Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
131/16.5T8MAI-B.P1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ABRANTES GERALDES
Descritores: RECURSO DE REVISTA
REJEIÇÃO DE RECURSO
DECISÃO INTERLOCUTÓRIA
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
QUESTÃO FUNDAMENTAL DE DIREITO
FALTA DE TESTEMUNHAS
INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Data do Acordão: 03/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
Decisão Texto Integral:

A - Por apenso à execução para entrega de coisa certa que Habiluxo - Soc. Imobiliária, SA, move contra AA e BB, vieram estes deduzir embargos de executado.

No âmbito da audiência final foi proferido despacho que:

Admitiu a “inquirição da testemunha faltosa por via de motivo de doença, não se admitindo o requerimento em relação às restantes (DD, CC e EE), porquanto inexiste qualquer prova do motivo de impossibilidade de comparência das mesmas na data designada para a audiência de julgamento no dia de hoje.

Deste modo, proceder-se-á à inquirição das testemunhas presentes dos embargantes, designando-se nova data para inquirição da testemunha faltosa por via de se encontrar doente e impossibilitada de comparecer no dia de hoje, bem como das testemunhas da exequente que se encontram hoje presentes, nessa data a designar”.

Os embargantes interpuseram recurso de apelação que foi julgado improcedente.

Os embargantes vieram interpor recurso de revista, alegando, além do mais, que o recurso deveria ser admitido como revista excecional, com fundamento em contradição entre o acórdão recorrido e outro acórdão da Relação, ao abrigo do disposto no art. 672º, nº 1, al. c).

Na sequência de uma anterior intervenção deste Supremo Tribunal de Justiça, o recurso foi admitido pela Relação ao abrigo do regime especial previsto no art. 629º, nº 2, al. d), do CPC, uma vez que fora alegada a contradição entre o acórdão recorrido e outro acórdão da Relação.

Foi neste quadro que foi proferida, pelo ora Relator, decisão singular a rejeitar o recurso, uma vez que, afinal, não se verificava a alegada contradição.

É dessa decisão singular que decorre a intervenção, agora, da conferência.


B – Da decisão sob reclamação consta, além do mais, o seguinte:

“II – Recapitulemos o que de relevante interessa:

Consta da ata da audiência de julgamento o seguinte:

“Iniciada a presente audiência de julgamento, foi tentada a conciliação das partes, tendo-se a mesma frustrado, e pelo ilustre mandatário dos embargantes/executados, foi junto aos autos atestado médico a justificar a ausência da testemunha CC, o qual depois de lido e rubricado pelo Mº Juiz de Direito foi ordenada a junção do mesmo aos autos.

Seguidamente, pelo ilustre mandatário dos embargantes/executados, foi requerida a palavra, tendo a mesma pelo Mº Juiz de Direito, lhe sido concedida, no uso foi requerido:

A testemunha CC, conforme resulta do documento cujo a junção se requer, foi objeto de intervenção cirúrgica e dada a impossibilidade de sair de casa até ao próximo dia 24 do corrente mês, de acordo com o documento médico supra referido.

Nestes termos vem requerer a Vª Exª a designação de nova data para a inquirição dessa testemunha, a que tal não obsta o facto da testemunha ser a apresentar porquanto a parte só a poderá apresentar se ela poder sair de casa, tendo em conta o impedimento médico em que ela se encontra é manifesto que incorre e ocorre impossibilidade da apresentação da mesma.

Caso Vª Exª venha assim aceder o requerente aproveitará essa nova data para também ouvir as outras duas testemunhas faltosas, sendo que uma delas tem 93 anos de idade e não compareceu por questões de saúde e a outra porque ia-se deslocar ontem de ... e não conseguiu tendo em conta o temporal que impediu que o avião levantasse.

Dada a palavra ao ilustre mandatário da embargada/exequente, no seu uso disse:

A embargada, desconhece o teor do documento invocado, porém sempre tal como o ilustre colega referiu a testemunha é a apresentar, incumbindo-lhe esse ónus. O requerimento para requerer nova data para ouvir essas testemunhas não pode, porém, preterir a regra de em primeiro lugar serem ouvidas as testemunhas da embargante e posteriormente é que serão ou deverão ser ouvidas as testemunhas da embargante e posteriormente é que deverão ser ouvidas as testemunhas da embargada.

Por outro lado, relativamente à outra testemunha que se deslocaria do estrangeiro, parece-me que a sua falta não confere a prerrogativa de ser ouvida em nova data, porquanto repete-se é uma testemunha a apresentar e não está justificada sua impossibilidade de estar presente.

Assim sendo requer-se o indeferimento do requerido.

