro de 2002
Duarte Soares,
Abel Freire,
Ferreira Girão.