Seguidamente o Mº Juiz de Direito proferiu o seguinte despacho:

Admite-se a inquirição da testemunha faltosa por via de motivo de doença, não se admitindo o requerimento em relação às restantes porquanto inexiste qualquer prova do motivo de impossibilidade de comparência das mesmas na data designada para a audiência de julgamento no dia de hoje.

Deste modo, proceder-se-á à inquirição das testemunhas presentes dos embargantes, designando-se nova data para inquirição da testemunha faltosa por via de se encontrar doente e impossibilitada de comparecer no dia de hoje, bem como das testemunhas da exequente que se encontram hoje presentes, nessa data a designar.


Tendo sido interposto recurso de apelação, a Relação proferiu acórdão cujo sumário é o seguinte:

I – Hoje, a regra é a de que as testemunhas são apresentadas pelas partes, salvo se a parte que as indicou requerer, com a apresentação do rol, a sua notificação para comparência ou inquirição por teleconferência.

II - Relativamente à falta de comparência das testemunhas, a lei consagra o regime constante dos arts. 508º a 510º do CPC, não sendo de mais realçar que este regime é aplicável quer se trate de testemunha notificada, quer de testemunha a apresentar, uma vez que as normas em causa não distinguem.

III - Não é possível, à luz do direito processual civil português vigente, o adiamento do julgamento por falta de uma testemunha (508º, nº 2, do CPC).

IV - A falta justificada de testemunha poderá dar apenas lugar ao adiamento da sua inquirição (ou à sua substituição), adiamento que estará dependente da verificação de algum dos requisitos previstos na al. b) do nº 3 do art. 508 do CPC, sendo ademais necessário que a parte não prescinda da mesma.


Deste acórdão foi interposto recurso de revista cuja admissibilidade depende da verificação de uma contradição entre o acórdão recorrido e outro acórdão da Relação, nos termos do art. 629º, nº 2, al. d), do CPC, ex vi art. 671º, nº 2, al. a).

Para o efeito, os embargantes invocaram (embora noutro contexto normativo, em torno do art. 672º, nº 1, al. c)), o Ac. da Rel. de Guimarães, de 22-6-04, cujo sumário é o seguinte:

1 - Com as alterações introduzidas pela reforma do CPC de 1995/96, e decreto-lei 183/2000 de 10/08, aos artigos 631, 630 e 629 nº 2 e 3 do mesmo diploma, podem, atualmente, ser substituídas as testemunhas faltosas à inquirição que foram notificadas pelo tribunal, com as que as partes se obrigaram a apresentar.

2 - E, dentro do espírito reformista do legislador, se enquadra também a possibilidade de serem ouvidas noutra data, as testemunhas faltosas a uma diligência, que as partes se obrigaram a apresentar.

3 - Perante a falta de testemunhas a apresentar, por impossibilidade temporária de comparência, iniciada a diligência com as presentes, o juiz, para marcar nova data, com vista a serem ouvidas, terá de ponderar a situação de molde a certificar-se se a inquirição é indispensável a formar a sua convicção.

4 - No caso afirmativo, dentro dum prazo razoável, nunca superior a 30 dias, marcará nova data para continuar a diligência.

5 - No caso negativo, consigna na ata que não é necessária a sua inquirição para a descoberta da verdade.

Já em despacho anterior se assumiu que os recorrentes erraram na identificação do regime jurídico ajustado ao recurso que pretendem interpor, na medida em que se guiaram pelo art. 672º, nº 1, al. c), quando o caso se enquadraria no art. 629º, nº 2, al, c), que agora está em causa, por via da convolação que foi, entretanto, operada pela Relação, em supressão da nulidade declarada por este Supremo no apenso de reclamação introduzido ao abrigo do art. 643º do CPC.

Importa, pois, verificar se se confirma a aludida contradição, pois é disso que depende a admissibilidade da revista do acórdão da Relação que incidiu sobre decisão interlocutória.


III – Para efeitos de admissibilidade da revista ao abrigo do art. 629º, nº 2, al. d), existem diversos requisitos que devem ser observados sem os quais a revista não deve ser admitida.

Basta, por agora, retermo-nos no requisito da contradição, relativamente ao qual se pode dizer que o apuramento da contradição jurisprudencial obedecerá a critérios semelhantes aos que se referiram quanto à previsão da al. c) do nº 2 do art. 629º ou aos utilizados para efeitos de admissibilidade da revista excecional (art. 672º, nº 2, al. c)) (cf. os Acs. do STJ, de 1-3-18, 3580/14, de 11-2-15, 9088/05, e de 20-5-15, 321/12, em www.dgsi.pt).

É, pois, necessário que se verifique uma relação de identidade entre a questão de direito que foi objeto de uniformização jurisprudencial e a que foi objeto da decisão recorrida. Por outro lado, a decisão impugnada deve traduzir uma oposição frontal e não apenas implícita ou pressuposta em relação ao acórdão fundamento.

Ora no caso, não se verificam as condições de que depende a admissibilidade da revista ao abrigo do regime excecional do art. 629º, nº 2, al. d), do CPC

No caso sub judice estava em causa uma situação e que, a propósito do adiamento da inquirição relativamente a uma testemunha cuja falta fora justificada por doença, a parte pretendia que, se acaso fosse designado novo dia para a inquirição de tal testemunha, a parte pretendia aproveitar “essa nova data para também ouvir as outras duas testemunhas faltosas, sendo que uma delas tem 93 anos de idade e não compareceu por questões de saúde e a outra porque ia-se deslocar ontem de ... e não conseguiu tendo em conta o temporal que impediu que o avião levantasse”.

Foi nesse contexto que se decidiu rejeitar o pedido formulado pelo facto de não existir “qualquer prova do motivo de impossibilidade de comparência das mesmas na data designada para a audiência de julgamento no dia de hoje”.

Já no acórdão fundamento tratava-se de um caso em que se estava “perante uma situação em que a diligência iniciou-se com a inquirição das testemunhas presentes e, depois, foi requerido que fosse marcada nova data para serem ouvidas as testemunhas faltosas, invocando-se uma impossibilidade temporária de comparência”.

E a respeito dessa concreta situação, decidiu-se que “o juiz tinha a ponderar a situação, de molde a certificar-se se a inquirição era indispensável a formar a sua convicção ou não. No caso afirmativo, dentro dum prazo razoável, nunca superior a 30 dias, marcava nova data para continuar a diligência. Em caso negativo, consignava na ata que não era necessária a sua inquirição para a descoberta da verdade, e indeferia o requerido. O certo é que o não fez, como o impunha o art. 629º nºs 2 e 3, al. b), do CPC (de 1961).

Ou seja, estavam em causa situações de facto que, nos seus aspetos essenciais, não eram idênticas, de modo que o que foi decidido num dos casos não é incompatível com o que foi decidido no outro”.


C – na sua reclamação para a conferência alegam os embargantes que:

Aparentemente os dois acórdãos não divergem porque em ambos é fixada doutrina no sentido de que é possível inquirir testemunhas faltosas na data designada em audiência de julgamento, em data ulterior a ser fixada pelo Tribunal.

No entanto, enquanto no acórdão fundamento a designação de nova data depende da ponderação pela Mª Juíza acerca da indispensabilidade dessa inquirição à formação da sua convicção, no acórdão recorrido é apenas necessário que a parte declare que não prescinde das testemunhas faltosas.

Em ambos os processos a parte que requereu de nova data para a inquirição de testemunhas faltosas não declarou que não prescindia delas. Mas também em ambos os processos tal declaração não era necessária porque a não prescindibilidade das testemunhas faltosas deduz-se de factos que, com toda a probabilidade a revelam (art. 217º do CC).

Com efeito a declaração nos termos daquela norma pode ser expressa ou tácita e, pelo simples facto de ter requerido a inquirição das testemunhas em outra data, os oponentes estão a declarar que não prescindem da sua inquirição.

Na douta sentença a quo exige-se uma declaração expressa por parte dos oponentes, exigência essa que não tem qualquer fundamento legal, por isso que a doutrina do acórdão recorrido, apesar de o não dizer com clareza, condiciona a inquirição das testemunhas faltosas à existência de uma declaração expressa de não prescindibilidade dessas testemunhas, exigência essa sem fundamento legal porquanto a declaração pode ser expressa ou tácita e do simples facto de os recorrentes terem requerido a inquirição das testemunhas faltosas resulta que não prescindem delas.

Aliás na prática forense a prescindibilidade da testemunha é que tem de ser declarada expressamente.

Se bem ajuizamos a douta decisão singular não emitiu pronúncia acerca das questões constantes das alegações de recurso e levadas às conclusões III a X do recurso e que é causa de nulidade da decisão por omissão de pronúncia nos termos do art. 615º, nº 1, al. d) (ex vi dos arts. 666º, nº 1 e 679º) todos do CPC.

Aliás, a decisão vai verificar a eventual existência da contradição não entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, mas antes entre a decisão de 1ª instância e o acórdão fundamento.

Se o acórdão recorrido se tivesse limitado a confirmar a decisão de 1ª instância nada obstaria de substancial, mas a verdade é que o acórdão recorrido mantém a decisão de 1ª instância “se bem que com fundamentação distinta”.

É nesta fundamentação distinta do douto acórdão recorrido que se surpreende a questão de direito sobre a qual incide a divergência jurisprudencial.

E a questão de direito, segundo cremos, é a de saber se a inquirição das testemunhas faltosas na data de audiência de julgamento depende da ponderação pela Mª Juíza acerca da indispensabilidade dessa inquirição à formação da sua convicção ou se depende tão somente de que a parte que as ofereceu declare que não prescinde delas.

Os recorrentes sustentam que ocorre contradição jurisprudencial na doutrina dos dois acórdãos sobre esta questão de direito e daí peticionarem a admissão do recurso.

A parte contrária respondeu, advogando o indeferimento da reclamação.


D - Decidindo:

Como se referiu na decisão singular sob reclamação, a admissibilidade da revista está condicionada pela verificação de uma contradição entre o acórdão recorrido e outro acórdão da Relação. Contradição que, como vem sendo decidido uniformemente por este Supremo Tribunal de Justiça, a respeito dos arts. 671º, nº 2, al. a) e 629º, nº 2, al. d), ou de outras normas que prescrevem semelhante exigência (v.g. art. 672º, nº 1, al. c)), deve verificar-se relativamente à uma questão de direito substancialmente idêntica: Além disso, deve ser direta e não meramente pressuposta.

Ou seja, para que algum recurso de revista seja admitido em casos como o presente, ao abrigo do art. 629º, nº 2, al. d), do CPC, é necessário que, confrontando o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, se comprove uma relação de incompatibilidade entre ambos que seja assente na mesma ratio decidendi. É necessário, pois, que as respostas assumidas em cada um dos arestos sejam inconciliáveis, traduzindo resultados diferentes a partir da mesma realidade substancial.

Ora, basta o encadeamento de factos e de alegações que foram expostos para se concluir que tal situação de incompatibilidade não se verifica.

Com efeito, no caso sub judice, estava em causa uma situação em que, a propósito do adiamento da inquirição relativamente a uma testemunha cuja falta fora justificada por doença, a parte pretendia que, se acaso fosse designado novo dia para a inquirição de tal testemunha, se aproveitasse “essa nova data para também ouvir as outras duas testemunhas faltosas, sendo que uma delas tem 93 anos de idade e não compareceu por questões de saúde e a outra porque ia-se deslocar ontem de ... e não conseguiu tendo em conta o temporal que impediu que o avião levantasse”.

Foi nesse contexto que se decidiu rejeitar o pedido formulado pelo facto de, afinal, não existir “qualquer prova do motivo de impossibilidade de comparência das mesmas na data designada para a audiência de julgamento no dia de hoje”. Decisão que foi confirmada pelo acórdão recorrido.

Já no acórdão fundamento tratava-se de uma situação em que a diligência se iniciou com a inquirição das testemunhas presentes, sendo, depois, requerida a marcação de nova data para serem ouvidas as testemunhas faltosas, invocando-se uma impossibilidade temporária de comparência.

Tal foi objeto de decisão do Mº juiz de 1ª instância no sentido de que tinha de certificar-se se a inquirição era indispensável a formar a sua convicção ou não. No caso afirmativo, dentro dum prazo razoável, nunca superior a 30 dias, marcaria nova data para continuar a diligência; em caso negativo, consignaria na ata que não era necessária a sua inquirição para a descoberta da verdade, e indeferia o requerido. O certo é que o não fez, como o impunha o art. 629º nºs 2 e 3, al. b), do CPC de 1961).

Ou seja, nos arestos em confronto estiveram sob análise situações de facto que, nos seus aspetos essenciais, não são idênticas, o que permite concluir que o que foi decidido no caso concreto não é incompatível com o que foi decidido no caso apreciado no acórdão fundamento.

Também não procede a arguição de omissão de pronúncia, na medida em que estava sob apreciação, por ora, era apenas a admissibilidade do recurso. Da sua admissão dependia a apreciação do respetivo mérito, o que naturalmente se mostra prejudicado pelo facto de não ter sido admitido o recurso de revista.

Não tinha, pois, o ora relator, nem tem, agora, a conferência de emitir qualquer pronúncia sobre questões ligadas ao respetivo objeto.


Face ao exposto, acorda-se em indeferir a reclamação, confirmando-se a decisão singular.

Custas a cargo dos reclamantes, com taxa de justiça de 2 UC.

Notifique.

Lisboa, 25-3-21


Abrantes Geraldes (relator)

Tomé Gomes

Maria da Graça Trigo